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Livros Acadêmicos

1.5 Os ecossistemas comunicacionais: uma pedagogia da dialogicidade democrática nos espaços escolares

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Tiago Silvio Dedoné [1]

DOI: 10.32749/nucleodoconhecimento.com.br/livros/718

 

Sistematizar os códigos para a linguagem verbal ou escrita é uma das principais estratégias para mobilizar uma comunicação eficaz, principalmente quando esta ação norteia os sentidos dialógicos nos ambientes de socialização. Este processo de ampliação de coeficientes comunicacionais, embasado em concepções semânticas, de significados, norteiam uma área de pesquisa contemporânea muito atrelada aos campos da interface comunicação e a educação: os ecossistemas comunicacionais.  O campo destaca uma ótica empregada nos estudos da cognição e a comunicação, ou seja, o estudo da forma como o fluxo informacional, dialógico, circula pelas relações sociais.

Entende-se que este processo de reconhecimento do papel da comunicação enquanto instrumento de embates subjetivos e construção de sentidos, afirma um caminho importante para a democratização dialógica nos ambientes de troca de saber, como a escola, por exemplo, e organiza, de forma horizontal, a troca do saber. Ao investir em coeficientes ampliados da comunicação, os atores sociais promovem embates de culturas, visões, leituras subjetivas, sentidos. A consequência disso é a construção de novas percepções sociais e culturais. Este embate subjetivo norteia alguns paradigmas discursivos que antes determinavam os processos de gestão e hierarquização em muitos ambientes.

Como a perspectiva deste presente artigo é a investigação das intersecções entre os campos da educação e a comunicação, a temática do ecossistema comunicacional democrático muda o jeito de fazer gestão educacional, pois convida os atores e gestores dos espaços escolares à repensarem sobre o papel da comunicação, enquanto essência fundamental para um processo de intercomunicações; ou seja, analisa como é o diálogo entre os atores sociais que circulam por este ambiente, consolidando-o como instrumento afirmativo para a solução de conflitos, gestão de crises e proposições. Decodificar onde o fluxo comunicacional encontra os maiores ruídos e barreiras faz-se necessário quando se anseia a implementação de uma ação dialógica aberta.

O desafio para o educador ou gestor da educação está na absorção conceitual sobre o papel do diálogo na emancipação dos atores da escola. Assim, alfabetização midiática implica uma formação que esteja respaldada em um processo que forneça oportunidade para ouvir e compreender o aluno.

Freire (2015), portanto, pontuou a necessidade de que o sujeito tenha conhecimento, não aquele recebido passivamente, mas, sim, aquele que requer sua presença curiosa e provocadora, que instiga uma busca constante por respostas e necessita que o sujeito veja o mundo de forma curiosa.

Dessa forma, ele trouxe à luz a essência social do diálogo, como demonstra o trecho a seguir:

O que se pretende com o diálogo, em qualquer hipótese, (seja em torno de um conhecimento científico e técnico, seja de um conhecimento “experiencial”), é a problematização do próprio conhecimento em sua indiscutível reação com a realidade concreta na qual se gera e sobre a qual incide, para melhor compreendê-la, explicá-la, transformá-la (FREIRE, 2015, p. 65).

Esta perspectiva construtivista do papel do diálogo num ambiente, onde encontram-se tantas subjetividades, contribui, e muito, com o redirecionamento ótico dos projetos político-pedagógicos que norteiam os planejamentos de gestão ao longo do ano. A teoria que converge estes dois campos do saber e do pensar – a comunicação e a educação -, busca, como proposta, apresentar as ferramentas da comunicação instrumental, como o jornal, o rádio, o podcast, o audiovisual, a fotografia e outros, como aporte para que este fluxo comunicacional aberto e democrático auxiliem os educadores e a instituição escolar na ampliação de conhecimentos e dinamizações para os processos de ensino – aprendizagem. De acordo com Martin-Barbero (1998), a instituição educativa muda quando redireciona sua ótica cultural e papel social, permitindo a inserção das tecnologias e a ciência, oportunizando as formas de ler o mundo.

Na relação entre Educação e Comunicação, a última quase sempre é reduzida a sua dimensão puramente instrumental. É deixado de fora o que é justamente estratégico pensar: que é a inserção da educação nos complexos processos de comunicação da sociedade atual, ou falando de outro modo, pensar no ecossistema comunicativo que constitui o entorno educacional difuso e descentrado em que estamos imersos. Um entorno difuso, pois está composto de uma mescla de linguagens e saberes que circulam por diversos dispositivos mediáticos, mas densa e intrinsecamente interconectados; e descentrados pela relação com os dois centros: escola e livro que a vários séculos organizam o sistema educacional (MARTÍN-BARBERO, 1998, p. 215).

Esta leitura remete a observação de que o conceito do ecossistema comunicacional não interfere apenas no desenvolvimento social e cultural dos atores envolvidos no ambiente. Não é apenas uma perspectiva orgânica. Influência, fundamentalmente, todo um conjunto de estruturas inorgânicas – a gestão, a política interna, a infraestrutura do espaço físico, o fomento de projetos de integração da comunidade escolar.

Observar as análises discursivas, promover aspectos que relacionem a compreensão do papel das estruturas de linguagem no processo de emancipação dos alunos, atuar na perspectiva da dinamização de ensino e aprendizagem, despertar para a prática da leitura e da escrita e, principalmente, atuar na perspectiva da educação para os meios de comunicação, são algumas das reflexões importantes da moderna educação.

Portanto, faz-se necessário respeitar a prática do ouvir. Decodificar os processos de construção da informação da mídia de massa, também dentro da escola, para não correr o risco de reproduzir (quando eu divulgar e trabalhar em atividades pedagógicas) a ausência de pluralidade e de diversidade característica da mídia de massa.

Observa-se, também, que esta perspectiva se faz importante para o processo de emancipação educacional pois aponta-se como uma pedagogia de projetos. Ou seja: o desenvolvimento e produção dos recursos da comunicação na escola contribuem com a ampliação dos ecossistemas comunicacionais entre os atores sociais que permeiam pelo cenário escolar. E isso precisa ser trabalhado desde a formação docente. Além disso, auxilia na modernização do sistema de ensino, atua no redirecionamento de ótica da gestão educacional – quando contempla o enriquecimento dialógico -, bem como desperta talentos, habilidades, competências, planos pedagógicos diferenciados.

Orofino (2005) expressa a importância das práticas educativas em comunicação, em intervenção nos ambientes educacionais, justamente para poder configurar-se como o mediador dos sentidos. Isso quer dizer que a comunicação precisa ser vista muito além dos aparatos tecnológicos, mas, se fazem uso deles como ferramentas para o entendimento do processo.

A educação, segundo Freire (1987, p. 69): “é comunicação, é diálogo, na medida em que não é transferência de saber, mais um encontro de sujeitos interlocutores que buscam a significação dos significados”. Na obra Pedagogia da Autonomia, Freire (1987) faz uma observação fundamental para entendermos o papel social da escola e dos atores na produção do saber e do pensar, destacando que esta é uma manifestação natural da experiência de formação humana.

O psicólogo e linguista russo Vygotsky (1991), que também permeia pela educação pautada na ampliação do coeficiente comunicacional, aprofunda o conceito de aprendizagem como processo social, interacionista, enquanto o sujeito aprende na troca subjetiva com o outro.

O desafio da educação no século 21 é proporcionar ferramentas que dinamizem os ecossistemas comunicacionais nos espaços múltiplos do saber e do pensar. Ensinar língua portuguesa – a língua materna – nesta perspectiva contemporânea, requer algumas quebras de paradigmas importantes, entre as quais, a proposição de novas ferramentas que modernizem o sistema dialógico, o fluxo informacional e o desenvolvimento das habilidades. Mas é claro que, para isso, faz-se necessário ensinar o aspirante a decodificar os processos de construção da comunicação para, em sequência, poder usar estes novos mecanismos em seus planos de aula.

Mais do que apenas aprender a fazer um vídeo, uma foto, um blog, um podcast, um jornal, o professor precisa aprender quais aspectos orbitam em torno deste binômio comunicação e educação. Também há uma outra perspectiva de expectativa: o enriquecimento dos coeficientes comunicacionais democráticos dentro destes cenários educativos. E isso não é elemento palpável, mas de intenso valor quando falamos sobre possibilitar recursos que, além do conteúdo programático, proporcione cidadania, lugar de fala, emancipação.

Nessa ótica, fundamenta-se a necessidade de a comunidade escolar rever constantemente seu papel dentro do cenário sociopolítico-cultural, no qual está inserida e apropriar-se, cada vez mais, da consciência transformadora e libertadora, a qual acredita-se que traga enraizada plenamente em sua essência. A comunicação é o caminho.

Não é de hoje que se debate a importância de se estabelecer uma relação teórico-prática entre os campos da educação e comunicação, partindo dos referenciais das estruturas de linguagens. Teórica, que proporcione a possibilidade de fornecer conceitos e paradigmas de análise para as ações experimentais que acontecem no cotidiano e que buscam minimizar os distanciamentos entre o modelo educacional hegemônico e a realidade cada vez mais marcada pela forte presença dos meios de comunicação e de informação de massa na sociedade, na vida dos estudantes e dos professores. Prática, que dê conta do cotidiano contraditório da sala de aula, no qual muitos exemplos e representações ditados por esses mesmos meios determinam cada vez mais a ação educativa e os processos de aprendizagem.

A interface entre a Comunicação e a Educação exige um novo pensar que reestruture os formatos pedagógicos e propõe novas estratégias de intervenção na sociedade que possibilite responder os processos mediáticos e educacionais contemporâneos, perpetuando um fluxo informacional e dialógico enriquecido nas bases da linguagem culta. Esta reflexão afirma-se na medida em que, tanto o desenvolvimento tecnológico quanto as diversas alterações econômicas e sociais, como produtores de novos padrões culturais, têm colocado em pauta para a escola a necessidade de um reposicionamento diante do que dela se exige: encaminhamentos intencionais que preparam as pessoas para a inserção crítica e intervencionista na sociedade.

A comunicação apresenta-se como elemento-chave no planejamento, execução e avaliação de todo o processo ensino-aprendizagem, isto é, a gestão da comunicação é parte integrante da gestão de projetos educacionais.

A educação, hoje, vive o desafio de desenvolver-se sob novos princípios, de reconstruir-se sob um novo paradigma. Não mais é possível adotar currículos tradicionalistas. A sociedade da informação, a sociedade em rede, impõe novas demandas aos indivíduos exigindo que sejam abertos às informações novas que surgem a cada momento e capazes de aprender relacionando os conhecimentos das diversas áreas de conhecimento do mundo.

Tudo isso só é possível quando, na formação docente, estas reflexões e ferramentas são disponibilizadas. Vale destacar, aqui, portanto, que as formatações profissionais que imperam com as novas metodologias ou instrumentais estão relacionadas com a subjetividade do sujeito professor – suas relações, experiências, superações, suas leituras e formas de entendimento e aplicação destas novas formatações. Isso porque toda prática docente é influenciada pelas marcas deixadas na história do sujeito. Por isso, o ser professor não pode estar desvinculado do eu pessoal e do eu profissional (NÓVOA, 1995). Esse eu pessoal, que contribui para o ser professor, apresenta-se na forma da cultura vivida pelo professor ao longo da sua vida. E isso o ajuda a pavimentar caminhos para entender os novos conceitos, associá-lo à sua prática.

Josso (2004) vai nos chamar a atenção para dizer que a dialética entre saber e conhecimento, interioridade e exterioridade, entre individual e coletivo, estão sempre presentes na elaboração de uma vivência em experiência formadora. A intersecção de sentidos na relação entre os sujeitos, se opera dentro da esfera do diálogo enriquecido para o entendimento das aspirações, desafios, conflitos, perspectivas do sujeito; portanto, suas memórias, identidades, narrativas, no processo de ampliação dos conhecimentos.

Conclusão

Os novos tempos e as novas propostas educativas voltadas à formação de um docente bem-informado sobre as perspectivas da cultura digital, também chama para uma leitura de que os sujeitos que opera estas dinâmicas são subjetivos, com identidades e memórias que precisam, portanto, estarem presentes, relacionando com a prática formadora.

A reflexão e a prática são aspectos que caminham juntas, já que precisam dar sentido aos processos. E isso se opera na comunicação ampliada nos espaços da formação humana. Dinamizar as práticas de intersecção entre os campos tão múltiplos dos processos de ampliação de conhecimentos, e trazê-los para o constructo de fundamentações que dinamizam a prática docente e a percepção do professor enquanto agente protagonista de transformações (pessoal e coletiva), são estratégias que ajudam a modernizar o sistema de ensino, tornando-o mais orgânico e menos funcionalista, mais horizontal e menos burocrata; e, claro, muito mais revolucionário. É preciso instigar o professor e os agentes da educação à curiosidade que transforma sentidos.

A presença cada vez mais crescente e expansiva dos meios de comunicação de massa na vida cotidiana propõe um desafio múltiplo e muito profundo: redirecionar os paradigmas do processo de aquisição de conhecimentos no âmbito da formação dos professores e ampliar os conceitos que orbitam em torno dos campos da educação e da comunicação.  Como pavimentar uma estrada que proporcione uma formação adequada em tempos de avanços de tecnologias da educação? Como formar professores, no século 21? Como ajudar a construir novas arquiteturas curriculares, aportadas em mediações tecnológicas? Como o professor, sujeito de tantas experiências, pode ajudar a escola a manter um olhar para a inclusão e para a essência do ato de educar, instigando o aluno a reconhecer-se, também, como sujeito de memórias, subjetividades, culturas e identidades, aspectos que fundamentam emancipações? Como estabelecer, concretamente, a linha tênue entre os avanços das ferramentas, mecanismos e instrumentos tecnológicos na educação, com a missão de provocar sentidos nesta nova escola que se faz presente e que se prospecta ainda mais desafiadora? Qual o papel da comunicação neste constructo?

Estas questões, contemporâneas, ajudam a educar o olhar sobre o novo tempo e a perceber que a escrita memorial da dinâmica experiência humana se faz absolutamente presente na formatação de novas leituras na prática docente – e na instituição -, contribuindo para a formatação de ecossistemas comunicacionais emancipatórios nestes espaços de formação.

Referências

FREIRE, P. Cartas à Guiné-Bissau: Registro de uma experiência em processo. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1978.

______, Paulo. Extensão ou Comunicação? 17. ed. São Paulo: Paz e Terra, 2015.

______, Pedagogia do oprimido. 17. ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1987.

JOSSO, Marie – Christine. Experiências de vida e formação. São Paulo: Cortez, 2004.

MARTÍN-BARBERO, J.M. La educación desde la comunicación. Buenos Aires: Grupo Editorial Norma, 2002. .

NÓVOA, António (Org.). Profissão professor. 2. ed. Portugal: Porto Editora, 1995.

OROFINO, Maria Isabel. Mídias e mediação escolar: pedagogia dos meios, participação e visibilidade. São Paulo: Cortez: Instituto Paulo Freire, 2005. v. 12. (Guia da escola cidadã; v.12). 2005.

VYGOTSKY, Lev Semyonovich.  A formação social da mente: o desenvolvimento dos processos psicológicos superiores. 4. ed. Trad. José Cipolla Neto, Luís Silveira Menna Barreto, Solange Castro Afeche. São Paulo: Martins Fontes, 1991.

[1] Mestre em Formação de Gestores Educacionais (UNICID); Doutorando em Educação (PUC – PR); Doutorando em História (UPF – RS). Bacharel em Comunicação Social – Jornalismo; Licenciaturas em Pedagogia, Letras e suas Literaturas, Letras – Libras; pesquisador membro da Associação Brasileira de Pesquisadores e Profissionais em Educomunicação (ABPEducom).

Tiago Silvio Dedoné

Tiago Silvio Dedoné

Mestre em Formação de Gestores Educacionais (UNICID); Doutorando em Educação (PUC – PR); Doutorando em História (UPF – RS). Bacharel em Comunicação Social - Jornalismo; Licenciaturas em Pedagogia, Letras e suas Literaturas, Letras - Libras; pesquisador membro da Associação Brasileira de Pesquisadores e Profissionais em Educomunicação (ABPEducom).

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Capa do Livro

Reflexões, Proposições e Desafios na Construção do Conhecimento Acadêmico e Científico no Brasil: 2022

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