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A Prescritibilidade das Ações de Ressarcimento ao Erário

RC: 3810
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CONTEÚDO

MURARO, Igor Santos [1]

MURARO, Igor. A prescritibilidade das ações de ressarcimento ao erário. Revista Científica Multidisciplinar Núcleo do Conhecimento, Ano, 1, Vol.7, p. 63-76. Agosto de 2016. ISSN:2448-0959

RESUMO

O artigo 37, §5º, da Constituição da República, ao contemplar a ressalva acerca da existência ou não de prazo de prescrição para que as Fazendas Públicas ajuízem as respectivas ações de ressarcimento, decorrentes dos danos causados, sempre acabou por dividir tanto a doutrina quanto a jurisprudência com relação à existência ou não deste prazo para o exercício do direito de ação. O presente trabalho pretende demonstrar que qualquer interpretação do dispositivo em comento que leve à conclusão pela imprescritibilidade das ações de ressarcimento, seria incompatível com o sistema jurídico como um todo, conforme a atual jurisprudência do Supremo Tribunal Federal acerca do tema.

Palavras Chave: Direito Administrativo. Ressarcimento ao erário. Prescrição. Segurança Jurídica.

INTRODUÇÃO

O artigo 37, §5º, da Constituição da República sempre dividiu tanto a doutrina quanto a jurisprudência, principalmente, no que tange à ressalva contemplada nesse dispositivo no que se refere à suposta imprescritibilidade das ações de ressarcimento ao erário a serem propostas pelas respectivas Fazendas Públicas.

Tanto isso é verdade, que o próprio Supremo Tribunal Federal, ao reapreciar o sobredito tema, reformou o entendimento que havia sido anteriormente firmado acerca da imprescritibilidade dessa pretensão estatal.

Em vista disso, pretendemos, por meio do presente trabalho, demonstrar qual a devida interpretação de que deve ser adota pelo hermeneuta, diante da ressalva contida no referido dispositivo constitucional, principalmente à luz do princípio da segurança jurídica.

1. PRINCÍPIO DA SEGURANÇA JURÍDICA

Antes de nos debruçarmos mais especificamente sobre o tema referente à existência ou não de prazo prescricional para propositura de ação de reparação de danos à Fazenda Pública decorrente de ilícito, é imprescindível nos ocuparmos, ainda que sem esgotar o tema, sobre o princípio da segurança jurídica, que constitui verdadeira essência do próprio Direito, notadamente de um Estado Democrático de Direito (MELLO, 2014, p. 126).

Com efeito, a estabilidade das relações jurídicas é um valor fundamental de todo e qualquer Estado que tenha a pretensão de merecer o título de Estado de Direito, de tal sorte que, pelo menos desde a Declaração dos Direitos Humanos de 1948 o direito à segurança passou a constar nos principais documentos internacionais e em expressivo número nas Constituições modernas (SARLTE, 2002, p. 53-54). Tanto isso é verdade, que “As teorias democráticas acerca da origem e justificação do Estado, de base contratualista, assentam-se sobre uma cláusula comutativa: recebe-se em segurança aquilo que se concede em liberdade” (BARROSO, 2003, p. 52-53).

Ora, não hesitamos que o Direito se propõe a ocasionar determina estabilidade nas relações sociais, buscando atribuir um mínimo de certeza na regência da vida social. E isso para termos uma previsibilidade das condutas humanas, e aqui também se incluem as condutas estatais. É dizer, temos que a ordem jurídica corresponde a um quadro normativo proposto precisamente voltado a orientar as pessoas, as quais, sabendo o que devem ou podem fazer, diante das ulteriores consequências imputáveis aos seus atos.

E essa previsibilidade que o ordenamento jurídico enseja acaba por condicionar a ação humana, fazendo com que, conforme magistério de Celso Antônio Bandeira de Mello, inúmeras relações se constituem tendo em vista a certeza que os resultados, não apenas imediatos, mas também mediatos delas decorrentes, evitando que as partes sofram qualquer abalo repentino que vá de encontro à estabilidade das situações constituídas. Eis o que, didaticamente, assinala sobredito autor (MELLO, 2014, p. 127):

O Direito proe-se a ensejar uma certa estabilidade, um mínimo de certeza na regência da vida social. Daí o chamado princípio da “segurança jurídica”, o qual, bem por isto, se não é o mais importante dentre todos os princípios gerais de Direito, é, indisputavelmente, um dos mais importantes entre eles. Os intitutos da prescrição, da decadência, da preclusão (na esfera processual), do usucapião, da irretroatividade da lei, do direito adquirido, são expressões concretas que bem revelam esta profunda aspiração à estabilidade, à segurança, conatural do Direito. Tanto mais porque inúmeras dentre as relações compostas pelos sujeitos de direito constituem-se em vista do porvir e não apenas da imediatidade das situações, cumpre, como inafastável requisito de um ordenado convívio social, livre de abalos repentinos ou surpresas desconcertantes, que haja uma certa estabilidade nas situações destarte constituídas

Logo, podemos vislumbrar o princípio da segurança jurídica sob uma dupla perspectiva. Quais sejam: certeza e estabilidade. Esta açambarca os institutos jurídicos voltados à conservação dos direitos subjetivos e das expectativas de direito que os indivíduos depositam no Estado, enquanto a primeira se volta ao seguro conhecimento das normas jurídicas, indispensável à previsibilidade necessária para que o homem possa projetar a sua vida, conforme magistério de Rafael Valim sobre o tema (VALIM, 2010, p. 46).

É comum dividir-se o princípio da segurança jurídica em dois aspectos, não obstante, também com frequência, não se leve, consequentemente, tal distinção. Segundo nos parece, a classificação que expõe com maior clareza e abrangência este princípio leva em conta os dois núcleos conceituais por ele agasalhados, quais sejam: a certeza e a estabilidade

Não duvidamos, portanto, acerca da importância da seguraná jurídica, outorgando previsibilidade às condutas humanas. E, ao estarmos diante de relações que envolvem a Administração Pública como uma das partes, verificamos que esse princípio se torna ainda mais caro nessas relações. Tanto isso é verdade, que a despeito dele não poder ser radicado de qualquer dispositivo constitucional específico, está explicitamente contemplado na legislação infraconstitucional que regula a atividade administrativa, mais especificamente no art. 2º da Lei federal 9.784/1999 [2], que disciplina o processo administrativo no âmbito federal.

Sucede que o direito tem apenas a pretensão de regular e condicionar as condutas e relações humanas, não possuindo, todavia, a capacidade de efetivamente implementá-las ou impedir que elas não sejam cumpridas no mundo dos fatos. É dizer, pairando no mundo do dever-se, o direto não desce ao pragmatismo das relações humanas para concretamente inibir que condutas sejam praticadas ao arrepio do prescrito pelo ordenamento.

Diante disso, na hipótese de descumprimento de uma norma, a ordem jurídica estabelece um conjunto de consequências. E isso de modo que, mesmo diante da prática de atos incompatíveis com o normativamente prescrito, ainda assim, saberemos de antemão qual a decorrência desse descumprimento, garantindo que os sujeitos da relação tenham segurança quanto aos desdobramentos dessa situação.

E dentre as figuras que a ordem jurídica contempla, para resolver o problema da segurança jurídica como forma de garantia da estabilidade mencionada anteriormente, temos a caducabilidade.

Ainda que reconheçamos que o tema exija uma análise mais aprofundada, para fins deste trabalho basta-nos a conceituação de Eduardo Arruda Alvim (2012, p. 358-359), no sentido de que decadência é a perda do direito propriamente dito, em razão do decurso do tempo, ao passo que prescrição significa a extinção da pretensão, ainda que tal não leva à perda do direito por ela tutelado. É dizer, quando há a perda do próprio direito em si, direito substantivo, temos a figura da decadência e, por outro lado, na hipótese de preclusão da possibilidade de exercício, da ação, que protege o mencionado direito, estamos diante da prescrição.

Diante disso, temos a prescrição como um componente do princípio da segurança jurídica, eis que uma das formas de se assegurar a segurança e estabilidade das relações sociais se opera, justamente, por meio da fixação de lapso temporal para o exercício de determinada pretensão. Daí ser o direito um sistema hermético, pois, ao resguardar o presente contra fatos ocorridos no passado, o direito permite a estabilização das relações jurídicas pelo decurso do tempo, recompondo-se.

A despeito de a prescrição ser regra em nosso ordenamento, somente em duas hipóteses a Constituição da República entendeu que a perpetuação de um conflito era mais benéfica à ordem jurídica que a sua interrupção pela prescrição.

Deveras, conforme assinala o art. 5º, XLII e XLIV, respectivamente, “a prática do racismo constitui crime inafiançável, imprescritível, sujeito à pena de reclusão, nos termos da lei” e “constituí crime inafiançável e imprescritível a ação de grupos armados, civis ou militares, contra a ordem constitucional e o Estado Democrático”.

Sucede que, a despeito de ordenamento jurídico apenas contemplar a imprescritibilidade de forma expressa nessas duas situações, ao se deparar com o previsto no art. 37, §5º, da Constituição da República, a doutrina e o próprio Supremo Tribunal Federal divergem quanto à devida interpretação desse dispositivo, quanto à prescritibilidade ou não das ações de ressarcimento ao erário.

2. DA AÇÃO DE RESSARCIMENTO AO ERÁRIO PREVISTA NO ART. 37, §5º, CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA

Conforme assinala o art. 37, §5º, da Constituição da República, “A lei estabelecerá os prazos de prescrição para ilícitos praticados por qualquer agente, servidor ou não, que causem prejuízo ao erário, ressalvadas as respectivas ações de ressarcimento”.

Por ocasião do julgamento do Mandado de segurança 26.210 o Supremo Tribunal Federal enfrentou pela primeira vez o tema da imprescritibilidade contemplada nesse dispositivo constitucional, mais precisamente, o termo ressalvadas no que se refere às ações de ressarcimento ao erário.

É dizer, demandou-se que aquela Corte esclarecesse se sobredita ressalva prevê a imprescritibilidade para propositura das ações de ressarcimento, ou, diferentemente disso, se o prazo prescricional para tanto será distinto daquela fixado para a apuração do ilícito.

Deveras, o Supremo Tribunal Federal apreciou essa questão diante do seguinte conflito: o Tribunal de Contas da União condenou uma bolsista do Conselho Nacional de Pesquisas (CNPq) à devolução de uma bolsa que havia recebido para estudar formigas na Universidade de Cambridge, com a obrigação de retornar ao país, após a conclusão do seu doutorado, mas assim não o fez.

A despeito de a obrigação de a bolsista retornar ao Brasil ter se aperfeiçoado em 1996, somente em 2009 é que o Tribunal de Contas da União a condenou à devolução dos valores correspondentes à bolsa de estudos outorgada pelo CNPq. É dizer, somente após o transcurso de quase quatorze anos da data em que ela teria que ter retornado ao Brasil, é que houve a sua condenação à restituição de valores indevidamente apropriados pela bolsista.

Logo, o Supremo Tribunal Federal teve que se debruçar sobre a seguinte questão: a inércia do Estado em cobrar uma dívida, passados treze anos da data em que se constituiu a mora do particular com relação à obrigação assumida, ensejaria a prescrição de o Estado portular o ressarcimento da quantia não adimplida pelo administrado, à luz do artigo 37, §5º, da Constituição da República?

Nesse ponto, julgamos ser relevante as observações levantadas pelo Ex-Min. Cezar Peluso, nos seguintes termos:

Esta norma estabelece claramente uma exceção – eu diria, exceção marcante – em relação ao princípio jurídico universal: o princípio de limitação do prazo de exercício de toras as pretensões, porque é este requisito de segurança jurídica. Há larga discussão em doutrina sobre as ações declaratórias, para saber se seriam ou não imprescritíveis, mas a regra geral, como princípio universal, formulado em benefício da paz social e da segurança jurídica, é que todas as pretensões estão sujeitas à prescrição, e alguns direitos, sujeitos à decadência. Então, em se tratando de exceção a uma regra de tão amplo alcance, teria de ser interpretada, já dessa ponte de vista, estritamente

Sucede que, por maioria de votos, aquela Corte assinalou que não teria ocorrido prescrição na hipótese. E isso sob o fundamento de que a interpretação que deve ser atribuída a parte final do artigo 37, §5º, da Constituição da República é no sentido de que apenas a apuração e punição do ilícito é que prescreverás, mas, não, o direito da Administração ao ressarcimento, à indenização, do prejuízo causado ao erário.

Ou seja, o termo ressalvada contemplado nesse dispositivo se prestaria a afastar eventual prazo prescricional a ser fixado pela legislação infraconstitucional, de modo que a ações de ressarcimento ao erário são imprescritíveis.

No que tange à alegada ocorrência de prescrição, incide, na espécie, o disposto no art. 37, §5º, da Constituição de 1988.

[…]

Considerando-se ser a Tomada de Contas Especial um processo administrativo que visa a identificar responsáveis por danos causados ao erário, e determinar o ressarcimento do prejuízo apurado, entendo aplicável ao caso sob exame a parte final do referido dispositivo constitucional

Todavia, por ocasião do julgamento do Recurso extraordinário 669.069 o Supremo Tribunal Federal, uma vez mais, debruçou-se sobre esse tema.

O referido recurso foi interposto pela União visando reformar o acórdão proferido pelo Tribunal Regional Federal da 1ª Região, que aplicou o prazo prescricional de cinco anos, mantendo a sentença que extinguiu a ação de ressarcimento por danos causados ao patrimônio público, decorrente de acidente de trânsito.

Deveras, na hipótese concreta, em 2008 a União ajuizou ação de ressarcimento em face de uma empresa de transporte rodoviário e um de seus motoristas, por entender que houve culpa exclusiva do condutor do ônibus em batida contra uma viatura da Companhia da Divisão Anfíbia da Marinha, corrida em outubro de 1997. Ou seja, a União ajuizou ação de ressarcimento transcorrido mais de onze anos da ocorrência do dano.

Sucede que nesse novo julgamento, o Supremo Tribunal Federal, revendo o posicionamento anteriormente firmado, confirmou a tese de repercussão geral no sentido de que “É prescritível a ação de reparação de danos à Fazenda Pública decorrente de ilícito civil”.

Por maioria, os ministros acompanharam o voto do relator, Ministro Teori Zavascki, com a tese proposta pelo Ministro Luís Roberto Barroso. Deveras, conforme assinalado pelo relator, a ressalva contida no artigo 37, §5º, da Constituição da República deve ser compreendida de forma restrita, eis que uma interpretação ampla da ressalva final contida nesse dispositivo levaria à imprescritibilidade de toda e qualquer ação de ressarcimento movida pelo Estado, mesmo aquelas fundadas em ilícitos civis que não decorram de culpa ou dolo.

Aliás, conforme proposto pelo Ministro Luís Roberto Barroso, e acompanhado pelos demais membros daquela Corte que negaram provimento ao recurso extraordinário da União, o tema da imprescritibilidade se limitava às ações de ressarcimento decorrente de ilícito civil, não englobado aqueles decorrentes de improbidade administrativa ou mesmo de ilícitos penais.

Eis os seguintes trechos do acórdão proferido pelo Supremo Tribunal Federal, por ocasião do recurso extraordinário em comento:

No mérito, está em causa controvérsia jurídica a respeito do sentido e do alcance do disposto na parte final do art. 37, § 5º, da Constituição Federal, do seguinte teor:

[…]

Essa ressalva final do texto normativo deu margem à instalação de um impasse dogmático a seu respeito. Uma das linhas de entendimento é essa sugerida pelo recurso, que, fundado em interpretação literal, atribui à ressalva constitucional a consequência de tornar imprescritível toda e qualquer ação de ressarcimento movida pelo erário, desde que o dano reclamado decorra de algum ilícito, independentemente da natureza dessa ilicitude. Ocorre, todavia, que ilícito, em sentido amplo, é “tudo quanto a lei não permite que se faça, ou é praticado contra o direito, a justiça, os bons costumes, a moral social ou a ordem pública e suscetível de sanção” (NUNES, Pedro. Dicionário de Tecnologia Jurídica, 12ª ed., Livraria Freitas Bastos, p. 478). Para configuração do ilícito, nesse sentido amplo, “o que se exige, a todos, além do ato (e às vezes da culpa), é a contrariedade à lei”, explica Pontes de Miranda (Tratado de Direito Privado, Tomo II, SP: RT, 1974, p. 207). Ora, se fosse nesse amplíssimo sentido o conceito de ilícito anunciado no § 5º do art. 37 da CF, estaria sob a proteção da imprescritibilidade toda e qualquer ação ressarcitória movida pelo Erário, mesmo as fundadas em ilícitos civis que sequer decorrem de dolo ou culpa. A própria execução fiscal seria imprescritível, eis que a não satisfação de tributos ou de outras obrigações fiscais, principais ou acessórias, certamente representa um comportamento contrário ao direito (ilícito, portanto) e causador de dano. Essa visão tão estremada certamente não se mostra compatível com uma interpretação sistemática do ordenamento constitucional. Mesmo o domínio jurídico específico do art. 37 da Constituição, que trata dos princípios da administração pública, conduz a uma interpretação mais restrita.

[…]

Em suma, não há dúvidas de que o fragmento final do § 5º do art. 37 da Constituição veicula, sob a forma da imprescritibilidade, uma ordem de bloqueio destinada a conter eventuais iniciativas legislativas displicentes com o patrimônio público. Esse sentido deve ser preservado. Todavia, não é adequado embutir na norma de imprescritibilidade um alcance ilimitado, ou limitado apenas pelo (a) conteúdo material da pretensão a ser exercida – o ressarcimento – ou (b) pela causa remota que deu origem ao desfalque no erário – um ato ilícito em sentido amplo. O que se mostra mais consentâneo com o sistema de direito, inclusive o constitucional, que consagra a prescritibilidade como princípio, é atribuir um sentido estrito aos ilícitos de que trata o § 5º do art. 37 da Constituição Federal, afirmando como tese de repercussão geral a de que a imprescritibilidade a que se refere o mencionado dispositivo diz respeito apenas a ações de ressarcimento de danos decorrentes de ilícitos tipificados como de improbidade administrativa e como ilícitos penais.

Tendo em vista as razões que expusemos sobre o tema, verificamos que o atual posicionamento firmado pelo Supremo Tribunal Federal, com relação a interpretação da ressalva contida no artigo 37, §5º, da Constituição da República está em consonância com o ordenamento jurídico pátrio.

Deveras, sendo o instituto da prescrição uma das facetas do princípio da segurança jurídica, toda e qualquer exceção à prescritibilidade do exercício de qualquer direito subjetivo deve constar de forma expressa no texto constitucional. E isso sob pena de afronta ao princípio da segurança jurídica que, reiteramos, constituiu verdadeira essência do próprio Direito.

Daí porque, ao se deparar com dispositivos que proporcionem margem de dúvida quanto à prescritibilidade de determinada pretensão, tal como ocorre com o artigo 37, §5º, da Constituição da República, o hermeneuta deve interpretá-lo à luz do princípio da segurança jurídica, recusando toda e qualquer pretensão voltada contra a prescritibilidade da pretensão estatal.

Em vista disso, temos que a ressalva contida no §5º do artigo 37 da Constituição da República não contempla a imprescritibilidade da pretensão estatal ao ressarcimento do dano causado ao erário. Diferentemente disso, a mencionada ressalva diz respeito à distinção que deverá existir entre o prazo de prescrição para sancionar a infração que causa danos ao erário da infração que tem o escopo de recompor o erário pelo dano causa, ou seja, não se aplica as essas duas sanções o mesmo prazo prescricional.

Entretanto, esse mesmo artigo 37, §5º, da Constituição da República assinala que os ilícitos que causem danos ao erário terão prazo de prescrição estabelecidos em lei, sem, contudo, determinar qual ilícito que causará danos ao erário que está englobado por esse dispositivo constitucional. É dizer, a lesão ao erário pode decorrer de um ilícito civil, penal, administrativo ou, até mesmo, tributário.

Logo, essa mesma ressalva deve ser interpretada no sentido de que, dentre as múltiplas infrações que podem resultar em danos ao erário, a lei identificará qual dessas infrações são passíveis de ressarcimento. Ressaltamos, aliás, que por ocasião do julgamento do Recurso extraordinário 669.069, o Supremo Tribunal Federal esclareceu que naquela oportunidade versava-se apenas acerca do ressarcimento ao erário decorrente de ilícito civil.

Deveras, conforme esclarecido pelo Ministro Dias Toffoli, “Não há no tema de fundo discussão quanto à improbidade administrativa nem mesmo de ilícitos penais que impliquem em prejuízos ao erário ou, ainda, das demais hipóteses de atingimento do patrimônio estatual nas suas mais variadas formas”.

CONCLUSÃO

Feitas as considerações acimas, verificamos que a prescrição é um componente do princípio da segurança jurídica, eis que uma das formas de se assegurar a segurança e estabilidade das relações sociais se opera, justamente, por meio da fixação de lapso temporal para o exercício de determinada pretensão.

Diante disso, por ser a imprescritibilidade uma exceção em nosso ordenamento jurídico (somente preconizada no art. 5º, XLII e XLIV, da Constituição da República), toda e qualquer interpretação de um dispositivo normativo, seja ele constitucional ou infraconstitucional, que importe na imprescritibilidade de uma determinada pretensão, deve ser interpretado cum grano salis.

E isso como forma de se evitar que o reconhecimento de eventual incaducabilidade resulte no rompimento com o sistema jurídico pátrio, tendo em vista ser o princípio da segurança jurídica verdadeira essência do próprio Direito.

É dizer, ao se deparar com dispositivos que proporcionem margem de dúvida quanto à prescritibilidade de determinada pretensão, tal como ocorre com o artigo 37, §5º, da Constituição da República, o hermeneuta deve interpretá-lo à luz do princípio da segurança jurídica, refutando toda e qualquer pretensão voltada contra a imprescritibilidade da pretensão estatal.

Daí porque, comungamos do posicionamento adotado pelo Min. Teori Zavascki, por ocasião do julgamento do Recurso Extraordinário 669.069, no sentido que é mais consentâneo com o nosso ordenamento jurídico, que consagra a prescritibilidade como princípio, atribuir um sentido estrito aos ilícitos de que trata o art. 37 da Constituição Federal, afirmando como tese de repercussão geral a de que a imprescritibilidade a que se refere o mencionado dispositivo diz respeito apenas a ações de ressarcimento de danos decorrentes de ilícitos tipificados como de improbidade administrativa e como ilícitos penais.

Por fim, ressaltamos que, uma vez mais, o Supremo Tribunal Federal se debruçará sobre o tema da prescritiblidade das ações de ressarcimento ao erário. Com efeito, dessa vez, por ocasião do reconhecimento de existência de repercussão geral no Recurso extraordinário 852.475, a Corte Suprema tratará da prescrição nas ações de ressarcimento ao erário por parte de agentes públicos em decorrência de ato de improbidade administrativa.

Nessa ocasião, o debate ficará em torno da celeuna acerca da aplicação do prazo prescricional de cinco anos a contar do conhecimento do fato, tal como previsto no art. 23 da Lei federal 8.429/1992, ou, diferentemente disso, se prevalece o entendimento já firmado acerca da devida interpretação do artigo 37, §5º, da Constituição da República.

Ao nosso ver, mesmo com relação ao Recurso extraordinário 852.475, que levará o tema da prescritibilidade das ações de ressarcimento ao erário ao Plenário do Supremo Tribunal Federal, a cautela jurídica que o tema merece é a mesma apresentada no presente trabalho e esposada por aquela mesma Corte, por ocasião do julgamento do Recurso extraordinário 669.069.

Ou seja, ao se deparar com dispositivos, constitucionais ou infraconstitucionais, que proporcionem margem de dúvida quanto à prescritibilidade de determinada pretensão, o hermeneuta deve interpretá-lo à luz do princípio da segurança jurídica, refutando toda e qualquer pretensão voltada contra a imprescritibilidade da pretensão estatal.

REFERÊNCIAS

ALVIM, Eduardo Arruda. Direito Processual Civil. São Paulo: Revista dos Tribunais, 4ª ed., 2012.

BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio. Curso de Direito Administrativo. São Paulo: Malheiro, 31ª ed., 2014.

BARROSO, Luís Roberto. “A segurança jurídica na era da velocidade e do pragmatismo” In. Revista Trimestral de Direito Público, vol. 43. São Paulo: Malheiros, 2003.

SARLTE, Ingo Wolfgang. “A eficácia do direito fundamental à segurança jurídica: dignidade da pessoa humana, direitos fundamentais e proibição ao retrocesso social no direito constitucional brasileiro” In. Revista Trimestral de Direito Público, vol. 39. São Paulo: Malheiros, 2002.

VALIM, Rafael. O Princípio da Segurança Jurídica no Direito Administrativo Brasileiro. São Paulo: Malheiros, 2010.

2. “A Administração Pública obedecerá, dentre outros, aos princípios da legalidade, finalidade, motivação, razoabilidade, proporcionalidade, moralidade, ampla defesa, contraditório, segurança jurídica interesse público e eficiência”.

[1] Mestre em direito pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo – PUC/SP.  E-mail: [email protected]

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Igor Santos Muraro

Uma resposta

  1. A FINAL UMA PESSOA QUE FOI CONDENADA POR IMPROPRIEDADE POR DANOS AO ERÁRIO, O PROCESSO DELA PRESCREVE OU NÃO .

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