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Livros Acadêmicos

3.11 Reflexões acerca das políticas públicas da educação bilíngue para surdos no Brasil

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Wenis Vargas de Carvalho [1]

Marcio Hollosi [2]

Lourival José Martins Filho [3]

DOI: 10.32749/nucleodoconhecimento.com.br/livros/769

 

Ao reconhecer a Libras – Língua Brasileira de Sinais, como primeira língua (L1) da pessoa surda, e as demais línguas como segunda língua (L2), entendemos que, no Brasil, o ensino da Língua Portuguesa escrita deve ser garantido a essas pessoas, possibilitando que o acesso dessas línguas de diferentes modalidades – visual-gestual (L1) e oral-auditiva (L2) – permita que a pessoa surda se torne bilíngue, sendo capaz de interagir facilmente na sociedade na qual está inserido.

Em 2014, com a aprovação do Plano Nacional de Educação (2014-2024) a partir da Lei nº 13.005, de 25 de junho de 2014, esse documento estabelece metas e estratégias que devem direcionar a educação no decênio 2014-2024 (BRASIL, 2014). Para atingir a Meta 4, o documento apresenta diferentes estratégias, sendo uma delas, a Estratégia 4.7 que diz respeito à educação bilíngue, reforçando a obrigação de garantir a oferta dessa modalidade educacional com o ensino de Libras como L1 e a Língua Portuguesa como L2, nos termos do Decreto nº 5.626/2005 (BRASIL, 2005) e da Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência, de 2009 (BRASIL, 2009). São estratégias para oferta da educação bilíngue:

4.7 garantir a oferta de educação bilíngue, em Língua Brasileira de Sinais (Libras) como primeira língua e na modalidade escrita da língua portuguesa como segunda língua, aos(às)alunos(as) surdos e com deficiência auditiva de zero a dezessete anos, em escolas e classes bilíngues e em escolas inclusivas, nos termos do art. 22 do Decreto nº 5.626, de 22 de dezembro de 2005, e dos arts. 24 e 30 da Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência, bem como a adoção do sistema braille de leitura para cegos e surdos-cegos […] (BRASIL, 2014, p.4)

Diante do exposto, ao direcionar essa concepção à linguagem escrita, entendemos que ao ofertar o acesso à uma proposta bilíngue aos surdos, percebemos que nesse processo que acontece a apropriação da escrita, que atualmente na prática, em sua maioria, é limitado, pois deveria ser mais explorado durante o processo de escolarização da criança. Lodi e Lacerda (2004) destaca:

A escrita, conforme vem sendo compreendida pela escola, reduz-se à aquisição de práticas e/ou habilidades como produto completo em si mesmo. Desvinculadas do contexto social, estas práticas de leitura e escrita limitam-se ao conhecimento gramatical, processo que implica na decodificação/identificação vocabular, no tratamento de orações descontextualizadas e/ou textos artificiais, elaborados para fins didáticos, que em nada se assemelham aos diversos gêneros discursivos em circulação nas práticas sociais não institucionalizadas (LODI, 2004, p. 36).

Segundo a teoria apresentada por Vygotsky (2001), é na primeira infância que acontece a formação de conceitos, e só após a adolescência as funções intelectuais se tornam plenamente desenvolvidas. De acordo com Facci (2004), isso acontece devido:

[…] às próprias exigências do meio social impostas aos adolescentes, as suas necessidades, os motivos de suas atividades, tudo os incita e os obriga a dar um passo decisivo no seu pensamento. As exigências vitais são fatores que nutrem e orientam o processo de desenvolvimento intelectual na adolescência, e o processo de formação de conceito é uma forma superior de atividade intelectual (FACCI, 2004, p. 213).

Vargas (2016) aponta que, desde o início da vida, atividades como explorar, experimentar e brincar envolvem funções motoras e mentais de relevante importância na constituição da subjetividade e que seria primordial que os docentes acreditem que a experimentação e a brincadeira são uma extraordinária ferramenta para a aprendizagem.

Para realização deste trabalho, temos como objetivo refletir acerca das políticas públicas da educação bilíngue para surdos no Brasil e utilizamos a metodologia pesquisa documental, que de acordo com Godoy (1995), […] os documentos escritos são considerados “primário” quando produzidos por pessoas que vivenciaram diretamente o evento que está sendo estudado, ou “secundários”, quando coletados por pessoas que não estavam presentes por ocasião da sua ocorrência.

Políticas públicas da educação bilíngue para surdos no Brasil

Ainda nos dias de hoje, notamos que para a efetividade das políticas públicas de educação bilíngue para surdos no Brasil, é preciso conhecer a criança surda, criar vínculos afetivos e, posteriormente, construir uma rotina diária de modo que seu desenvolvimento e necessidades estejam ligados às propostas apresentadas pelo professor, pois, se a criança surda, durante o período de aquisição de linguagem, não tiver acesso a estímulos sociais e linguísticos precoces, sua aprendizagem poderá ser comprometida causando eventuais prejuízos na sua comunicação e desenvolvimento social.

Nesse sentido, sabemos que devido à grande demanda existente numa sala de aula comum, o aluno com alguma especificidade acaba ficando de lado e isso é o que acontece também com o aluno surdo, gerando uma certa defasagem na sua escrita. Góes (2002) revela que, para aqueles que não conhecem sobre a cultura e a natureza da escrita dos surdos, os graus de acessibilidade e as fragilidades nas condições do ensino imposto, declaram a incapacidade da progressão escolar dessas crianças, potencializando a deficiência, a dificuldade de aprendizagem e, mormente, fortalecendo um discurso totalmente equivocado acerca da surdez.

Segundo Perlin (2000 apud FERNANDES, 2008, p. 81), na aquisição da linguagem escrita, uma das dificuldades enfrentadas pelos surdos é a visão equivocada de sua identidade. Dessa forma, passam a ser vistos como deficientes, com poucas possibilidades de pertencer a um grupo social que os entende como impossibilitados de adquirirem uma manifestação linguística que propicie trocas de informações pertinentes. No entanto, o surdo deve ser visto como um indivíduo diferente, com possibilidades as quais devem ser estimuladas de forma eficaz, a fim de proporcionar o aprendizado de novos conhecimentos.

Nessa perspectiva, podemos compreender que cada profissional envolvido com a educação de surdos, necessita reconhecer a diferença como constitutiva do humano, respeitar a língua natural desses sujeitos, envolver-se com ações pedagógicas inovadoras frente às especificidades educacionais e linguísticas do aluno surdo, oportunizando o acesso a todos os conhecimentos. Assim, durante a trajetória de lutas da comunidade surda, podemos considerar que todos os movimentos em prol da educação de surdos foram de extrema importância para o reconhecimento e respeito da Libras e do sujeito surdo, situação também defendida por Skliar (2016) quando destaca que:

A potencialidade de reconstrução histórica dos surdos sobre a sua educação e sua escolarização é, sem margem para dúvidas, um ponto de partida para uma reconstrução política significativa e para que participem, com consciência, das lutas dos movimentos sociais surdo pelo direito à língua de sinais, pelo direito a uma educação que abandone seus mecanismos perversos de exclusão, e por um exercício pleno de cidadania. Reconstruir essa história é uma nova experiência de liberdade, a partir da qual se torna possível aos surdos imaginarem outras representações para narrarem a própria história do que significa ser surdo (SKLIAR, 2016, p. 29-30).

As redes de apoio ao processo de escolarização dos alunos se apresentam como parceiras da sala de aula comum, possibilitando que os profissionais especializados atuem em conjunto com esses professores para “[…] prover condições de acesso, participação e aprendizagem no ensino regular e garantir serviços de apoio especializados de acordo com as necessidades individuais dos estudantes” (BRASIL, 2011, art. 3º). Nesse sentido, a educação bilíngue para surdos está estabelecida pela Lei de Libras, nº 10.436/2002 (BRASIL, 2002), pelo Decreto nº 5.626/2005 (BRASIL, 2005), pela Convenção dos Direitos das Pessoas com Deficiência (BRASIL, 2007, 2011), pela Política Nacional de Educação Especial na Perspectiva da Educação Inclusiva (BRASIL, 2008), pelo Plano Nacional de Educação (2014 -2024) (BRASIL, 2014), pela Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência (BRASIL, 2015) e a última Lei, nº 14.191/2021, que altera a LDB nº 9394/96 para dispor sobre a modalidade de educação bilíngue de surdos(BRASIL, 2021).

A educação bilíngue trata-se de uma área que tem mudado, principalmente a partir da década de 1990, por conta dos movimentos políticos dos surdos pela conquista e garantia dos seus direitos, fundamentados nas pesquisas, especialmente no campo da Educação e da Linguística. A comunidade surda mobiliza a luta pela igualdade de direitos e por uma pedagogia da diferença, de modo que se reconheça a cultura surda, a língua de sinais, a experiência visual, o uso das tecnologias, formação do povo surdo e comunidades, inserção dos intérpretes e tradutores. Assim, alargam-se as discussões sobre uma educação bilíngue de surdos no Brasil, caracterizada por modos múltiplos como essa proposta educacional pode ser entendida e vivenciada.

Segundo Hollosi (2019), no Brasil, a educação bilíngue para surdos ainda é nebulosa e há poucas diretrizes e orientações didáticas e pedagógicas para professores na área da surdez. Para Sousa (2006), a proposta bilíngue “depende da mudança de perspectiva das políticas públicas sobre surdos e surdez; a prática do bimodalismo como sinônimo de bilinguismo inviabiliza a efetivação dessa proposta”. É imprescindível o real conceito prático e efetivo da língua de sinais para que os surdos possam se comunicar de forma independente da sociedade em que convivem atualmente.

Hollosi (2019) diz que diversas escolas ainda não têm materiais e recursos que favoreçam o ensino-aprendizagem de Libras. Algumas têm, mas os professores não sabem usar ou não usam porque não foram formados com uma visão mais ampla, lúdica e tecnológica de ensino-aprendizagem de línguas. Pais escolhem a modalidade oral por acharem que é a melhor forma para a integração social e sobrevivência. Falta informação e apoio. Várias leis e políticas públicas são publicadas (parece-nos que, a cada mudança de governo, há uma nova lei ou política pública para a educação), mas essas não são implementadas por falta de conhecimento ou de recursos.

Ainda nas ideias de Hollosi (2019, p. 82):

Acredita que o cenário brasileiro é bipolarizado e isso passa por um nivelamento linguístico, especialmente pela influência dos meios de comunicação de massa, pelo deslocamento do campo para a cidade e pela ampliação do ensino público, sem, no entanto, haver formação para o professor trabalhar com alunos surdos.

Observa-se, no nosso atual contexto, definido ainda como monolíngue (e talvez mais próximo de um bilinguismo em relação à língua inglesa do que em relação à Libras), um comportamento conservador das camadas mais privilegiadas da sociedade, voltado aos padrões exigidos desde o período colonial – período em que o surdo era segregado por ser considerado incapaz.

Evidentemente, a língua muda com o tempo e essa mudança acompanha os séculos e não é realizada de maneira instantânea. Ela é gradual e não depende apenas do indivíduo, mas, também, da comunidade que o insere. O contato entre línguas, a imposição da língua dominante sobre o dominado e a aprendizagem precária de uma língua são ocorrências de forte impacto para constituir a língua nacional do Brasil. As camadas médias e altas da sociedade tentam impor uma língua única, porém, sabemos que ela é heterogênea e variável, ainda que falemos só do português. O nosso país, portanto, é multilíngue. Segundo Quadros (1997, p. 27), “[…] não é incentivado o ensino de línguas com qualidade, não é trazido para dentro do espaço escolar a multiplicidade linguística brasileira. Pelo contrário, o ensino da língua portuguesa é quase exclusivo, uma vez que representa a ‘língua oficial’ do país”. Há pouco reconhecimento desse multilinguismo e, no que diz respeito à Língua de Sinais, é ainda menor. Segundo Sacks (1990, p. 68), antes de 1960, a língua de sinais (nos Estados Unidos) não era considerada, nem mesmo por quem a empregava, uma verdadeira língua, com gramática própria. Isso vale para o Brasil, com o agravante de que estamos, ainda hoje, tentando o reconhecimento da maioria da população.

Ofertar apenas o aprendizado da língua oficial para a criança surda e privá-la da aprendizagem da Língua de Sinais, como sua primeira língua, equivale a negar os seus direitos e impossibilitar o seu desenvolvimento. Retomando Sacks (1990, p. 19), a respeito dos surdos e a aprendizagem da língua:

[…] incapazes de ouvir seus pais, correm o risco de ficar seriamente atrasados, quando não permanentemente deficientes, na compressão da língua, a menos que se tomem providências eficazes com toda a presteza. E ser deficiente na linguagem, para um ser humano, é uma das calamidades mais terríveis, porque é apenas por meio da língua que entramos plenamente em nosso estado e cultura humanos, que nos comunicamos livremente com nossos semelhantes, adquirimos e compartilhamos informações.

Portanto, não parece lógico exigir da criança surda a aprendizagem da língua oral-auditiva pelo fato de não estar exposta a ela por causa da surdez. Aprender a língua de sinais como primeira língua é fundamental para ordenar o pensamento, já que essa relação pensamento-língua(gem) é eficaz na realização dos processos cognitivos. Priorizar a Língua Portuguesa na educação de surdos impede o desenvolvimento do instrumento linguístico, o qual organiza as experiências apreendidas e as inferências psicológicas. Sabe-se (e isso é corroborado pelos estudos de Quadros (1997), entre outros autores) que a Língua de Sinais deve ser considerada a primeira língua do surdo (L1) e a Língua Portuguesa, sua segunda língua (L2).

O acesso à Língua de Sinais e o encontro surdo acontecem tardiamente pelo fato de a criança surda não ser exposta à comunicação visuogestual, devido aos pais serem ouvintes. Tal situação seria enriquecida caso pais e filhos imergissem em ambos os códigos linguísticos; entretanto, “o poder está nas mãos dos que ouvem e falam para dizer à sociedade em geral e aos surdos quais os termos que os descrevem e os diferenciam” (LULKIN, 2010, p. 43).

A proposta bilíngue parece ser apenas utilizada como mecanismo para a Língua Portuguesa se tornar a responsável pelo acesso ao conhecimento, de modo que a Língua de Sinais passa a ser usada como instrumento. Segundo Quadros (2011, p. 32), “a língua de sinais, ao ser introduzida dentro dos espaços escolares, passa a ser coadjuvante no processo, enquanto o português mantém-se com o papel principal. As implicações disso no processo de ensinar-aprender caracterizam práticas de exclusão”. Não se trata apenas de concepções linguísticas, mas, também, de proposições políticas. Por conta disso, muitas escolas não conseguem incluir a Libras como currículo e ser o principal no processo de aprendizagem do aluno surdo.

Quadros (2003, p. 99) destaca ainda a necessidade de organização do currículo para garantir a promoção de todos os conteúdos escolares na própria língua da criança, como forma de reconhecimento da diferença, porque o processo educacional se consolida pelas interações sociais.

Nesse sentido, vale destacar a participação de professores surdos no apontamento sobre o que significam as diferenças e como elas precisam ser estimadas no currículo para refleti-las e construí-las em dispositivo cultural e social, fundamental no processo formador de identidades. De tal modo, conforme Skliar (2000) e Perlin e Strobel (2009, p. 33), se a base da cultura não estiver presente no currículo, o caminho se torna árduo para o sujeito percorrer a trajetória de sua nova ordem, oferecida nas manifestações culturais.

Uma escola bilíngue de fato precisa ensinar de forma mediada, por uma ou mais línguas, e não apenas ensinar as línguas. Esta é a diferença em relação à escola de idiomas: o aluno não tem apenas aulas de Libras, inglês, espanhol, português, mas tem as disciplinas escolares em Libras, português ou inglês. Dependendo da proposta da escola, será conciso determinar qual será a língua de mediação para o ensino das disciplinas e o ensino de uma segunda língua ou, até, se não haverá língua de mediação e o aluno terá que compreender o que está sendo ensinado em cada uma das línguas por meio de outros recursos (desenhos, filmes, objetos etc.). No caso de uma escola bilíngue para surdos, a segunda língua será a Língua Portuguesa na modalidade escrita e o tratamento deveria ser o mesmo, ou seja, o aluno deveria aprender português sem muita interferência da Libras, sem a tradução direta, como ocorre em muitos ambientes porque não existe equivalência entre línguas. A tradução direta (ou mesmo a visão bimodal) dá a impressão de que existiria equivalência entre as duas línguas – o que diminui a importância de cada uma das culturas, reduzindo-as ao status de código.

Hollosi (2019) diz que uma escola bilíngue de qualidade deve pôr em evidência as diferentes línguas em diferentes níveis, porque assim proporciona aos alunos capacidades indispensáveis para saber usar duas ou mais línguas em diversas circunstâncias sociais, culturais, educacionais, médicas entre outras. Em outras palavras, a escola precisa, basicamente, ensinar ao aluno como atuar no mundo, por meio de universos culturais que se abrem pela via de ambas as línguas em uso.

As escolas, no Brasil, precisam seguir as normas da LDB, por ordem do MEC (Ministério da Educação) e dos conselhos de educação. De acordo com a referida lei, as escolas devem ter 200 dias letivos, no mínimo, além de seguir documentos de política educacional, como antigamente os PCNs – Parâmetros Curriculares Nacionais – e, atualmente, as Bases Comuns. No caso da educação de surdos, um dos principais problemas é que não existem diretrizes para Libras e o documento de Língua Portuguesa é um modelo de ensino de primeira língua para ouvintes. A falta de um parâmetro para ensino de Libras resulta em que cada cidade (ou mesmo cada escola) ensine o que achar mais conveniente, resultando em uma ausência de conteúdo básico comum (como um Núcleo Comum) que possibilite ao aluno sair da escola A, na cidade A, e mudar-se para a escola B, na cidade B, e, ainda assim, ter garantida a continuidade do que vinha aprendendo.

Isso está embasado legalmente, uma vez que a própria Lei nº 10.436/02 (BRASIL, 2002) afirma que a Libras não deve substituir a Língua Portuguesa. Dessa forma, a escola ou o professor pode compreender que o aluno deve aprender o português na escola (como parte do núcleo comum) e deverá aprender a Libras paralelamente. No entanto, ao mesmo tempo, a impossibilidade de haver Libras como núcleo comum impede que a escola se torne bilíngue. Ela se mantém com uma escola especial e, como tal, não poderá funcionar em dois períodos (período integral) para que ambas as línguas sejam ensinadas (como ocorre em escolas bilíngues de línguas orais).

Há outras implicações relativas a essa compreensão da lei. Por exemplo, a avaliação dos alunos deve ser em português porque essa é a língua do núcleo comum da escola. Nos dados produzidos para esta pesquisa, fica claro que, apesar de o professor ensinar em Língua de Sinais, acaba tendo que cobrar a escrita referente ao que foi ensinado.

Percebe-se que grande parte dos trabalhos desenvolvidos com os estudantes surdos, trata-se de uma política de ensino direcionado a uma tradução entre duas línguas – que se torna excludente, uma vez que o aluno, ainda em fase de estruturas das duas línguas, não está formado para ser um tradutor. O que se exige dele está bem acima do que ele teria condição de fazer. Logo, trata-se de uma forma que compreende as línguas apenas como códigos intercambiáveis entre si, além de uma forma de excluir o aluno da escola em médio prazo (ou de fazê-lo perder o interesse pela educação). Nega-se a possibilidade de a Libras ser a língua, código linguístico, que para o surdo é mais acessível como base para a resolução de problemas que apresentam na rotina escolar.

Sobre os mecanismos avaliativos, o Decreto nº 5626/2005, no inciso VI, orienta que os professores de L2, devem “adotar mecanismos de avaliação coerentes com aprendizado de segunda língua, na correção das provas escritas, valorizando o aspecto semântico e reconhecendo a singularidade linguística manifestada no aspecto formal da Língua Portuguesa (BRASIL, 2005)”.

Partindo dos pressupostos do Decreto e das legislações já apresentadas, entende-se que a educação bilíngue expressa nesses documentos caminha lentamente devido às especificidades que envolvem todo esse processo educacional.

Conclusões

Os documentos apresentados no trabalho revelam que no Brasil, há uma iniciativa para a promoção da educação bilíngue para surdos, todavia é importante ressaltar que é perceptível que a cada governo é implementada uma nova legislação que não chega de fato a ser empreendida. Dentre as diversas interpretações que esses documentos podem proporcionar, é possível compreender as lacunas nas promoções desta proposta, uma delas é o entendimento de que a Libras deve ser usada como base para o ensino, mas na realidade, percebemos que acontece o contrário, ou seja, a Língua Portuguesa se torna a base para o ensino de todos os componentes curriculares.

Entende-se que apesar dos avanços nas políticas públicas em prol da educação dos surdos nos últimos anos, o sistema não tem favorecido no processo de escolarização desses indivíduos, pois há uma carência de formação inicial e continuada para professores e demais profissionais que atuam diretamente com a educação de surdos. Além disso, faltam recursos didáticos que tenham como proposta a Libras como língua de instrução e o entendimento dos mecanismos de avaliação que perpassam as complexidades do ser surdo conforme previsto no Decreto 5.626/2005.

Concluindo, diante dos impasses encontrados até o momento, em especial, a falta de investimentos para a educação bilíngue de surdos no Brasil, esses fatores têm colaborado para que essa proposta caminhe lentamente, contribuindo para que haja prejuízos no processo educacional desses estudantes.

Referências

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[1] Doutorando em Educação pela Universidade Estadual de Santa Catarina. E-mail: [email protected].

[2] Professor Adjunto na Universidade Federal de São Paulo – UNIFESP, Doutor e Mestre em Educação e Saúde pela UNIFESP, São Paulo, SP, Brasil, [email protected].

[3] Professor de Prática de Ensino em Educação Infantil do Departamento de Metodologia do Ensino da Universidade do Estado de Santa Catarina/UDESC, Centro de Ciências da Educação/FAED. E-mail: [email protected].

Wenis Vargas de Carvalho

Wenis Vargas de Carvalho

Doutorando em Educação pela Universidade Estadual de Santa Catarina. E-mail: [email protected].

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Reflexões, Proposições e Desafios na Construção do Conhecimento Acadêmico e Científico no Brasil: 2022

DOI do Capítulo:

10.32749/nucleodoconhecimento.com.br/livros/

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