REVISTACIENTIFICAMULTIDISCIPLINARNUCLEODOCONHECIMENTO
Livros Acadêmicos

1.10 Reflexões sobre a dicotomia dos efeitos das instituições reguladoras do conhecimento

5/5 - (9 votos)

Carla Viana Dendasck [1]

Euzébio de Oliveira [2]

Amanda Alves Fecury [3]

Cláudio Alberto Gellis de Mattos Dias [4]

DOI: 10.32749/nucleodoconhecimento.com.br/livros/741

 

Sabe-se que o desenvolvimento humano se dá especialmente através de três fatores essenciais: o físico (incluindo fatores genéticos), o cognitivo e o psicossocial. Além disso, os inúmeros ambientes e situações que o indivíduo é exposto, estabelecem mecanismos próprios de sinapses que serão responsáveis por influenciar direta e indiretamente toda sua funcionalidade (PAPALIA e FELDMAN, 2013).  Dentre todos os ambientes de aprendizagem e obtenção do conhecimento, a instituição escolar será uma das instituições que mais terão influência no processo formativo deste indivíduo.

A educação é balizada também como parte dos Direitos Humanos Naturais, desde 1948. No Brasil, o Direito à Educação escolar é estabelecido pela Constituição Federal de 1988 como um direito fundamental e social, exposto no Capítulo III, artigos 205 a 214 da CF. Posteriormente, a Leis de Diretrizes e Bases (LDB) de 1996, o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), dentre outros.

O que se pretende nesta reflexão, não é discorrer sobre a educação enquanto princípio ou direito, já que isto é mais do que debatido na literatura, mas sim, sobre o que está sendo ensinado, e, ainda, como os organismos reguladores apresentam-se dicotômicos, dado que ao mesmo tempo que são necessários e fundamentais, acabam por interpor e produzir caminhos obrigatórios que nem sempre poderão ser considerados o caminho correto, ocasionando a indução de um saber que se mostra ineficiente mediante a sociedade que está sendo construída, bem como, com relação às competências que estão sendo apontadas como necessárias para o futuro (BANCO MUNDIAL, 2022).

Assim, para compreendermos as dicotomias dessas Instituições na construção do conhecimento acadêmico e científico do Brasil, devemos fazer um breve resgate histórico até a concepção do Plano Real, que se deu no ano de 1994, no governo de Itamar Franco, idealizado especialmente por Fernando Henrique Cardoso. Apesar de ser considerado um marco para a estabilização econômica do Brasil, dentre as ações que foram necessárias para sua efetivação, encontra-se a adesão do Brasil aos diversos organismos internacionais, como o Fundo Monetário Internacional (FMI) e o Banco Mundial (BM). Dentre os compromissos assumidos pelo Brasil como signatário, estava o aumento da escolarização, impulsionando uma série de iniciativas e políticas públicas.

Assim, até os dias contemporâneos, as agências reguladoras da educação brasileira, acabam por basear-se nas tomadas de decisões e indicações destas agências. O Banco Mundial realiza conferências anuais, cria índices e estabelece parâmetros que os países signatários devem aderir, bem como, apresenta soluções e estratégias que possam atender às respectivas demandas. Essas indicações influenciam diretamente as iniciativas governamentais, bem como, impulsionam discussões que influenciarão diretamente todo o sistema de educação, que buscam estabelecer métricas comprobatórias de que tais índices estão sendo alcançados.

Em 2018, o Banco Mundial criou o Índice de Capital Humano, um índice que mede o potencial econômico de um país a partir da capacidade profissional e intelectual de seus cidadãos. A partir desse índice, os países sentem os reflexos diretos e indiretos de iniciativas de investimento. Assim, as agências reguladores da construção do conhecimento acadêmico e científico do Brasil, acabam por atuar dentro de uma dicotomia, que ao invés de focar-se em busca de uma resolução de problemas, de acordo com as necessidades locais, e, daí a considerar o tamanho de extensão e diversidade cultural brasileira, se veem no desafio de servir apenas como instrumentalizadoras de produção de dados que possam, de certa forma, parecer agradáveis aos olhos de quem está interessado em fazer comparações métricas globais.

Não se quer nesta reflexão, trazer um caráter desmerecedor destas agências, muito pelo contrário, qualquer setor que trabalhe sem que haja uma fiscalização, tende a desenvolver caminhos tortuosos e ineficientes. No entanto, o que se quer aqui, é buscar refletir sobre até que ponto essas agências devem subverter-se às orientações internacionais, sem levar em consideração as realidades reais de uma população.

No Fórum Econômico do Banco Mundial realizado em 2022, a educação formal aparece mais uma vez como base da preparação profissional e capital, atingindo diretamente o Índice de Capital Humano (BANCO MUNDIAL, 2022). No entanto, esses índices levam em consideração apenas as métricas de índices de alfabetização, nível médio, superior, formação técnica e títulos de mestrado e doutorado. Esquecendo-se das peculiaridades qualitativas que envolvem esta forma de conceber o conhecimento.

Na sequência, estabelecem a necessidade de preparar indivíduos com capacidades múltiplas e reconhecimento profundo da tecnologia. Dentro dos números e das métricas, tais inquisições parecem ser satisfatórias, e, levemente efetivas. No entanto, se levarmos em conta as necessidades reais, e nos impactos que estas exigências estão sendo reproduzidas, podemos aqui, repensar a forma real e mais efetiva para se construir um novo caminho para que sejamos capazes de estabelecer um conhecimento acadêmico e científico que realmente seja profícuo de subsidiar o desenvolvimento econômico e social do Brasil.

Podemos sentir tais reflexos em todas as camadas da sociedade. Matos et al. (2021) aludem que o analfabetismo funcional, ou seja, aquele que o indivíduo pode até saber os sinais, porém não sabem realizar suas respectivas associações, ou ainda cognizar seus significados, tem-se apresentado no Brasil mais grave do que os índices de analfabetismo no Brasil. Assim, nota-se que ao invés do Sistema de Avaliação da Educação Básica (SAEB), realizado desde 1990 seja utilizado de forma a promover políticas direcionadas para promoção de efetividade de acordo com cada região, acaba por ocupar-se, apenas na produção de métricas que sirvam para compor as discussões internacionais (BRASIL, 2022).

Reflexos também poderão ser sentidos nos resultados da formação e construção do saber dos alunos do Ensino Médio, que passam a adotar um horário estendido na jornada escolar, atendendo a demanda do Novo Ensino Médio, porém, sem levar em consideração a realidade da falta de professores e planejamento para compor uma estrutura que realmente possa levar esses indivíduos a uma construção eficaz na jornada do conhecimento e do saber acadêmico e científico. Ou ainda, no aumento dos cursos de graduação, que hoje geram crises em várias camadas profissionais.

Todas essas reflexões, são apenas uma linha que queremos aqui estabelecer para se construir uma discussão futura, baseada na capacidade de pensamento crítico de nós acadêmicos, cientistas e pesquisadores, em propostas de soluções para este cenário.

Considerações finais

Como educadores, pesquisadores e cientistas, sentimos dia a dia a dificuldade de se construir um saber capaz de atender as demandas e necessidades locais e sociais, uma vez que somos empurrados a atender as métricas que muitas vezes são traçadas para atender uma demanda internacional, porém, que dificulta, não só o exercício diário, mas também, impossibilita as discussões para a construção efetiva e duradoura, que traga impacto não só momentâneos, mas, que gere uma rede perene do saber. Talvez, esteja na hora de encararmos esse problema de frente, buscando soluções que possam construir uma sociedade efetivamente emancipada.

Referências

BANCO MUNDIAL. Fórum, 2022. Disponível em: https://www.worldbank.org/pt/country/brazil. Acesso em: dez. 2022.

BRASIL. Ministério da Educação. SAEB. MEC e Inep divulgam resultados do Saeb e do Ideb 2021. Disponível em: https://www.gov.br/inep/pt-br/assuntos/noticias/saeb/mec-e-inep-divulgam-resultados-do-saeb-e-do-ideb-2021. Acesso em: dez. 2022.

MATOS, E.M.B; MATOS, B.S; ALVES, F.R.V.A. Analfabetismo funcional: Reflexões sobre o desenvolvimento educacional no Brasil. Revista Ibero-Americana de Humanidades, Ciências e Educação. São Paulo, v. 7.n. 6. jun. 2021. ISSN – 2675 – 337

PAPALIA D.E; FELDMAN, R.D. Desenvolvimento Humano. 12ª edição. Artmed Editora, 2012.

[1] Doutora em Psicanálise Clínica com ênfase em Neurociência, Doutoranda em Comunicação e Semiótica, Mestre em Psicanálise Clínica, Mestre em Ciências da Religião, Bióloga e Teóloga. Pesquisadora e Editora-chefe da Revista Científica Multidisciplinar Núcleo do Conhecimento.

[2] Licenciado em Ciências Biológicas (Licenciatura e Bacharelato). Mestre em Biologia Ambiental (IECOS/UFPA) e Doutor em Doenças Tropicais (NMT/UFPA). Professor na Universidade Federal do Pará – Campus Castanhal. Sou professor/pesquisador permanente no Programa de Pós-Graduação em Estudos Antropogênicos na Amazónia (PPGEAA/UFPA); Programa de Pós-Graduação em Saúde na Amazónia (PPGSA/NMT/UFPA)

[3] Possui graduação em Ciências Biológicas – Modalidade Médica (Biomedicina) pela Universidade Federal do Pará (2004) e título de especialista em Microbiologia (2006) pela mesma instituição. Mestrado (2011) e Doutorado em Doenças Tropicais (2015) pelo programa de Pós-graduação do Núcleo de Medicina Tropical da Universidade Federal do Pará. É pesquisadora colaboradora do Laboratório de Patologia Clínica das Doenças Tropicais do mesmo núcleo e Professora Pesquisadora do Curso de Medicina da Universidade Federal do Amapá. Atua principalmente nas seguintes áreas: Genética, com ênfase em Genética Humana e Médica, Microbiologia, Parasitologia e Epidemiologia. Atualmente é Pró-reitora de Pesquisa e Pós-graduação da Universidade Federal do Amapá.

[4] Biólogo, Doutor em Teoria e Pesquisa do Comportamento, Professor e pesquisador do Instituto de Ensino Básico, Técnico e Tecnológico do Amapá (IFAP), do Programa de Pós-graduação em Educação Profissional e Tecnológica (PROFEPT IFAP) e do Programa de Pós-graduação em Biodiversidade e Biotecnologia da Rede BIONORTE (PPG-BIONORTE), polo Amapá.; Líder do Grupo de Pesquisa em Metodologias para Ensino, Epidemiologia, Saúde Pública e Tecnologia na Amazônia – GPMESPTeAm IFAP

Carla Viana Dendasck

Carla Viana Dendasck

Doutorado em Psicologia e Psicanálise Clínica. Doutorado em andamento em Comunicação e Semiótica pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC/SP). Mestrado em Ciências da Religião pela Universidade Presbiteriana Mackenzie. Mestrado em Psicanálise Clínica. Graduação em Ciências Biológicas. Graduação em Teologia. Atua há mais de 15 anos com Metodologia Científica (Método de Pesquisa) na Orientação de Produção Científica de Mestrandos e Doutorandos. Especialista em Pesquisas de Mercado e Pesquisas voltadas a área da Saúde. ORCID: 0000-0003-2952-4337. Lattes: http://lattes.cnpq.br/2008995647080248

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Capa do Livro

Reflexões, Proposições e Desafios na Construção do Conhecimento Acadêmico e Científico no Brasil: 2022

DOI do Capítulo:

10.32749/nucleodoconhecimento.com.br/livros/

741

DOI do Livro:

10.32749/nucleodoconhecimento.com.br/livros/

604

Capítulos do Livro

Livros Acadêmicos

Promova o conhecimento para milhões de leitores, publique seu livro acadêmico ou um capítulo de livro!