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Livros Acadêmicos

1.7 A questão ética na condução de estudos empíricos que envolvem pessoas em engenharia de software

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Hugo Leonardo Nascimento Almeida [1]

DOI: 10.32749/nucleodoconhecimento.com.br/livros/728

 

Em pesquisas científicas, a engenharia de software se apresenta como uma das disciplinas mais referenciadas no que diz respeito a conceitos e práticas, pois reúne diversas técnicas e atividades de validação, verificação e avaliação de resultados. A seleção das técnicas de engenharia de software experimental que ocorre durante todo o ciclo de desenvolvimento da pesquisa, quando corretamente utilizadas, podem ser o fator fundamental do sucesso da pesquisa (WOHLIN, et al., 2012).

A engenharia de software é apontada como um conceito interdisciplinar que reúne vertentes tecnológicas e gerenciais, com a finalidade de abordar de maneira sistemática todos os processos de implementação, de implantação e de manutenibilidade de projetos de software, com qualidade assegurada por construção segundo prazos, custos e recursos definidos previamente (ALMEIDA, et al., 2018).

As formas de se conduzir as pesquisas em engenharia de software, quando envolvem pessoas, devem estar contextualizadas levando-se em consideração preocupações éticas (DEEPIKA, 2017). Com base nas informações teóricas obtidas pela pesquisa, será possível propor plataformas abrangentes que permitam auditar pesquisas em engenharia de software experimental e mitigar a desconfiança e ineficiência (SINGER e VINSON, 2002) em relação à condução de métodos empíricos baseados em questões éticas.

São concebidas atualmente, na academia, diferentes propostas de criação e extração de métricas (maneiras de se mensurar resultados) (EASTERBROOK, et al., 2008), embora, grande parte das propostas não são utilizadas da mesma forma nos projetos desenvolvidos pela indústria (UMARJI, 2008). A utilização de métricas tem o intuito de avaliar os resultados obtidos e possuem valor na disciplina de engenharia de software pela sua forte ligação com processo de software e geração de valor.

Considera-se a falta de utilização das proposições de cuidados com a ética profissional, pelos pesquisadores, um fator recorrente (SINGER e VINSON, 2002), mas, na mesma proporção que esta oportunidade pouco ocorre, ou muitas vezes nem ocorre, é necessário um estudo de quais são as propostas acadêmicas e a recorrência em que os pesquisadores propõem modelos de validação das questões éticas nas pesquisas.

As métricas estudadas e propostas pela indústria têm como valor agregado a busca pelos custos e tempo das atividades de manutenção, além da relação direta com o número de erros encontrados nos sistemas empresariais (TRAVASSOS, et al., 2002) o que demonstra que questões éticas não são o foco ou nem são levados em consideração pelas mesmas propostas.

O trabalho de pesquisa em engenharia de software, conduzido por meio de métodos empíricos, e envolvido por todo conjunto de inovação e novas tecnologias, na indústria contemporânea, permite experiências diversas, inclusive levando-se em consideração seus desafios, como por exemplo: projetos com os prazos estourados, recursos escassos, com níveis altos de complexidade e com uma série de outras dificuldades inerentes a eles. Justifica-se desta forma, a necessidade de estudo, manutenção e aperfeiçoamento de indicadores de ética na pesquisa acadêmica e industrial.

Engenharia de Software Experimental

Há uma discussão sobre o conceito de engenharia de software. Alguns associam engenharia de software à ciência, alguns à engenharia. Esta questão evidencia o caráter duplo do software, de maneira geral. Enquanto a engenharia de software considera o processo de software, que se configura em um processo de criação de produto, fica explícito as características de produção, ou seja, características de engenharia propriamente dita. Mas, por outro ponto de vista, o caráter competitivo e comercial que expõem a necessidade de melhorias contínuas e sequenciais da qualidade do processo de software e do produto, revelam o contexto científico no qual a engenharia de software se apresenta (TRAVASSOS, et al., 2002).

Na área de engenharia de software, existem metodologias específicas que estabelecem a base de engenharia e de ciência. Existem quatro métodos importantes que auxiliam na condução de experimentos na engenharia de software, são eles: o método científico, o analítico, o de engenharia e o método experimental (WOHLIN, et al., 2000).

Com o objetivo de desenvolver uma base de evidências para conhecimento e intervenção científica no processo de desenvolvimento de software, a engenharia de software possui a experimentação como forma de validar o processo (TRAVASSOS, et al, 2008). Em uma análise na área de engenharia de software experimental (SJØBERG, et al., 2007), foram apontados alguns desafios a serem enfrentados na próxima década, visando assim a importância de experimentação no contexto de software.

Em meio aos desafios mais específicos, há uma preocupação dos pesquisadores sobre a necessidade de planejar estudos experimentais com mais rigidez, principalmente na ampla consideração dos detalhes de design das estratégias de estudo, denominados também de métodos experimentais aplicáveis.

Diferentes questões de arranjo são consideradas devido a condução de estratégias de estudo, fazendo com que todas as questões sejam específicas do tipo da estratégia escolhida. A validade do estudo pode ser ameaçada por falta de observação dos principais detalhes de design pertinentes a estratégia selecionada. A resolução deste tipo de desafio requer explicitação do conhecimento sobre as diferentes estratégias de estudo existentes e disponibilização adequada do conhecimento ao pesquisador, para que ele possa ser auxiliado nas diferentes tomadas de decisão comuns nesta etapa de validação (SJØBERG, et al., 2007).

Estudos Empíricos

Em pesquisas científicas, experimentos representam a base de todo o processo científico, são considerados como centro da pesquisa e são realizados na intenção de verificar as teorias levantadas. Experimentos são capazes de explorar e examinar fatores críticos gerando correções e reformulações das teorias, através de novos fenômenos. A atividade humana é sistematizada, computada, controlada e disciplinada através da experimentação. E é através da experimentação que novas ferramentas, técnicas, métodos e linguagens devem ser sugeridas, publicadas e apresentadas para serem comercializadas, após um processo de validação. Desta forma, há uma constante necessidade de se avaliar novas sugestões e invenções comparando-as com as já existentes (TRAVASSOS, et al., 2002).

Ao falar sobre experimentação, os autores estão abordando diretamente estudos empíricos, que são utilizados para testar teorias, para a pesquisa e, também, são utilizados em casos em que a teoria e a análise dedutiva não funcionam. Estudos empíricos provam a influência das hipóteses, filtram alternativas de explicações para um determinado fenômeno e revelam novos fenômenos que precisam ser explorados. Sendo assim, os estudos empíricos auxiliam a indução: permitem extrair teorias a partir de observação (TICHY, 1998).

A área de engenharia de software facilita e controla o desenvolvimento de sistemas de software. Ainda assim, as atividades que ocorrem nesse processo são extremamente dependentes da participação e da criatividade humana. Esses agentes tendem a diminuir a confiabilidade de resultados científicos na área e impedem que a engenharia de software por si só se torne uma ciência exata. Mais uma vez fica evidente que se faz necessário a utilização de métodos empíricos para auxílio da comprovação de tais resultados, e, também um estudo mais específico sobre essa influência humana durante a pesquisa científica (LIMA, 2017).

Estudos empíricos são relevantes para pesquisadores de qualquer área, incluindo os pesquisadores de engenharia de software (LIMA, 2017). Dentre vários métodos empíricos utilizados para a investigação de ferramentas, métodos, processos, produtos e demais artefatos em engenharia de software, pode-se destacar alguns dos mais empregados em pesquisas, como: Survey, Experimento, Estudo de Caso, Pesquisa Ação e Etnografia (SINGER e VINSON, 2002).

Ética na Pesquisa

Os pesquisadores possuem uma linguagem ética, objetiva e criteriosa, tanto na prática como na forma de se expressar. Dentro da normalidade existe um modelo flexível para a ciência, livre para investigação, e é por meio deste modelo que os profissionais da área de pesquisa exercem um princípio de direito e boa conduta: a ética profissional (AQUINO, 2017).

Existem teóricos especialistas no comportamento humano, que através de estudos empíricos traçaram teorias a respeito da moralidade dos indivíduos, gerando concepções sobre a ética, discorrendo sobre conflitos de princípios éticos entre as pessoas (VENURI, 1995).

Portanto, estudos em engenharia de software poderiam se apropriar de estudos de outras áreas, como os citados, para poder acompanhar da melhor forma a condução dos estudos empíricos, que envolvem seres humanos, necessários para a validação de pesquisa em engenharia de software (VENURI, 1995).

Conclusões

Esta reflexão mostrou que a ética em estudos empíricos na área de engenharia de software é uma temática relevante e presente na literatura científica, e influência na condução das pesquisas com estas características.

No desenvolvimento do trabalho foram recolhidas informações associadas às metodologias de pesquisa pertencentes à área de Engenharia de Software Experimental. Portanto, os estudos realizados com a inclusão da execução de Entrevistas, Surveys, Estudo de Caso e a construção de uma etnografia sumarizou o conhecimento sobre as questões éticas adotadas na academia e na indústria e denotou maturidade em relação aos pesquisadores que publicaram na área.

Por consequência, será necessário, em trabalhos futuros, formalizar a coleta das questões éticas em dois ambientes distintos (academia e indústria) para análise de quais são as possibilidades de correlacionamento e correspondência entre todas as questões coletadas. A análise das questões éticas propostas e adotadas pela academia confrontada com a análise das propostas adotadas pela indústria nortearam este caminho.

Sugere-se um estudo aprofundado do cuidado com as questões éticas nos estudos de engenharia de software, e se sua aplicação implica diretamente na qualidade da pesquisa e garantem maior confiabilidade e eficácia para os pesquisadores que se utilizam destas métricas propostas através de um maior levantamento bibliográfico e aprofundamento teórico.

É possível ainda investigar a melhor forma de lidar com as questões éticas no planejamento e execução dos estudos, modelar e propor plataformas com guias e ferramentas para dar suporte aos pesquisadores que sentirem a necessidade de envolver seres humanos em suas pesquisas e executar estudos de caso com estas plataformas elaboradas, de forma a coletar dados, analisar os resultados e validar cada modelo proposto.

Referências

ALMEIDA, Hugo Leonardo Nascimento; DE ARAÚJO, Matheus Soares; DA SILVA, Widancássio Galindo. Uma proposta de um sistema acadêmico para o programa de residência da Motorola. Pirassununga: Perspectivas em Ciências Tecnológicas, 2018. 129-143 p. v. 7.

AQUINO, Italo de Souza. Como escrever artigos científicos. São Paulo: Editora Saraiva, 2017.

BARRETO, Alcyrus Vieira Pinto; HONORATO, Cezar de Freitas. Manual de sobrevivência na selva acadêmica. Rio de Janeiro: Objeto Direto, 1998.

DA SILVA LIMA, Rômulo. Estudos Empíricos em Engenharia de Software: Avaliando o Benchmarking Framework Através de um Survey e Replicando uma Avaliação de Desempenho. Recife: FESP/UPE. 2010.

DEEPIKA Badampudi. Reporting ethics considerations in software engineering publications. In Proceedings of the 11th ACM/IEEE International Symposium on Empirical Software Engineering and Measurement (ESEM ’17). Piscataway: IEEE Press. 2017. 205-210 p. DOI: https://doi.org/10.1109/ESEM.2017.32.

EASTERBROOK S., Singer J.; STOREY MA.; DAMIAN D. Selecting Empirical Methods for Software Engineering Research. In: Shull F., Singer J., Sjøberg D.I.K. (eds) Guide to Advanced Empirical Software Engineering. London: Springer. 2008.

GIL, Antonio Carlos. Como elaborar projetos de pesquisa. 4. ed. São Paulo: Atlas, 2008.

MINAYO, Maria Cecília de Souza (ORG.). Pesquisa social : teoria, método e criatividade.  23.ed. Petrópolis: Vozes, 2004.

SINGER, Janisse; VINSON, Norman G. Ethical Issues in Empirical Studies of Software Engineering. IEEE Trans. Softw. Eng. 2002. 1171-1180 p. DOI: https://doi.org/10.1109/TSE.2002.1158289.

SJOBERG, D.I.K.; DIBA, T.; JORGENSEN, M. The Future of Empirical Methods in Software Engineering Research”. Minneapolis: International Conference on Software Engineering (ICSE). 2007. 123-156 p.

TICHY, W. F. Should Computer Scientist Experiment More? IEEE Computer. 1998. 32-39 p.

TRAVASSOS, G. H. et al. A Environment to Support Large Scale Experimentation in Software Engineering. Belfast: 13th IEEE International Conference on Engineering of Complex Computer Systems. 2008.

TRAVASSOS, Guilherme Horta; GUROV, Dmytro; AMARAL, E. A. G. G. Introdução à engenharia de software experimental. Rio de Janeiro: COPPE/UFRJ. 2002.

UMARJI, M.; SEAMAN, C. Why do programmers avoid metrics? Kaiserslautern: ESEM’08: Proceedings of the 2nd International Symposium on Empirical Software Engineering and Measurement. 2008.

VENTURI, Gustavo. O universalismo ético: Kohlberg e Habermas. São Paulo: Lua Nova. 1995. 67-84 p. v. 36.

WOHLIN, C. et al. Experimentation in Software Engineering: an introduction. New York: Springer. 2000.

WOHLIN, Claes et al. Experimentation in Software Engineering. Heidelberg: Springer, 2012.

[1] Cientista da Computação; Mestre em Design pelo CESAR; Engenheiro de Testes Automatizados; Doutorando em Ciência da Computação pela UFPE.

Hugo Leonardo Nascimento Almeida

Hugo Leonardo Nascimento Almeida

Cientista da Computação; Mestre em Design pelo CESAR; Engenheiro de Testes Automatizados; Doutorando em Ciência da Computação pela UFPE.

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Reflexões, Proposições e Desafios na Construção do Conhecimento Acadêmico e Científico no Brasil: 2022

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