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Livros Acadêmicos

3.3 Gestão da educação: reflexões e desafios no período da pandemia do Covid-19

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Liana Barcelos Porto [1]

Amilson de Araújo Durans [2]

DOI: 10.32749/nucleodoconhecimento.com.br/livros/716

 

A pandemia do covid-19 trouxe muitos desafios e oportunidades, passando-se a conviver, desde então, com constantes e aceleradas mudanças em todos os aspectos da vida humana em sociedade, da economia local e mundial, da gestão organizacional, das relações de trabalho e do ambiente educacional (MACEDO; DURANS; VALE, 2021; MUZIO e DOH, 2021).  Neste sentido, a gestão educacional precisou inovar como nunca outrora ocorrera, dado o cenário de incertezas e as necessidades impostas por esta nova realidade (AGUINIS e BURGI-TIAN, 2021; SARI e NAYIR, 2020).

Esse cenário de incertezas bem como as necessidades impostas por uma realidade de disrupção (MACEDO; DURANS; VALE, 2021), no contexto da gestão educacional foi sinalizado no estudo de Dunlosky et al. (2013), ao sugerir que melhorar os resultados educacionais exigirá esforços e articulações em muitas frentes e que parte da solução envolve ajudar os alunos a regular melhor sua aprendizagem através do uso de técnicas eficazes de aprendizagem. Para tanto, quatro categorias emergem e merecem atenção, que são: condições de aprendizagem, características dos alunos, recursos disponíveis e tarefas desafiadoras.

Com base em Dunlosky et al., (2013) compreendemos e enfatizamos que as condições de aprendizagem, bem como, as características dos alunos estão também condicionadas ao contexto em que estes estão inseridos. Segundo a Unicef Brasil (2020) os desafios à aprendizagem que já existiam em muitas realidades brasileiras, com a crise do coronavírus massificou ainda mais essa situação, ampliando, portanto, o alcance das possíveis lacunas de aprendizagem.

Sendo assim um dos principais desafios em consonância com o que diz Alves et al., (2020) centra-se na dificuldade que sistemas de ensino possuem em vincular processos educativos qualificados alicerçados em políticas públicas. Pois, urge que essas políticas públicas sejam operacionalizadas a partir de uma investigação detalhada, para que com base nesses dados coletados se construa um planejamento assertivo a ser desenvolvido, apresentando um passo a passo de como se pretende realizar, monitorar e avaliar tais tarefas, o que Dunlosky et al., (2013) inferem como desafiadoras.

O cenário atual torna urgente impedir o aumento nas fragilidades da educação brasileira, em especial questões como a alfabetização e a cultura de gestão. Para otimizar o tempo escolar e a qualidade no processo de ensino e aprendizagem é essencial realizar ajustes nos currículos e nos planos de trabalho, definindo prioridades e aprendizagens mais necessárias em cada ano escolar.  Dito isso, salienta-se o quanto é necessário aos gestores educacionais levar em conta os recursos disponíveis pela instituição, bem como provocar professores à proposição de tarefas desafiadoras e contextualizadas, articuladas com a realidade dos estudantes (BARAK, 2018).

Corroborando as categorias sinalizadas por Dunlosky et al., (2013), Sharma e Bansal (2020) consideram que gestores, pesquisadores e professores devem dedicar-se ao processo de cocriação de valor do conhecimento e da transformação, dados os desafios inerentes ao processo educacional. Isso inclui, por exemplo, colaboração, diálogo e inovação.

Para Gusenbauer (2021), esse processo de cocriação de valor do conhecimento e da transformação levou a educação e a pesquisa para a atual era da informação abundante onde novos dados cientométricos mostram aumentos impressionantes tanto na quantidade quanto na qualidade das informações. Porém, no Brasil, as estruturas educacionais precisam acompanhar esse contexto, visto que ainda é uma realidade a ser alcançada, tanto no ensino fundamental quanto no ensino médio e ensino superior, conforme demonstram os dados da Organização de Cooperação e Desenvolvimento Econômico – OCDE (OCDE, 2022).

Dado esse contexto, este artigo tem por justificativa teórica estender a compreensão acerca das reflexões e desafios da gestão educacional no período da pandemia e consequentemente no pós-pandemia do covid-19 (AGUINIS e BURGI-TIAN, 2021; MACEDO; DURANS; VALE, 2021; MUZIO e DOH, 2021).  Quanto à justificativa prática o estudo poderá auxiliar gestores, educadores, formuladores de políticas públicas e classe discente sobre um possível novo normal, dado o cenário de disrupção, os constantes avanços tecnológicos e uma nova realidade que se desenha (SARI e NAYIR, 2020), por exemplo, questões relacionadas à educação á distância (SARI e NAYIR, 2020); habilidades motoras dos alunos (MONTIEL e PORTO, 2016); privacidade de dados pessoais (DURANS et al., 2021b); uso de recursos midiáticos (GOPAL, SINGH; AGGARWAL, 2021; PORTO e MONTIEL, 2016);  comportamentos das diferentes gerações presentes no ambiente escolar e acadêmico (MACEDO; DURANS; VALE, 2021; DURANS et al., 2021a); questões de acessibilidade e inclusão da pessoa com deficiência (DURANS et al., 2022a; SCHABBACH e ROSA, 2021); questões de governança e compliance no ambiente escolar (DURANS et al., 2022b).

Desenvolvimento

O contexto dos desafios da gestão educacional brasileira passa por necessidade de adoção de medidas urgentes para atenuar o aprofundamento das desigualdades na educação, em todos os níveis (ALVES et al., 2020). Nesse sentido, a OCDE (2022) destaca os números do cenário brasileiro apontados em seu último relatório publicado em 2021, a saber:

  • Apenas 21% dos jovens brasileiros entre 25 a 34 anos de idade concluíram o ensino superior. A média mais baixa entre os países analisados na América Latina: Brasil (21%), Argentina (40%), Chile (34%), Colômbia (29%) e Costa Rica (28%). Ressalta-se que o percentual brasileiro está abaixo da média dos países que compõem a OCDE, que é 44%. Nos Estados Unidos, este índice é em torno de 49%;
  • Apenas 2,5% dos brasileiros com 24 anos ou mais, concluíram um curso de pós-graduação, especialização ou MBA;
  • Apenas 0,8% dos brasileiros de 25 a 64 anos concluíram o curso de mestrado;
  • Apenas 0,2% da população brasileira tem doutorado, enquanto a média dos países que compõem a OCDE é de 1,1%. Logo, ainda há um longo caminho a percorrer.

Para a OCDE (2022), apesar de o Brasil possuir a menor taxa de jovens que concluem o ensino superior, tem havido certa melhora. Por exemplo, passou de 18% em 2011 para 21% em 2021 o número de brasileiros com diploma de graduação. Outro dado relevante e preocupante é que apenas 33% dos alunos ingressantes no Ensino Superior conseguem concluir a graduação no tempo previsto e um terço daqueles que não graduam abandonam o curso.

Portanto, no Brasil, a escolarização tem refletido na taxa de empregabilidade e oportunidades no mercado de trabalho, principalmente para o público feminino. Por exemplo, a taxa de emprego geral para quem possui o Ensino Fundamental completo é em torno de 59%, já para o Ensino Médio é de 72% e o ensino superior 83% (OCDE, 2022).

A OCDE (2022) pontua ainda que no Brasil, o gasto público com investimentos em educação no Ensino Superior é de 5,6% do PIB – Produto Interno Bruto, percentual maior que nos países da OCDE que é de 4%, porém, menor que alguns países desenvolvidos como Noruega (7,2%), Finlândia e Suécia (5,8%) e Bélgica (5,7%). A crítica é que esse percentual do PIB brasileiro não se reflete nas instituições públicas no que tange ao valor investido por aluno no Ensino Superior. A média da OCDE de investimento no Ensino Superior é de US$ 16.100,00 e no Brasil o valor é de US$ 14.200,00. No Ensino Fundamental e, também no Ensino Médio as disparidades são ainda maiores onde a média da OCDE é de US$ 9.300,00 e no Brasil o valor investido é de US$ 3.800,00 (OCDE, 2022).

A ressalva feita pela OCDE (2022) são os possíveis reflexos na educação. Por exemplo, na Educação Básica o baixo valor de investimento pode ter relação com os salários baixos pagos aos profissionais, em especial, aos professores. De acordo com o piso salarial anual, a média de valor paga anualmente no Brasil é de US$ 14.775, sendo, portanto, menor que a média dos demais países da OCDE que é de US$ 34.540.

Além disso, os professores brasileiros precisam lidar com turmas maiores, em média, cerca de 28 alunos por sala, do que a média da OCDE (23 alunos), porém, menos do que outros países da América Latina como, por exemplo, Costa Rica (35 alunos), Colômbia (31 alunos) e Chile (29 alunos). Para Dunlosky et al., (2013), os alunos são responsáveis por regulamentar uma quantidade crescente de sua aprendizagem à medida que progridem desde as séries elementares até o ensino médio e posteriormente até o ensino superior. No entanto, sem as condições necessárias aos alunos e professores, essa progressão pode ser comprometida.

Conclusões

A presente pesquisa não pretende concluir com a discussão dos variados desdobramentos que se sobressaíram na pandemia da covid-19. Para tanto, infere que emergiram muitas avenidas de estudo no contexto da gestão educacional que podem ser investigadas em estudos futuros, dados os desafios e relevância de tais temáticas.

Dito isso, sinalizamos os seguintes questionamentos para investigações e reflexões futuras: como alunos e professores lidaram com a educação a distância – e compulsória – durante o período da pandemia? Como os alunos têm desenvolvido suas habilidades motoras no contexto pandêmico? Como as organizações de ensino têm lidado com a privacidade de dados pessoais de seus stakeholders? Como os recursos midiáticos têm contribuído para uma educação qualitativa? Como as organizações de ensino têm trabalhado questões comportamentais e geracionais, bem como, possíveis limitações de seus colaboradores e alunos? Como as organizações têm gerenciado questões de acessibilidade e inclusão da pessoa com deficiência em tempos de pandemia? Como as organizações têm lidado com questões de governança e compliance em tempos de pandemia?

Tensionamentos há outras possibilidades de reflexões e desafios que precisam ser abordadas. No entanto, demarcamos sua pertinência e relevância para a construção de outras pesquisas, que nos ajudem a pensar ações para uma educação de fato qualificada e emancipatória.

Referências

AGUINIS, H.; BURGI-TIAN, J. Talent management challenges during COVID-19 and beyond: Performance management to the rescue. Business Research Quarterly, p. 1-8, 2021.

ALVES, T.; FARENZENA, N.; SILVEIRA, A. A. D.; PINTO, J. M. de R. Implicações da pandemia da COVID-19 para o financiamento da educação básica. Revista de Administração Pública, v. 54, n. 4, p. 979–993, 2020.

BARAK, M. Are digital natives open to change? Examining flexible thinking and resistance to change. Computers & Education, v. 121, p. 115-123, 2018.

DUNLOSKY, J.; RAWSON, K. A.; MARSH, E. J.; NATHAN, M. J.;  WILLINGHAM, D.T. Improving Students’ Learning With Effective Learning Techniques: Promising Directions From Cognitive and Educational Psychology. Psychological Science, v. 14, n. 1, p. 4–58. 2013.

DURANS, A de A; DUAILIBE, L.H.D;  COSTA, DC;  KRAN, FS;  SOUSA, LG. Acessibilidade e inclusão da pessoa com deficiência e a atuação estratégica do Parquet brasileiro. Anais do 2º  Business Technology Congress (B-TECH). Brasil. 2022a, Disponível em:  https://fucape.br/btechcongress. Acesso em: 27 dez. 2022.

DURANS, A de A; SILVA, M. A. C; KRAN, FS; MACEDO, C. J. T; VALE, C.. Adoção do compliance trabalhista como vantagem competitiva: estudo de caso sobre demandas na Justiça do Trabalho e a experiência das MPEs. Anais do 2º  Business Technology Congress (B-TECH). Brasil. 2022b, Disponível em:  https://fucape.br/btechcongress. Acesso em: 27 dez. 2022.

DURANS, A. de A.; D´ANGELO, M. J.;  MACEDO, C. J. T.; VALE, C. Líder, você é a força motriz da sua organização? Como a responsabilidade social e os comportamentos contraproducentes podem impactar o desempenho dos colaboradores e das organizações. 1. ed. Curitiba: Appris, 2021a. ISBN: 9786525007915.

DURANS, A. de A.; MACEDO, C.J.T.; VALE, C.; CISNEIROS, G. P. O.; PATWARDHAN, A.A. Boas e más práticas da privacidade de dados pessoais na visão dos consumidores do Brasil e da Índia. Anais do XLV Encontro Nacional da ANPAD. On line, Brasil. 2021b. Disponível em:  https://anpad.org.br . Acesso em: 27 dez. 2022.

GOPAL, R; SINGH, V; AGGARWAL, A. Impact of online classes on the satisfaction and performance of students during the pandemic period of COVID 19. Education and Information Technologies, v. 26, n. 6, p. 6923-6947, 2021.

GUSENBAUER, M. The age of abundant scholarly information and its synthesis–A time when ‘just google it’is no longer enough. Research Synthesis Methods, v. 12, n. 6, p. 684-691, 2021.

MACEDO, C. J. T; DURANS, A. de A; VALE, C. Tendências do novo normal do mercado de trabalho pós-covid-19. Anais do XLV Encontro Nacional da ANPAD. On line, Brasil. 2021. Disponível em:  https://anpad.org.br . Acesso em: 27 dez. 2022.

MONTIEL, F. C.; PORTO, L. B.. Para além das habilidades motoras nas aulas de educação física no ensino médio. CCNExt-Revista de Extensão, v. 3, p. 1128-1133, 2016.

MUZIO, D.; DOH, J. Covid‐19 and the future of management studies. Insights from leading scholars. Journal of Management Studies, v. 58, n. 5, p. 1371–1377, 2021.

OCDE. Education at a Glance 2022: OECD indicators. Disponível em:  https://www.oecd.org/education/education-at-a-glance-19991487.htm/?refcode=20190209ig/  Acesso em: 28 dez. 2022.

PORTO, L. B; MONTIEL, F..C. Recursos midiáticos: contribuições para uma educação qualitativa. CCNExt-Revista de Extensão, v. 3, p. 362-367, 2016.

SCHABBACH, L. M.; ROSA, J. G. L. da. Segregar ou incluir? Coalizões de defesa, ideias e mudanças na educação especial do Brasil. Revista de Administração Pública, v. 55, n. 6, p. 1312–1332, 2021.

SHARMA, G; BANSAL, P. Cocreating rigorous and relevant knowledge. Academy of Management Journal, v. 63, n. 2,  p. 386-410, 2020.

UNICEF BRASIL. Covid-19: Pelo menos um terço das crianças em idade escolar não consegue acessar o ensino a distância durante o fechamento das escolas, diz novo relatório do UNICEF. Disponível em:  https://www.unicef.org/brazil/comunicados-de-imprensa/covid-19-pelo-menos-um-terco-das-criancas-em-idade-escolar-nao-consegue-acessar-ensino-a-distancia. Acesso em: 28 dez. 2022.

[1] Doutoranda em Educação pela Universidade Federal de Pelotas/UFPEL, com mestrado em Educação também pela Universidade Federal de Pelotas/UFPEL. Possui várias Especializações na área da Educação. Atua como Docente no Curso de Pedagogia EaD/IFSUL e também atua na Docência nos Anos Finais do Ensino Fundamental com a Disciplina de Ensino Religioso e o Atendimento Educacional Especializado. E-mail: [email protected]

[2] Doutorando e mestre em Contabilidade e Administração pela Fucape Business School. Especialista em Direito e Processo do Trabalho pela Faculdade Santa Terezinha – Cest/TRT 16ª Região e em Gestão Empresarial pelo Instituto de Ensino Superior de Fortaleza – Iesf/Isema. Graduado em Administração e em Direito pela Estácio. Administrador no Sistema Fiema (Federação das Indústrias do Estado do Maranhão, SESI, SENAI e IEL). Professor da Faculdade Santa Terezinha – Cest. Avaliador associado à Anpad. Pesquisador no Centro de Estudos em Marketing para Organizações Sociais (CEMOS). http://cemos.com.br/.  E-mail: [email protected]

Liana Barcelos Porto

Liana Barcelos Porto

Doutoranda em Educação pela Universidade Federal de Pelotas/UFPEL, com mestrado em Educação também pela Universidade Federal de Pelotas/UFPEL. Possui várias Especializações na área da Educação. Atua como Docente no Curso de Pedagogia EaD/IFSUL e também atua na Docência nos Anos Finais do Ensino Fundamental com a Disciplina de Ensino Religioso e o Atendimento Educacional Especializado. E-mail: [email protected]

3 respostas

  1. Esse artigo ajudou no meu TCC. Muito obrigada, Professores Liana Barcelos e Amilson Durans.

  2. Quanta riqueza nas abordagens do capítulo. O meu estudo em fase de finalização discute essa questão dos reflexões e dos desafios da educação no período da pandemia.
    Os dados da OCDE que vocês trouxeram mostram o grande desafio que temos como educadores.
    Muito obrigado, Professores Liana Porto e Amilson Durans por vossas contribuições com a Educação. Gratidão!

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Reflexões, Proposições e Desafios na Construção do Conhecimento Acadêmico e Científico no Brasil: 2022

DOI do Capítulo:

10.32749/nucleodoconhecimento.com.br/livros/

716

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604

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