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O Surdo na Sociedade Ouvinte: Um Caso de Inclusão ou Exclusão?

RC: 16679
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CONTEÚDO

LEME FILHO, Miguel Arcanjo [1], GARCIA, Clarice Aparecida Alencar [2]

LEME FILHO, Miguel Arcanjo; GARCIA, Clarice Aparecida Alencar. O Surdo na Sociedade Ouvinte: Um Caso de Inclusão ou Exclusão?. Revista Científica Multidisciplinar Núcleo do Conhecimento. Ano 03, Ed. 06, Vol. 07, pp. 97-107, Junho de 2018. ISSN:2448-0959

Resumo

Esta pesquisa tem como objetivo verificar se a matrícula do aluno surdo na rede regular de ensino público está realmente proporcionando a inclusão deste na sociedade ouvinte, através do letramento em língua portuguesa, permitindo que consiga criar projetos de vida, com expectativas de ocupar postos no mercado de trabalho e adquirir emancipação socioeconômica, tornando-se protagonista da sua própria vida, exercendo plenamente a cidadania. Analisamos primeiramente as opiniões de alguns autores sobre as políticas inclusivas no Brasil, através de revisão bibliográfica, juntamente com o relato da prática como interlocutor de Libras vivenciadas no ano de 2015 e primeiro semestre de 2017, trabalhando com alunos surdos no ensino médio em escola pública.

Palavras-chave: Surdez, Educação, Inclusão.

Muitas vezes nos deparamos em nosso dia a dia com uma situação não muito comum: duas pessoas surdas conversando, fazendo uso da língua de sinais. Em um primeiro momento, olhamos com curiosidade aquela evolução de movimentos manuais e a maneira como a comunicação acontece entre eles. Analisamos as dificuldades dessa conversação de acordo com nosso senso comum. Contudo, em nada difere ou deixa de nos trazer curiosidade também, por exemplo, a conversa entre dois italianos em sua língua materna.

No caso das pessoas surdas não podemos deixar de reconhecer que, como nós, aproveitam todos os momentos, do trabalho ao lazer, da vida em comum com amigos e familiares ao convívio social pleno, aptos a serem tão iguais a nós ouvintes. O que nos diferencia é apenas a língua. Uma vez desenvolvida a linguagem específica para os surdos, estes não encontram mais problemas para expressarem seus pensamentos, aspirações, conhecimento, etc.

Segundo Lacerda (1998, p. 71), enfatiza que “Para De L’Epée, a linguagem de sinais é concebida como a língua natural dos surdos e como veículo adequado para desenvolver o pensamento e sua comunicação”. E ainda segundo Bouvet (1990), os surdos tem acesso a “[…] uma linguagem que permite uma comunicação eficiente e completa como aquela desenvolvida pelos sujeitos ouvintes.” (BOUVET, 1990 apud LACERDA, 1998, p. 76).

Dessa maneira, podem conviver plenamente, quer em sociedade surda, quer em ouvinte, desde que ocorra a tradução de sua linguagem, sua compreensão por todos, como é habitual às outras línguas e dialetos, corrobora com esse pensamento Moura (1996), quando afirma: “Os surdos pertencem a um grupo minoritário que sofre uma restrição que precisa ser compreendida na sua plenitude” (MOURA, 1996, p. 238-239 apud BUENO, 2006, p. 52)

Historicamente os surdos estiveram marginalizados da sociedade, considerados diferentes, como bem salienta Sassaki (1997, p. 16), quando diz que a sociedade “começou praticando a exclusão social de pessoas que – por causa das condições atípicas – não lhe pareciam pertencer à maioria da população”. Porém, uma vez reconhecida a deficiência auditiva, buscou-se proporcionar aos surdos sua inclusão social.

A partir da Declaração de Salamanca (UNESCO, 1994), as políticas sociais brasileiras, desenvolveram nos últimos anos, um processo de inclusão dos surdos na comunidade ouvinte, no tocante ao direito à Educação, respeitando os artigos 205, 206 e 208 da Constituição Federal de 1988, com a expectativa que eles viessem a ocupar postos no mercado de trabalho e adquirissem a emancipação social e financeira, tornando-se protagonistas da sua própria vida, exercendo plenamente a cidadania, nesse contexto, as políticas públicas brasileiras buscaram a inclusão dos surdos por meio da Educação Especial.

A Educação Especial, chegou à rede regular de ensino, como variante de educação escolar, através da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional – LDB (Lei Nº 9.394/96), alcançando e visando os educandos com deficiências, incluindo o aluno com surdez. A rede pública de ensino tem obrigação de acolher esses alunos, gerir a convivência com os outros educandos, promover a socialização, apresentando e permitindo iguais oportunidades de ensino e aprendizagem e consequente desenvolvimento.

Em nossa pesquisa verificamos que alguns autores colocam em dúvida a proposta da educação para os surdos na rede pública de ensino, mostrando que uma parcela dos alunos surdos após concluírem os estudos nas escolas públicas, nem sempre, conseguiram o domínio da língua portuguesa, quer na habilidade leitora, quer na escritora.

Machado (2006, p. 48), expõe depoimento de um aluno surdo, alvo de pesquisa, onde ele dizia: “Na minha opinião a escola regular, onde se usava apenas oralismo, foi péssima, só aprendi a copiar”.

Miller Junior (2013, p. 85-86), também relata o comentário de uma aluna, também alvo de pesquisa: “Não compreendia o que os professores diziam. Nas aulas, havia somente a oralização e a escrita. ‘Era como se não estivesse ali’, desabafa a jovem”.

Segundo Lacerda (1998, p. 68), as políticas públicas voltadas para o aluno surdo, visam proporcionar o desenvolvimento pleno de suas habilidades, entretanto, encontram diversas “limitações”, mostrando que “esses sujeitos, ao final da educação básica, não são capazes de ler e de escrever satisfatoriamente”; também no tocante ao desenvolvimento das capacidades desses alunos, uma vez que eles não conseguem “um domínio adequado dos conteúdos acadêmicos”.

O que percebemos geralmente é que muitos alunos surdos não conseguem o domínio pleno da língua portuguesa, exigindo deles sacrifício, paciência e muito esforço para acompanhar, compreender e interiorizar os conteúdos, mesmo com a presença do interlocutor. Uma vez que, segundo Marchesi (1995) “[…] o surdo é participante de programas educacionais voltados para ouvintes e elaborados por ouvintes […]”. (MARCHESI, 1995b apud MACHADO, 2006, p. 49).

A persistência dessas situações poderia caracterizar a exclusão do aluno surdo no processo de aprendizagem e desenvolvimento de suas habilidades, como nos informa Machado (2006, p. 40): “[…] mesmo diante da obrigatoriedade gerada pela política educacional atual, muitos educandos surdos encontram-se à margem da escola”.

Diante destas observações podemos questionar a presença do aluno surdo na rede de ensino regular com o intuito de desenvolver as habilidades leitora e escritora afim de prover a base necessária para o aluno surdo pensar em um projeto de vida, focado na sua formação como sujeito surdo, construindo sua identidade, respeitando sua cultura e sua língua.

Como constatado nos relatos de Machado, Miller Junior e Lacerda, não foi diferente a minha impressão quando cheguei à escola pública em uma cidade no interior do Estado de São Paulo como interlocutor de Libras no ano de 2015 e posteriormente no primeiro semestre de 2017.

Encontrei alunos surdos, no segundo e terceiro ano do ensino médio, sem o domínio das habilidades leitora e escritora, copistas e desiludidos com a aquisição dos conteúdos curriculares. Sentiam-se forçados a aprender por intermédio de uma linguagem oralista diversa à que tinham domínio – a linguagem de sinais. Segundo Silva (2006, p. 15), os surdos encontram-se forçados a uma submissão à hegemonia ouvinte “[…] que tenta anular a sua forma de comunicação (a língua de sinais), procurando assemelhá-los cultural e linguisticamente aos ouvintes[…]”.

Podemos perceber que na rede regular de ensino, a língua portuguesa mantém hegemonia sobre a língua de sinais como instrumento de aprendizagem, enquanto autores como Albres e Santiago (2012, p. 288) afirmam: “Já o modelo bilíngue de manutenção, consiste basicamente, no caso do Brasil, em ensinar a Libras e o português, dando maior importância à primeira língua, ou seja, à Libras.” (ALBRES, SANTIAGO, 2012, p. 288 apud MILLER JUNIOR, 2013, p. 54).

A vivência como interlocutor de Libras me permitiu experienciar esse antagonismo, no qual por um lado o processo de inclusão do aluno surdo espera que a sua formação escolar seja um trampolim social para ele sair da condição em que se encontra e alcançar uma melhor, por outro lado, o aluno surdo não consegue interiorizar o conteúdo curricular e “aprender português”, itens necessários justamente para esse salto.

O aluno surdo geralmente está desestimulado, desinteressado das aulas, somente cumprindo o horário do turno escolar. Tem no interlocutor um amigo para conversar e desenvolve com alguns alunos na classe, conversas limitadas, considerando essa interação como normal. Lacerda (2006, p 173) também observou essa interação relatando que o aluno surdo “vê seu relacionamento restrito às intérpretes e às poucas trocas dialógicas com os alunos ouvintes como natural”.

Estar presente dentro da sala de aula, diariamente em contato com os alunos surdos, compartilhando momentos de brincadeiras, conversas informais, alegrias, dúvidas, incertezas, questionamentos e também o enfrentamento das dificuldades de aprendizagem, proporcionou a mim, criar um juízo de valor sobre as condições em que esses alunos surdos estão sendo preparados para a vida e quais são suas expectativas.

Foram quatro alunos que mantive contato em sala de aula, com idades entre 16 e 19 anos, dois do sexo masculino e dois do sexo feminino. Para a apresentação do relato da convivência com cada um, foram representados pela letra A, seguida por um número, ficando assim designados: A1, A2, A3 e A4.

Os alunos A1 e A2, não estavam alfabetizados, eram copistas, não se interessavam pelas aulas nem pelo aprendizado dos conteúdos curriculares. Ambos foram alunos regulares do sexto ano do ensino fundamental ao terceiro ano do ensino médio sem ter repetido de ano. Suas notas eram compostas por pontos dados por bom comportamento, trabalhos escolares, visto no caderno e muitas vezes por avaliações realizadas em duplas.

O aluno A1, sexo masculino, tinha 19 anos quando cursava o terceiro e último ano do ensino médio em 2015. Apresentava laudo diagnosticando surdez severa, não usava aparelho, tinha bom domínio da língua de sinais. Seu aprendizado em Libras foi através de trabalho comunitário de uma igreja evangélica. Nosso primeiro contato foi muito natural e rapidamente nos entrosamos, recebia aposentadoria especial através da Lei Orgânica da Assistência Social – LOAS (Lei 8.742/93) no montante de um salário mínimo. Tinha contato com diversos alunos ouvintes da sua sala e de outras séries comunicando-se em um misto de Libras e mímicas. Trabalhava na área rural, eventualmente como diarista e ainda pratica essa modalidade de trabalho, uma vez que “tem receio de perder o benefício salarial se trabalhar com carteira assinada”, segundo seu próprio relato.

A aluna A2, sexo feminino, tinha 18 anos quando cursava o terceiro e último ano do ensino médio em 2015. Apresentava laudo diagnosticando surdez severa, possuía aparelho de surdez porém usava eventualmente, pois dizia que incomodava e sentia vergonha em usá-lo, tinha bom domínio da língua de sinais. Seu aprendizado em Libras também foi através de trabalho comunitário de uma igreja evangélica. A família frequentava com frequência os cultos ministrados nessa igreja. Nosso primeiro contato foi conturbado, pois havia preconceito religioso, já que eu não pertencia a mesma religião que ela. Foi uma convivência conquistada mês a mês. Recebeu aposentadoria especial através da LOAS no montante de um salário mínimo durante algum tempo que não soube precisar, porém desistiu do benefício por achar o valor recebido muito pouco e tentou ingressar no mercado de trabalho.

Essa experiência ela relatou como frustrante. Procurou emprego em uma rede de supermercados em sua cidade, que atendendo às exigências da LOAS, oferecia vagas para deficientes no sistema de cotas. Devido a sua surdez, A2 foi colocada para exercer suas funções laborais em locais que não teria contado com o público, trabalhou por um ano nessa empresa e foi demitida. Sentia-se durante esse tempo muito constrangida e excluída no ambiente de trabalho, segundo seu próprio relato.

Ao contrário do aluno A1, a aluna A2 conversava muito em Libras com duas amigas na sala de aula, consideradas irmãs na religião. A2 e suas amigas possuíam fluência na línguas de sinais, pois conviviam o período da manhã de segunda a sexta-feira na escola e os finais de semana nas atividades realizadas pela igreja evangélica a qual pertenciam. Embora enfrentando restrições devido a religião, ainda mantenho contato com A2, que atualmente exerce a função de cabeleireira e manicure em salão próprio, montado com a ajuda da família. A2 optou pelo empreendedorismo pessoal.

A aluna A3, sexo feminino, tinha 16 anos quando cursava o primeiro semestre do segundo ano do ensino médio em 2017. Apresentava laudo diagnosticando surdez severa, possuía aparelho para surdez e o usava com certa frequência, tinha bom domínio da língua de sinais. Seu aprendizado em Libras foi através de trabalho comunitário de uma igreja evangélica, embora não a frequentasse e da participação na sala de recursos no contra turno das aulas. Sua família não sabe Libras.

Nosso primeiro contato não foi muito natural e encontramos dificuldades de entrosamento, uma vez que o interlocutor anterior era uma professora que a acompanhava na interlocução há quatro anos. Foi um processo lento e difícil essa substituição. Não estava alfabetizada, embora conhecesse diversas expressões em língua portuguesa que utilizava para se comunicar pelo whatsapp com seus colegas, era copista, não se interessava pelas aulas nem pelo aprendizado dos conteúdos curriculares, contudo aceitava com paciência as minhas intervenções como interlocutor para explicar as mensagens dos professores.

Não tem expectativas em relação à continuidade dos estudos, limitando-se a finalizar o ensino médio. Pensava em trabalhar também como cabeleireira. Desconhecia a aposentadoria através do LOAS e não mostrou interesse em saber a respeito.

O aluno A4, sexo masculino, tinha 19 anos quando cursava o primeiro semestre do segundo ano do ensino médio em 2017. Apresentava laudo diagnosticando surdez severa, possuía aparelho para surdez e o usava com frequência, tinha bom domínio da língua de sinais. Seu aprendizado em Libras até os 7 anos de idade aconteceu em escola específica de ensino da linguagem de sinais em São Paulo, Capital, posteriormente, através de trabalho comunitário de uma igreja evangélica que ele e a família frequentava assiduamente e da participação na sala de recursos no contra turno das aulas. Sua mãe e avó não sabem Libras, contudo haviam iniciado o curso de Libras oferecido pela igreja evangélica, no início de 2017. Sua irmã e seus irmãos conversavam normalmente com ele através da linguagem de sinais.

Reconhecia algumas palavras em língua portuguesa, tinha facilidade em raciocínio lógico, era copista, tinha muito interesse pelas aulas principalmente por matemática, matéria que gostava e que tinha facilidade no aprendizado, não se interessava pelas outras disciplinas. Não encontrava muita dificuldade em se comunicar com os colegas de classe, sempre pedindo minha intervenção na conversação e usando de mímicas ou frases prontas, que ele escrevia, para auxiliar a comunicação. Participava do conjunto musical da igreja tocando violino, que segundo seu relato, sentia a vibração das notas o que possibilitava a aprendizagem dos hinos. Recebia aposentadoria especial através da LOAS no montante de um salário mínimo.

Tinha expectativa de se tornar engenheiro civil para construir casas. Não sabia como faria a faculdade, imaginava contar com o auxílio do interlocutor de Libras para realizar essa conquista. Sempre questionava essa possibilidade e eu sempre o incentivava a lutar por seus sonhos.

Os alunos A3 e A4 tinham suas notas formadas pela avaliação de comportamento, pontos atribuídos à matéria copiada no caderno, à trabalhos de pesquisa, provas objetivas e tarefas realizadas com o auxílio do interlocutor. Estão na rede regular desde o sexto ano do ensino fundamental.

Diante desses relatos colhidos em sala de aula e de acordo com os autores estudados, podemos reconhecer que o objetivo de uma educação significativa para os alunos surdos não está sendo plenamente alcançado, quanto à questão da comunicação e a construção do conhecimento, numa proposta bilíngue: Libras e Língua Portuguesa, uma vez que as políticas educacionais são pautadas somente na cultura ouvinte. Segundo Machado (2006, p.41) a educação dos surdos é norteada “por uma atitude ‘normalizadora’ em que as diversas formas de educação de surdos têm a intenção de’ ouvintizar’, ou seja, de fazê-los parecer como ouvintes”.

Devemos também identificar que o discurso da escola inclusiva, dando atenção à diversidade, com o intuito de permitir aos surdos emancipação socioeconômica, bem como promover a relação intercultural da comunidade surda com a ouvinte, nem sempre atinge seus objetivos, uma vez que o mercado de trabalho não absorve parte dessa mão de obra, pautado na falta de comunicação entre ouvintes e surdos, justamente porque os ouvintes não conhecem a linguagem de sinais, precisando necessariamente da utilização de interpretes ou interlocutores.

No caso do mercado de trabalho se faz necessário o uso de força de lei para garantir a inserção da pessoa com deficiência em uma vaga de emprego, como previsto no artigo 93 da Lei 8.213/91 – Lei de Benefícios da Previdência Social – LBPS, obrigando ao preenchimento de cotas (vagas de trabalho) com pessoas com deficiência.

Sassaki (1997, p. 59), compara o mercado de trabalho a um campo de batalha, em um extremo pessoas com deficiência e seus aliados brigando por uma vaga e do outro empregadores resistentes em preencherem vagas de trabalho com candidatos portadores de deficiência.

Temos que registrar como desafio, uma proposta inclusiva justa, visando a emancipação dos sujeitos surdos, a construção da identidade surda e o respeito e valorização de sua identidade cultural. Há que se pensar em uma escola inclusiva com currículo voltado para o ensino bilíngue – Libras e língua portuguesa – no qual seja incluído os meios necessários de alfabetização e letramento voltados para os sujeitos surdos em sua língua natural – Libras.

Segundo Machado (2006, p. 53) “[…] salas de recursos, classes especiais não são espaços reconhecidos para aquisição dos níveis de escolaridade, porque não são organizados por séries correspondentes às do ensino regular”. Não comprovam escolarização ou conclusão de etapas. Nesse enfoque a reestruturação do currículo escolar deve ser pensado numa proposta bilíngue – Libras e língua portuguesa.

Sendo assim, justifica a exposição dos anseios da comunidade surda através de suas manifestações, para o entendimento das relações sociais entre surdos e ouvintes, na sociedade em que vivemos, como bem salienta Perlin: “[…] “a manifestação da identidade do surdo no currículo oralista é falha e contém a representação da identidade ouvinte como exclusiva. Uma segregação da identidade surda, uma negação da mesma!” (PERLIN, 200:24 apud MACHADO, 2006, p. 64).

Através da pesquisa bibliográfica e da vivência como interlocutor pude observar que o governo não enxerga o surdo com visão de comunidade, os vê pontualmente como sujeitos com deficiência auditiva precisando ser integrado/incluído na comunidade ouvinte. Esquecem que eles tem língua própria, a língua de sinais – LIBRAS, que difere totalmente da língua portuguesa, uma vez que a língua de sinais é na modalidade visual espacial icônica enquanto a língua portuguesa é oral auditiva.

Os surdos querem possuir/desenvolver sua própria cultura, identidade, pois querendo ou não, congratulam-se em encontros sistematizados para conversarem em sua língua e viver sua cultura, trocar experiência/vivências. Ainda que possuam pessoas com surdez em números reduzidos em algumas cidades, muitas instituições religiosas e eventos criados pelos surdos promovem essas confraternizações com muita regularidade, reunindo grandes aglomerações de surdos para convivência, quer em atividades culturais, quer religiosas em diversas cidades do país.

Faltam reconhecer a cultura e a identidade surda, não ver apenas como integração/inclusão, mas como uma situação de convivência, no qual o aparato governamental para a educação deve se adequar às necessidades dos surdos e não ao contrário para realmente poder se falar em inclusão. Portanto pensar em adaptar algumas horas de ensino de LIBRAS na grade curricular da rede pública escolar, com professores habilitados e capacitados seria sim, pensar em integração/inclusão, pois percebemos que a maioria dos alunos “incluídos” aprenderam LIBRAS através de sua religião, sendo raras as instituições mantidas pelo governo que oferecem desde tenra idade a linguagem de sinais à criança surda e a sua família.

Propor atividades no currículo que se apresente ao surdo em sua língua, que tenha representação para ele e que através de exercícios e material apropriado ele consiga ter o registro escrito das aulas, dando condição a ele de poder estudar no contra turno da escola. Acreditamos que da maneira como está, mesmo com o auxílio do interprete, o aluno surdo terá contato com a matéria a ser estudada apenas uma vez pela tradução do interlocutor, em sua primeira língua e se ele não tiver domínio da língua portuguesa para poder estudar, de nada adianta os livros didáticos, caderno do aluno, exercícios de fixação e anotações no caderno.

Procurando não dar por vencida esta questão, não podemos olhar para o surdo em suas habilidades e competências, apenas diferindo dos ouvintes na questão da fala, da oralidade. Novos governantes através das políticas públicas deveriam repensar a construção do currículo procurando atender de maneira realmente inclusiva os alunos surdos, respeitando sua identidade e cultura. Também verificar que não cabe mais ao ensino fundamental dos anos finais (6º ao 9º), muito menos ao ensino médio, a alfabetização. Em uma nova proposta, poderíamos ponderar na inclusão da aprendizagem de LIBRAS nos anos iniciais do ensino fundamental (1º ao 5º), terreno fértil e momento crucial para a aprendizagem bilíngue.

Referências

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[1] Graduado em Letras/Inglês pelo Instituto Municipal de Ensino Superior de São Manuel – IMESSM. Pós-graduando em Psicopedagogia. Professor da rede estadual de ensino do Estado de São Paulo. Interlocutor de Libras

[2] Doutora em Educação e docente do curso de Psicopedagogia do Instituto Municipal de Ensino Superior de São Manuel – IMESSM.

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Miguel Arcanjo Leme Filho

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