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Livros Acadêmicos

1.6 Intersecções entre a comunicação e a educação: tecendo reflexões sobre a educomunicação

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Tiago Silvio Dedoné [1]

DOI: 10.32749/nucleodoconhecimento.com.br/livros/722

 

Comunicação e educação, segundo Morán (2002), se perpetuam interligadas, ressaltando que a informação é processada de várias formas, segundo o objetivo e o universo cultural do sujeito. O autor explica que quanto mais a primeira se vale da segunda, melhor será o aporte de ambientes comunicativos e, portanto, mais eficazes serão as práticas educativas. Para ele, o educador é um comunicador que precisa fazer uma interação, uma ponte, como forma de lidar com o conhecimento. Atesta, também, que não adianta o educador ser só um professor competente, numa área específica; tem que ser um competente comunicador de toda uma experiência de vida que vale a pena transmitir junto com aquele conteúdo programático específico.

A necessidade de convergência entre os campos da comunicação e educação (e outras áreas de conhecimento), já vem se firmando como pauta de pesquisa há muitas décadas. Célestin Freinet, na França, e Paulo Freire, no Brasil, são considerados alguns dos mais importantes desbravadores da área “educação para a comunicação” em todo o mundo, embora atuassem em contextos e com públicos distintos – Freinet na educação de crianças e adolescente, e, Freire na educação de adultos com fortes princípios em direção a educação popular. O francês lutava pela reestruturação pedagógica no sistema educacional francês; Freire, entretanto, buscava uma reorganização sociopolítica do mundo, por meio da emancipação do sujeito. Muitas semelhanças aproximavam seus pensamentos. Para eles, a via de acesso para propor mudanças era a livre expressão, a democratização, o diálogo, a cooperação.

De acordo com Freire (1978), a educação é um ato coletivo, solidário, libertador, que não pode ser imposta, mas construída de forma que propicie uma relação dialógica, comunicativa e, em consequência, emancipadora. Neste aspecto, se invertem os papeis dos atores que compõem o cenário escolar e, todos, passam a confraternizarem-se, com seus conhecimentos, suas histórias, identidades e memórias, com suas perspectivas e dialogismo, formando o processo de construção do saber e do pensar.

É através do diálogo que se opera a superação de que resulta um termo novo: Não mais educador do educando, não mais educando do educador, mas educador-educando com educando-educador. Desta maneira, o educador já não é mais o que apenas educa, mas o que, enquanto educa, é educado, em diálogo com o educando que, ao ser educado, também educa. Ambos, assim, se tornam sujeitos do processo em que crescem juntos e em que os ‘argumentos de autoridade’ já não valem (FREIRE, 1978, p.78-79).

Paulo Freire, que despontou como o educador que definiu as bases sólidas para gestar o espaço de ecossistemas comunicativos, afirma que a comunicação é um elemento fundamental, pois se aporta como transformadora de seres humanos em sujeitos donos de sua própria história. A linha de pensamento freireana, que se constitui como um processo de expressão da participação social, perpassa o pensamento de vários teóricos da comunicação na América Latina, principalmente, Mário Kaplún (Uruguai); Jesus Martin Barbero (México); Guillermo Orozco Gomes (México); Ismar de Oliveira Soares (Brasil).  Barbero (2002, p. 20), por exemplo, atribui a Freire: “la primeira teoria latinoamericana de comunicación, ya que no solo tematizó prácticas  y procesos comunicativos  de estos países sino que puso a comunicar a América Latina consigo misma y con el resto del mundo”.

Ao partir da realidade do educando para encontrar temas geradores que vivificassem a educação, Freire (1978) oportunizava uma reflexão de que cada ser humano e único, em sua cultura e identidade, saber e percepção política. Estabelecia-se, desta forma, um viés dialógico, comunicativo, que renegava a transmissão vertical de conteúdos: do mestre, que detém o conhecimento, para o educando, que devia absorvê-la. Essa educação que chamou de ‘bancária’ estava na raiz da dominação cultural. O autor afirma ainda que não existe educação neutra, já que sua missão é a ampliação da consciência e isso passa pelo entendimento de que a é um processo político.

A pesquisadora Angela Schaun destaca o papel estratégico desta interface de campos:

A comunicação é fator prioritário para o processo educativo e a mediação dos dois campos deve ser compreendida enquanto construção de valores éticos e estéticos. Aprender é também um processo coletivo, respeitando – se as diferenças e valorizando a criação, produção e alimentação de projetos geradores de transformação social (SCHAUN, 2002, p. 79).

O professor Adilson Citelli, da Escola de Comunicação e Artes da Universidade de São Paulo, reflete sobre este viés da representação social e a relação com a interfaces dos campos. “Assim, não perdemos a perspectiva  segundo a qual as  instituições  comunicacionais e escolares tornaram-se lugares interdiscursivos que operam diálogos entre si, independentemente das possíveis assimetrias e desigualdades em suas condições de força” (CITELLI, 1999, p.146).

Nesta mesma perspectiva, Ismar de Oliveira Soares (2000), também da ECA – USP, considerado “pai” de uma área teórica chamada Educomunicação construída a partir dos anos de 1990, destaca que a união estratégica entre os campos da Comunicação e da Educação vem ensejando a emergência de um novo campo de intervenção social.

As práticas educomunicativas buscam convergência de ações, sincronizadas em torno de um grande objetivo: ampliar o coeficiente comunicativo das ações humanas. Para tanto, supõe uma teoria da ação comunicativa que privilegie o conceito de comunicação dialógica; uma ética de responsabilidade social para os produtores culturais; uma recepção ativa e crítica por parte das audiências; uma política de uso dos recursos da informação de acordo com os interesses dos pólos envolvidos no processo de comunicação (produtores, instituições mediadoras e consumidores da informação), o que culmina com a ampliação dos espaços de expressão (SOARES, 2000, online).

O campo é apresentado a partir de “áreas de intervenção”, e é por elas que o sujeito social passa a refletir sobre as suas relações no âmbito da educação. São elas: Educação para a comunicação; Expressão comunicativa através das artes; Mediação tecnológica na Educação; Pedagogia da Comunicação; Gestão da Comunicação; Reflexão Epistemológica. Estas áreas são determinantes para que a pavimentação de uma educação transformadora. Soares (2002) define o conceito da Educomunicação, como:

É o conjunto das ações inerentes ao planejamento, implementação e avaliação de processos e produtos destinados a criar e fortalecer ecossistemas comunicativos em espaços educativos, melhorar o coeficiente comunicativo das ações educativas, desenvolver o espírito crítico dos usuários dos meios massivos, usar adequadamente os recursos da informação nas práticas educativas e ampliar a capacidade de expressão das pessoas. (SOARES, 2002, p. 115)

Dessa forma, entendemos que a relação entre as mídias e a Educomunicação se dá de forma urgente na contemporaneidade, dinamizando as práticas educativas em comunicação, modernizando o espaço da escola, proporcionando com que alunos e professores, gestores e comunidade escolar, apropriem-se dos mecanismos comunicativos, produzam mídias e ampliem os coeficientes comunicacionais nestes espaços escolares, tornando-os mais abertos e democráticos.

Diante disso, relembramos Orofino (2005, p. 29) quando a autora pontuou que a escola “pode e deve intensificar o diálogo entre a cultura escolar e a cultura midiática ao oferecer oportunidades de produção de narrativas de autoria de estudantes com o uso de novas linguagens e tecnologias”.

Portanto, é uma profunda área de intersecção da Comunicação Social com a Educação, em um novo campo de conhecimento, gestando processos que envolvem a política pública e a ressignificação de olhares e intervenções sobre a essência do processo comunicacional.  Segunda Valderrama (2000), a Educomunicação é um campo de natureza relacional, estruturado como processo midiático, transdisciplinar, e interdiscursivo e se materializa em quatro áreas de intervenção social: educação para a comunicação, mediação tecnológica na educação, gestão da comunicação na educação e a área da reflexão epistemológica.

Educação também significa momento de “libertação de sentimentos”, que possibilita, portanto, “a expansão expressiva por meio da imaginação, que permite transformar o meio e dessa forma ampliar as experiências do homem” (VYGOTSKY, 1998, p. 24).

Um ponto muito importante para o uso desses recursos na sala de aula é estimular a participação dos alunos. Com o advento das novas tecnologias, a dinamização das práticas comunicativas possibilita resultados que atuam na formação do protagonismo criativo e até mesmo na emancipação dos embates subjetivos.

Trabalhar o conceito de Educomunicação na escola é partir do princípio de que o aluno não vai ser um receptor passivo, mas sujeito do processo. Educar para a comunicação, e ensinar como elaborar ou analisar um vídeo ou uma notícia de um jornal, por exemplo, exige a disposição do aluno, pois é ele quem vai ter a ideia inicial sobre o assunto que será tratado.

Numa ação educomunicativa, o aluno vai elaborar hipóteses, perguntas, realizar pesquisas, elaborar o projeto e entender, a partir desse processo e por meio do mediador como se movimenta “as mídias” e toda a cultura de massa, inclusive no processo de manipulação das informações. É a afirmação de uma alfabetização midiática, que se acopla à percepção dos novos tempos da educação, que requer uma escola e professores antenados com o papel da mídia na vida e na formação das subjetividades dos alunos e professores. São estes alunos, pós-modernos, que estão instigando a percepção de uma nova cultura escolar.

São estudantes crianças e jovens consumidores de mídia, durante todo o dia, seja pela televisão, pelo jornal, pela emissora de rádio, internet ou pelos aplicativos de socialização e redes sociais como o Facebook, TikTok, WhatsApp, Instagram, Youtube. O aluno, público-alvo da escola, entra do portão para dentro, detentor de competências e habilidades midiáticas (no âmbito do fluxo das informações) e informáticas (no âmbito das mediações tecnológicas). Eles sabem criar uma rede social, montar um jogo eletrônico, tratar imagens, produzir um “esqueleto diagramático de um produto de jornal” (Layout), consegue até editar um vídeo pelo computador ou, até mesmo, pelo celular; os sentidos e os significados de suas produções subjetivas e estéticas figuram por um tempo-espaço que provoca uma série de tensões e rupturas de paradigmas.

O novo mundo escolar é conectado. Seus atores são conectados. Neste sentido, os alunos contemporâneos vivenciam a experiência de uma nova estética escolar, onde intercruzam sentidos e valores muito aportados pelos mecanismos midiáticos e, em consequência, chegam à escola munidos desta ótica, esperando da escola, portanto, uma posição pós-moderna em sua estrutura gestora, curricular, informacional e instrumental. Há um mundo novo de interações informacionais acontecendo do lado de fora da escola e, concomitantemente, à margem dos modelos de formação de professores e gestores. É um fenômeno para reflexão, para a práxis social.

Essas mídias instigam a criatividade no processo de produção de narrativas, ampliam a socialização das competências subjetivas diversas, a dinâmica da intersecção de saberes, o desenvolvimento de novas habilidades, atua na ampliação de configurações de estruturas de linguagens, inspira o embate subjetivo – essencial para o desenvolvimento – e, em consequência, pavimenta os caminhos para o pensar.

CONCLUSÃO

O desafio, hoje, portanto, para os professores, escolas e pesquisadores do campo da interface comunicação e educação, é saber como lidar com este binômio comunicação e educação, porque, nem sempre, são preparados em suas formações à respeito. Portanto, é um norte paradigmático a ser refletivo e alterado, especialmente com o advento de grupos de pesquisas, disciplinas eletivas na grade de formação, projetos de extensão, cursos de capacitação, legislações, experiências didáticas, entre outras esferas, que contemplem esta intersecção.

Os professores e gestores educacionais, nem sempre, são formados para entenderem sobre como decodificar esses mecanismos semânticos da construção da informação na imprensa, nem tampouco, em como trabalhar a operacionalização de uma pedagogia dialógica voltada para a alfabetização midiática, leitura crítica da mídia / educação para os meios e para o uso dessas ferramentas como alternativas pedagógicas e produção de sentidos.

A escola pode ser um espaço poderoso de inovação, de experimentação saudável de novos caminhos, de produção e protagonismo, envolvendo as áreas de intervenção. São estas, inclusive, que estão remodelando as políticas públicas, o currículo, as metodologias, apresentando, através da Educomunicação, uma gama de possibilidades instrumentais para o campo, o que fundamenta a alfabetização midiática.

 

BIBLIOGRAFIA

CITELLI, A. (Org.). Outras linguagens na escola. São Paulo: Cortez, 1999.

FREIRE, P. Cartas à Guiné-Bissau: Registro de uma experiência em processo. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1978.

KAPLUN, Mário. A la educación por la comunicación: la práctica de la comunicación educativa. Chile: UNESCO/Orealc, 1992.

MARTÍN-BARBERO, J.M. La educación desde la comunicación. Buenos Aires: Grupo Editorial Norma, 2002.

MORAN, José Manuel. MASETTO, Marcos; BEHRENS, Marilda Aparecida. Novas tecnologias e mediações pedagógicas. Campinas: Papirus, 2000.

REGO, Teresa Cristina. Vygotsky: uma perspectiva histórico-cultural da educação. Petrópolis: Vozes, 2004.

SCHAUN, Ângela. Educomunicação. Reflexões e princípios. Rio de Janeiro: Mauad, 2002.

SEVERINO, Antonio Joaquim. Metodologia do Trabalho Científico. 24 ed. São Paulo: Cortez, 2016.

SOARES, Ismar de Oliveira. Educomunicação: as perspectivas do reconhecimento de um novo campo de intervenção social. O caso dos Estados Unidos. ECCOS, Uninove, São Paulo, v. 2 n.2, p. 61-80, dez. 2000.

SOARES, I. O. Metodologias da Educação para Comunicação e Gestão Comunicativa no Brasil e na América Latina. In: BACCEGA, M. A. Gestão de Processos Comunicacionais. São Paulo: Atlas, 2002.

VALDERRAMAH, Carlos Eduardo, et al. Comunicación-Educación: corrdenadas, abordajes y travesías. Santafé de Bogotá: Siglo Del Hombre Editores Fundación Universidad Central, Departamento de Investigaciones, DIUC, 2000.

VYGOTSKY, Lev Semyonovich. Psicologia da arte. São Paulo: Martins Fontes, 1998.

[1] Mestre em Formação de Gestores Educacionais (UNICID); Doutorando em Educação (PUC – PR); Doutorando em História (UPF – RS). Bacharel em Comunicação Social – Jornalismo; Licenciaturas em Pedagogia, Letras e suas Literaturas, Letras – Libras; pesquisador membro da Associação Brasileira de Pesquisadores e Profissionais em Educomunicação (ABPEducom).

Tiago Silvio Dedoné

Tiago Silvio Dedoné

Mestre em Formação de Gestores Educacionais (UNICID); Doutorando em Educação (PUC – PR); Doutorando em História (UPF – RS). Bacharel em Comunicação Social - Jornalismo; Licenciaturas em Pedagogia, Letras e suas Literaturas, Letras - Libras; pesquisador membro da Associação Brasileira de Pesquisadores e Profissionais em Educomunicação (ABPEducom).

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Capa do Livro

Reflexões, Proposições e Desafios na Construção do Conhecimento Acadêmico e Científico no Brasil: 2022

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