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Judicialização da Saúde – Dificuldades e Limites dos Juízes para Tomada de Decisões Judiciais e a Efetividade da Criação dos Comitês Estaduais de Saúde

RC: 14426
95
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DOI: 10.32749/nucleodoconhecimento.com.br/saude/judicializacao-da-saude

CONTEÚDO

NETO, Daniel Carlos [1], CASER, Larissa [2], ASSUNÇÃO, Laura Carlesso Vicensi de [3], ANTUNES, Liege [4]

NETO, Daniel Carlos; et.al. Judicialização da Saúde – Dificuldades e Limites dos Juízes para Tomada de Decisões Judiciais e a Efetividade da Criação dos Comitês Estaduais de Saúde. Revista Científica Multidisciplinar Núcleo do Conhecimento. Ano 03, Ed. 04, Vol. 01, pp. 70-79, Abril de 2018. ISSN:2448-0959

RESUMO

Este artigo tem como objetivo trazer uma reflexão em cima dos desafios pertinentes a judicialização no Brasil. Averiguando como o Estado e os seus representantes têm se manifestando neste contexto, buscando estabelecer dentro da base doutrinária um diálogo sobre seus aspectos gerais e principais desafios. O caminho percorrido para discorrer essa temática se inicia pela demonstração da saúde pública no Brasil, seus mecanismos de implementação, bem como as formas de direito e controle. Em sua progressão discorre-se sobre a judicialização dentro de seus conceitos e aspectos fundamentais, bem como, traçado um breve panorama da realidade brasileira. Por fim, é estabelecido uma reflexão das principais consequências, limites e dificuldades das decisões judiciais. Desta forma, foi possível observar que a judicialização no Brasil possui limites em sua atuação, alguns aspectos desses limites estão ligados a dificuldades enfrentadas pelos juízes na compreensão de alguns casos.

Palavras-Chaves: Judicialização da Saúde, Saúde no Brasil, Limites e Dificuldades na Judicialização.

INTRODUÇÃO

Um dos principais propulsores para a promoção da saúde no Brasil e no mundo foi a atuação da Organização das Nações Unidas nos Direitos Humanos. De acordo com Piovesan (2012) foi a adesão pelo Brasil aos Tratados Internacionais que trouxe o reconhecimento da saúde como um direito fundamental, especialmente após 1988 onde reconheceu os pressupostos básicos na Constituição Federal.

Em seu artigo 6o, a Constituição Federal de 1988 lança dentro do contexto dos direitos e garantias fundamentais, a seguinte exposição:

 Art. 6º São direitos sociais a educação, a saúde, a alimentação, o trabalho, a moradia, o transporte, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição. (BRASIL, 1988).

Foi a partir de então, e, de certa forma recente, que o Brasil iniciou Programas relacionados a promoção da saúde de forma mais intensa, criou-se a iniciativa do Sistema Único de Saúde (SUS) que iremos tratar com maior detalhe no decorrer deste artigo.

O que concerne a este momento é a reflexão de que, mesmo com o reconhecimento da saúde dentro dos direitos humanos através da adesão aos Tratados Internacionais, bem como, sua ênfase na Constituição, e, ainda, a criação do Sistema Único de Saúde, se passado pouco mais de 30 anos, a saúde pública ainda enfrenta muitos problemas, dentre eles, a necessidade de se recorrer constantemente as vias judiciais para obtenção de tratamentos e medicamentos que seriam obrigações do Estado (SANTOS, 2014).

Apesar de uma temática promotora de grande impacto, e de índices cada vez mais crescentes, ainda são considerados todos os estudos que promovem esta linha de pesquisa, sendo um grande desafio ao pesquisador.

Este estudo, além de buscar servir como base para que outros pesquisadores possam se apropriar das lacunas para promover outras investigações, tem como objetivo trazer uma reflexão sobre as dificuldades e limites enfrentados pelos juízes nas decisões judiciais.

Optou-se assim por sistematizar o estudo em três partes fundamentais; essas bases visam estabelecer uma breve contextualização sobre o cenário abordado, trazendo as questões fundamentais sobre saúde no Brasil, principalmente após a Constituição de 1988, passando posteriormente a investigar a judicialização da saúde e as conotações encontradas na visão de outros estudiosos. E, por fim, refletir sobre os limites e dificuldades enfrentadas pelos juízes.

A SAÚDE NO BRASIL E A JUDICIALIZAÇÃO DA SAÚDE

Como já aludido acima, foi apenas após 1988 com a promulgação da Constituição Federal, e, consequentemente com a criação do Sistema Único de Saúde (SUS) que o Estado brasileiro passou a se responsabilizar diretamente, e, de forma mais ofensiva para fornecer o tratamento a saúde.

De acordo com o Ministério da Saúde, o SUS é um dos maiores sistemas de saúde do mundo, responsável pelo atendimento primário, secundário, terciário e quaternário em todo território nacional (BRASIL, 2017).

A estruturação do SUS foi e ainda é motivo de elogio por parte de muitos doutrinadores humanistas:

Os ordenamentos jurídicos constitucionais da atualidade, ao consagrarem a existência de um direito social à saúde, essa dupla perspectiva. Dessa forma, assim como ocorre com os direitos fundamentais em geral, que podem ser observados sob várias dimensões complementares, também o direito a saúde compreende a perspectiva individual de busca de ausência de moléstia e a coletiva de promoção da saúde em comunidade (WEICHERT, 2004, p.122).

Weichert (2004) ainda considera no decorrer de muitas obras o impacto positivo da atuação do SUS no que tange ao contexto de direitos humanos, colocando o Brasil na frente de muitos outros países que apesar de terem aderido aos Tratados Internacionais de Direitos Humanos, não se responsabilizam ou, se responsabilizam apenas parcialmente pela saúde da população, como é o caso dos EUA.

No entanto, no que tange ao contexto nacional, a responsabilização da saúde pelo Estado tomou características integrais, indiscutíveis e indissociáveis. Shwartz (2001) ao comentar o artigo 6o da Constituição Federal de 1988 aduz:

No referido artigo, encontramos também que o dever do Estado em relação à saúde deve ser garantido mediante políticas sociais e econômicas. Aqui estamos diante de um Estado Interventor, e, também, diante da primazia da ação estatal positiva na defesa do direito à saúde- e jamais da inércia- e conectando-se, essencialmente, à ideia de um direito social da saúde

A tomada da responsabilização pela saúde por parte do Estado produziu uma série de reconhecimentos legais, e, consequentemente direitos por parte do cidadão em requerer perante a justiça a prestação dos serviços que ora lhes são de direito. Assim, o Poder Público surge como mediador ou viabilizador de aquisição dos direitos fundamentais quando estes não são concedidos pelas vias “normais” (BUCCI, 2006).

Nota-se ainda, que apesar do SUS ser uma iniciativa considerada exemplar por muitos doutrinadores, bem como, por muitos países, além das próprias agências Internacionais de Direitos Humanos, em sua realidade, a gestão deste sistema além de complexa devido a extensão territorial do Brasil, também enfrenta desafios, e não é de agora, quanto à seu orçamento (BUCCI, 2006; FLEURY, 2012).

No contexto de desafios, orçamentários ou gerenciais, a população se vê em parte “desprotegida” e, cada vez mais ciente do compromisso e dever do Estado em atuar dentro da promoção da saúde, recorrendo então, as vias judiciais para garantir que seus direitos sejam reconhecidos (SHWARTZ, 2001).

A judicialização da saúde no Brasil tem sido alvo de debates, pois apresenta-se de forma dual na visão de alguns estudiosos.

O Conselho Nacional de Justiça (BRASIL, 2017) apresentou os dados referentes judicialização da saúde, apontando em 2014 o número de 330.630 casos em andamentos, distribuídos conforme tabela abaixo:

Figura 1- Numero de Processos em tramitação 2014. Fonte: Conselho Nacional de Justiça (2017)
Figura 1- Numero de Processos em tramitação 2014. Fonte: Conselho Nacional de Justiça (2017)

De acordo com o Conselho Nacional de Justiça, visando o aumento cada vez mais crescente da judicialização da saúde, em 2016, o CNJ aprovou a Resolução n . 238, de 6 de setembro de 2016, que dispõe sobre a criação e a manutenção de comitês estaduais de saúde, bem como a especialização em comarcas com mais de uma vara de fazenda pública. O ato normativo visa dar efetividade à Resolução CNJ n . 107, de 6 de abril de 2010, que criou o Fórum Nacional do Poder Judiciário para a Saúde e instituiu os comitês estaduais de saúde como instâncias adequadas para encaminhar soluções e garantir a melhor forma de prestação jurisdicional em área tão sensível.

Ainda de acordo com o Conselho Nacional de Justiça, as buscas pela criação dos Comitês estaduais foram elencadas principalmente através das dificuldades apontadas pelos juízes nas execuções judiciais.

De acordo com Ferraz e Vieira (2009) essas dificuldades ocorrem principalmente pela falta de limites claros de se compreender, bem como, se interpretar o que é a saúde, ou melhor, das opções e posicionamento do que de fato é necessário para reconhecer o direito da saúde, principalmente no que de fato estaria coberto pelos direitos fundamentais.

Ferraz e Vieira (2009) ainda elucidam sobre a necessidade de se posicionar sobre o direito à saúde como sendo um direito limitado ou ilimitado, ou seja, há um limite de atuação e dever no Estado do que se compreende à saúde fundamental? Ou deve o Estado arcar com os custos à saúde de forma ilimitada, tornando esse direito absoluto?

No entanto, deve-se considerar que os recursos disponibilizados à saúde não são ilimitados, e cabe ao Estado atender a demanda de toda população, e daí vem a grande dificuldade por parte dos Juízes em suas interpretações (SANTOS, 2014).

Ferraz e Vieira (2009) e Santos (2014), salientam que as questões dos recursos devem ser reconhecidas e debatidas, uma vez que, para se compreender a saúde a todos deve haver consenso para o atendimento geral na distribuição dos recursos, levando muitos juízes a considerarem a reflexão sobre os limites do Estado na obrigatoriedade do fornecimento à saúde de forma indiscriminada.

Santos (2014, p.34), ainda alude: “Diante do exposto, a alocação de recursos públicos em saúde deve almejar a construção de um sistema de saúde equânime. Para tanto, temos que equidade é um termo polissêmico que pode assumir diversas interpretações”.

Porém, se por um lado, alguns juízes acabam por considerar o recurso financeiro como argumentos para os pressupostos da limitação dos cuidados, incluindo medicamentos, por outro lado, Fortes (2008) considera que não cabe ao juiz ser o detentor do reconhecimento de quem deve ou não “merecer”, e, nesse caso explicito, de quem teria ou não o direito de determinado tratamento ou medicamento, buscando uma equidade que não seria de fato, simplesmente por desconhecer as questões técnicas de cada um.

Assim, de acordo com Santos (2014, p. 35 e 36):

Nesse contexto, o SUS depara-se com um paradoxo entre as diferentes demandas de saúde e o conflito ético que diz respeito à alocação dos recursos em saúde. Se por um lado, os usuários requerem por meios judiciais o acesso a medicamentos, seja de alto custo ou não, por outro, a Rede Básica de Saúde, ainda, enfrenta dificuldades para oferecer o atendimento universal, integral e equânime preconizado pelo Ministério da Saúde.

A questão levantada por Fausto (2008) é realmente salutar, pois os processos judiciais no âmbito da saúde geralmente estão fundamentados em uma compreensão técnica ou compreensões técnicas muito específicas que podem impedir a atuação de forma eficaz por parte de um juiz, sendo necessário com frequência recorrer a uma equipe multidisciplinar, que talvez seja agora atendida pela criação dos Comitês de Saúde Estaduais.

Santos (2014.p.36) ressalta então que:

Sendo assim, o Judiciário acostumado a decidir conflitos bilaterais, de interesses individuais, precisa agora despertar para os casos de grande interesse coletivo, nos quais, “mexer em um ponto é diretamente – e não indiretamente – mexer em todos os pontos” A esse exemplo, Borges e Ugá (2009) citam uma hipótese plausível de ocorrer de fato: ilustram o caso de um usuário que impetra uma ação judicial contra a União exigindo tratamento para um transplante de fígado e o juiz responsável pela ação defere o pedido e determina o tratamento imediato. De acordo com as autoras, este usuário irá passar a frente na fila de transplantes de outros usuários que precisam do mesmo transplante em questão. A mesma lógica ocorre, quando o usuário pleiteia, via judicial, medicamentos de alto custo, por exemplo, que não são contemplados pelo Estado. O gasto com um usuário pode privar a coletividade de outros tratamentos de assistência à saúde.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

No decorrer deste estudo foi possível observar que embora o Brasil tenha avançado muito na atenção à saúde após a Constituição Federal de 1988, e, sendo motivo de elogio por parte de outros países e Organismos Internacionais de Direitos Humanos, as questões pertinentes a orçamentos e gestões ainda são uma grande problemática deste que se consagrou como sendo um dos maiores sistemas de saúde do mundo.

Esses problemas que parecem cada vez mais recorrentes criaram uma série de mandas judiciais, passando então a Judicialização da Saúde ser um problema apontado pelo Conselho Nacional de Justiça, bem como pelos juízes em suas dificuldades de tomadas de decisões devido suas limitações.

Outra questão que ficou clarificada neste contexto é de que apesar do Estado reconhecer o direito à saúde, não deixou claro, quanto as formas de atuação do Estado, ou seja, se estes direitos deveriam ser considerados de forma limitada ou ilimitada, principalmente ao se buscar o princípio da equidade devido as relações diretas com os recursos.

O Conselho Nacional de Justiça, com a criação dos Comitês Estaduais de Saúde busca sanar algumas lacunas existentes nos discursos dos juízes.

REFERÊNCIAS

BRASIL- Constituição Federal, 1988- encontrado em: www.cf.gov.br acesso em agosto de 2017

BRASIL- Conselho Nacional de Justiça. Encontrado em: http://www.cnj.jus.br/images/programas/forumdasaude/demandasnostribunais.forumSaude.pdf, acesso em agosto de 2017

BUCCI, Maria Paula Dallari. O conceito de política pública em Direito. In: BUCCI, Maria Paula Dallari (Org.). Políticas Públicas: reflexões sobre o conceito jurídico. São Paulo: Saraiva, 2006. p.14.

FERRAZ, O. L. M.; VIEIRA, F. S. Direito à saúde, recursos escassos e equidade: os riscos da interpretação judicial dominante. Revista de Ciências Sociais. Rio de Janeiro, v. 52, n. 1, p. 223-252, 2009.

FLEURY. Sônia. Judicialização pode salvar o SUS, Saúde em Debate, Rio de Janeiro, v.36, n. 93, p.159, abr./jun. 2012.

FORTES, P. A. C. Reflexão bioética sobre a priorização e o racionamento de cuidados de saúde: entre a utilidade social e a equidade. Cadernos de Saúde Pública, Rio de Janeiro, v. 24, n. 3, p. 696-701, 2008.

PIOVESAN, Flávia. Direitos Humanos e o direito Constitucional internacional. 13ed. Ver. E atual. São Paulo- Saraiva, 2012.

SANTOS, E. C. B. Judicialização do direito à saúde: acesso ao tratamento de usuários com diabetes mellitus na cidade de Ribeirão Preto e região, de 2003 a 2013. 2014. 107 f. Tese (Doutorado) – Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2014.

SCHWARTZ, Germano. Direito à saúde: efetivação em uma perspectiva sistêmica. Porto Alegre, Livraria do Advogado, 2001. p. 97.

WEICHERT, Marlon Alberto. Saúde e Federação na Constituição Brasileira. Rio de Janeiro: LúmenJúris, 2004. p. 122.

[1] Doutorando em saúde pública

[2] Farmacêutica

[3] Acadêmica de Medicina

[4] Acadêmica de Medicina

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Daniel Carlos Neto

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