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A atuação das autoridades policiais em âmbito de flagrante delito e a im (possibilidade) de afronta ao direito à inviolabilidade do domicílio

RC: 132425
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DOI: 10.32749/nucleodoconhecimento.com.br/lei/atuacao-das-autoridades

CONTEÚDO

ARTIGO ORIGINAL

CRUZ, Felipe Paiva [1], SALES, Heloise Cristina [2], FRAZÃO, Camila Giovana Xavier de Oliveira [3]

CRUZ, Felipe Paiva. SALES, Heloise Cristina. FRAZÃO, Camila Giovana Xavier de Oliveira. A atuação das autoridades policiais em âmbito de flagrante delito e a im (possibilidade) de afronta ao direito à inviolabilidade do domicílio. Revista Científica Multidisciplinar Núcleo do Conhecimento. Ano. 07, Ed. 11, Vol. 08, pp. 64-83. Novembro de 2022. ISSN: 2448-0959, Link de acesso: https://www.nucleodoconhecimento.com.br/lei/atuacao-das-autoridades, DOI: 10.32749/nucleodoconhecimento.com.br/lei/atuacao-das-autoridades

RESUMO

Este artigo tem como objetivo tratar a respeito da atuação das autoridades policiais em âmbito de flagrante delito e a possibilidade de afronta ao direito a inviolabilidade do domicílio. Nesse contexto, é cediço que a Magna Carta de 1988 traz em seu bojo o direito à inviolabilidade do domicílio (artigo 5º, IX, CF/88), garantindo que ninguém poderá adentrar ou invadir residência alheia sem o consentimento do morador, salvo em casos previstos em lei e, dentre eles, em caso de flagrante delito. Contudo, caso a autoridade policial esteja subsidiada por uma exceção legal (como nos casos de flagrante delito) e venha a atuar de modo abusivo e contrário aos preceitos e diretrizes contidas na legislação vigente, tal prerrogativa restará prejudicada. Nesse esteio, infere-se: a prática de uma conduta abusiva ou ilegal por parte da autoridade policial, em sede de flagrante delito, poderá afrontar o direito à inviolabilidade do domicílio? A reflexão surge devido a possibilidade de se ter uma conduta abusiva ou arbitrária por parte da autoridade policial que irá acompanhar o flagrante delito, constituindo-se como uma nítida violação ao direito de inviolabilidade do domicílio. Faz-se precípuo, nesse caso, que o juiz analise cada caso de modo individual, levando-se em consideração os princípios e valores que norteiam o Estado Democrático de Direito. Tendo como base os resultados e a conclusão obtida, coaduna-se com o posicionamento de que a atuação errônea de autoridades policiais que adentram na casa do suspeito, sob uma fundamentação falha e descabida, não poderia ser considerada legal, devendo tal conduta ser melhor apurada para fins de validade e admissibilidade processual, sendo, ainda, uma afronta ao princípio da inviolabilidade do domicílio. Com relação à metodologia de trabalho adotada, enfatiza-se a utilização de posicionamentos doutrinários, artigos de leis, posicionamentos doutrinários provenientes dos Tribunais, haja vista que a temática suscitada é puramente teórica.

Palavras-chave: Flagrante delito, Autoridade policial, Presunção, Inviolabilidade do domicílio, Afronta.

1. INTRODUÇÃO

Compreende-se que, ao longo da história, muitos governos usaram a polícia para manter a lei e a ordem. Da prevenção do crime à aplicação da lei, a polícia desempenha uma série de deveres para os cidadãos. Em tempos de calamidade ou agitação social, a polícia é a única capaz de restaurar a ordem e a segurança. Sem uma agência de aplicação da lei, a vida sob um governo pode rapidamente se transformar em uma zona de guerra.

É notável a atuação das autoridades policiais no cenário da criminalidade desenfreada e a possibilidade de afetar o direito à inviolabilidade do domicílio. Deve-se considerar como eles respondem quando encontram atividade criminosa. Eles nem sempre podem reprimir imediatamente uma situação, o que pode levar à escalada da violência em espaços públicos. Uma resposta rápida é necessária nessas situações para prevenir a violência e manter os cidadãos seguros.

Fazer cumprir as leis e manter a ordem pública são as duas principais responsabilidades atribuídas à polícia. O crime é uma das ocorrências mais comuns que exigem resposta imediata das autoridades. Ao fazê-lo, eles são capazes de estabelecer a confiança do público em suas próprias ações. Se os cidadãos não suspeitarem que as autoridades cumpram fielmente as leis, terão poucos motivos para cumpri-las. Este respeito mútuo – entre cidadãos e autoridades – é o que mantém um país pacífico e seguro.

O cenário de crime desenfreado e má conduta entre as agências de aplicação da lei pode levar a uma nação repleta de atividades criminosas com pouca resistência das autoridades. Quando confrontada com atividades criminosas, a polícia está em uma posição única para restaurar a ordem e a segurança na sociedade.

Noutro prumo, costuma ocorrer nos casos em que autoridade policial entram à força na residência de indivíduos sem motivo válido e sem mandado de busca e apreensão, com base apenas em fatos incertos, como fuga ou denúncia anônima, que nem sequer seriam provas para instauração de um inquérito.

Nesse sentido, não se trata de defender crimes ou burocratizar a investigação policial, mas principalmente de analisar e proteger um processo penal adequado e principalmente garantias constitucionais para proteger a parcela mais vulnerável da sociedade.

Dentro do espectro exposto, muitos doutrinadores e estudiosos questionam o direito de inviolabilidade do domicílio, caso a autoridade policial queira atuar de modo errôneo, ou seja, em uma tentativa frustrada para escusar-se em uma das exceções legais. Em outras palavras, trata-se no presente artigo científico, sobre o direito de inviolabilidade domiciliar e a atuação desses agentes públicos de segurança em situações de flagrante delito.

Para cumprir com os objetivos almejados, tem-se que a presente pesquisa apresenta o direito de inviolabilidade do domicílio, englobando uma análise conceitual, os elementos presentes em tal direito fundamental e as exceções legais previstas na Magna Carta de 1988.

Posteriormente, trata-se sobre o instituto do flagrante delito. Mais uma vez, apresenta-se uma análise conceitual e legal, os tipos de flagrante que são permitidos pela legislação do Brasil, as condutas que podem ser tomadas pelas autoridades policiais, bem como sobre os direitos, princípios e valores que permeiam tal temática.

Ademais, em um tópico principal, trata-se sobre a possibilidade de afronta ao direito de inviolabilidade domiciliar em casos de flagrante delito, ou seja, quando houver uma conduta errônea por parte da autoridade policial responsável pelo flagrante. Nesse tópico, são apresentados os principais posicionamentos doutrinários e jurisprudenciais acerca da celeuma proposta.

Por intermédio da conclusão, são retomados os elementos precípuos tratados na pesquisa científica, bem como o posicionamento adotado pelos discentes em relação a temática apresentada.

Com relação à metodologia, enfatiza-se a utilização de mecanismos doutrinários, jurisprudenciais e legais, tendo em vista que se trata de um tema puramente teórico, alheio às pesquisas de campo prático.

2. INVIOLABILIDADE DO DOMICÍLIO: ANÁLISE CONCEITUAL E OS ELEMENTOS PRECÍPUOS

Compreende-se, inicialmente, que a inviolabilidade do domicílio visa assegurar uma série de direitos, que incluem a intimidade, a privacidade, a paz, o sossego, a liberdade de estar sozinho ou com os familiares sem interferência de ninguém, e a liberdade de fazer o que bem entender, desde não seja ilegal, haja vista que a Inviolabilidade do domicílio não pode ser usada como escudo protetor para atividades ilegais (BULOS, 2020).

Além disso, tem-se que a inviolabilidade fundamental do domicílio visa permitir que os moradores tenham privacidade, não sendo razoável invocar essa proteção para abrigar um agente que acabou de cometer um crime e está sendo perseguido pela polícia (CAPEZ, 2020).

Note-se que todas as pessoas, independentemente da situação econômica, gozam do mesmo grau de proteção constitucional da inviolabilidade do domicílio. Esse é um direito garantido aos ricos e aos pobres, mesmo que morem em barracos debaixo da ponte. Sendo os pobres os mais vulneráveis, há necessidade de maior proteção estatal para garantir a inviolabilidade do domicílio, uma vez que a igualdade dos direitos fundamentais se constitui como garantida apenas se seus destinatários puderem exercê-los. Igualdade, que só pode ser alcançada quando há proteção igual na vida real (BULOS, 2020).

Por sua vez, tem-se que o artigo 5º da Constituição Federal de 1988 trata dos direitos e garantias fundamentais, sendo que discorre sobre os direitos individuais e coletivos, enfim, no artigo 5º XI acima, a redação estabelece o seguinte: “A casa é o abrigo inviolável ao qual não se pode entrar sem o consentimento do residente, salvo em caso de flagrante delito ou calamidade, ou para prestar assistência, ou durante o dia, por ordem judicial” (BRASIL, 1988). Embora a proteção da liberdade e da propriedade pessoal possa ser reconhecida, deve-se reconhecer que o bem jurídico por ela protegido é o direito à privacidade, conforme previsto no parágrafo anterior do artigo 5º, inciso X, da Constituição Federal de 1988 (BRASIL, 1988).

Vale ressaltar que o direito da inviolabilidade do lar é direito básico da primeira geração, desde o início da sociedade e é um dos fundamentos da vida comunitária. É assim que se justifica a garantia que permite o direito à privacidade e segurança contra a entrada repentina, irracional ou mesmo ilegal em locais de máxima privacidade, por ser tão importante para o nosso ordenamento jurídico (BULOS, 2020).

Cabe destacar que os direitos fundamentais não são apenas garantias do poder estatal, mas também limitações que acabam por forçar um comportamento negativo em relação a ele. Assim, sabendo o que a legislação contém, é preciso entender o que a definição de residência abrange, pois pode ser dado um alcance significativo (BULOS, 2020).

Nesse sentido, há uma importante preocupação doutrinária sobre o que é abrangido pelo termo “domicílio”, pois é e tem recebido proteção extrema, ao passo que aduz Fernandes (2011):

Com relação ao direito à inviolabilidade de domicílio, vislumbra-se nítida sua

eficácia horizontal, valendo-se para fixação de limites à ação estatal bem como à ação de particulares, podendo ser invocada tanto por pessoas físicas quanto por pessoas jurídicas. Para seu exercício é ainda controvertida a tese de que não se refere apenas ao proprietário do imóvel,

sendo passível de invocação por quem também reside sem título legitimador. Nos casos de múltiplos titulares, é possível registrar hipóteses de conflitos de interesses, cabendo, por força do art. 226, §5°, da CR/88, ao

chefe da casa, não importa o sexo (levando em conta o fato que tanto o marido quanto a mulher têm igual direito), ou ao chefe da comunidade o marido (diretor do estabelecimento, por exemplo), a palavra final e definitiva.

Reconhece-se aos dependentes destes o direito à inviolabilidade com respeito às suas dependências (quarto do filho, quarto de empregada etc.), mas este não exclui o direito do chefe da família ter acesso a todas as dependências do imóvel, ainda que contra a vontade dos que ali se encontrarem, bem como o neles proibir o ingresso de pessoas não autorizadas (FERNANDES, 2011, p. 337).

Assim, compreende-se que há um direito de proteção da privacidade da casa (no caso de titulares múltiplos), e tal proteção também é possível para pessoas sem titularidade legal. Aqui, por sua vez, algumas definições físicas tornam mais claro por que essa garantia é um escudo contra ações incontroláveis ​​que violam a dignidade do indivíduo (MORAES, 2020).

Além disso, ressalta-se a maior importância de sua conservação, por se tratar de um ambiente privado, essencial para o bom desenvolvimento da vida humana e que confere ao homem sua dignidade. (MORAES, 2020).

Dessa forma, consoante Bulos (2020), fica claro que a quebra de garantia só importa por brechas constitucionais e por motivos legítimos, uma vez que essa proteção tem forte ligação com o direito à privacidade, ou seja, uma área da vida privada que sustenta a honra e outros direitos voltados à integridade pessoal.

2.1 EXCEÇÕES AO DIREITO DE INVIOLABILIDADE DOMICILIAR

Vale atentar para o fato de que não há direito absoluto no ordenamento jurídico pátrio, o que não difere no caso do direito de inviolabilidade domiciliar. Apesar de sua positividade e importância, tal garantia encontra exceções. Tais exceções existem principalmente para permitir segurança e harmonia na sociedade, mas a necessidade de considerar a natureza excepcional de tais exceções não podem ser negligenciada (SARLET, 2013).

No que se refere às exceções ao direito de inviolabilidade do domicílio, aduzem Gominho, Costa Júnior e Pereira:

A inviolabilidade do domicílio não é absoluta, visto que a própria Constituição ressalva a hipóteses em que é possível o ingresso na casa de uma pessoa sem o seu consentimento. A qualquer hora do dia isso é possível, independente da exibição do mandado judicial, nas hipóteses: a) com o consentimento do morador; b) flagrante delito; c) em casos de desastre, como incêndio, inundação etc.; e d) para prestar socorro. Fora destas hipóteses, só será possível o ingresso de uma pessoa durante o dia, com exibição de mandado judicial. O direito a inviolabilidade do domicílio é regulamentado pela legislação infraconstitucional penal e processual penal. (GOMINHO; COSTA JÚNIOR; PEREIRA, 2016, p.06).

Tem-se que as hipóteses de autorização que mitigam a eficácia do princípio constitucional são dadas no art. 5º, inciso XI da Constituição Federal, para permitir a entrada de pessoas em determinadas circunstâncias e justificar tal permissão legal. Vale ressaltar que todos devem aderir à prudência e à proporcionalidade, bem como à estrita legalidade, para punir quem entrar na casa alheia sem motivo (MORAES, 2020).

Assim, o consentimento para entrar em um domicílio pode ser tácito ou expresso, podendo ser dado pelo ocupante ou proprietário independentemente de a entrada ser de dia ou de noite. O Consentimento tem algo de espontâneo e efetivo sobre esse assunto. Após ser aceito, o fato de o sujeito ficar na casa de outra pessoa não significa que ele cometa o crime de invasão de propriedade (MORAES, 2020).

Dividindo os casos constitucionais de entrada domiciliar, segue-se que um desastre seria um evento de grande magnitude e urgência, o que justificaria a entrada em casa alheia para abrigo ou outros motivos a ela relacionados. Em caso de desastre, exemplos apropriados dessa definição seriam grandes eventos, sejam naturais (inundações, tempestades, incêndios florestais, terremotos) ou provocados pelo homem (quebra de barragens, incêndios, deslizamentos de terra) (MORAES, 2020).

Nestes casos, seria possível entrar na casa de outra pessoa a qualquer hora do dia e da noite devido à sua imprevisibilidade (MORAES, 2020).

No que tange à prestação de socorro, outra exceção constitucional, também permite o acesso à casa alheia porque é uma emergência. No entanto, duas questões devem ser respondidas aqui para definir a atividade como auxílio. Aquele a ser apoiado com ajuda deve necessariamente precisar de ajuda, e ele ou ela, como quem está sendo ajudado, não deve ter a oportunidade de manifestar ajuda. Tal hipótese é possível tanto à noite como durante o dia, anularia o sentido de tal exceção, se houvesse um prazo para prestar socorro (SARLET, 2013).

Por fim, no que se refere o ingresso através de ordem judicial, segundo Araújo e Nunes Junior (2015), argumentam que a exceção de entrada domiciliar na frase “diurna com ordem judicial” se refere à entrada em domicílio com mandado. A constituição federal permitia que os juízes considerassem se havia ou não causa provável para revistar uma casa.

Tal análise deve ser minuciosa e a entrada absolutamente necessária, para que não se torne uma medida arbitrária. Neste caso, ao contrário de outras exceções, seu desenvolvimento deve ocorrer durante o dia, sendo seu controle realizado por um terceiro direto, a saber, o juiz, chefe do processo. Além disso, é importante mostrar que neste caso não há perigo ou urgência imediata nas ações dos criminosos, pois se houvesse, estaria definido por outras exceções constitucionais (ARAÚJO; NUNES JÚNIOR, 2015).

Em relação à questão de quando pode ocorrer a violação domiciliar por ordem judicial, não está claro o que se enquadraria na definição de “dia”, que traz o critério da luz solar como a melhor solução para alguns. Então aquela parte do tempo, quando o sol iluminava o ambiente, seria dia e sem essa luz a gente veria à noite. (ARAÚJO; NUNES JUNIOR, 2015).

De lado a lado, tem-se como exceção do direito de inviolabilidade do domicílio a prisão em flagrante. A prisão em flagrante é, à primeira vista, uma abertura constitucional muito contundente, pois não haveria razão para impedir a entrada de funcionários públicos ou outras pessoas após a descoberta de um crime em uma residência para que ele possa tomar as medidas necessárias. Esse é o entendimento correto para que a moradia não se torne um escudo para cometer crimes (GRECO, 2020).

Nesse sentido, Prado (2013) fala muito bem quando explica que a contundente hipótese da exceção constitucional foi corretamente utilizada, quando as forças públicas, ou mesmo qualquer particular atuando como instrumento, estão constitucionalmente autorizados a impedir atividade criminosa com a flexibilidade necessária para proteger direitos ou salvar vidas.

Dentro desse contexto, vale destacar as situações consideradas em flagrante delito, consoante disciplina o artigo 302 do Código de Processo Penal, in verbis:

Art. 302. Considera-se em flagrante delito quem:

I – está cometendo a infração penal;

II – acaba de cometê-la;

III – é perseguido, logo após, pela autoridade, pelo ofendido ou por qualquer pessoa, em situação que faça presumir ser autor da infração;

IV – é encontrado, logo depois, com instrumentos, armas, objetos ou papéis

que façam presumir ser ele autor da infração (BRASIL, 1941).

A definição de flagrante delito pode ser percebida de várias maneiras, pode resultar da perseguição ou do cometimento de um crime, dependendo do andamento do crime pode mudar sua definição e pode ser flagrantemente próprio, impróprio, presumido, esperado ou em curso. Tais possibilidades foram consideradas na referida lei inconstitucional, o Código Penal, e são devidamente abordadas neste trabalho. Fora destes casos, consoante Prado (2013), o crime de invasão de domicílio ocorre em conexão com a entrada em domicílio.

3. O FLAGRANTE DELITO: PRINCIPAIS PONDERAÇÕES

De antemão, observa-se que a etimologia da palavra “flagrante” já transmite esse significado, pois vem da palavra latina “flagrare”, que significa queimar, arder. Portanto, o que ainda está queimando ou ardendo, o que é óbvio, não deixa espaço para incertezas sobre o que está acontecendo ou acabou de acontecer. A prisão em flagrante é, portanto, a prisão realizada no local e hora do crime, que não requer ordem escrita do juiz, tem caráter administrativo e preventivo imediato (TÁVORA, 2019).

Compreende-se que a prisão em flagrante se trata, portanto, de uma certa pontualidade em relação à prática de um crime ou das provas subjacentes. Desse modo, deve haver uma passagem contundente do tempo com os fatos do crime bem como o fato de que deve ser considerado uma circunstância óbvia, evidente e inequívoca para justificar o fracasso de um mandado de busca e apreensão legal (TÁVORA, 2019).

O principal objetivo desse instituto é acabar com o crime o quanto antes, valendo-se da privação da liberdade do criminoso com base na existência ou eventual importância do criminoso. Ressalta-se que o referido déficit é uma proteção social e cada pessoa pode fazê-lo de acordo com as hipóteses de morbidade. No entanto, isso não é exigido de ninguém, mas apenas das polícias e órgãos que trabalham e têm esse dever definido por lei, pois se não o fizerem, infringirão as regras disciplinares que lhes são atribuídas (TÁVORA, 2019).

Embora os funcionários públicos não sejam obrigados a fazer uma prisão em flagrante, compreende Távora (2019) que eles devem proceder adequadamente com o processo legal para cumprir as precauções e preparar adequadamente um relatório de prisão um crime que, nestes casos, dá início a uma investigação policial.

3.1 TIPOS DE FLAGRANTE PERMITIDOS PELA LEGISLAÇÃO PÁTRIA

Inicialmente, necessário se faz destacar o artigo que explica os tipos específicos de prisão em flagrante, a partir deste artigo pode-se perceber que o legislador utilizou alguns meios possíveis na definição de flagrante e que eles seguem uma ordem decrescente:

Art. 301. Qualquer do povo poderá e as autoridades policiais e seus agentes deverão prender quem quer que seja encontrado em flagrante delito.

Art. 302. Considera-se em flagrante delito quem:

I – está cometendo a infração penal;

II – acaba de cometê-la;

III – é perseguido, logo após, pela autoridade, pelo ofendido ou por qualquer pessoa, em situação que faça presumir ser autor da infração;

IV – é encontrado, logo depois, com instrumentos, armas, objetos ou papéis que façam presumir ser ele autor da infração.

 Art. 303. Nas infrações permanentes, entende-se o agente em flagrante delito enquanto não cessar a permanência.

Art. 304. Apresentado o preso à autoridade competente, ouvirá está o condutor e colherá, desde logo, sua assinatura, entregando a este cópia do

termo e recibo de entrega do preso. Em seguida, procederá à oitiva das testemunhas que o acompanharem e ao interrogatório do acusado sobre a imputação que lhe é feita, colhendo, após cada oitiva suas respectivas assinaturas, lavrando, a autoridade, afinal, o auto (BRASIL, 1941).

Devido ao exposto, consoante Capez (2020), considerados diferentes tipos para definir o que é um flagrante, todos na lei penal e na lei inconstitucional, concedem à palavra uma interpretação ampla e satisfatória. Além dessa abertura, aponta a presença, como mencionado anteriormente, de uma relação decrescente com o aspecto temporal da ação.

Além disso, é importante mostrar as principais características da prisão em flagrante, ou seja, pode ser realizada por qualquer pessoa entre pessoas, não sendo necessário mandado escrito para realizá-la. A prisão de qualquer pessoa na Lei é voluntária e não há obrigação (CAPEZ, 2020).

De acordo com Capez (2020), é preciso dizer que os agentes públicos e os cidadãos comuns não têm mais ou menos poder para tirar sua liberdade. Isso porque, em princípio, os direitos individuais não se concretizam quando um cidadão exerce o papel de prisão por um órgão governamental indireto aleatório, o que na verdade é uma atividade policial. Assim, é uma espécie de exceção à regra de que somente o Estado, por meio de seus órgãos, pode usar o poder de pessoas legitimadas pelo ordenamento jurídico ou de um dever especial de serviço, caso se encontrem em situação íntima e duradoura relações com o Estado.

Assim, é necessário analisar as possíveis formas de cometimento de tal flagrante delito para verificar com maior eficácia sua legalidade ou não. Se a ação, suas hipóteses e sua prevalência nos tipos de crimes, como permanentes e momentâneos, forem devidamente analisadas, fica claro o motivo da entrada no domicílio e, assim, também se confirma seu real motivo (CAPEZ, 2020).

É importante notar, segundo o entendimento de Capez (2020), que a razão de ser dessa hipótese era que a exceção de flagrante delito à Constituição não deveria ser manipulada como uma espécie de loteria ou mesmo descuidadamente por repórteres públicos ou privados. O esgotamento desse direito fundamental afeta bens jurídicos, que são muito preciosos para o nosso ordenamento jurídico e devem ser utilizados quando necessário.

No que se refere o flagrante próprio, o ato em si é do tipo supostamente real, verdadeiro e ocorre quando o sujeito cometeu ou acabou de cometer um crime, conforme às hipóteses contidas no inciso I e II do § 302 do Código Penal. (BRASIL, 1941).

Segundo Mirabete (2020), o legislador entendeu a palavra para equalizar duas situações em regulamentos diferentes. Na primeira, o agente é surpreendido durante o cometimento do crime, por exemplo, quando a vítima é espancada ou quando a propriedade alheia é destruída. No segundo, outro dispositivo da lei explica a situação em que as ações de fiscalização já foram esgotadas e há perigo de morte ou ferimento, por exemplo, e que foi encontrado no local ou próximo ao local, pelo que se assumiu que ele tinha acabado de cometer um ato ilegal.

Na situação em que for possível a aplicação do princípio da insignificância, ainda que facilmente observável, o ato deve ser praticado porque o crime foi cometido. O infrator só pode ser libertado após revisão pelo tribunal e aplicação do princípio da irrelevância em tribunal (MIRABETE, 2020).

Portanto, deve-se entender que o flagrante em si é o mais instintivo possível e requer certeza visual do crime ou do autor e também da pessoa envolvida no crime (MIRABETE, 2020).

No que se refere ao flagrante impróprio tem-se uma situação fática de busca ao suposto criminoso posteriormente aos fatos, o qual se encontra em situação de presunção de ser o autor do fato.

Segundo Rangel (2010), o tipo de flagrante requer três elementos essenciais: volitivo, temporal e fático. Quanto ao primeiro elemento, é possível confirmar que as pessoas nomeadas (que podem ser funcionários públicos, o ofendido ou qualquer outra pessoa) prendem o criminoso. O segundo elemento, por sua vez, incide sobre o “logo depois”, o período de tempo referido pelo legislador entre o fato do crime e a prisão. O terceiro elemento é o fato, pois somente a perseguição é imprescindível, é necessário que a pessoa seja colocada em situação que a faça acreditar que é o criminoso. Assim, no caso de ligação do fato do crime, a acusação do agente é, por hipótese, a prisão da pessoa em flagrante.

No mesmo seguimento argumentativo, entende-se que esse tipo de expressão legal sem hesitação “logo depois” não tem a mesma precisão que uma expressão que vem do próprio ter “acabado de fazer” porque o flagrante permite falsamente para flexibilidade e uma interpretação mais ampla (RANGEL, 2010).

Outra modalidade de flagrante é o presumido, também chamado de ficção assimilada ou cuja caracterização, como o modal anterior, carece de certeza visual. Isso acontece quando o agente é encontrado imediatamente após o suposto crime com armas ou objetos em situação em que deveria ser o autor (art.302, IV, CPP). (BRASIL, 1941).

Neste caso, Távora (2019) diz que a perseguição por si só não é necessária, mas deve ser encontrada apenas com acessórios e/ou atitude suspeita que faça acreditar que o indivíduo seja o criminoso. Portanto, o atraso torna-se mais flexível nestes casos, uma vez que o objeto em poder do agente é suficiente para realizar tal operação.

Verifica-se, consoante Marcão (2011), que esse tipo de flagrante tem um tempo ainda maior de abertura porque não exige necessariamente uma mudança de crime, certeza visual do ato ou busca constante pelo seu arranjo. Portanto, não há certeza sobre o crime ou o autor, mas apenas a evidência da culpa da privação de liberdade é aceita.

No caso do flagrante preparado, cabe analisar que aqui é acionada a ação do agente que cometeu o delito, o que leva a pessoa a cometer o crime, para que a ação seja apreendida. Neste caso, estamos diante de uma provocação de terceiros que incentiva a pessoa por meio de meios previamente pesquisados, cujo objetivo final é prender a pessoa que deixará de praticar o ato.

Na situação dada, há um estado de vontade do agente (elemento subjetivo) e também uma violação da lei penal (elemento objetivo), mas conforme a consumação essa não se deu em decorrência por meios externos (RANGEL, 2010).

Quanto ao flagrante forjado acontece em situação ilegal, a polícia estabelece uma situação criminal para acusar um inocente. Trata-se de uma situação legítima e arbitrária em que o crime visa à prisão do fraudado. Esta é uma prática que não é tolerada pelo nosso ordenamento jurídico e gera responsabilidade para o agente que a pratica (RANGEL, 2010).

Dentro desse contexto, segundo Rangel (2010), verifica-se a inexistência de crime e, por consequência, a prisão do suposto infrator se torna ilegal, ao passo que, uma vez constatada referida situação, relaxamento da prisão é medida que se impõe.

No que se refere ao flagrante esperado tem-se que inexiste induzimento ou provocação por terceiro, ao passo que, nesse caso, tem-se apenas investigações preliminares acerca do delito que possa ocorrer, entretanto, sem intervenção, de modo que, referida intervenção acontecerá quando da realização da pratica delituosa.

Desse modo, consoante Marcão (2011), o autor do fato não sofre nenhuma intervenção da autoridade que irá autuar em flagrante, pois, essa, apenas irá empregar meios para intervir quando da realização do crime.

No que se refere ao flagrante diferido é aquele conduzido de forma controlada, ocorrendo à intervenção policial no melhor momento para fins de obtenção de provas e/ou maiores investigações (TÁVORA, 2019).

Portanto, segundo Távora (2019), essa atividade é considerada a mais lucrativa em termos de aproveitar o momento mais favorável para prender pessoas. A tarefa da polícia é proceder com mais profundidade na situação investigada, o que direciona a busca pelo melhor momento, mais informações e, assim, mais coleta de provas, aumenta a certeza de uma violação.

No caso de flagrantes contínuos, segundo Branco (2001) discorre claramente a divisão dos crimes com base no momento de seu cometimento. Se eles forem executados imediatamente, ou se a violação começar e terminar em um único momento, eles podem ser definidos como instantâneos. Os permanentes, por outro lado, resultam de atividade ilegal contínua ou são feitos a qualquer momento porque o estado criminoso parece estar ininterrupto.

O artigo 303 do CPP estabelece que “nos casos de infrações persistentes, o agente será considerado como autor do flagrante até que cesse a suspensão”. Entende-se como crime permanente, de modo que um crime cujo fim se prolongue no tempo, enquanto perdurar e independentemente da vontade do criminoso, se não terminar, continua na situação flagrante (BRASIL, 1941)

No entanto, segundo Távora (2019), não se pode deixar de sublinhar a necessidade de uma real situação contundente, devidamente ponderada e fundamentada, e não apenas um palpite, pois ao final há grandes bens jurídicos que devem ser analisados, a integridade do domicílio e o direito para segurança.

4. A IM (POSSIBILIDADE) DE AFRONTA AO DIREITO DE INVIOLABILIDADE DOMICILIAR EM CASOS DE FLAGRANTE DELITO

Quanto à situação de entrada em domicílio sem motivo válido com base em flagrante crime, tal ação esgota ilegalmente a garantia constitucional da inviolabilidade da residência e, assim, provoca consequências que se refletem no próprio processo penal, sendo que as provas foram coletadas por meio de entradas e prisões sem mandado (GRECO, 2020).

Tais consequências atingem tanto princípios constitucionais quanto princípios de processo penal, como no caso da presunção de inocência estabelecida no art. 5º, inciso LVII, porque o cumprimento da promessa afeta ilegalmente a pessoa que foi privada de sua liberdade em sua própria residência por ato ilícito, o que afasta a razão dessa garantia. (BRASIL, 1988)

Assim como o princípio da verdadeira busca da verdade, que ensina que o fim não justifica os meios, de modo que, mesmo que a diligência seja bem-sucedida, se não houver base prévia adequada para a entrada, ela não pode ser validada (GRECO, 2020).

Em situação de flagrante delito, a realidade é aproximadamente a “justa causa”, ou seja, onde a casa foi inserida, mas essa realidade deve ser comprovada por gravações de áudio, vídeo ou outro que indicam tais razões (GRECO, 2020).

Nesse sentido, o Superior Tribunal de Justiça decidiu limitar a atuação da polícia nessas situações de invasão de domicílio sem ordem judicial, para que tais ações intrusivas não se repitam no cotidiano:

AGRAVO REGIMENTAL NO HABEAS CORPUS. TRÁFICO DE DROGAS. FLAGRANTE. INVASÃO DE DOMICÍLIO. DENÚNCIA ANÔNIMA. AUSÊNCIA DE INVESTIGAÇÃO PRÉVIA. CONSENTIMENTO DO MORADOR. NÃO COMPROVAÇÃO. ILICITUDE DAS PROVAS OBTIDAS. AGRAVO REGIMENTAL NÃO PROVIDO.

      1. O art. 5º, XI, da Constituição Federal estabelece que a residência é asilo inviolável, de modo a atribuir-lhe contorno de direito fundamental vinculado à proteção da vida privada e ao direito à intimidade. Ao mesmo tempo, prevê, em numerus clausus, as respectivas exceções, quais sejam: a) se o morador consentir; b) em flagrante delito; c) em caso de desastre; d) para prestar socorro; e) durante o dia, por determinação judicial. Assim, em qualquer outra situação além das que se encontram positivadas na Carta Maior, é vedado ao agente público, sem o consentimento do morador, ingressar em sua residência, sob pena de, no campo processual, serem consideradas ilícitas as provas obtidas.
      2. Na espécie, segundo consignado pelas instâncias ordinárias, os policiais

receberam notícia anônima, que informava haver tráfico de drogas na casa do paciente. Não houve referência a prévia investigação, monitoramento ou campanas no local, a afastar a hipótese de que se tratava de averiguação de denúncia robusta e atual acerca da ocorrência de tráfico naquele local. Não houve, da mesma forma, menção a qualquer atitude suspeita, externalizada em atos concretos, tampouco movimentação de pessoas típica de comercialização de drogas.

      1. Portanto, ausentes as fundadas razões a embasar a diligência realizada, entendo que não havia elementos objetivos e racionais que justificassem a invasão de domicílio. Eis o motivo pelo qual, dado que a casa é asilo inviolável do indivíduo, desautorizado estava o ingresso na residência do paciente, de maneira que as provas obtidas por meio da medida invasiva são ilícitas, bem como todas as que delas decorreram.
      2. Além disso, os policiais afirmaram que a prima do acusado, também moradora da mesma casa, haveria franqueado a entrada dos agentes estatais no domicílio. Todavia, não houve documentação da sua autorização

seja por escrito, por testemunhas ou, especialmente, por registro de áudio vídeo e ela nem sequer foi ouvida em delegacia.

      1. O consentimento do morador, para validar o ingresso de agentes estatais

em sua casa e a busca e apreensão de objetos relacionados a crime, precisa ser voluntário e livre de qualquer tipo de constrangimento ou coação. A prova da legalidade e da voluntariedade do consentimento para o ingresso na residência do suspeito incumbe, em caso de dúvida, ao Estado, e deve ser feita com declaração assinada pela pessoa que autorizou o ingresso domiciliar, indicando-se, sempre que possível, testemunhas do ato. Em todo caso, a operação deve ser registrada em áudio-vídeo e preservada tal prova enquanto durar o processo, como forma de não deixar dúvidas sobre o seu consentimento. A permissão para o ingresso dos policiais no imóvel também deve ser registrada, sempre que possível, por escrito. Precedente.

      1. Embora haja sido apreendida certa quantidade de entorpecente, uma arma de fogo e munições na residência do agravado, saliento que a descoberta a posteriori de uma situação de flagrante não passou de mero acaso, de maneira que a entrada no domicílio, nesse caso, desbordou do que se teria como uma situação justificadora do ingresso na casa do então suspeito.
      2. Agravo regimental não provido (BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. AgRg no HC 668.957/SP. Relator: ministro Rogério Schietti Cruz. Diário Judicial Eletrônico- DJe, 30 ago. 2021).

No entanto, fica claro que o STJ na decisão supracitada quis esclarecer as medidas necessárias que devem ser tomadas para que todas as ações policiais sejam legais, e também dar validade à medida, pois ela se repete todas às vezes, dia a dia da polícia, ações consideradas invasivas e que não respeitam os direitos dos cidadãos (STJ, 2021).

Portanto, se for determinado que um residente desse o consentimento livre e voluntariamente, esse consentimento deve ser registrado em documento escrito ou outro, porque isso prova que o residente não estava sob coação à polícia (STJ, 2021).

Além disso, em caso de flagrante delito, a ação policial deve ser registrada, se possível, para mostrar que toda a operação foi realizada de acordo com sua estrita legalidade e para garantir os direitos da polícia e dos moradores (GRECO, 2020).

Outro entendimento do Superior Tribunal de Justiça diz respeito à uma denúncia anônima, onde uma pessoa faz uma denúncia sobre um crime ocorrido em uma residência, portanto a polícia vai ao referido local para apurar a denúncia:

HABEAS CORPUS. INADEQUAÇÃO DA VIA ELEITA. NÃO CONHECIMENTO.TRÁFICO DE DROGAS. DENÚNCIA ANÔNIMA. INVASÃO DOMICILIAR. AUSÊNCIA DE FUNDADAS RAZÕES. FALTA DE CONSENTIMENTO. NULIDADE CONFIGURADA. ORDEM CONCEDIDA DE OFÍCIO. 1. O Superior Tribunal de Justiça, seguindo o entendimento firmado pela Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal, não tem admitido a impetração de habeas corpus em substituição ao recurso próprio,

prestigiando o sistema recursal ao tempo que preserva a importância e a utilidade do writ, visto permitir a concessão da ordem, de ofício, nos casos de flagrante ilegalidade. 2. Como é de conhecimento, o Supremo Tribunal Federal definiu, em repercussão geral, que o ingresso forçado em domicílio

sem mandado judicial apenas se revela legítimo – a qualquer hora do dia, inclusive durante o período noturno – quando amparado em fundadas razões, devidamente justificadas pelas circunstâncias do caso concreto, que

indiquem estar ocorrendo, no interior da casa, situação de flagrante delito (RE 603.616, Rel. Min. Gilmar Mendes, Tribunal Pleno, julgado em 5/11/2015, Repercussão Geral – Dje 9/5/1016 Public. 10/5/2016). 3. O Superior Tribunal de Justiça, em acréscimo, possui pacífica jurisprudência no sentido de que a denúncia anônima, desacompanhada de outros elementos indicativos da ocorrência de crime, não legitima o ingresso de policiais no domicílio indicado, inexistindo, nessas situações, justa causa para a medida (REsp n. 1.871.856/SE, relator Ministro Nefi Cordeiro, Sexta Turma, DJe de 30/6/2020). 4. Neste caso, não é possível extrair dos autos quais os motivos que levaram os policiais a decidirem ingressar na residência do paciente. O Tribunal de origem limitou-se a afirmar que a entrada na residência ocorreu porque amparada em “fundadas razões”, o que legitima a ação policial (e-STJ, fl. 161). 5. Desse modo, impõe-se o reconhecimento da ilicitude das provas obtidas por meio da medida invasiva, bem como de todas as que delas decorreram. Precedentes da Quinta e da Sexta Turmas do Superior Tribunal de Justiça. 6. Habeas corpus concedido de ofício para determinar o trancamento da Ação Penal n. 0017359- 33.2019.8.09.0175 (BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. HC: 644951 GO 2021/0041959-9. Relator: Ministro Reynaldo Soares da Fonseca. Diário Eletrônico Judicial- DJe, 08 jun. 2021).

Esta decisão segue a interpretação do mesmo padrão dos demais acórdãos mencionados, onde a chegada da polícia é considerada legal apenas por motivos justificados (STJ, 2021).

Quanto à denúncia, tem-se que a mera confirmação por terceiro de que o crime está ocorrendo na residência não é suficiente para a entrada da polícia, pois por falta dos elementos mínimos caracterizadores dos fatos do crime, devem ser tratados como mera presunção e, a mera presunção não é um requisito para permitir a entrada de agentes na residência de um terceiro (STJ, 2021).

Nesse sentido, considerando o entendimento atual dos tribunais superiores, fica claro, que em todas as decisões o direito de propriedade é o direito fundamental mais importante a ser tutelado, pois, embora esteja inscrito na constituição federal, também é responsável para proteger a vida íntima e privada das pessoas em suas casas (STJ, 2021).

No entanto, nem todos os defensores concordam com essas noções, pois argumentam que tais decisões abrem a porta para crimes dolosos, portanto, resolvê-los e suprimi-los não é algo que a polícia possa fazer. Concorde ou não, tais decisões são corretas porque limitam o poder do Estado ao indivíduo, impedindo práticas arbitrárias de polícia e, principalmente, garantindo os direitos e garantias básicas dos cidadãos (GRECO, 2020).

Além disso, qualquer ação que não atenda aos requisitos mínimos para entrada, prova ou prisão de terceiro é considerada ilegal porque, conforme descrito na Constituição Federal é inadmissível a prova obtida por meios ilegais no processo penal. (BRASIL, 1988)

No entanto, se a não utilização de provas ilícitas causar custos sociais no futuro, é porque o próprio Estado se comportou mal, ou seja, os órgãos repressivos do Estado (GRECO, 2021)

Assim, por meio de decisões judiciais posteriores, o entendimento de invasão de domicílio é bloqueado a partir do momento em que limita a atividade policial, pois se não houver controle legal, será realizada pela força. Garante também a integridade do domicílio daqueles cujo domicílio é alvo de uma operação policial, pois possui comprovação legal tanto de documentos de autorização de entrada quanto, em flagrante delito, de gravações que registram supostos atos ilícitos.

5. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Com subsídio em todos os elementos contidos na presente pesquisa científica, pode-se compreender que o direito à inviolabilidade domiciliar se constitui como um direito fundamental garantido pela Magna Carta de 1988 a todos os cidadãos, ou seja, preceitua-se uma proteção ao direito à intimidade e à vida privada, para que não sejam violados nem corrompidos.

Apesar de tal garantia fundamental estar contida no diploma constitucional moderno, tal garantia prevê algumas exceções legais, ou seja, situações onde o direito de inviolabilidade do domicílio poderá ser relativizado. Nesse esteio, tratou-se sobre as questões de violação ao domicílio em casos de flagrante delito, em prol de um bem comum ou de um interesse justificável e devidamente fundamentado pela autoridade policial.

No sentido proposto, pode-se observar que muitas vezes, um direito fundamental individual poderá ser relativizado em prol de algum interesse coletivo, de uma comunidade ou da sociedade de modo geral. Portanto, tem-se que o direito abordado poderá ser desconsiderado em casos de ocorrência de algum crime na residência, para fins de prestação de socorro ou devido à uma ordem ou decisão judicial devidamente fundamentada, para fins de busca e apreensão ou de flagrante delito.

É importante enfatizar que, em âmbito de flagrante delito, o agente policial só poderá adentrar em uma residência alheia com total certeza de sua conduta, ou seja, desde que tenha em mente que violará um direito individual em favor da manutenção da ordem pública e da incolumidade de pessoas e bens, em conformidade com o conteúdo presente na Magna Carta de 1988 e também no Código de Processo Penal Brasileiro.

Contudo, embora a legislação pátria preveja essa possibilidade, observa-se que muitos agentes de segurança pública atuam na contramão das leis e dos valores vigentes, ou seja, podem atuar sob um falso flagrante, sem qualquer fundamentação ou justificativa. Nesse caso, tem-se a nítida afronta ao direito de inviolabilidade domiciliar.

Nesse esteio, tem-se que a doutrina e a jurisprudência majoritária entendem que o agente de segurança pública deve agir dentro dos princípios, regras e valores atuais e jamais baseado em incertezas ou no “achismo”. Portanto, uma vez que a autoridade policial adentra na residência de alguém, sob a justificativa de tratar-se de um flagrante delito, deverá ter uma certeza sobre essa situação, além de instrumentos probatórios que possam comprovar tal questão.

Observa-se, portanto, que o direito à inviolabilidade domiciliar, embora se trate de um direito fundamental a todos os cidadãos, também poderá ser relativizado, desde que tal relativização esteja em conformidade com as leis, princípios e valores contidos nas normas. Portanto, no caso de flagrante delito, faz-se necessário que a autoridade policial tenha plena certeza da conduta realizada, para que não haja afronta ao direito à inviolabilidade do domicílio.

Ademais, observa-se que é importante que esse agente não apenas atue de modo certo, com justificativa e fundamentos concretos. Faz-se importante também a produção de provas que possam servir de subsídio para aquela situação, ou seja, para que ele possa comprovar que atuou sob a plena certeza de que se tratava de um flagrante delito, para que não tenha uma afronta a um direito fundamental, nem tampouco uma responsabilização criminal.

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[1] Acadêmico do curso de Direito do Centro Universitário UNA- Campus Bom Despacho/MG.

[2] Acadêmica do curso de Direito do Centro Universitário UNA- Campus Bom Despacho/MG.

[3] Orientadora. Professora no curso de Direito do Centro Universitário UNA, Campus Bom Despacho e Divinópolis/MG; membra do grupo de pesquisa Mulheres, Conflitos Armados e Sistema Interamericano de Direitos Humanos do Centro de Estudos em Sistema Interamericano de Direitos Humanos da Universidade Federal de Minas Gerais- UFMG.

Enviado: Novembro, 2022.

Aprovado: Novembro, 2022.

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Heloise Cristina Sales

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