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Tempo/escola no ambiente hospitalar: espaço de aprendizagem para vida e possibilidade de inovação pedagógica

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CONTEÚDO

DISSERTAÇÃO

SILVA, Antoneide Santos Almeida [1]

SILVA, Antoneide Santos Almeida. Tempo/escola no ambiente hospitalar: espaço de aprendizagem para vida e possibilidade de inovação pedagógica. Revista Científica Multidisciplinar Núcleo do Conhecimento. Ano 09, Ed. 09, Vol. 01, pp. 173-185. Setembro de 2024. ISSN: 2448-0959, Link de acesso: https://www.nucleodoconhecimento.com.br/pedagogia/escola-no-ambiente-hospitalar, DOI: 10.32749/nucleodoconhecimento.com.br/pedagogia/escola-no-ambiente-hospitalar

RESUMO

O texto aqui apresentado traz como objetivo central analisar a prática pedagógica numa classe hospitalar da cidade de salvador, com o intuito de encontrar inovação pedagógica nos processos de ensino e aprendizagem. A interrogante cientifica que guiou os estudos circulou na seguinte questão: a prática desenvolvida na classe hospitalar se constitui inovação pedagógica para os processos de ensino aprendizagem? O estudo baseou -se nos escritos teóricos de autores como 2003 (2008), Vygotsky (1998), Goodson (2007), Lapassade (2005), Ausubel (1999), Masini e Moreira (2009), Silva (2017) e Silva (2009). Importante ressaltar que essa escrita traz um recorte da nossa pesquisa de mestrado intitulada: Aprendizagem significativa, mediação e inovação pedagógica na classe hospitalar: configurações possíveis. O estudo traz um desenho de pesquisa de natureza qualitativa com abordagem etnográfica. A pesquisa foi desenvolvida numa classe hospitalar no Hospital Santo Antônio, dentro das obras sociais Irmã Dulce, na cidade de Salvador-BA. No caminho metodológico foram utilizadas, a observação participativa e a entrevista semiestruturada como técnicas para coleta e produção de dados. Para análise dos achados foi usada a técnica de análise do conteúdo anunciada por Bardin (2006). Neste recorte, trazemos da dissertação, a categoria intitulada Tempo/Espaço, a qual se mostrou como forte indício de inovação, por apresentar uma configuração diferenciada, já que o tempo escolar observado é alargado, quando a aula se estende até os leitos e estimula uma aprendizagem mais significativa e colaborativa, em uma perspectiva que potencializa a Zona de Desenvolvimento Proximal (ZDP) dos estudantes. Nesse interim, o currículo sai do seu engessamento habitual e passa a traçar novas rotas, com introdução de conteúdos que fazem parte daquele contexto num diálogo constante ente educação e saúde. Dessa maneira, concluímos que a prática pedagógica pesquisada apresenta evidências de inovação pedagógica por apresentar uma flexibilização entre tempo/espaço e aprendizagem, com o olhar voltado para um currículo e um tempo/espaço que deem conta de um contexto que envolve: saúde, doença e sujeitos ávidos por diferentes aprendizagens em uma escola do agora.

Palavras-chaves: Inovação Pedagógica, Classe hospitalar, Aprendizagem, Educação e saúde.

1. INTRODUÇÃO

Propusemo-nos pesquisar a inovação na prática pedagógica a partir dos processos de aprendizagem construídos pelos sujeitos que se encontram em classe hospitalar. Tivemos como objetivo central analisar a prática pedagógica do espaço citado acima instalada na Escola Hospitalar e Domiciliar Irma Dulce, com o intuito de encontrar inovação pedagógica nos processos de ensino e aprendizagem. A interrogante científica foi: a prática desenvolvida na classe hospitalar se constitui inovação pedagógica para os processos de ensino aprendizagem? Dentro disso os objetivos específicos elencados foram: identificar os processos de mediação construídos dentro da classe hospitalar considerando tempos e espaços específicos de ensinar e aprender; verificar os instrumentos usados na prática pedagógica que viabilizassem uma aprendizagem mais colaborativa-cooperativa.

Para consubstanciar os achados usamos as referências de Fino (1999; 2007; 2008; Fino e Sousa, 2003), Vygotsky (1998), Goodson (2007), Lapasade (2005); Ausubel (1999), Masini e Moreira (2009) entre outros. O caminho metodológico foi construído a partir da pesquisa qualitativa, observação participante periférica, entrevista não estruturada. A apresentação dos achados centrou-se na análise feita a partir da gravação das aulas dentro classe hospitalar, trazendo as cenas vistas e analisadas à luz da análise de conteúdo e dos teóricos já citados. Iremos, ao longo do texto, expor nossa implicação com a pesquisa e os resultados que nossa imersão no lócus conseguiu captar. Como esse inscrito se inspira na dissertação de mestrado escrita por esta pesquisadora, elegemos apenas uma categoria intitulada: tempo/escola e sua relação com a inovação pedagógica, assim trazemos, nesta escrita, um recorte do que foi pesquisado, centralizando uma das categorias de estudo.

Nossa implicação ocorre quando assumimos a disciplina de estágio supervisionado como docente na Universidade do Estado da Bahia (UNEB). A ementa da referida disciplina, indicava um direcionamento para espaços formais e não formais de educação. Seguimos com a disciplina e a levamos para extensão, criando um projeto chamado Práticas ludicoeducativas em ambiente hospitalar. Este tinha como eixo central o uso da linguagem através da ludicidade. Foram indicadas diversas atividades formativas: seminários, exposição fotográfica, minicursos, oficinas, jogos e brincadeiras infantis.

No momento em que nasce o projeto de extensão, surge a necessidade de nos aprofundarmos no estudo do campo da Pedagogia Hospitalar. O que nos levaria, posteriormente, as classes hospitalares e as formas de aprendizagem que estas forjam. Dessa maneira constituímos a escrita desse artigo localizando o que é aprendizagem, em especial, a aprendizagem significativa, a relação desta com atividade partilhada, sob a perspectiva de aprendizagem entre pares, dentro de uma classe composta majoritariamente multisseriada. Em seguida apresentamos as diversas possibilidades de organização do tempo e espaço escolar para o ensino e para aprendizagem na classe hospitalar, enxergando as formas de organização dessa díade como inovação pedagógica.

2. APRENDIZAGEM SIGNIFICATIVA: A NOSSA COMPREENSÃO TEÓRICA

Ao discorrer sobre aprendizagem significativa precisamos entender que ela está localizada nos estudos cognitivistas como um processo de armazenamento de informação, condensação em classes mais genéricas de conhecimentos, que são incorporados a uma estrutura na mente do indivíduo, de modo que esta possa ser manipulada e utilizada no futuro (Masini; Moreira, 2009, p.13).

Se buscarmos seu percussor David Ausubel (1999) veremos que este teórico vai indicar que toda aprendizagem se inicia a partir do que o sujeito possui dentro da sua estrutura cognitiva, chamado por ele de subsunçores, dito de outra forma, conhecimento prévio. Ao dizer isso, a teoria nos leva a entender que o ponto de partida é o que o sujeito sabe sobre aquilo que está estudando/ouvindo e vendo.  Dessa maneira, todas as experiências vivenciadas pelo sujeito colaboram para construção desse arsenal de conhecimento.

Assim, vale-se também do ensino expositivo, para Ausubel (1999) classificar o ensino expositivo como uma repetição, semelhante ao papagaio, é um grande equívoco. Para ele a aula expositiva pode ser meio de uma construção criativa e significativa da aprendizagem, tudo vai depender da forma como é colocada, a forma como o conteúdo é apresentado. Para o autor, a construção de subsunçores só é possível, se o sujeito construir um repertório, isto é, se ele conseguir relacionar o que sabe, com aquilo que a aula expositiva está trazendo. Quanto mais informação tiver sobre o assunto, mais significativa será sua interconexão. Para construção desse repertório, o sujeito precisa inicialmente memorizar informações (aprendizagem por memorização, de forma linear e arbitrária) e logo depois relacioná-las, com as novas informações que chegam. Quando a estrutura cognitiva consegue alinhar o que já existia de informação com as novas que ele recebeu, ocorre aprendizagem significativa, e esse processo ocorre de forma substancial e não arbitraria, isso significa que para Ausubel (1999) as duas aprendizagens não se excluem, formam um continuum (Silva, 2017).

Os seguidores de Ausubel (1999) trazem um olhar sobre a relação dessas duas aprendizagens, em especial, sobre a aprendizagem mecânica. Eles apontam que “(…) a aprendizagem mecânica é sempre necessária quando o indivíduo adquire informação numa área do conhecimento completamente nova para ele” (Masini; Moreira, 2009, p.19).

Percebemos com esses posicionamentos que a construção dos subsunçores pode ter uma forte contribuição da escola, do professor e do currículo, no que diz respeito à construção de novas e sólidas aprendizagens. Aliado a isso, se pensamos numa escola que estimula a construção dessas aprendizagens de forma compartilhada poderemos compreender que é possível criar altos qualitativos na construção do conhecimento.

Frente a tal compreensão, entendemos que aprender com os pares, numa atividade compartilhada pode ser considerada como uma ação que se constitui como elemento forte, aliado à construção de uma aprendizagem significativa. Nesse sentido, Figueira, Cro e Lopes (2014, p.148) apontam que “as atividades partilhadas permitem, aos participantes, clarificar, e elaborar os seus pensamentos, e a utilizar a linguagem”. Nesse processo de atividade partilhada a autorregulação se revela, pois, durante os processos interacionais, o outro acaba por interferir na aprendizagem, consequentemente pensa sobre o que sabe e sobre aquilo que ainda precisa aprender.  Nessa direção, é possível compreender que a regulação externa provoca o pensamento sobre a aprendizagem, assim também podemos dizer que a aprendizagem se dá na interação com o outro, na prática social. Duran (2007) enxerga de forma benéfica os processos cooperativos na aprendizagem partilhada, afirmando que essa aprendizagem ocorre, principalmente, quando a aprendizagem é construída em sala multisseriada, como é o caso das classes hospitalares.

Também compreendemos que essa organização didática promove uma prática pedagógica mais dialógica, colocando uma lupa no tempo e no espaço onde os aprendizes constroem suas aprendizagens. Significa pensar para além de um cumprimento burocrático do currículo, para romper com a falsa ideia de homogeneização nos espaços educativos. Essa maneira de fazer impõe um olhar direcionado para a diversidade, dando elasticidade ao tempo e ao mesmo tempo ampliando os espaços onde se pode aprender. Nos valemos das ideias de Silva (2009, p.60-64) ao dizer que:

a aprendizagem nas classes hospitalares precisa ter um caráter significativo para quem aprende; respeitoso frente aos processos de adoecimento e os tempos de aprendizagem de cada sujeito; compreensivo acerca do que emana desse contexto chamado hospital e das particularidades que envolve a prática pedagógica nesse espaço.

Pensar sobre esse cenário nos traz grandes desafios, um deles é construir uma prática pedagógica mais interacional e horizontalizada, em que o estudante forneça seus saberes e que estes dialoguem com os saberes docentes na construção de novos conhecimentos.

3. O PERCURSO DA PESQUISA

De natureza qualitativa, calcada nos princípios etnográficos, a pesquisa se ocupou de desvelar elementos inovadores na prática pedagógica construída na Escola Hospitalar e Domiciliar Irmã Dulce, numa classe hospitalar multisseriada. A classe atendia o Ensino fundamental I, composta por quinze (15) alunos, salvo a rotatividade dos alunos em detrimento do processo de alta hospitalar.

A pesquisa usou para coleta de dados a entrevista semi e não-estruturada, para garantir a captação das informações de maneira leve e ao mesmo tempo com pouca intervenção da pesquisadora, deixando que os acontecimentos aparecessem. Para Lapassade (2005) a técnica de coleta referida acima é como uma conversação “aos saltos” em que ela vai acontecendo a partir da necessidade de pesquisador e sujeitos da pesquisa. Entrevistamos a professora regente da turma, essas entrevistas ocorriam em momentos distintos e possíveis, durante o decorrer do dia, ora durante a conversa do almoço, ora durante o retorno no ônibus após término das atividades.

Foi usado também a observação participante periférica, o que Lapassade (2005) chama de “conhecimento de membro” para possibilitar uma descrição densa do campo. Usamos para registro o diário de campo, em que anotávamos os acontecimentos, usamos ainda o registro de áudio no gravador.  A escolha da observação participante periférica, deu-se para a interferência da pesquisadora, que fosse a mínima possível. Para melhor organizar essa observação foi pensado num roteiro com questões ligadas a: A) Mediação da professora; B) Estímulo ou não para a resolução de problemas; C) Currículo parte de curiosidades dos estudantes ou se é uma reprodução das escolas de origem de onde eles vêm; D). Artefatos utilizados para aprender; E) A linguagem falada para mediar aprendizagens. F) Estímulo para o trabalho em grupo, ou individualizado.

3.1.O TEMPO DE IMERSÃO NO CAMPO

Ficamos oito (08) meses no lócus de pesquisa, buscando a caracterização de elementos ligados à inovação pedagógica, usando como referência central os escritos de Fino (1999). Conseguimos visualizar a aprendizagem como ação que é construída entre sujeitos num cotidiano social. Para isso, as contribuições de Vygotsky (1998) ao anunciar que o desenvolvimento cultural se dá em primeiro plano na esfera interpsicológica, ou seja, socialmente e em segundo plano na esfera intrapsicológica, individualmente, construindo assim a aprendizagem. Isso tem relação direta com a Zona de Desenvolvimento Proximal (ZDP), que exige processos relacionais.

4. OS RESULTADOS DA PESQUISA

Como dito anteriormente, essa escrita traz um recorte da nossa dissertação de mestrado. Assim, trouxemos um recorte dos achados considerado de alta relevância. O elegemos por considerarmos elemento que mostra de forma contundente a inovação pedagógica. Debruçamo-nos novamente sobre ele, para evidenciar algumas caraterísticas que a dissertação no limite de sua escrita, não deixou evidente. Dessa maneira a análise posta abaixo, refere-se ao registro feito no gravador da pesquisadora referente as aulas assistidas na classe hospitalar. Esses registros evidenciaram um indicador de análise, aqui denominado de Tempo/ Espaço: escola para vida.

4.1 TEMPO / ESPAÇO: ESCOLA PARA VIDA

A escola que estamos acostumadas a ver, se organiza numa temporalidade rígida, seja pelas rotinas, seja pelas burocracias, como se os tempos se organizassem da mesma maneira para todos. As escolas regulares têm essas características de espaço e tempo rigorosamente definidos. Ainda que saibamos que esse desenho a tempo não diz sobre os tempos dos sujeitos reais, essa escola temporalizada ainda persiste e faz parte do imaginário coletivo. Entretanto, quando falamos de uma escola que funciona no espaço hospitalar, em uma lógica multisseriada, certamente ela vai precisar burlar esses tempos e espaços pré-organizados.

Em uma classe hospitalar os tempos se cruzam, pois falamos de um lugar em que se misturam diferentes idades e diferentes tempos escolares (1º ano, 2º ano). Nesse desenho, a temporalidade, a ordem simétrica das unidades, as periodizações bimestrais ou mensais perdem sentido, pois estamos falando de uma classe com uma lógica própria, construída a partir da demanda que a cerca: o hospital. Lá o tempo da aula, da atividade do intervalo são todos relativizados a depender da necessidade que o cotidiano exija. Nessa escola o tempo precisa ser muito bem aproveitado pois os sujeitos que a povoam, não sabem se ainda desfrutarão dela por muito tempo. Existe nesse espaço a necessidade de uma flexibilização maior do tempo, para a parada em que a enfermeira pegue a veia para colocar o acesso, para que o médico entre e veja as reações clínicas, a introdução do medicamento, e ainda pelas possibilidades de qualquer eventualidade que possa ocorrer decorrente dos sintomas das doenças que as crianças são acometidas.

Segundo Silva (2017) a escola do hospital é a escola do agora, do hoje, do já, portanto precisa de propostas didáticas significativas, para aproveitar o momento em que os sujeitos, mesmo adoecidos estão vibrantes. Uma escola que respeite o tempo de cada sujeito na sua particularidade, que crie atalhos para o tempo de ensinar e aprender, para Fino (2008) a Inovação Pedagógica traz esse caráter de rompimento na criação de diferentes tempos para aprender.

Aula na classe hospitalar pesquisada durava três horas e meia, mas ela já se iniciava, no contato que a professora tinha com crianças e adolescente ao passar pelas enfermarias, para a contação de história e para mapeamento das condições socioeducacionais através das fichas de registros. Esses momentos já compõem o tempo da aula, por estabelecer processos relacionais de escuta e interação pedagógica. Nesse sentindo o tempo de ensinar e aprender se alarga, as três horas e meia da aula conta ainda com esse tempo usado pela professora.

A escola, vivida no espaço hospitalar constrói diferentes novas rotas na organização desse tempo escolar. Nela há espaços para os conteúdos e para outras coisas que são prementes. Silva (2017, p.110) nos diz que “na classe hospitalar não há como nutrir apenas os intelectos, pois tem um corpo presente ali e este corpo fala. Ou às vezes o corpo se cala”. Foi o que ocorreu em uma das numa das aulas, em que se notificou o falecimento de uma das alunas da turma multisseriada. Esse acontecimento trouxe para os estudantes, desconforto imenso que só a morte pode trazer. Na dissertação, foi narrado na íntegra a Cena 1, na qual alunos e professora discutem sobre o luto, temática surgida após ao falecimento de um aluno. Aqui narraremos de forma breve a aula em que a morte foi conteúdo de ensino e aprendizagem.

Por ser um tema delicado, complexo a professora preferiu iniciar a aula, questionando o que os alunos entendiam sobre o acontecido. Foram várias as percepções, uma delas nos fez refletir sobre o sentido da perda, quando uma das alunas anuncia que luto é lutar contra a tristeza. A professora aproveitou essa percepção e passou a discutir sobre o sentido de morrer, de sobreviver. O luto que era substantivo se tornou verbo de ação. A ação de sobreviver, mesmo diante da perda.

A aula terminou tarde, se alargou diante do interesse dos estudantes na temática, apesar de estarem hospitalizados e muitos, viveram constantemente adoecidos, sendo que a morte ainda os pega de surpresa. Importante destacar que no planejamento da professora, a morte, o luto não eram conteúdos para aquele dia.  Percebemos que a conversa sobre o luto e a morte invadiu as enfermarias, em que as crianças e adolescentes agora levavam para suas famílias as reflexões da aula. O conteúdo foi discutido pelos adultos tendo como interlocutores os estudantes da classe. Nessa prática vimos que:

mais do que escrever novas prescrições para as escolas, um novo currículo ou novas diretrizes para as reformas, elas precisam questionar a verdadeira validade das prescrições predeterminadas em um mundo em mudança. Em resumo, precisamos mudar de um currículo prescritivo para um currículo como identidade narrativa; de uma aprendizagem cognitiva prescrita para uma aprendizagem narrativa de gerenciamento da vida. (Goodson, 2007, p.242)

Essa não foi a primeira vez que as atividades da aula, chegavam nas enfermarias, as atividades que a professora deixava para o dia seguinte, era assunto que mediava a relação entre os acompanhantes e os sujeitos hospitalizados. Nesse momento as experiências dos mais velhos, se encontravam com as discussões dos mais jovens, num processo em que a ZDP era vista de forma muito evidente. Há com isso um alargamento do tempo de aprender, em que outros sujeitos (pais, acompanhantes) fazem o papel de mediadores. Fino (2008, p. 2) sinaliza que seja inovação pedagógica ao dizer que, “inovação pedagógica como ruptura de natureza cultural, se tivermos como fundo as culturas escolares tradicionais, E a abertura para emergência de culturas novas, provavelmente estranhas aos olhares conformados com a tradição”.  

O quadro abaixo deixa claro os elementos que identificamos como inovadores nessa prática pedagógica que se relaciona o com o Tempo / Espaço: escola para vida

Figura 1- Quadro com os elementos identificados como inovadores pedagógicos

ELEMENTOS DE INOVAÇAO FUNDAMENTOS QUE O EXPLICAM
 

Tempo de aula alargado, no contato da professora com contação de histórias no leito.

“inovação pedagógica como ruptura de natureza cultural, se tiver como fundo as culturas escolares tradicionais. E a abertura para a emergência de culturas novas, […] (Fino, 2007, p. 2)

“inovação, parte   de uma atitude individual. A inovação pedagógica não é induzida de fora, mas um processo de dentro, que implica reflexão, criatividade, sentido crítico e autocrítico” (Fino, 2008, p.2)

Momento em que a atividade da sala chega nas enfermarias e nesse momento os adultos ali presentes ocupam o lugar de mediadores “romper com os contextos do passado e criar novos contextos de que o futuro necessita, o que implica uma redefinição do papel dos aprendizes e dos professores, é no essencial a função da inovação pedagógica.” (Fino e Sousa, 2003. p.7).
Momento da aula em que a professora coloca a morte- luto como conteúdo de ensino. (…) não se trata de substituir formas, mas transformar o próprio conteúdo e as práticas a ele correspondentes, o que implica espaços para experimentação, ensaios, riscos, flexibilidade e autonomia. Trata-se de, numa concepção dialética, mudar os próprios fundamentos, as raízes determinantes das ações, ao contrário da adoção, que implica mudanças remendos ou retoques superficiais em formas ou métodos, o que não afeta a essência das ações (Souza, 2006, p.11)

Fonte: Acervo da pesquisadora, 2024.

O quadro nos mostra que a inovação pedagógica apresenta características ligadas a: 1) rompimentos com as práticas tradicionais; 2) prática pedagógica horizontalizada; 3) espaços e tempos escolares organizados a partir da aprendizagem; 4) pedagogia individualizada; 5) rompimento da ordem temporal historicamente construída pela cultura escolar. O quadro nos mostra ainda que é possível pensar e criar escolas do hoje, que pensem no agora, percebendo o que Arroyo (2004, p. 209) diz ao afirmar que “o tempo escolar, suas periodizações são pressionadas a se repensarem quando os tempos humanos são outros”.

5. CONSIDERAÇÕES FINAIS

O estudo realizado nos permitiu perceber que a mediação construída na classe hospitalar observada, foi fundante para aprendizagem dos estudantes que se encontravam hospitalizados. Importante destacar a prática pedagógica desenvolvida no referido espaço, contou com uma práxis recheada de artefatos utilizados no cotidiano das aulas os quais demarcaram o papel e o lugar de uma prática docente diretamente ligada a uma construção de uma aprendizagem significativa.

Chegamos ao final da pesquisa destacando a relevância referente à flexibilidade do tempo ministrado no ambiente da classe hospitalar, evidenciando que não há a necessidade de estabelecermos um tempo rígido, como fazemos na escola regular. Vimos que muitas vezes o cumprimento de uma lógica rígida, impede as crianças e adolescentes realizarem descobertas e múltiplas aprendizagens, impossibilitando a criação de momentos em que as curiosidades se transformam em construção de saberes que fogem da lógica imposta pelo tempo escolar. “A flexibilidade temporal contribui sobremaneira para processos interdisciplinares que acabaram promovendo aprendizagens significativas” (Silva, 2017, p.111).

Assim podemos afirmar nas nossas considerações, que não são finais, apenas fecham esse momento da pesquisa, que a classe no ambiente hospitalar se constitui em um espaço educativo de alta qualidade, recheado de inovação pedagógica. Fica aqui o nosso desejo de que “compreendamos o papel da escola e do hospital, pois o que nos parece importante é, a inclusão nessas instituições, a efetivação de processos humanizadores.” (Silva, 2017, p. 138). Finalizado este momento do nosso estudo “esperamos ainda que para além da inovação pedagógica possamos assegurar a política do atendimento escolar para os sujeitos hospitalizados, garantindo a implantação de escolas nesses espaços. Não qualquer escola, mas a escola do tempo do agora, do já.” (Silva, 2017, p.138-139).

REFERÊNCIAS

ARROYO, Miguel G. Imagens quebradas: trajetórias e tempos de alunos e mestres. Petrópolis, RJ: Vozes, 2004.

AUSUBEL, David. Aquisição e retenção do conhecimento: uma perspectiva cognitiva. Lisboa: Platano, 1999.

BARDIN, L. Análise de conteúdo. Lisboa: Edições 70, 2006.

DURAN, David. Tutoria entre iguais e aprendizagem cooperativa. Tempos novos, novas realidades. Revista Pedagógica Pátio. Ano XI, fevereiro/maio, 2007.

FIGUEIRAS, A.P.C.; CRO, M.L.; LOPES, I.P. Ferramentas da mente: perspectiva de Vygotsky sobre educação da infância. Universidade de Coimbra, 2014.

FINO, C. N. Um software educativo que suporte uma construção de conhecimento em interação (com pares e professor). Actas do 3º Simpósio de Investigação e Desenvolvimento de Software Educativo (edição em cd-rom). Évora: Universidade de Évora, 1999.

FINO, C. N. O futuro da escola do passado. 2007. Disponível em: https://people.web.uma.pt/carlosfino/publicacoes/21.pdf. Acessado em: 25 abr. 2016.

FINO, C. N.; SOUSA, J. M. Alterar o currículo: mudar a identidade. Revista de Estudos Curriculares, v. 1, n. 2, p. 233-250, 2003.

LAPASSADE, Georges. As microssociologias. Brasília: Líber Livro Editora, 2005. Série Pesquisa em Educação, v.9.

MASINI, E. F.; MOREIRA, M. A. Aprendizagem significativa: a teoria de David Ausubel. 3. ed. São Paulo: Centauro, 2009. Brasília: Liber livros, 2009.

SILVA, Antoneide Santos Almeida. Aprendizagem significativa, mediação e inovação pedagógica na classe hospitalar: configurações possíveis. Dissertação de Mestrado. UMa. Funchal- Portugal, 2017.

SILVA, Maria Celeste Ramos de. A criança e o adolescente enfermos como sujeitos aprendentes: representações de professores da rede regular de ensino no município de Salvador – BA. 214f. Dissertação (Mestrado em Educação) Programa de Pós-Graduação em Educação, Universidade Federal da Bahia, Salvador, 2009.

SOUZA, Maria das Graças G. de. Inovação em gestão da educação pública: questões conceituais. Brasília: MEC/Pradime/Laboratório de Experiencias Inovadoras em Gestão Educacional, 2006. Disponível em: http://www.educacao.salvador.ba.gov.br/site/documentos/espaco-virtual/espaco-praxispedagogicas/GEST%C3%83O/inovacao%20gestao%20educacao.pdf. Acesso em: 12 set. 2016.

VYGOTSKY, Lev. A formação social da mente: o desenvolvimento dos processos psicológicos superiores. São Paulo: Martins Fontes, 1998.

[1] Mestrado stricto sensu em Ciências da Educação-Inovação Pedagógica (UMa-Portugal) 2017.Especialista em Metodologia do Ensino pela Universidade de Pernambuco-UPE, 1995.Graduaçao em Pedagogia -Faculdade de Formação de Professores de Petrolina -FFPP/UPE,1993. ORCID: orcid.org/0009-0008-1309-5527. Currículo Lattes: http://lattes.cnpq.br/2325840036528341.

Material recebido: 09 de abril de 2024.

Material aprovado pelos pares: 06 de junho de 2024.

Material editado aprovado pelos autores: 09 de setembro de 2024.

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Antoneide Santos Almeida Silva

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