REVISTACIENTIFICAMULTIDISCIPLINARNUCLEODOCONHECIMENTO
Livros Acadêmicos

3.7 Desafios e abordagens no campo da arquitetura-urbanismo na contemporaneidade: o caso dos ícones arquitetônicos sob a perspectiva de Charles Jencks e Josep Maria Montaner

5/5 - (1 votos)

Marcelo Sbarra [1]

 DOI: 10.32749/nucleodoconhecimento.com.br/livros/744

 

A motivação para o desenvolvimento deste texto veio através de duas forças. A primeira, inspirada pelo extenso material levantado durante as pesquisas feitas para a tese (SBARRA, 2020); a segunda, impulsionada pela necessidade de esclarecer melhor termos que são comumente utilizados no linguajar arquitetônico, mas cujos sentidos divergem um pouco das suas origens.

Muito embora os conceitos de Arquitetura Icônica, ícones, iconicidade pareçam fazer parte de um jargão já interiorizado do discurso arquitetônico, pôde-se perceber, durante todo o processo de pesquisa que não são conceitos plenamente claros ou precisos.

O debate crítico acontecido entre as décadas de 1960 e 1970 retirou do objeto arquitetônico parte de seu protagonismo. O resultado, o objeto construído, passou a ter uma importância secundária em relação a construção e entendimento de um discurso que embasava sua concepção. São bastante conhecidos os textos de Peter Eisenman sobre os conceitos que norteavam sua produção para até mesmo, suplantarem em importância o objeto propriamente dito. O processo era então a chave de leitura fundamental para se entender a arquitetura.

Charles Jencks identifica, então, que em meados dos anos 1990 algo de diferente começa a acontecer com a produção dos edifícios. Os discursos passam a ter uma importância secundária e o objeto arquitetônico passa a ter sua importância retomada, especialmente na produção daqueles que ele chama “arquitetos-estrela”.

Josep Maria Montaner, cerca de dez anos depois da incursão de Jencks, encontra-se analisando a mesma situação: em um mundo de complexidades, a arquitetura icônica parece ter o papel de renovar a cidade.

Partindo de análises muito semelhantes – por vezes utilizando os mesmos edifícios – os dois autores percorrem caminhos distintos, mas parecem chegar em conclusões muito próximas: o edifício icônico possui uma mensagem a ser dita, uma metáfora a ser compreendida, uma imagem a ser lembrada.

Apoiando-se principalmente na Semiologia – sob diferentes perspectivas – ambos os autores vão descobrir na Arquitetura icônica uma nova forma do objeto arquitetônico retomar seu protagonismo: ainda que dentro do discurso de cada arquiteto-autor, o objeto inserido no contexto da cidade irá por si só conseguir ter seu próprio discurso.

Desenvolvimento

Charles Jencks gradua-se em Literatura Inglesa pela Harvard University em 1961 e em 1965 obtém o título de Bacharel e Mestre em Arquitetura. Em 1970 obtém o título de Doutor em História da Arquitetura, pela London University (JENCKS, 2022)

Como arquiteto, seu trabalho se destaca pelos projetos paisagísticos e escultóricos, além de extensa produção bibliográfica. É conhecido por seus livros que questionam a Arquitetura Moderna e onde define seus sucessores (Tardo, Novo e Pós-moderno, dentre outros).

Sua atuação profissional, entre os anos de 1968 a 1988, está relacionada a Architectural Association (Londres). Foi Professor visitante na UCLA (Los Angeles) entre os anos 1974 a 1992.

Sua formação em Literatura nos ajuda a entender sua aproximação com a Semiótica. Em 1969 publica Meaning in Architecture (JENCKS; BAIRD, 1969) onde discute a relação entre Filosofia, Arquitetura e Linguagem.

Em diversas publicações esta formação teórica no campo da linguística se faz presente, mas podemos destacar os livros Adhocism (JENCKS; SILVER, 1973), The Language of post-Modern Architecture (JENCKS, 1977), Towards a Symbolic Architecture (JENCKS, 1985), The Iconic Buildind: the power of enigma (JENCKS, 2005) além da coletânea de textos Theories and manifestoes of contemporary architecture (JENCKS; KROPF, 2006).

Entre os anos de 1968 e 2015 – cerca de 50 anos – produziu mais de 50 livros e dezenas de artigos. Sua produção acompanha início da crítica a Modernidade e se constrói a partir de análises classificatórias da produção arquitetônica de seu tempo. A cada novo livro um novo termo é cunhado e acreditamos que esta leitura tenha que ser feita com o entendimento de que sua teoria é construída como um processo.

Sendo assim, desde a publicação de seu primeiro livro tendo a análise da produção arquitetônica como temática até a publicação do livro Edifícios Icônicos: o poder do enigma (JENCKS, 2005), Jencks perpassa trinta e cinco anos no âmbito da teoria e crítica arquitetônica, quase quarenta livros publicados e centenas de publicações espalhadas em jornais, revistas, periódicos (JENCKS, 2022).

Nos parece extremamente injusto que ele continue sendo mais conhecido apenas por seu livro A linguagem da arquitetura pós-moderna (JENCKS, 1977), embora a importância desta publicação seja inegável. “A teoria da arquitetura deve o conceito e categorização de pós-moderno a Charles Jencks” (HAYS, 2000, p.306, tradução nossa) – seu pioneirismo se confirma pois A Condição pós-moderna (LYOTARD, 2006) é publicado somente em 1979.

Os textos de Jencks são cheios de referências a fatos e acontecimentos da cultura pop e não segue o formalismo acadêmico, muitas vezes “exigido” para se dar credibilidade a um texto científico. O autor expressa sua opinião – muitas das vezes em tom excessivamente crítico, vide o livro Bizarre Architecture (JENCKS, 1979).

Jencks (2005) defende que em meados dos anos de 1990 um novo tipo de arquitetura emergiu. Esta arquitetura estaria diretamente relacionada ao crescimento econômico das cidades, busca por fama instantânea, publicidade, mudando drasticamente a tradição anterior de monumento arquitetônico. Segundo ele, as cidades passaram a competir entre si por ícones e usam arquitetos internacionais para terem “algo a mais” (JENCKS, 2005, p. 19)

O autor localiza na obra de Frank Gehry, para o Museu Guggenheim de Bilbao, um momento de mudança de paradigma no papel do edifício como objeto inserido na cidade, chamando este fenômeno de “efeito Bilbao” (JENCKS, 2005, p.7)

É importante perceber que a disputa pelas cidades está diretamente ligada a eventos internacionais e ao público que potencialmente eles atraem – como a Copa do Mundo de Futebol e os Jogos Olímpicos. (JENCKS, 2005, p. 19)

O alto preço de um edifício icônico – que implica, na maioria das vezes, na contratação de “arquitetos-estrela” – se justifica, uma vez que:

Funciona, pelo menos de acordo com os pesquisadores de mercado que estudaram o ícone de Frank Gehry que transformou Bilbao. Seu novo Guggenheim, como mencionamos, custou o equivalente a dez De Koonings[i] mal avaliados – 100 milhões de dólares – muito para um museu, mas não muito para uma cidade enferrujada poder se reinventar. Graças ao novo museu-catedral, a cidade transformou sua indústria falida de construção de navios em uma indústria cultural emergente. Este edifício maravilhoso trouxe 1.3 milhões de visitantes no primeiro ano, 1998, e 1.1 milhão no ano seguinte e, em 2000, o total chegou a 3 milhões. Choque e turismo. (JENCKS, 2005, p. 18)

Desta forma, Jencks explica, a sua maneira, as possíveis implicações do “Efeito Bilbao”:

As implicações do “Efeito Bilbao” foram óbvias para a mídia e para qualquer cidade que aspire a ser metrópole. Se uma cidade consegue achar o arquiteto certo no momento criativo certo de sua carreira e esteja disposta a correr o risco econômico e cultural, ela consegue dobrar o investimento inicial em cerca de três anos. Pode inclusive mudar o destino de áreas industriais decadentes. Colocando de maneira bem clara, a economia terciária da indústria cultural possui um caminho para fugir do declínio Modernista: Pósmodernize-se ou afunde! (JENCKS, 2005, p. 19)

O autor não tem problemas em expor sua opinião – já provou ser conhecedor das principais teorias e manifestos que rondaram a arquitetura contemporânea ao editar uma compilação sobre o tema (JENCKS; KROPF, 2006) – além de dezenas de livros sobre a Modernidade e a Pós-modernidade. Esta “liberdade” de pensamento possibilita que ele coloque claramente o que pensa sobre o julgamento de um edifício icônico: “[…] Quem realmente se importa quão bom eles são? Um edifício icônico é criado para fazer barulho, para fazer dinheiro e o critério normal de avaliação não se aplica.” (JENCKS, 2005, p.21)

No entanto, sabedor de que é necessário algum viés de leitura para analisar tais obras, ele oferece:

Um método, que irei elucidar na breve pesquisa que segue, é mostrar como significados enigmáticos agem ou não relacionados entre si e a relação com o possível significado do edifício. De fato, olharei como estranhas conotações funcionam em um pequeno mundo interno. Meu argumento é que “significados enigmáticos” podem ser utilizados de maneira efetiva para dar um significado mais profundo ao edifício. (JENCKS, 2005, p. 21)

O segundo método, segundo ele, consiste em verificar como o arquiteto negocia o difícil terreno entre o signo explícito e o símbolo implícito. E a terceira possibilidade segue o padrão tradicional de julgamento: entender a história do novo gênero, sensibilizar-se por suas possibilidades e limites, olhando e especulando em suas qualidades emergentes.

Percebe-se aqui que sua formação em Literatura se faz presente: embora não cite nominalmente (como faz Montaner ao citar Peirce), ao quer entender o papel dos signos e significados, Jencks está se apoiando em seus conhecimentos de Semiótica.

Para Jencks, ainda é possível acrescentar uma nova categoria ao estudo dos ícones: o edifício que é duplamente icônico.

Para exemplificar, o autor cita a Ópera de Sidney, de autoria de Jørn Utzon (Australia, 1959-1973).

Quando a maioria das pessoas pensam sobre a história recente dos edifícios icônicos, vem a mente estruturas como a Ópera de Sydney. Obviamente, devido a sua presença proeminente na baia, sua beleza alva, suas formas inusitadas que nos lembra outras coisas – as velas brancas dos navios ou o branco da arrebentação que pode ser visto tão contundentemente por perto. De fato, este tipo de edifício é duplamente icônico. Em primeiro lugar é uma imagem reduzida bizarramente – como um logo. Em seguida, como um signo icônico, existe a similitude entre as imagens visuais. Uma estranha imagem que nos chama atenção para metáforas surpreendentes. (JENCKS, 2005, p. 28)

Aqui, finalmente, temos algumas pistas mais concretas para a interpretação de Jencks a respeito da iconicidade de um edifício. A edificação precisa ser “reduzida” a uma imagem visual fácil de ser apreendida, como um logotipo. Se além disso possui similitude que possa equipará-la a outras imagens– a metáfora estaria então neste aspecto – teríamos o ícone icônico.

Para Jencks, a maneira como cada um irá reagir a possíveis interpretações e metáforas, não é importante, mas sim que sua reação espontânea revela formas, conceitos, frases e semelhanças com coisas que eles já conhecem.

Em resumo […], um novo gênero de arquitetura. Para ser icônico, um edifício precisa oferecer uma nova e condensada imagem, ter força como forma ou Gestalt e se levantar da cidade. Por outro lado, para se tornar poderoso, precisa estar presente como reminiscência de importantes metáforas e ser um símbolo a ser adorado, o que é uma tarefa difícil em uma sociedade secular. (JENCKS, 2005, p. 9)

Josep Maria Montaner e o novo pragmatismo: fragmentação, caos e iconicidade

Josep Maria Montaner gradua-se em Arquitetura pela Escola Tècnica Superior d’Arquitectura de Barcelona (ETSAB – UPC) em 1977, onde também obtém o grau de Doutor, em 1983.

Além de suas atividades como professor catedrático da Escola de Arquitetura de Barcelona é professor convidado de diversas universidades europeias e da América latina, além de escritor, teórico e crítico da Arquitetura. Como arquiteto, possui uma série de projetos em parceria com Carlos Ferrater, relacionados a desenho urbano (MONTANER, 2001).

E claro, colaborei em várias ocasiões com Carlos Ferrater. Na verdade, esta é uma parte menor da minha produção, que em geral, não tem estreita relação com a teoria. Quando trabalho com outros arquitetos, o resultado tem mais a ver com a ideia de arquitetura que eles têm, ainda que eu contribua com meus critérios. Talvez o único ponto onde exista maior relação entre a atividade do arquiteto e de teórico seja na preparação de exposições (MONTANER, 2001 p. 5).

Montaner deixa claro que sua prática arquitetônica não tem, necessariamente, relação com sua teoria. Com relação aos autores que o interessam, ele afirma:

Eu gosto mais dos escritores que estão neste meio termo, ensaístas como George Stein, Claude Lévi-Strauss, Edgar Morin e Mario Praz, ou ainda Paul Virilio, Jean Baudrillard, Elias Canetti e Maria Zambrano, autores em que talvez essas duas vertentes se dão juntas, a ensaística e um pouco a subjetiva. […] E os que me interessam menos seriam esses autores com uma maneira de ser muito fria, muito sistemática, muito técnica, que predominam na nossa profissão. (MONTANER, 2001, p. 6).

Dentre suas publicações, destacam-se: Arquitetura e Crítica (MONTANER, 1999), A Modernidade superada (MONTANER, 2001a), Depois do Movimento Moderno (MONTANER, 2001b). As formas do século XX (MONTANER, 2002), Sistemas arquitetônicos contemporâneos (MONTANER, 2009), Arquitetura e crítica na América Latina (MONTANER, 2014), Arquitetura e Política (MONTANER; MUXÍ, 2014) e A condição contemporânea da arquitetura (MONTANER, 2016).

É importante perceber mudanças de direção em sua teoria. Perguntando sobre a linearidade adotada em Depois do movimento moderno, ele justifica:

De fato, procedo da mesma forma tanto com os textos literários quanto com os textos de arquitetura. Por trás, possuem uma estrutura muito pensada, que procuro que seja muito clara, no fundo até estruturalista, sobre a qual depois vai se construindo o trabalho. Antes de tudo, eu penso, por um lado, nessa estrutura, seja para um ensaio ou para um livro, e, por outro lado, em algumas coisas concretas que pretendo dizer. Por isso talvez quando oriento uma tese, também me fixo sobretudo na estrutura do trabalho. Em meu caso existe essa obsessão no sentido de que detrás de todo trabalho feito haja uma construção, que ainda que só eu conheça, exista: no livro pronto não se verá, mas estará por baixo. Não sei se isso ajuda na compreensão do texto, mas espero que sim. (MONTANER, 2001, p. 6, grifo nosso)

Esta linha de pensamento estruturalista logo dará lugar a um pensamento mais pós-estruturalista, como ele própria afirma ao final do texto Fragmentação, caos e iconicidade (MONTANER, 2016).

É interessante observar que Bronstein (2013) nos alerta sobrea necessidade de termos chaves de leitura a respeito da crítica aos objetos arquitetônicos, quando propõe “uma inversão gestáltica do material a ser analisado: não mais objetos arquitetônicos, mas as práticas discursivas que enredam estes objetos. Um elenco de criatura e criadores que pairam sobre a materialidade da obra” (BRONSTEIN, 2013, p.2).

Ainda, com o objetivo de entender melhor a construção de seu pensamento, Montaner nos informa sua posição a respeito da crítica arquitetônica:

Quando envelhecemos nos damos conta – e isso é um inconveniente – de que acompanhamos os autores mais velhos, que consideramos nossos mestres, e que nos custa muito ler os mais jovens. Da mesma maneira, não me lêem estes a quem eu leio, que são de gerações anteriores: quem me lê é mais jovem. Talvez exista uma certa dificuldade de comunicação. Com respeito às gerações maduras, há uma série de autores que me interessam muito e que continuo lendo: Colin Rowe, Alan Colquhoun, Roy Landau, Roberto Fernández, Pancho Liemur, Carlos Eduardo Comas, Ignasi de Solà-Morales, Mike Davis, Anthony Vidler ou William Curtis. Julgo sobretudo desde o ponto de vista do rigor, da capacidade crítica e interpretativa, da profundidade e coerência que encontro nos escritos desses autores. Da geração mais próxima à minha, citaria autores como Mark Wigley, Dennis Dollens ou Leonie Sandercock. Há também outros autores que deixei de ler, que já me interessam menos porque me parecem repetitivos, como Kenneth Frampton, Oriol Bohigas, Charles Jencks ou Ramon Gutierrez. (MONTANER, 2001, p. 8-9).

O texto utilizado como referência para este ensaio, no entanto, sugere uma retomada da análise do objeto como fruto de uma produção autoral, não levando em conta os possíveis discursos que poderiam tê-los produzido. Montaner (MONTANER, 2016) cita Colin Rowe como sendo uma importante chave de leitura para a análise dos ícones, deixando claro esta nova posição:

Depois da idade dourada da crítica e da teoria da arquitetura das décadas de 1960 e 1970, tanto do projeto crítico (de Aldo Rossi ou Manfredo Tafuri) como do formalismo analítico (de Colin Rowe), a arquitetura e o urbanismo da fragmentação têm continuação e se expressam no auge do novo pragmatismo, que tem sido denominado de “pós-crítica”. (MONTANER, 2016, p.71).

Desta forma, tanto o projeto crítico de Aldo Rossi e Manfredo Tafuri quanto o formalismo analítico de Colin Rowe, estão presentes nesta arquitetura e urbanismo de fragmentação, permanecendo e se expressando neste momento – auge de um novo pragmatismo – a chamada “pós crítica”.

A partir da década de 1990, especialmente nas culturas anglo-saxã e holandesa, passou a predominar um pensamento herdeiro do pragmatismo estadunidense, iniciado e consolidado por Charles Sanders Peirce (1839-1914), William James (1842-1910) e John Dewey (1859-1952). Trata-se de um empirismo radical que analisa e interpreta os fatos de maneira como os experimentamos, sem purismos nem preconceitos, sendo atualmente desenvolvido por teóricos como Joan Ockman, Robert Somol, Sarah Whiting e Romer van der Toorn. (MONTANER, 2016, p.71).

Para fortalecer este discurso, Montaner se utiliza de um eloquente texto de Robert Somol e Sarah Whiting, onde os autores buscam analisar alguns modus operandi sobre a crítica arquitetônica e estabelecem a “ironia” como uma chave de análise importante (MONTANER, 2016, p.71).

Além ao caráter “irônico”, Montaner associa a tríade “ícone, índice e símbolo” de Peirce (2005) como elementos fundamentais para o entendimento e análise deste novo pragmatismo. A chave de leitura, para Montaner, é que dentro dos ícones Peirce (2005) situa as imagens, diagramas e metáforas como elementos formadores de sua completude.

Aqui, mais uma vez, podemos estabelecer um paralelo com a chave de leitura empregada por Jencks (2005). Embora este não tenha estabelecido a referência formal que norteia sua análise, ele se utiliza dos conceitos de signo, imagem, ícone, metáforas.

Para exemplificar o conceito de ícone, Montaner (2016) não se aprofunda nos conceitos teóricos, mas opta por relacionar exemplos de objetos arquitetônicos e apresentar suas características formais. Novamente podemos observar uma mudança de análise crítica: não mais o discurso que está por trás da forma, mas uma dissecação da forma por ela mesma.

Montaner inicia suas análises, utilizando como exemplo o projeto de Peter Eisenman para o Monumento às vítimas do holocausto nazista, destacando a metáfora – e sua interpretação – como uma de suas características sem, no entanto, deixar de criticar o que ele considera “um exagero”.

Além do Eisenman teórico e desenhista, há o projetista e construtor. Entre suas obras mais representativas, encontra-se o monumento comemorativo às vítimas do holocausto nazista (Berlim, 1997-2005), uma obra minimalista cheia de sugestões sobre como interpretar a história, a política e a cidade. Contudo, uma obra tão exagerada como a Cidade da cultura (Santiago de Compostela, 1999-2013), com algumas propostas tão absurdas que fizeram que parte do projeto não fosse executada, faz com que questionemos as propostas do arquiteto. (MONTANER, 2016 p.72, grifo nosso)

Um aspecto interessante a ser observado é que Montaner não oferece uma chave de leitura baseada na teoria que cita no começo de seu texto – seja baseada na semiótica de Peirce, na crítica de Rowe e Tafuri ou mesmo nos diagramas de Eisenman– oferecendo uma análise puramente subjetiva e parcial. No mesmo parágrafo, ele segue, analisando outro projeto – a Cidade da Cultura (1999-2013), em Santiago de Compostela:

O gigantesco projeto cria uma montanha artificial de mármore inacessível para substituir o ecótopo existente, com certas passagens para pedestres que lembram desfiladeiros e imensos espaços internos definidos por tramas diagramáticas e fragmentadas formadas por tetos falsos que ocultam uma grande quantidade de volumes perdidos. Portanto, aplicando a mesma teoria pragmática que valoriza os fenômenos em seus efeitos sobre a realidade e suas qualidades comprováveis, os nefastos resultados da Cidade da Cultura põem em crise as propostas teóricas que ela própria pretendia legitimar. (MONTANER, 2016, p.72-3, grifo nosso)

Montaner segue sua construção teórica analisando o Museu da Acrópole (Atenas, 2009) de Bernard Tschumi, sem, no entanto, deixar de comentar que o autor “que em sua juventude conseguiu realizar um importante projeto, o parque de La Villette (Paris, 1982-1990), em sua obra posterior caiu em certa atonia, apesar de sua potente base teórica. (MONTANER, 2016, p. 73).

Embora uma parte da crítica tenha considerado excessivo seu volume e pouco respeitosa sua relação com o entorno imediato, o museu apresenta clareza tipológica, com espaços e acessos amplos, lugares generosos e abundantes para se sentar comodamente e admirar as obras de arte e apresenta boa iluminação natural e artificial, proteção adequada do sol e do calor e uma boa relação, especialmente no terceiro nível, entre o museu e o templo original. (MONTANER, 2016, p.74).

O que Montaner oferece, no entanto, é uma descrição do percurso que o usuário faz no Museu e uma opinião altamente subjetiva sobre os espaços criados pelo autor do projeto, deixando, mais uma vez, de oferecer uma análise crítica sobre o objeto icônico.

É possível perceber a presença da metáfora e sua relação com os antigos templos, assim como seria possível associar uma análise da imagem do objeto como “ícone, índice e símbolo” (PIERCE, 2005). No entanto, tal análise não é apresentada.

O próximo arquiteto a ter sua obra analisada é Rem Koolhaas:

Se há um arquiteto que representa essa virada do século, é Rem Koolhaas (1944), que já havia se destacado por seus escritos e sua capacidade de criar relatos arquitetônicos em Nova Yorka delirante, bem como por uma obra incipiente, como o Kunsthall (Rotterdam, 1987-1992). A prolífica atividade arquitetônica e crítica de Koolhaas, que lidera o OMA […] atingiu no início do século XXI, um de seus pontos culminantes: a embaixada dos Países Baixos em Berlim, o centro McCormick-Tribune, em Chicago, a Casa da Música, na cidade do porto, e a biblioteca pública de Seattle. (MONTANER, 2016, p.74).

A análise de Montaner segue como uma descrição do objeto arquitetônico, abrindo mão de uma tentativa de entender a construção do discurso do arquiteto, ou mesmo se aprofundar nas questões teóricas que possam estar envolvidas.

O edifício estabelece uma ótima relação com o tecido urbano e social e é o resultado de um século de políticas-modelo nas bibliotecas públicas de Seattle. Aproveitou-se o desnível entre as duas ruas da quadra em que se situa, facilitando o acesso a todo tipo de pessoas, e oferecendo belas vistas sobre a baía. Em seu interior, desenvolve-se a vontade de repensar totalmente a tipologia da biblioteca contemporânea: agrupam-se os volumes com as funções mais determinadas e valoriza-se o movimento, a fluidez, a flexibilidade, a versatilidade e as relações entre as pessoas que estão nos grandes espaços horizontais e verticais formados entre esses volumes. Enfim, Koolhaas conseguiu que seu próprio relato arquitetônico se sintonizasse com aquele de uma cidade culta e passasse a fazer parte dela. (MONTANER, 2016, p.75).

Ao analisar a Casa da Música (Porto, 1999-2005), Montaner apresenta alguns conceitos para tentar decifrar o projeto:

Analisada sob uma perspectiva histórica, a obra de Rem Koolhaas desenvolve uma estratégia tipológica clara para a passagem de certos programas, que sempre são reformulados, a espaços dinâmicos, que funcionam e conseguem resultar unidade e coerência. Estes mecanismos de renovação tipológica baseiam-se na ênfase e na autonomia e, ao mesmo tempo, na conexão entre diversas partes do programa previamente reagrupado; em um ponto de partida relativamente indeterminado, que permite combinações múltiplas e variáveis, e em um sistema de superposições de volumes e níveis […] e o recurso da dobra procede do pensamento de Gilles Deleuze. (MONTANER, 2016, p.76, grifo nosso)

Montaner segue sua análise apresentando a escola holandesa contemporânea, na figura do escritório MVRDV, sem, no entanto, deixar de lado o tom irônico e, por vezes, mordaz.

Durante esta mudança de século, a forte presença da arquitetura holandesa dentro de uma linha hedonista e experimental baseada em diagramas e ícones, na linguagem e na pragmática, tem sido criticada ironicamente por Roemer von Toorn devido a seu formalismo e falta de comprometimento político. Esse conservadorismo, por sua ignorância dos níveis mais profundos, se expressa em formas aparentemente atuais, inovadoras e divertidas. (MONTANER, 2016, p.76)

Embora utilize o termo ícone/icônica, Montaner não deixa claro quais aspectos caracterizam, sob o seu ponto de vista e interpretação, o que viria a ser este tipo de arquitetura. A simples referência a Peirce (2005) no início de seu texto não é suficiente para clarificar quais conceitos deste autor ele se apropria. Como exemplo, ao analisar o projeto Markhall do MVRDV, Montaner apenas diz:

Sua obra espetacular mais recente é o Markhal (Rotterdam, 2004-2014), uma edificação de tipologia híbrida, fortemente icônica, como uma catedral ou túnel com 228 habitações cobrindo um mercado. (MONTANER, 2016, p.78)

O que seria, então, uma edificação fortemente icônica?

Montaner então apresenta a produção do escritório BIG, dando-lhes o título de “a iconicidade da arquitetura” (MONTANER, 2016, p. 78). Ao leitor, resta a esperança de uma explicação mais acadêmica, embasada nos critérios teóricos prometidos no início do texto. No entanto, a explicação dada pelo autor é um tanto mais simples.

A iconicidade prometida se resume ao fato do escritório utilizar símbolos (e não ícones, como sugere Montaner) em seu website para identificar suas obras.

Outra herança de Rem Koolhaas é a iconicidade da arquitetura de seu discípulo Bjarke Ingels (1974) e seu ateliê BIG que, para entrar no mercado de concursos e contratos internacionais em um mundo global de maior concorrência, exploram ao máximo as possibilidades dos signos e das imagens, seguindo as teorias de Sanders Peirce e seu conceito de ícones expressos em diagramas e metáforas. Toda a obra de BIG resume-se, assim como apresenta o portal de sua página na internet, aos ícones que o ateliê expressa em cada uma de suas intervenções, sendo cada projeto explicado por meio de animações extremamente didáticas e sugestivas. Assim, a marca BIG consegue ter reconhecimento na mídia e distinção internacional. (MONTANER, 2016, p.78).

Concluindo a sequência de arquitetos e obras, Montaner analisa algumas obras de Zaha Hadid, classificando-a como “tipologias para o futuro” (MONTANER, 2016, p. 79). É interessante observar que novamente temos os mesmos edifícios já analisados por Jencks (2005), mas a quem Montaner se refere jocosamente como repetitivo.

A linha que Hadid tem desenvolvido mais amplamente é a dos grandes edifícios com imensas curvaturas e enormes balanços, como o MAXXI, o Museu Nazionale dele Arti del XXI Secolo (Roma, 1998-2009) ou a biblioteca da Universidade de Viena (Viena, 2013), com seu balanço icônico e um excesso de grandes espaços internos, que lembram um transatlântico. (MONTANER, 2016, p.80, grifo nosso)

Mais uma vez, o autor não deixa claro o sentido do termo icônico – em especial ao se referir a um balanço estrutural e não a uma possível meta-linguagem que a imagem possa estar oferecendo.

Montaner encerra seu texto concluindo que “o pensamento pós-estruturalista e a nova ciência tem contribuído para a arquitetura e o urbanismo contemporâneos com referências conceituais e geométricas, como no caso dos fractais, das dobras e dos rizomas” (MONTANER, 2016, p.81).

No entanto, de que forma os conceitos pós-estruturalistas e esta nova ciência auxiliam na crítica e na análise não fica explicitado, uma vez que nos exemplos elencados fica clara a subjetividade das análises. A Arquitetura icônica permanece – ao menos para Montaner – em suspensão.

Conclusões

Discutir conceitos – ou mesmo criá-los – faz parte da discussão teórica no campo da arquitetura e urbanismo e não constituem unanimidades, muito pelo contrário.

Mesmo críticos que já possuam um grande respaldo graças à sua produção e contribuição podem apresentar dificuldades em estabelecer critérios – ou chaves de leitura – para a análise de determinados assuntos. É assim em relação a questão do ícone, por exemplo.

Se no campo da Semiótica há décadas esta discussão está colocada, ainda que sob diferentes olhares, aproximações e críticas, na Arquitetura ainda existe um grande caminho a ser percorrido.

Muito embora seja um termo bastante utilizado, o ícone em Arquitetura necessita de algo mais do que somente a relacionalidade com a simplificação da forma e sua apreensão gestáltica e similitude – como sugere Jencks – ou a retomada do objeto e análise diagramática – como entende Montaner.

Nos dois trabalhos selecionados para a análise apresentada neste ensaio, nenhum dos dois autores conseguiu, de fato, apresentar uma metodologia ou um viés de interpretação. Jencks (2005) esboça uma definição, mas ela não se fortalece à medida que o autor apresenta as dezenas de exemplos elencados ao longo do livro. Qual seria a metáfora por detrás da biblioteca de Seattle, por exemplo? Coincidentemente, é um exemplo que também aparece na análise de Montaner (2016).

Não é o objetivo deste texto apresentar as teorias de Charles Sanders Peirce – pois de fato, se utilizadas por Jencks e Montaner deveriam estar presentes em seus textos originais, ainda que somente os pontos os quais os autores se fizeram valer. No entanto, acreditamos que passados mais de sessenta anos de sua publicação, em 1953, seja possível que a teoria de Peirce (2005) necessite de uma atualização – ou, no mínimo, de uma releitura.

Ou será que o ícone, uma vez “definido”, se mantém imutável? Finalizamos este texto com esta reflexão: Tudo pode ser um ícone. (JENCKS, 2005, p.40).

Referências

BRONSTEIN, Laís. Acerca da crítica aos objetos arquitetônicos. Arquitextos, São Paulo, ano 14, n. 160.03, Vitruvius, set. 2013 <http://www.vitruvius.com.br/revistas/read/arquitextos/14.160/4879>. Acesso: 09 dez. 2022.

HAYS, K. Michael (ed.) Architecture Theory since 1968. New York: MIT Press, 2000.

JENCKS, Charles. Charles Jencks CV and Narrative. Charles Jencks official website, London, 2016. Disponível em http://www.charlesjencks.com/#!biography. Acesso: 09 dez.2022.

JENCKS, Charles; BAIRD, George. Meaning in Architecture. New York: George Brazillier, 1969.

JENCKS, Charles; SILVER, Nathan. Adhocism. New York: Anchor Press, 1973.

JENCKS, Charles. The language of Post-modern Architecture. New York: Rizzoli, 1977.

JENCKS, Charles. Towards a Symbolic Architecture: the thematic house. London: Academy Editions, 1985.

JENCKS, Charles. Iconic buildings: the power of enigma. London: Frances Lincoln, 2005.

JENCKS, Charles; KROPF, Karl. (ed.) Theories and Manifestoes of Contemporary architecture. London: Wiley, 2006.

JENCKS, Charles. Bizarre architecture. London: Academy Editions, 1979.

LYOTARD, Jean-François. A condição pós-moderna. Rio de Janeiro: José Olympio, 2006.

MONTANER, Josep Maria. Um depoimento. [2001a]. Porto Alegre:  Arqtexto, n. 1, 2001. Entrevista concedida a Cláudia Cabral. Disponível em: <http://www.ufrgs.br/propar/publicacoes/ARQtextos/PDFs_revista_1/1_Montaner.pdf>. Acesso em: 09 dez. 2022.

MONTANER, Josep Maria. Arquitectura y critica. Barcelona: Gustavo Gili, 1999.

MONTANER, Josep Maria. A modernidade superada: arquitetura, arte e pensamento do século XX. Barcelona: Gustavo Gili, 2001b.

MONTANER, Josep Maria. Depois do movimento moderno: Arquitetura da segunda metade do século XX. Barcelona: Gustavo Gili, 2001c.

MONTANER, Josep Maria.  As formas do século XX. Barcelona: Gustavo Gili, 2002.

MONTANER, Josep Maria.   Sistemas arquitetônicos contemporâneos. Barcelona: Gustavo Gili, 2009.

MONTANER, Josep Maria. Arquitetura e crítica na América Latina. São Paulo: Romano Guerra, 2014.

MONTANER, Josep Maria; MUXÍ, Zaida. Arquitetura e Política: ensaios para mundos alternativos. Barcelona: Gustavo Gili, 2014.

MONTANER, Josep Maria. A condição contemporânea da Arquitetura. São Paulo: Gustavo Gili, 2016.

PEIRCE, Charles S. Semiótica. São Paulo: Perspectiva, 2005.

SBARRA, Marcelo. Os ícones do Porto Maravilha numa abordagem da Teoria Ator-Rede/. 2020. 304 f. Tese (Doutorado) – Curso de Arquitetura, PROARQ/FAU/UFRJ, Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2020.

[1] Arquiteto e Urbanista; Doutor em Arquitetura (PROARQ//FAU/UFRJ); Especialista em Ciências Humanas: Sociologia, História e Filosofia (PUC-RS), Pesquisador do Grupo de Pesquisa Lugares e Paisagens (PROARQ/FAU/UFRJ).

Marcelo Sbarra

Marcelo Sbarra

Arquiteto e Urbanista; Doutor em Arquitetura (PROARQ//FAU/UFRJ); Especialista em Ciências Humanas: Sociologia, História e Filosofia (PUC-RS), Pesquisador do Grupo de Pesquisa Lugares e Paisagens (PROARQ/FAU/UFRJ).

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Capa do Livro

Reflexões, Proposições e Desafios na Construção do Conhecimento Acadêmico e Científico no Brasil: 2022

DOI do Capítulo:

10.32749/nucleodoconhecimento.com.br/livros/

744

DOI do Livro:

10.32749/nucleodoconhecimento.com.br/livros/

604

Capítulos do Livro

Livros Acadêmicos

Promova o conhecimento para milhões de leitores, publique seu livro acadêmico ou um capítulo de livro!