REVISTACIENTIFICAMULTIDISCIPLINARNUCLEODOCONHECIMENTO

Revista Científica Multidisciplinar

Pesquisar nos:
Filter by Categorias
Administração
Administração Naval
Agronomia
Arquitetura
Arte
Biologia
Ciência da Computação
Ciência da Religião
Ciências Aeronáuticas
Ciências Sociais
Comunicação
Contabilidade
Educação
Educação Física
Engenharia Agrícola
Engenharia Ambiental
Engenharia Civil
Engenharia da Computação
Engenharia de Produção
Engenharia Elétrica
Engenharia Mecânica
Engenharia Química
Ética
Filosofia
Física
Gastronomia
Geografia
História
Lei
Letras
Literatura
Marketing
Matemática
Meio Ambiente
Meteorologia
Nutrição
Odontologia
Pedagogia
Psicologia
Química
Saúde
Sem categoria
Sociologia
Tecnologia
Teologia
Turismo
Veterinária
Zootecnia
Pesquisar por:
Selecionar todos
Autores
Palavras-Chave
Comentários
Anexos / Arquivos

A Influência Da Mídia Sobre As Decisões Proferidas Pelo Tribunal Do Júri: O Afrontamento Ao Princípio Da Presunção De Inocência

RC: 83798
130
5/5 - (2 votes)
DOI: ESTE ARTIGO AINDA NÃO POSSUI DOI
SOLICITAR AGORA!

CONTEÚDO

ARTIGO ORIGINAL

OLIVEIRA, Douglas Silva De [1], SOUZA, Carolina Elisa Soares De [2], SANTOS, Franklin Vieira Dos [3]

OLIVEIRA, Douglas Silva De. SANTOS, Franklin Vieira Dos. A Influência Da Mídia Sobre As Decisões Proferidas Pelo Tribunal Do Júri: O Afrontamento Ao Princípio Da Presunção De Inocência. Revista Científica Multidisciplinar Núcleo do Conhecimento. Ano 06, Ed. 04, Vol. 13, pp. 29-42. Abril de 2021. ISSN: 2448-0959, Link de acesso: https://www.nucleodoconhecimento.com.br/lei/presunção-de-inocência

RESUMO

Em linhas gerais, a mídia possui a capacidade de influenciar diversos setores sociais, seja de forma benéfica ou não. A influência midiática nos casos de grande repercussão social, mormente relacionados aos casos julgados no Tribunal do Júri, pode acarretar danos aos direitos sociais constitucionalmente consagrados, principalmente no que tange ao princípio da presunção de inocência. Nesse aspecto, o presente artigo tem o objetivo de analisar o afrontamento ao princípio da presunção de inocência nas decisões proferidas pelo Tribunal do Júri em decorrência da influência midiática em tais decisões, sendo imperioso destacar que a presunção da inocência constitui um princípio fundamental, de grande relevância constitucional. Trata-se de uma pesquisa de cunho bibliográfico, com delineamento dedutivo e abordagem descritiva, com base nos estudos científicos existentes no ramo jurídico. O primeiro tópico do trabalho buscou analisar a abordagem do princípio da presunção de inocência e do Tribunal do Júri no contexto do atual ordenamento jurídico pátrio. No segundo tópico, buscou-se compreender o direito à informação e à liberdade de expressão atribuídos. O terceiro tópico visou analisar como ocorre a divulgação e o acompanhamento de casos de grande impacto social, notadamente os de competência do Tribunal do Júri. Assim, conclui-se que a mídia tem o condão de influenciar as decisões do tribunal do júri, notadamente nos casos de grande repercussão midiática.

Palavras-Chave:  tribunal do júri, direitos fundamentais, presunção de inocência, mídia.

1. INTRODUÇÃO

A caracterização e instituição de um Estado Democrático de Direito consagra a moderna valorização, em termos constitucionais, dos direitos fundamentais extrapatrimoniais, como à vida, à liberdade e à dignidade humana.

O Brasil, sob a ótica da Constituição Federal de 1988 e dos preceitos instituídos pelos Tratados Internacionais de Direitos Humanos, não foge dessa perspectiva, trazendo em sua estrutura jurídica a predominância dos princípios constitucionais de proteção ao ser humano.

Acerca dos direitos extrapatrimoniais, constata-se que o próprio ordenamento jurídico criminal do país dá maior foco aos tipos penais que lesam esses direitos constitucionalmente expressos. Podemos usar como exemplo: os crimes dolosos contra a vida, que possuem o procedimento especial do tribunal do júri.

Por outro lado, o ordenamento constitucional, bem como o regramento legal infraconstitucional, também consagrou como fundamentais o direito à liberdade de expressão, à livre informação, à liberdade de imprensa, entre outros. Tal atitude se deu, justamente, por causa do avanço democrático no país com o final da ditadura militar, alguns anos antes da elaboração da constituição. Em épocas passadas, a informação sofria rígido controle estatal de conteúdo, com a possibilidade de censuras e supressões daquilo que, de qualquer maneira, afrontasse o governo.

Assim sendo, como já é de conhecimento dos operadores do direito, ao momento da instituição de uma Constituição eminentemente garantista, passamos a nos deparar com determinados atritos entre direitos fundamentais.

Desta maneira, chega-se ao ponto central que será abordado no escopo deste artigo: as informações frequentemente fornecidas pela imprensa ao cidadão causam um julgamento precipitado dos acusados no tribunal do júri, violando, consequentemente, o princípio da presunção de inocência?

No primeiro tópico, será feita uma análise acerca do princípio da presunção de inocência, consagrado pela Constituição, e de que maneira este se faz presente no procedimento especial do tribunal do júri no atual contexto jurídico em que se insere o país.

No segundo tópico, apresentar-se-á o direito à informação e à liberdade de expressão, como estes são tratados no ordenamento jurídico pátrio. Igualmente, será analisada a aplicabilidade de tais direitos constitucionais à imprensa nacional.

Por fim, observar-se-á a abordagem midiática em casos crimes dolosos contra à vida de grande repercussão e como esta abordagem pode influenciar no resultado dos julgamentos dos acusados, interferindo, positivamente ou negativamente.

2. A PRESUNÇÃO DE INOCÊNCIA E O TRIBUNAL DO JÚRI NO ATUAL CONTEXTO JURÍDICO

A presunção de inocência é um princípio amplamente consagrado pelo ordenamento jurídico brasileiro. A Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 preceitua em seu art. 5°:

Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:

LVII – ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória. (BRASIL, 1988).

Não obstante, o Código de Processo Penal em seu art. 283, explicita que será preso, dentre outras situações expressamente definidas em lei, aquele que for condenado em virtude de sentença criminal transitada em julgado:

Art. 283. Ninguém poderá ser preso senão em flagrante delito ou por ordem escrita e fundamentada da autoridade judiciária competente, em decorrência de prisão cautelar ou em virtude de condenação criminal transitada em julgado. (BRASIL, 1941).

Assim, observa-se claramente que o sistema jurídico brasileiro adotou de forma ampla o princípio da presunção da inocência. Em breves palavras, pode-se dizer que o princípio da presunção da inocência consiste em não considerar determinado acusado culpado até que lhe seja dada a possibilidade de ampla defesa acerca dos fatos que lhe foram imputados e, de fato, após justo julgamento, este seja condenado.

Vale ressaltar que a constituição de 1988 foi a primeira constituição do país a acolher expressamente o princípio da presunção de inocência em seu conteúdo. As outras constituições, embora tivessem capítulos destinados aos direitos e garantias individuais, nenhuma garantiu explicitamente o princípio da presunção de inocência. (BARBAGALO, 2015).

Assim, o princípio da presunção de inocência visa a garantir que nenhum cidadão seja considerado culpado de maneira precoce, sem a análise profunda dos fatos e a posterior subsunção destes ao ordenamento jurídico criminal. Segundo o jurista italiano Luigi Ferrajoli (2014, p. 506): “esse princípio fundamental de civilidade representa o fruto de uma opção garantista a favor da tutela da imunidade dos inocentes, ainda que ao custo da impunidade de algum culpado”.

Além disso, o princípio da presunção de inocência, ou princípio da não culpabilidade, traz um amplo leque de outros dispositivos pertencentes à lei penal, como o in dubio pro reo, por exemplo, o qual garante ao réu que em casos de dúvida ou falta de clareza quanto à sua culpa, será absolvido.

Nos casos específicos do tribunal do júri, alguns instrumentos de defesa são ampliados, como é o caso da plenitude de defesa, mais abrangente que a ampla defesa tradicionalmente conhecida em outros tipos penais. A plenitude de defesa permite que os defensores do acusado se valham de argumentos além dos jurídicos, podendo utilizar-se de argumentos religiosos, morais, éticos, etc. para pautar a sua defesa e convencer os jurados.

Contudo, embora alguns aspectos de defesa sejam mais amplos no tribunal do júri, alguns aspectos deste procedimento especial merecem atenção, principalmente ao tratar-se do aspecto da presunção da inocência do acusado.

Um dos aspectos mais importantes acerca da questão em epígrafe seria a decisão da pronúncia ou impronúncia, tomada pelo juiz no final da primeira fase do júri. Tanto a decisão da pronúncia, quanto a impronúncia, são seriamente criticadas por doutrinadores, seja por retirar do acusado o direito a um julgamento justo (impronúncia), ou a realização de um prévio juízo de culpabilidade pelo juiz (pronúncia), ainda que de maneira rasa. Assim, de acordo com o professor Julio Fabrinni Mirabete (2006, p. 508):

A impronúncia é um julgamento de inadmissibilidade de encaminhamento da imputação para o julgamento perante o Tribunal do Júri porque o juiz não se convenceu da existência da prova da materialidade do crime ou de indícios da autoria, ou de nenhum dos dois. Trata-se de uma sentença terminativa, em que se afirmar da inviabilidade da acusação, provendo-se a extinção do processo sem julgamento do meritum causae.

Já a decisão da pronúncia se trata justamente do contrário, quando o juiz se convence dos indícios da autoria e materialidade e, então, leva o acusado para a segunda fase do júri, onde será julgado em plenário.

Para Paulo Rangel, a decisão da impronúncia é inconstitucional, pois cessa o direito do acusado de ter um julgamento justo e ser devidamente condenado, ou absolvido pelo fato que lhe foi imputado: “A decisão de impronúncia é um nada. O indivíduo não está nem absolvido, nem condenado”. (RANGEL, 2016, p. 512).

Vale ressaltar que a impronúncia não se trata de uma sentença absolutória e, caso surjam novas provas, ocorre a reabertura do processo.

Desta maneira, pode-se dizer que o acusado, quando impronunciado, fica sem o direito de um julgamento justo, pois, embora haja juízo de convencimento do juiz de que não estão presentes os requisitos necessários para autoria e materialidade do fato, ele não é absolvido, e, ainda, pode ser acusado novamente, isto é, é basicamente condenar o acusado a viver sob a espada de Dâmocles.

Assim, embora o acusado tenha o direito constitucional de ser considerado inocente até que seja julgado e devidamente condenado, muitas vezes, no tribunal do júri, este julgamento nem acontece, ou, quando acontece, já passa por um prévio juízo de culpabilidade do juiz quando realiza a pronúncia.

Além de todos os argumentos acima expostos, citar-se-á mais adiante neste artigo, o julgamento prévio que é realizado pela própria população, que é fortemente influenciada pelos veículos de imprensa, que nem sempre prezam, da maneira como deveriam, pela imparcialidade.

3. O DIREITO À INFORMAÇÃO E À LIBERDADE DE EXPRESSÃO NO ORDENAMENTO JURÍDICO PÁTRIO

Em 1988, após mais de duas décadas de regime militar, período em que ocorreram diversos episódios de controle estatal da mídia, bem como censuras de informação e imprensa, o legislador estava preocupado em garantir para as próximas gerações o direito fundamental à informação e à liberdade de expressão, para assegurar que o Estado não servisse de filtro para informação e que cada um pudesse e tivesse a liberdade para se expressar da maneira que julgar melhor possível, ressalvados os casos dispostos em lei.

O próprio artigo quinto da Constituição já explicita esses direitos, assim como as ressalvas, como se pode ver:

Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:

IV – é livre a manifestação do pensamento, sendo vedado o anonimato;

V – é assegurado o direito de resposta, proporcional ao agravo, além da indenização por dano material, moral ou à imagem;

IX – é livre a expressão da atividade intelectual, artística, científica e de comunicação, independentemente de censura ou licença (BRASIL, 1988).

Como se pode depreender da análise dos dispositivos acima, o exercício de atividade de comunicação independe de licença ou autorização. Brevemente, pode-se dizer que o dispositivo em questão criou uma espécie de barreira contra a censura, ou aprovação governamental à informação transmitida pelos veículos de imprensa e os particulares, sem desamparar, contudo, as possíveis lesões contra a honra, a imagem e a personalidade.

Desde já, constata-se que, mais uma vez, trata-se de um caso comum de conflito de direitos fundamentais, sendo que a liberdade de expressão e informação, em algum momento, será limitada (DOMINGOS, 2014).

O ordenamento jurídico brasileiro garante a todo e qualquer cidadão que emita suas opiniões e pensamentos livremente, sem necessidade de crivo judicial para tanto, contudo poderá ser penalizado pelas suas expressões quando a sua liberdade atingir algum direito fundamental de terceiros, como por exemplo: o direito à honra, à imagem, à vida privada, entre outros (FASSARELLA, 2019).

Além disso, mais adiante na Constituição Federal, temos o art. 220, que explicita mais alguns casos em que a liberdade de expressão, para ser exercida, deve cumprir alguns requisitos, a fim de não lesar outros direitos fundamentais:

Art. 220. A manifestação do pensamento, a criação, a expressão e a informação, sob qualquer forma, processo ou veículo não sofrerão qualquer restrição, observado o disposto nesta Constituição.

§ 1º – Nenhuma lei conterá dispositivo que possa constituir embaraço à plena liberdade de informação jornalística em qualquer veículo de comunicação social, observado o disposto no art. 5º, IV, V, X, XIII e XIV.

§ 2º – É vedada toda e qualquer censura de natureza política, ideológica e artística.

§ 3º – Compete à lei federal:

I – regular as diversões e espetáculos públicos, cabendo ao Poder Público informar sobre a natureza deles, as faixas etárias a que não se recomendem, locais e horários em que sua apresentação se mostre inadequada;

II – estabelecer os meios legais que garantam à pessoa e à família a possibilidade de se defenderem de programas ou programações de rádio e televisão que contrariem o disposto no art. 221, bem como da propaganda de produtos, práticas e serviços que possam ser nocivos à saúde e ao meio ambiente.

§ 4º – A propaganda comercial de tabaco, bebidas alcoólicas, agrotóxicos, medicamentos e terapias estará sujeita a restrições legais, nos termos do inciso II do parágrafo anterior, e conterá, sempre que necessário, advertência sobre os malefícios decorrentes de seu uso.

§ 5º – Os meios de comunicação social não podem, direta ou indiretamente, ser objeto de monopólio ou oligopólio.

§ 6º – A publicação de veículo impresso de comunicação independe de licença de autoridade.(BRASIL, 1988).

Assim, nota-se que nos parágrafos 1° e 2° o legislador deixou claro que a liberdade para a emissão da informação é plena, porém fez as ressalvas quanto à responsabilização nos casos dos incisos IV, V, X, XIII e XIV. Além dos incisos IV e V, já mencionados anteriormente, temos os incisos X, XIII e XIV, como se pode observar:

X – são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação;

XIII – é livre o exercício de qualquer trabalho, ofício ou profissão, atendidas as qualificações profissionais que a lei estabelecer;

XIV – é assegurado a todos o acesso à informação e resguardado o sigilo da fonte, quando necessário ao exercício profissional.

Desta maneira, compreende-se que assim como os demais direitos fundamentais, a liberdade de expressão tem seus limites igualmente atrelados às disposições constitucionais.

4. A ABORDAGEM MIDIÁTICA DOS CASOS DECIDIDOS PELO TRIBUNAL DO JÚRI

Introduzidos os temas principais acerca do assunto, é importante analisar a questão da influência da informação e da mídia nas decisões dos tribunais do júri.

A natureza dos crimes julgados pelo tribunal do júri por si só já gera anseio de justiça na população, por se tratarem, na maioria das vezes, de crimes bárbaros, cometidos com violência extrema e tendo como resultado final a morte.

Dentro desse contexto, a atuação midiática não é diferente, telejornais realizam plantões, coberturas especiais e depreendem uma atenção acima do comum para a transmissão da notícia (FASSARELA, 2019).

Como já é de conhecimento dos operadores do direito, o corpo de julgadores do tribunal do júri não é formado por magistrados, a presença destes apenas se dá para a organização de questões administrativas e preliminares do rito especial. A partir desta informação, chega-se à conclusão de que os julgadores do júri são cidadãos variados, muitas vezes, sem nenhum contato próximo com o meio jurídico.

Assim sendo, a abordagem diferenciada da mídia pode influenciar, direta ou indiretamente, os julgamentos realizados pelo tribunal do júri, uma vez que os jurados obtém informação por meio dos veículos de comunicação, que podem realizar conclusões prévias acerca do assunto, sem a imparcialidade necessária, tanto a favor, quanto contra o acusado. Importante ressaltar que, para Venício A. de Lima (2004, p. 50):

(…) quando falamos da mídia, estamos nos referindo ao conjunto das emissoras de rádio e de televisão (aberta e paga), de jornais e de revistas, do cinema e das outras diversas instituições que utilizam recursos tecnológicos na chamada comunicação de “massa”.

Dentro desse contexto, a Promotora de Justiça Ana Lúcia Menezes Vieira (2003, p. 52) afirma que:

A linguagem sensacionalista, caracterizada por ausência de moderação, busca chocar o público, causar impacto, exigindo seu envolvimento emocional. Assim, a imprensa e o meio televisivo de comunicação constroem um modelo informativo que torna difusos os limites do real e do imaginário. Nada do que se vê (imagem televisiva), do que se ouve (rádio) e do que se lê (imprensa jornalística) é indiferente ao consumidor da notícia sensacionalista. As emoções fortes criadas pela imagem são sentidas pelo telespectador. O sujeito não fica do lado de fora da notícia, mas a integra. A mensagem cativa o receptor, levando-o a uma fuga do cotidiano, ainda que de forma passageira. Esse mundo-imaginação é envolvente e o leitor ou telespectador se tornam inertes, incapazes de criar uma barreira contra os sentimentos, incapazes de discernir o que é real do que é sensacional.

Assim, inserida nesta conjuntura, a mídia, diferentemente da justiça, possui como objetivo fim da sua atividade o lucro, que é alcançado por meio das matérias e jornais que publica. Sem efetuar generalizações, ou desprezar o importante trabalho efetuado pela mídia, mas é de conhecimento público que quanto mais chocantes e apelativas as matérias, mais à atenção da massa atraem.

Com efeito, a mídia, aproveitando do grande interesse da população em casos judiciais, principalmente os relacionados aos crimes dolosos cometidos contra a vida, utiliza-se da sua função para atrair audiência e publicidade e assim, transmitir a matéria de maneira a torná-la mais popular possível (MENDONÇA, 2013).

Para fins de exemplo, é possível elucidar o famoso caso da Escola Base. Em linhas gerais, os acusados, que eram donos do estabelecimento educacional, estavam sendo investigados pela possível prática de pedofilia contra alguns alunos da escola. Todavia, apesar de ausentes as provas que demonstrassem a autoria do delito, os acusados foram alvos de notícias sensacionalistas da mídia durante muito tempo. A falta de ética e respeito no jornalismo causou, a médio prazo, danos permanentes e de difícil reparação aos acusados, que foram, à época dos fatos, pré-julgados e condenados antes mesmo do fim das investigações.

Entretanto quando tais informações transmitidas pelos veículos de comunicação passam a se tornar provas legítimas no âmbito do Poder Judiciário, principalmente no Tribunal do Júri, onde a figura do julgador faz parte da própria população, distorções começam a aparecer no sistema de justiça e até mesmo no princípio da presunção da inocência, anteriormente citado.

Nos crimes de ação penal pública incondicionada, a autoridade policial pode realizar a abertura de inquérito policial apenas com base em notícias midiáticas e o Ministério Público pode, em conjunto com outras provas, anexas informações e documentos veiculados pela imprensa. Dessa maneira, constata-se que sim, a mídia já se faz presente no âmbito do Poder Judiciário.

Luis Gustavo Grandinetti Castanho de Carvalho (2007, p. 292) se posiciona a respeito do assunto, afirmando o seguinte:

A conclusão final que hora se submete à ponderada crítica de todos é que não se trata de sustentar que o poder judiciário autorize a divulgação de interceptações telefônicas feitas à revela da lei, mas de reconhecer uma esfera de competência da imprensa em valorar a conveniência e a oportunidade em divulgá-la, diante da preponderância do direito de informação da sociedade sobre o direito de intimidade de certas pessoas detentoras ou pretendentes de cargos públicos que despenhem ou pretendam desempenhar a gerência financeira do patrimônio público, assumindo imprensa, por seu ato, todas as consequências legais que possam advir, se provada a invasão legitima na intimidade das pessoas. Em síntese, o que se sustenta é a legitimidade da imprensa em valorar a conveniência da divulgação.

Desta feita, assim como no exemplo citado pelo doutrinador, a divulgação realizada de uma interceptação telefônica feita sem conformidade com os ditames legais pelos veículos de comunicação, deve gerar o direito de indenização, uma vez que além de ferir os direitos fundamentais do acusado, lhe prejudica o direito de obter um julgamento justo e imparcial acerca do fato que lhe foi imputado.

Por fim, conclui-se que a imprensa, assim como qualquer outro particular que se utilizar do seu poder de influência com capacidade de afetar, direta ou indiretamente, o resultado de um julgamento, deve ter o dever de indenização naquilo que exceder ou extrapolar os limites do ordenamento, pois, como anteriormente visto, embora a liberdade de emissão da informação seja plena, a consequência dos seus atos pode gerar ônus a quem transmite, se a sua transmissão acarretar violação do direito de terceiros.

5. CONSIDERAÇÕES FINAIS

O desenvolvimento do presente artigo possibilitou compreender, com base na revisão bibliográfica dos estudiosos do ramo em apreço, de que modo a mídia pode influenciar nas decisões proferidas pelo Tribunal do Júri e, consequentemente, limitar a aplicabilidade do princípio da presunção da inocência ao caso concreto.

A mídia e a popularização dos diversos veículos de comunicação em massa possibilitaram o fácil e quase instantâneo acesso às mais diversas informações. Sua importância é incontestável, em decorrência dos direitos já explicados, estes atrelados aos direitos constitucionalmente consagrados, como o direito à informação e à liberdade de expressão.

Todavia, na atual era da informação, não é incomum encontrar notícias nitidamente sensacionalistas e que visam chocar o público-alvo, com o objetivo de obter lucro pela audiência através da grande comoção social criada após a disseminação de notícias de grande repercussão. Tais notícias, muitas vezes, acabam por inserir noticiários que retratam a criminalidade de forma exagerada e sensacionalista, com a finalidade de atrair os telespectadores para um verdadeiro “filme criminológico”.

No presente trabalho foi levantada a análise da influência midiática nos casos de competência do Tribunal do Júri. Inicialmente, como já explicado, ao Tribunal do Júri compete julgar os crimes contra a vida, sendo que os jurados, fugindo da regra jurisdicional, são indivíduos sem formação técnico-profissional, diferentemente dos juízes de direito competentes para julgar nos limites legais.

Assim, é válido destacar que o discurso criminal popularizado pela mídia com o fito de obter unicamente audiência distorce os direitos de liberdade de expressão, radicalizando o tratamento dos delitos, principalmente os dolosos contra à vida, que são comumente abordados de maneira sentimentalista e com um viés de justiça social. Assim, os acusados são vistos como culpados antes mesmo do julgamento de tais crimes, o que é, de fato, algo muito grave quando se analisa os princípios atribuídos ao acusado no âmbito constitucional e infraconstitucional.

Igualmente, tais fatores podem influenciar de forma negativa a própria análise dos jurados acerca do delito em questão. Além de não terem o conhecimento e a investidura necessária de um juiz de direito (principalmente no que tange à imparcialidade) tais indivíduos podem decidir unicamente com base no julgamento preestabelecido pela mídia sensacionalista.

O primeiro princípio apto a ser violado é, de fato, o princípio da presunção de inocência. Como já dito anteriormente, o sensacionalismo midiático enxerga o acusado, na verdade, como culpado antes mesmo do devido processo legal, principalmente quando se verifica a repercussão dos crimes de maior impacto social, como os dolosos contra a vida, coincidentemente tratados no âmbito do Tribunal do Júri.

Em suma, a mídia, apesar de ser dotada de princípios e direitos que garantem a liberdade de expressão e o acesso à informação, seu conteúdo e a forma de abordagem de certos assuntos não deve ultrapassar os limites estabelecidos no ordenamento jurídico pátrio, pois, como anteriormente visto, a consequência dos seus atos pode gerar graves consequências ao acusado e atribuir ônus, no sentido jurídico da palavra, à quem transmite tais notícias, se a sua transmissão acarretar violação do direito do acusado.

REFERÊNCIAS

BARBAGALO, Fernando Brandini. Presunção de inocência e recursos criminais excepcionais: em busca da racionalidade no sistema processual penal brasileiro. Brasília: TJDFT, 2015.

BRASIL. Constituição [da] República Federativa do Brasil de 1988. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constituicao.htm. Acesso em: 30jun. 2020.

BRASIL. Decreto-Lei 3.689, de 03 de outubro de 1941.Código de Processo Penal. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/Del3689.htm. Acesso em: 30jun.2020.

BRASIL. Decreto-Lei 2.848, de 07 de dezembro de 1940. Código Penal. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/del2848compilado.htm. Acesso em 30 jun. 2020.

CARVALHO, Luis Gustavo Grandinetti Castanho de. A informação como bem de consumo. Revista Instituto Brasileiro de Política e Direito do Consumidor. 2007.

FASSARELLA, Yasmin Neves. A influência da mídia nos processos de competência do tribunal do júri: uma análise à luz do princípio constitucional da presunção de inocência. 2019. Trabalho de Conclusão de Curso (Bacharelado em Direito) – Faculdade de Direito de Vitória, Vitória, 2019.

FERRAJOLI, Luigi. Direito e razão: teoria do garantismo penal. 4. ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2014.

LIMA. Venício A. Sete teses sobre mídia e política no Brasil. REVISTA USP, São Paulo: 2004.

MENDONÇA, Fernanda Graebin. A (má) influência da mídia nas decisões proferidas pelo Tribunal do Júri. Congresso Internacional de Direito e Contemporaneidade. 2013. Santa Maria/RS. ISSN 2238-9121.

MIRABETTE, Julio Fabbrini. Manual de Direito Penal Vol. III – 21ª Ed.  São Paulo: Atlas. 2006.

RANGEL, Paulo. Investigação criminal direta pelo Ministério Público: visão crítica – 5 Ed. São Paulo: Atlas, 2016.

VIEIRA, Ana Lúcia Menezes. Processo Penal e Mídia. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2003.

[1] Acadêmico Do Curso De Direito.

[2] Acadêmica Do Curso De Direito.

[3] Doutor Em Ciências Jurídicas.

Enviado: Março, 2021.

Aprovado: Abril, 2021.

5/5 - (2 votes)

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

POXA QUE TRISTE!😥

Este Artigo ainda não possui registro DOI, sem ele não podemos calcular as Citações!

SOLICITAR REGISTRO
Pesquisar por categoria…
Este anúncio ajuda a manter a Educação gratuita