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Livros Acadêmicos

4.2 Conhecimento do uso de plantas medicinais da comunidade Joaquim do Boche, situada no município de Tangara da Serra – MT

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Josué Ribeiro da Silva Nunes [1]

Julieth Almeida de Castro [2]

Rogério Benedito da Silva Añez [3]

Patrick Rodrigues Fleury Cabral [4]

Nasson Delgado de Arruda [5]

 DOI: 10.32749/nucleodoconhecimento.com.br/livros/775

 

Atualmente enfrentamos uma crise na biodiversidade, causado por vários fatores podendo ser citados, o desmatamento, a substituição da vegetação ativa, por monocultura, o uso da madeira de diferentes formas o que tem levado espécies de plantas a ameaça de extinção, e cerca de 380 espécies mundiais estão na lista de espécies ameaçadas, o que faz com que as demais espécies que dependem dessas para sobreviver também corram risco (HOEFFEL et al 2011).

As plantas de uso medicinal também têm sofrido decréscimo tanto pela dificuldade em serem encontradas quando pelo menor número de pessoas que conhecem as formas de uso. No Brasil existem uma diversidade de uso e formas peculiaridades de tratamento com plantas, com concepções, opiniões, valores, conhecimentos, práticas e técnicas diferentes, que precisam ser incorporadas e respeitadas no cotidiano, influenciadas por hábitos, tradições e costumes (SILVA 2013).

A utilização das plantas é um hábito que é passado de geração a geração ao longo do tempo e que tem como forma de perpetuação essa transmissão de conhecimento (ARAUJO & OLIVEIRA 2001).

Este conhecimento vem, ao longo dos anos, se constituindo em um importante fator socioeconômico das comunidades rurais ARGENTA (2011). Em muitas comunidades, o conhecimento e utilização de plantas representam a única opção de tratamento ou de prevenção de enfermidades, em razão do restrito acesso aos programas de saúde (SILVA 2013).

O conhecimento tradicional pode ser entendido como “o conjunto de saberes e saber-fazer a respeito do mundo natural e sobrenatural, transmitido oralmente, de geração em geração” e somente pode ser corretamente interpretado dentro do contexto cultural em que é gerado (DIEGUES; ARRUDA, 2001, p. 31).

O conhecimento das plantas medicinais e de seu uso, tem sido o único recurso terapêutico de muitas comunidades tradicionais e grupos étnicos (CUNHA, 2003; AZEVEDO; SILVA 2006), como os índios em algumas regiões do Brasil.

Os medicamentos são exclusivamente preparados com plantas medicinais ou parte delas (raízes, cascas, folhas, flores, frutos ou sementes), no qual possuem propriedade fundamental na cura e na prevenção de algumas doenças.

Esta pesquisa tem por objetivo relatar a existência e o conhecimento popular e cultural da comunidade Joaquim do Boche situado cerca de 15km do município de Tangara da Serra – MT.

Materiais e Métodos

A pesquisa foi realizada na comunidade Distrito Joaquim do Boche, localizada cerca de 15 km do município de Tangara da Serra- MT. O distrito Joaquim do Boche fica cerca de 5 km da rodovia MT 358, no qual dá acesso a capital do estado.

A Pesquisa foi realizada no dia 26 de novembro de 2013, sendo selecionadas 8 residências de diferentes famílias.

Foram feitas entrevistas com moradores da região, no qual o mesmo respondia um questionário de 16 perguntas referente seu conhecimento das plantas medicinais, o modo de uso, para que tipos de doenças são usados e outros. Foram realizados registros fotográficos das espécies utilizadas na comunidade.

Resultados e Discussão

Foram realizadas entrevistas em oito residências da comunidade Joaquim do Boche, como as entrevistas forma realizadas nos períodos da manhã e tarde a maioria dos homens não estavam em casa, sendo assim a maioria dos entrevistados foi do sexo feminino e somente um do sexo masculino. Os entrevistados apresentaram idade variando entre 20 a 75 anos, no qual muitos deles mostraram grande experiência no uso das plantas.

Foram citadas pelos entrevistados 57 espécies de plantas com uso medicinal: hortelã-pimenta (Mentha piperita), gengibre (Zingiber officinalis) poejo (Mentha pulegium), artemísia (Chrysanthemum parthenium), boldo (Peumus boldus), funcho (Foeniculum vulgare), erva cidreira (Melissa officinalis), alecrim (Rosmarinus officinalis), quebra-pedra (Phyllanthus niruri L.), afavaca (Ocimum basilicum) entre outras (tabela 1).

Dos entrevistados 78% relataram ter aprendido sobre o conhecimento das plantas medicinais com seus ascendentes (pais e avós principalmente) e 22% relatou ter aprendido sozinho e buscando informações por meio de pesquisas. (figura 1).

Figura 1: Formas de aquisição de conhecimento sobre plantas medicinais, citados pelos entrevistados.

Formas de aquisição de conhecimento sobre plantas medicinais, citados pelos entrevistados.

Com relação a forma de aquisição das plantas para uso medicinal, foram citadas quatro formas de aquisição pelos entrevistados sendo que 34% cultivam nos seus quintais, 33% adquirem com vizinhos já conhecidos por cultivar as plantas medicinais. Apenas 8% dos entrevistados adquirem as plantas na em local que eles denominaram de matas fechadas que são vegetações nativas, muitos argumentam que pelo fato de eles estarem cercados por plantação de cana de açúcar o acesso a vegetação nativa ficou distante e como não possuem condução ficarão sem acesso.

25% das pessoas entrevistada diz comprar algumas especiarias na feira da cidade, como cascas, folhas, garrafadas e mel (Figura 2).

Figura 2: forma de aquisição ou cultivo das espécies utilizadas como medicinais ela comunidade de Joaquim do Boche.

forma de aquisição ou cultivo das espécies utilizadas como medicinais ela comunidade de Joaquim do Boche

Com relação a forma de uso das plantas medicinais, apenas uma senhora disse usar em forma de garrafada, os demais utilizam fervendo as partes da planta, ou deixando de molho, ou fervendo a água e depois colocando as partes das plantas dentro para abafar entre outras formas de preparo.

As plantas medicinais têm melhorado no tratamento de muitas pessoas. Pois, são empregadas em diferentes regiões do mundo, e na maioria das vezes as indicações de preparo e finalidade estão em concordância com a literatura científica (Pessoa et al 2018, Garcia & Nunes 2021).

Tabela 1: lista livre de espécies de plantas medicinais citadas pela comunidade de Joaquim do Boche.

Nome vulgar Parte usada Propriedades/indicação Nome científico
Abacate Semente Rim Persea americana
Abobora Semente Dor, diarréia Cucurbita pepo
Alecrim Folha Berruga/tônico/estimulante/circulatório. Rosmarinus officinalis
Alevante Toda a planta Calmante, vermífugo Mentha spicata
Alfavaca Folhas Digestiva, dores estomacais, gases, febre. Oncimum basilicum
Algodão Folha Antibiótico Gossypium spp
Alho Bulbos Gripe, xarope, bronquite Allium sativum
Anador Folha Dores Justicia pectoralis
Anil Toda a planta Antibiótico, diarréia Indigofera tinctoria 
Arruda Folha/broto Olho/alivio, calmante, mestruação Ruta graveolens
Babosa Folha Câncer, cabelo Aloe vera
Barbatimão Casca Banho, anti-diarréico, anti- hemorrágico Stryphnodendron barbatimão)
Batata doce Folha Lavar os dentes Ipomoea batatas
Berinjela Fruto Emagrecer, diabete Solanum melongena
Boldo Folha Estômago, digestão Plectranthus barbatus Andrews
Buriti Broto Pressão alta Mauritia flexuosa
Caju do mato Casca Chá/antibiótico. Anacardium occidentale 
Camomila Flores/folha Calmante, função digestiva, enxaqueca Matricaria camomilla
Cana Broto Pressão alta Saccharum officinarum 
Canela Casca/ folha Xarope, calmante, analgésica Cinnamomun zeylanicum
Cavalinha Folhas e caules Circulação, hipertensão, rins Equisetum arvense
Coco Casca ceco Rins Cocos nucifera
Cravo da india Flores Digestivo, gases, anticéptico Caryophyllus aromaticus
Douradinha Folha Rins, infecção Cordia trichoclada
Embaúba Cecropia pachystachya
Erva cidreira Folha Gripe, calmante Melissa officinalis
Erva doce Sementes Xarope, tosse, cólica intestinal, vômito, lactação, estimulante Pimpinella anisum
Erva santa maria Folha, caule e raiz Antibiótico, machucado Lepidium virginicum
Espada de são Jorge Folha Banho, pele e simpatia Sansevieria trifasciata
Fava Folha/ sumo Pele,  impinge Phaseolus lunatus
Figueira Casca Cicatrizante/machucado Ficus guaranitica
Gengibre Raiz Circulação, gripe, bronquite Zingiber  officinale
Goiaba Folha Dor de barriga Psidium guajava
Hortelã Folha Xarope, febre Mentha grandiflora
Jatobá Casca Xarope, bexiga Hymenea courbaril
Laranjeira Folha Xarope, gripe, dor de cabeça Citrus sinensis
Limoeiro Folha e fruto Xarope, gripe Citrus limon
Losna Folha Cólica menstrual, infecção, coração Artemisia absinthium
Mamão Flor/macho Dor de barriga, cólica intestinal Carica papaya
Manjericão Folha Xarope, gripe Ocimum basilicum
Milho de pipoca Sementes Catapora Zea mays
Nos moscada Fruto Bronquite Myristica fragrans
Pega pinto Toda a planta Calmante, hepatite, vesícula, antiinflamatória Boerhavia diffusa 
Pimenta Folha Ferimento Capsicum sp
Pimenta do reino Sementes Gripe Piper nigrum
Pimenta malagueta Curtido Olhos/vista Capsicum sp
Pinhão grande Líquido do caule e folha Ferimento Jatropha curcas
Pinhão roxo Líquido do caule e folha Berruga Jatropha gossypiifolia
Poejo Folha Gripe Mentha pulegium
Romã Flor/fruto Gripe, infecção, bronquite Punica granatum 
Rosa branca Flor Intestino, olhos Rosa Alba.
Rubim Folha Diarréia Leonotis nepetaefolia
Sangra d’água Casca Antibiótico Croton urucurana
Sapé Folha e caule Sapinho, boca Imperata brasiliensis
Sene Folha Febre, cólicas, mancha na pele Cassia angustifolia
Terramicina Folhas Antibióticos Alternanthera dentata
Tansagem Folha/sumo Infecção, emagrecer, cicatrizante Plantago major 

Segundo uma entrevistada que faz uso de garrafadas, uma das indicações é bronquite, onde a preparação é composta por várias plantas como: cravo, canela, embaúba, nos moscada, vinho branco açúcar e água.

O cultivo nas residências segundo os entrevistados é apenas para uso próprio, e as mudas ou partes das plantas são passadas para os vizinhos, tanto para uso quanto para aumentar os quintais com cultivo para garantir a permanência da espécie vegetal no local.

Uma das entrevistadas de 67 anos, dona de casa, cultiva várias plantas como mostra as figuras abaixo, e cita que é muito procurada pelos vizinhos e mesmo por pessoas de fora devido as plantas que cultivam em seu quintal (Figura 3).

Figura 3: Espécies de plantas medicinais cultivadas no quintal de uma das entrevistadas na comunidade Joaquim do Boche, a: anil, b: alfavaca, c:alecrim, d: romã, e e f: terramicina.

Espécies de plantas medicinais cultivadas no quintal de uma das entrevistadas na comunidade Joaquim do Boche, a anil, b alfavaca, calecrim, d romã, e e f terramicina

As plantas mais citadas nas entrevistas foram alho, alfavaca, camomila, canela, hortelã, poejo, erva doce e erva cidreira (Figura 4).

Entre os entrevistados foram citados como principais usos dessas espécies a preparação de xaropes e chás para crianças, bem como encontrado em Silva & Silva (2020), Santos & Miguel (2019).

Figura 4: Espécies de plantas medicinais mais citadas pelo uso e cultivo na comunidade Joaquim do Boche.

Espécies de plantas medicinais mais citadas pelo uso e cultivo na comunidade Joaquim do Boche

Foi também citado com frequência pelos moradores da comunidade a necessidade em alguns casos do uso de antibiótico e que eles fazem uso do antibiótico natural que é a terramicina, com o qual eles têm mais afinidade e sabem a forma de preparar e que acreditam correr menos riscos usando esse antibiótico.

Conclusões

O presente estudo teve o objetivo identificar o conhecimento de plantas medicinais da população do distrito Joaquim do Boche. As pessoas que mais utiliza esse tipo de recurso são os idosos, por possuir maior conhecimento e experiência vinda ao longo do tempo pelas famílias.

O número de espécies de uso medicinal citados pela comunidade é grande especialmente quando considerado que a grande maioria das espécies são cultivadas pois o acesso a áreas naturais tem sido cada vez menor, devido ao avanço da monocultura.

Referência

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[1] Professor Adjunto de Ecologia Universidade do Estado de Mato Grosso UNEMAT.

[2] Bióloga Universidade do Estado de Mato Grosso UNEMAT.

[3] Professor Adjunto de Botânica Universidade do Estado de Mato Grosso.

[4] Biólogo, mestre em Biociência Animal, doutorando Biociência Animal pela Universidade de Cuiabá – UNIC.

[5] Bacharel em Administração (UNIRONDON), Mestre em Teologia (FABAPAR), Professor IFMT.

Josué Ribeiro da Silva Nunes

Josué Ribeiro da Silva Nunes

Professor Adjunto de Ecologia Universidade do Estado de Mato Grosso UNEMAT.

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Capa do Livro

Reflexões, Proposições e Desafios na Construção do Conhecimento Acadêmico e Científico no Brasil: 2022

DOI do Capítulo:

10.32749/nucleodoconhecimento.com.br/livros/

775

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