ARTIGO ORIGINAL
CAVALCANTI, Carolina de Oliveira Leite Bezerra
CAVALCANTI, Carolina de Oliveira Leite Bezerra. Perda de uma chance, a responsabilidade civil do advogado e o seguro E&O. Revista Científica Multidisciplinar Núcleo do Conhecimento. Ano 09, Ed. 11, Vol. 01, pp. 115-138. Novembro de 2024. ISSN: 2448-0959, Link de acesso: https://www.nucleodoconhecimento.com.br/lei/perda-de-uma-chance, DOI: 10.32749/nucleodoconhecimento.com.br/lei/perda-de-uma-chance
RESUMO
Este artigo investiga a ausência de critérios claros e objetivos definidos para a concessão de indenizações nos seguros de Erros e Omissões (E&O), uma lacuna persistente tanto na doutrina quanto na jurisprudência brasileira e ainda com ausência de regulamentação específica por parte da SUSEP e CNSP. O principal desafio reside na subjetividade da análise, que não se restringe ao erro cometido, mas abrange também o mérito do processo. No caso dos seguros E&O para advogados, por exemplo, as seguradoras atualmente avaliam as chances de êxito do terceiro conforme seus próprios critérios. Esse trabalho teve como objetivo estabelecer três critérios objetivos e, ainda, a propor a utilização de um número de julgados previamente estabelecidos nas apólices de forma transparente para a definição de responsabilidades e pagamento da indenização. A metodologia adotada é qualitativa, baseada em análises bibliográficas e jurisprudenciais.
Palavras-chave: Responsabilidade civil responsabilidade civil, Advogado e o seguro, Seguros de Erros e Omissões (E&O).
1. INTRODUÇÃO
A relevância da temática está no fato de que a contratação dos seguros de responsabilidade civil profissional ou seguro E&O (Errors and Omissions) tem sido cada vez mais comum, com o intuito de preservar o patrimônio do segurado, na hipótese de uma falha profissional que cause prejuízo a um terceiro.
Isso ocorre porque muitos erros podem ser cometidos pelo advogado ou pela sociedade de advogados – interposição intempestiva de um recurso, ausência de pagamento de preparo recursal, não juntada dos documentos hábeis para subsídio de defesa, entre outros.
Por se tratar de tema em crescente debate e que pode gerar diversos prejuízos para grande parte da sociedade, a pesquisa, possui como objetivo avaliar tais questões e seu impacto na prática.
Através de análise bibliográfica e jurisprudencial, estabeleceu-se três critérios para definição de eventual indenização: 1) se a chance, de fato, existia; 2) se a chance era real e séria, vinculando-se a ideia de porcentagem, caso se entenda que a probabilidade de êxito era superior a 50%; 3) se a ação ou omissão cometida pelo advogado sepultou as possibilidades de êxito da postulante.
Caso, após a análise desses critérios, verifique-se que a indenização securitária será devida, necessária a análise do grau de probabilidade para fins de indenização, o que pode ser facilmente verificado através da jurisprudência, em casos não inéditos.
Por fim, destaca-se que fundamental que os critérios, ou seja, possível utilização de um número mínimo de julgados vinculados ao STJ e ao tribunal em que vinculam o processo sejam expressos nas apólices e nas condições gerais a fim de trazer mais transparência ao segurado no momento da contratação, minimizando, por conseguinte, as lides securitárias.
2. PERDA DE UM CHANCE: DANO REAL E CERTO
A teoria da “perda de uma chance” ou “perda da chance” surgiu na França, com as primeiras manifestações jurisprudenciais no final do século XIX.
No Brasil, é instituto não regrado no Código Civil, mas é aceito e bem desenvolvido na doutrina e na jurisprudência brasileira. Nesse sentido, Alessandra Cristina Furlan (2017) expõe:
Ao contrário da jurisprudência já consagrada na França, no direito brasileiro, não apenas o estudo, mas também o debate em relação ao tema da oportunidade não concretizada ensaia ainda seus “primeiros passos”. Constata-se a carência de texto legal específico, de elaboração doutrinária consistente e de jurisprudência pacificada. Observa-se, porém, uma demanda cada vez maior, com um notável aumento do interesse por parte da doutrina e dos tribunais. Eleva-se o número de ações com pedido de indenização por chances perdidas.
Para Ruy Rosa Rosado de Aguiar Júnior (2018):
Perda de uma chance é a responsabilização daquele que, agindo indevidamente, impede a superveniência de um fato que poderia trazer benefício ao lesado. Há, portanto, um processo interrompido com a aniquilação da oportunidade (de ganho, de evitação, de resultado, de cura). O dano consiste na perda da oportunidade e o nexo causal deve existir entre a ação do agente e a perda da chance. O dano indenizado é o que está diretamente ligado a frustação da oportunidade.
Já para Giovanni Ettore Nanni (2021), indeniza-se a oportunidade que poderia ter sido materializada tanto de auferir proveito, quanto de evitar perda. Contudo, a noção de chance contém elemento condicional inexorável, ligada à probabilidade de que algo ocorra ou seja executado. É, portanto, a possibilidade de obtenção futura de um resultado, esperado ou não, voluntário ou não; a expectativa, também ligada à probabilidade, de que se alcance algo favorável.
Inicialmente, pode-se pensar que a reparabilidade da perda da chance desafia característica do dano indenizável, que deve ser certo, mesmo que atual ou futuro, de acordo com o que preceitua o art. 403 do Código Civil.
Mas no caso da perda de uma chance, conforme afirma Giovanni Ettore Nanni (2021), há dano certo porque o ato de um terceiro privou a pessoa de uma chance, agora sepultada.
Se a chance realmente existia – e para que se configure a perda de uma chance, ela precisaria existir – sua perda constitui prejuízo certo, portanto, reparável, cuja extensão varia com a probabilidade de ocorrência do evento favorável. Nesse sentido, Judith Martins-Costa (2003) dispõe:
“Embora a realização da perda da chance nunca seja certa, a perda da chance pode ser certa. Por esses motivos não vemos óbice à aplicação criteriosa da teoria. O que o art. 403 afasta é o dano meramente hipotético, mas, se a vítima provar a adequação do nexo causal entre a relação culposa e ilícita do lesante e o dano sofrido (a perda da probabilidade série e real), configurados estarão os pressupostos do dever de indenizar.”
Paulo de Tarso Sanseverino (Brasil, 2014) afirma que, na perda de uma chance, há prejuízo certo, e não apenas hipotético, situando-se a certeza na probabilidade de obtenção de um benefício frustrado por força do evento danoso. A ideia é que se repara a chance perdida, e não o dano final.
Desse modo, ao receber a indenização pela perda de uma chance, a vítima não é reposicionada no lugar em que deveria se encontrar, caso a conduta alheia não tivesse ocorrido, obtendo ou não a vantagem esperada. A vítima será recolocada em situação idêntica àquela em que se encontrava em momento anterior ao fato. É a chance que lhe será devolvida sob a forma de reparação.
Então, nos termos de Thiago Rodovalho e José Luiz de Almeida Simão (2021), na perda de uma chance, é necessário que haja o ato de impedimento, ou seja, a frustração da chance (ação ou omissão) imputável a um terceiro, que lhe subtrai essa chance (real e séria) de obter um resultado.
3. REQUISITOS PARA APLICAÇÃO DA TEORIA DA PERDA DE UMA CHANCE
Embora a doutrina não seja unânime quanto aos requisitos para aplicação da teoria, caminha para estabelecer, resumidamente, quatro requisitos para sua aplicação: 1) exista a chance; 2) seja real e séria; 3) tenha sido malograda por ação ou omissão culposa imputável ao devedor; 4) se estime o grau de probabilidade que a oportunidade teria para se materializar, para fins de quantificação.
O primeiro requisito, a ideia de que exista uma chance, é primordial para se configure o instituto. Em que pese parecer óbvio, é necessária que a ideia de chance esteja ligada à probabilidade de um evento.
A chance deve contemplar feição antecedente, justamente aquela que faz surgir a eventualidade. É a chance de modificar a decisão judicial de primeira instância por meio do provimento do recurso de apelação; a chance de cura da doença por intermédio do correto diagnóstico e consequente tratamento; a chance de aprovação no concurso pública de provas e títulos (Cavalieri Filho, 2010). É um plano antecedente, sem ele, não há que se preencher os demais requisitos.
Ultrapassado o primeiro requisito, o segundo determina que a chance deve ser real e séria. Isso porque a chance precisa ser substancializada, apresentando-se como potencial oportunidade apta a vingar em benefício do interessado. Não se pode tutelar sonhos ou, como afirma Sérgio Cavalieri Filho (2010), “A vantagem esperada pelo lesado não pode consistir numa mera eventualidade, suposição ou desejo, do contrário, estar-se-ia premiando os oportunismos, e não reparando as oportunidades perdidas”. Daí porque a potencialidade de verificação de chance deve ser conjugada com alguma sorte de probabilidade, não se pode reparar suposta perda, fruto de uma mera utopia.
Nesse sentido, Daniel Amaral Carnaúba (2013) faz importante ressalva de que a técnica de reparação de chances tem forte tendência à vulgarização, se não houver cuidado, a reparação redundaria no direito ao sonho. Estariam todos obrigados a reparar meras imaginações do prejudicado.
E Fernando de Noronha (2010) analisa:
“Em primeiro lugar importa averiguar se a chance perdida era real e séria: se for, haverá obrigação de indenizar, se ela tiver caráter meramente hipotético, não. E para saber se a oportunidade era real e séria, haverá que recorrer às regras de experiência comum subministradas pela observação do que ordinariamente acontece” (…)
Há alguns critérios para tentar definir o que seja considerada uma chance real e séria.
A Corte de Cassação francesa não pré-estabelece cifras, mas considera dois critérios para analisar a seriedade: as probabilidades e a prova de interesse por parte do beneficiário. Para a jurisprudência francesa, quanto maiores as probabilidades representadas pelas chances perdidas, mais razões terão os juízes para considerar que chance é real e séria, e o oposto também se aplica. Já o outro requisito, é de que a chance não deve ser considerada séria se a vítima não for capaz de comprovar de que estimava aquela oportunidade e que, assim, essa perda representa uma lesão efetiva a interesse seu, conforme Daniel Amaral Carnaúba (2013).
Nos termos de Savi (2009), intentando objetivar o parâmetro para a seriedade da chance, o direito italiano, diferente do francês, admite a concessão da indenização quando comprovada a probabilidade de, no mínimo, ocorrer 50% de obtenção do resultado esperado.
Já no direito norte-americano, conforme Rafael Peteffi da Silva (2013), em casos de responsabilidade pela perda de uma chance no âmbito médico, prevalece o padrão more likely than not. Pela aplicação deste padrão, se um procedimento retira 51% das chances de um paciente sobreviver, estará identificado o nexo de causalidade entre a ação do agente e o dano final (perda da vantagem esperada), tornando inaplicável a teoria da perda de uma chance.
Na doutrina nacional, Sérgio Savi (2009), alinhado a doutrina italiana, aprova e correlaciona a chance séria e indenizável com a probabilidade de êxito superior a 50%.
Já Flávio da Costa Higa (2011) e Daniel Amaral Carnaúba (2013), aliados a maioria da doutrina nacional, discordam da tarifação de 50% para caracterizar a seriedade das chances. Dentre as razões para a não estipulação de percentual, entendem que é impossível determinar o preenchimento de um conceito jurídico indeterminado e, ainda, que o estabelecimento de um parâmetro ligado a um percentual fixo corre sérios riscos de torna-se bastante questionável e simplista. Deve-se, na realidade, buscar a presença de verdadeira, perceptível oportunidade favorável de acordo com a análise do caso concreto.
Para corroborar a necessidade de que a chance seja real e séria, o enunciado 444 da V Jornada de Direito Civil estabelece que:
A responsabilidade civil pela perda de chance não se limita à categoria de danos extrapatrimoniais, pois, conforme as circunstâncias do caso concreto, a chance perdida pode apresentar também a natureza jurídica de dano patrimonial. A chance deve ser séria e real, não ficando adstrita a percentuais apriorísticos. (Brasil, 2012a).
A vítima – e o ônus de prova aqui é do lesado – deve comprovar que se não fosse a conduta alheia, poderia ter alcançado o resultado útil pretendido. A oportunidade do lesado ingressar no mercado de trabalho altamente remunerado quando nem sequer se iniciou qualquer tipo de formação, por exemplo, não pode ser tutelada pelo direito.
Já o terceiro requisito para caracterização da perda de uma chance, nos termos de Giovanni Ettore Nanni (2021), é a conduta culposa do agente. A perda de chance pode derivar de ação ou omissão, praticada por descumprimento do contrato, ou por violação delitual (extracontratual), atingindo vítimas imediatas ou por ricochete (exemplo quando os parentes da vítima sofrem pela perda da chance da vítima).
Por fim, o quarto requisito é definir o grau de probabilidade para fins de indenização. E aqui é importante: não se indeniza o montante equivalente ao resultado almejado (prejuízo final), se indeniza o grau de probabilidade que o credor teria a ganhar. Silvio de Salvo Venosa (2003) deixa claro que é necessário realizar um balanço da perspectiva contra e favor da situação do ofendido, desse cálculo, resultará a proporção do ressarcimento.
Para Ruy Rosa Rosado de Aguiar Júnior (2018):
“A avaliação há de ser feita segundo um juízo equitativo, por arbitramento do juiz, que poderá recorrer à informação técnica, para buscar auxílio na estática, considerar o que normalmente ocorre, etc. A dificuldade para sua determinação – argumento usado pelos que são contrários à teoria da perda da chance – não pode ser empecilho para sua aplicação, porquanto não diferente daquela que os tribunais encontram para quantificar o dano moral, o assédio sexual, o uso indevido de imagem.”
O montante da indenização, portanto, corresponde a uma fração do ganho esperado, determinada em consideração à probabilidade de sucesso do empreendimento. Não é a totalidade do que almeja conseguir, cuja obtenção, por hipótese, é aleatória. Mas é fixado em função do prejuízo final.
A reparação da chance perdida sempre deve ser inferior ao valor da vantagem esperada pela vítima, já que a chance nunca é igual à certeza – que, diga-se de passagem, não realizou.
Tal fato, contudo, não significa que a reparação é parcial. Na realidade, a indenização concedida abrange integralmente o dano decorrente da perda da chance que, para parte dos entendimentos da doutrina e das decisões, consiste em um dano específico e independente do dano final, ou seja, da vantagem esperada.
A reparação tem como medida a extensão do dano, nos termos do art. 944, caput, do CC, ou seja, é integral.
Para quantificação da perda da chance é necessário: 1) avaliar qual o valor econômico do resultado em expectativa e, em seguida, a probabilidade que existiria de alcançar, não fora a ocorrência do fato antijurídico; 2) e sobre esse segundo valor, calcular uma percentagem para que se possa finalmente obter o valor pecuniário do dano da perda de chance.
4. CASOS ENVOLVENDO PERDA DE UMA CHANCE NA JURISPRUDÊNCIA BRASILEIRA
Conforme acima mencionado, em que pese a perda de uma chance não ser expressa em nossa legislação, há farto repertório jurisprudencial envolvendo a matéria.
O caso mais conhecido no Brasil é envolvendo o programa televisivo, “show do milhão”. A participante concorria a prêmios em dinheiro e na hipótese de responder corretamente às questões formuladas, ganharia um milhão. A demandante, contudo, desistiu na última etapa (R$ 500.000,00), mas restou evidenciado que havia inviabilidade lógica de uma resposta adequada. Reconheceu-se então a perda da chance, condenando o programa televisivo, ora ré, ao pagamento da quantia de 125.000, equivalente a ¼ do valor que a participante poderia ter ganhado nesta etapa.
Outro caso considerável, também no Brasil, foi de uma criança que, de acordo com o entendimento do STJ, deveria ser indenizada pela ausência de funcionário da empresa contratada pelos seus pais para coletar suas células-tronco embrionárias do seu cordão umbilical no momento do parto. O entendimento foi de que apenas nesse momento essa coleta seria possível, portanto, passado, perdeu-se a chance, pois:
“É possível que o dano final nunca venha a se implementar, bastando que a pessoa recém-nascida seja plenamente saudável, nunca desenvolvendo qualquer doença tratável com a utilização das células-tronco retiradas do seu cordão umbilical. O certo, porém, é que perdeu, definitivamente, a chance de prevenir o tratamento dessas patologias”. (Brasil, 2014. p. 18)
Essa chance perdida é, portanto, o objeto da indenização.
Outro julgado bastante discutido na doutrina brasileira sobre a perda de uma chance foi proferido também pelo STJ, mas, dessa vez, pela Quarta Turma. Nesse caso, indenizou-se um investidor, cliente do banco, baseado na teoria da perda de uma chance, para estabelecer a responsabilidade do banco pelo prejuízo que ele teve, ao não conseguir vender suas ações por um valor maior, quando desejado, pois já haviam sido vendidas, sem sua a prévia autorização:
“O dano suportado consistiu exatamente na perda da chance de obter uma vantagem, qual seja a venda daquelas ações por melhor valor. Presente, também, o nexo de causalidade entre o ato ilícito (venda antecipada não autorizada) e o dano (perda da chance de venda valorizada), já que a venda pelo titular das ações, em momento futuro, por melhor preço, não pode ocorrer justamente porque os papéis já não estavam disponíveis para serem colocados em negociação.” (Brasil, 2018b. p. 5)
Os casos mais comuns envolvendo o instituto da perda de uma chance, contudo, são casos envolvendo a responsabilidade de médicos e advogados, hipótese essa que nos restringiremos para o presente artigo.
5. APLICAÇÃO DA PERDA DE UMA CHANCE NA RESPONSABILIDADE CIVIL DO ADVOGADO – DOUTRINA E JURISPRUDÊNCIA
A teoria da perda de uma chance tem lugar propício nos casos envolvendo responsabilidade civil do médico e do advogado.
É o caso clássico do advogado que perde o prazo para interposição do recurso de apelação contra a sentença de primeiro grau, impossibilitando o cliente de ter a oportunidade de modificação da decisão em seu favor.
Desde 1980, há mais de 50 (cinquenta) anos, Agostinho Alvim trata sobre a perda de uma chance no caso envolvendo reparação pela má conduta de um advogado:
“A possibilidade e talvez a probabilidade de ganhar a causa em segunda instância constituía uma chance, uma oportunidade, um elemento ativo a repercutir, favoravelmente, no seu patrimônio, podendo o grau dessa possibilidade ser apreciado por perito técnicos. Tanto isto é verdade, que o autor de uma demanda pode, mesmo perdida a causa, em primeira instância, obter uma quantia determinada, pela cessão de seus direitos, a um terceiro que queria apelar. No exemplo figurado, os peritos técnicos, forçosamente advogados, fixariam o valor a vista que ficara reduzido o crédito após a sentença da primeira instância, tendo em vista, para isso, o grau de probabilidade da reforma da mesma, de modo a estabelecer-se a base negociável desse crédito. O crédito valia dez. Suposta a sentença absolutória, que mal apreciou a prova, seu valor passou a ser cinco. Dado, porém, que a mesma haja transitado em julgado tal valor desceu a zero. O prejuízo que o advogado ocasionou ao cliente, deixando de apelar, foi de cinco. Se este cálculo não traduz exatamente o prejuízo, representa, em todo o caso, o dano que pode ser provado, e cujo ressarcimento é devido.” (Alvim, 1980. p. 192)
Seguindo a lógica elementar da teoria da perda de uma chance, Judith Martins-Costa (2003) destaca que para que o advogado seja responsabilidade pela perda de uma chance, necessário que as chances sejam ‘sérias e reais’. E arremata:
Nesse caso, não se trata de uma mera ‘esperança de vencer a causa’, nem se indeniza o fato de ter perdido a causa: o que se indeniza é a chance de o processo vir a ser apreciado por uma instância superior.
Vale destacar que, conforme sabido, a obrigação do advogado é de meio e não de fim, não há, portanto, obrigação vinculada a um determinado resultado. O que lhes cumpre, conforme Carlos Roberto Gonçalves (2007) destaca, é representar o cliente em juízo da melhor forma. Logo, se as obrigações de meio são bem executadas dentro de uma lógica mercadológica, não se pode imputar nenhuma responsabilidade por eventual perda de uma causa.
Sobre o tema, Paulo Mota Pinto (2018) afirma que, considerando que o mandatário forense não assume uma obrigação de resultado – uma obrigação quanto ao êxito da causa que patrocina –, mas apenas uma obrigação de meios, não pode ser lhe exigido o ressarcimento de prejuízos que não se pode apurar terem sido causados por ele, pois não se pode saber se se teriam verificado (ou se se verificam ainda ou virão a verificar), abstraindo de qual teria sido o resultado caso ele tivesse cumprido esses deveres.
O que está em causa, é saber se existe realmente um dano patrimonial sofrido pelo lesado em resultado da perda de oportunidades, havendo que apurar se estas oportunidades iriam se traduzir numa sua diversa situação patrimonial – isto é, se a violação do dever de realizar certa atividade para conseguir um efeito causou danos ao lesado.
A racionalidade, portanto, é a mesma já mencionada: no caso de decisão judicial que frustra os interesses do cliente e cujo conteúdo se remete à falha da conduta do advogado no cumprimento de sua obrigação, a imputação do dever de indenizar a perda da chance decorre da constatação de que, não tendo ocorrido o mau exercício profissional, seria razoável a chance da decisão ter se dado de modo a beneficiar o cliente.
Nas palavras de Sérgio Cavalieri Filho (2012):
“No caso do advogado que perde o prazo para recorrer de uma sentença, por exemplo, a indenização não será pelo benefício que o cliente do advogado terá auferido com a vitória da causa, mas pelo fato de ter perdido essa chance; não será pelo fato de ter perdido a disputa, mas pelo fato de não ter podido disputar. O que deve ser objeto da indenização, repita-se, é a perda da possibilidade de ver o recurso apreciado e julgado pelo Tribunal.”
É claro que a análise das chances ou das perdas não se afere de forma simples, sendo necessária a análise do caso concreto. Não há pelos tribunais brasileiros critérios objetivos determinando o que seria e quais as falhas seriam objetivamente consideradas indenizáveis pelo critério da perda de uma chance.
A jurisprudência do STJ, contudo, é uníssona no sentido de que a perda do prazo para contestar ou interpor recurso não enseja, de maneira automática, a responsabilização civil do advogado com base na teoria da perda de uma chance, sendo indispensável a ponderação acerca da probabilidade – que supõe real – que a parte teria êxito em sua pretensão, conforme Recurso Especial 993.936 RJ 2007/0233757-4 (Brasil, 2012b).
Nesse sentido, a decisão do Min. Luis Felipe Salomão expressamente aponta que: “em caso de responsabilidade de profissionais da advocacia por condutas apontadas como negligentes, e diante do aspecto relativo à incerteza da vantagem não experimentada, as demandas que invocam a teoria da ‘perda de uma chance” (Brasil, 2012b p. 3), devem ser solucionadas a partir da ideia de quais eram as reais possibilidades de êxito do suplicante, eventualmente perdidas em razão do descuido e negligência do procurador. Assim, o fato de o advogado ter perdido o prazo para contestar ou interpor recurso não significa sua responsabilização baseada na teoria, sendo necessária a análise sobre probabilidade de chances reais de ganho.
Em outro caso, em decisão recente, envolvendo a ausência de atuação do advogado na demanda por quase três anos, que sequer se habilitou, apresentou defesa e/ou interpôs recursos, a Min. Nancy Andrighi entendeu estarem presentes os requisitos para configuração da responsabilidade civil pela perda de uma chance, culminando com a condenação dos autores ao pagamento de vultosa quantia (Brasil, 2022). Pelo entendimento do STJ, a ausência de acompanhamento e de defesas pelos patronos retirou destes a chance real e séria de obterem uma prestação jurisdicional que lhes fosse mais favorável.
Em outro caso, diante da impetração de mandado de segurança fora do prazo e sem instruí-lo com os documentos hábeis, entendeu o STJ que havia cabimento a reparação pela perda de uma de uma chance:
“Responsabilidade civil do advogado, diante de conduta omissiva e culposa, pela impetração de mandado de segurança fora do prazo e sem instrui-lo com os documentos necessários, frustrando a possibilidade da cliente, aprovada em concurso público, de ser nomeada ao cargo pretendido.” (Brasil, 2013)
Há casos, contudo, que o STJ afasta o nexo causal e, por conseguinte, a reparação por entender que a negligência do advogado diante da ausência de interposição de recurso ou interposição intempestiva de recurso, que já estava fadado ao insucesso, não retira da parte postulante a chance:
“RECURSO ESPECIAL. RESPONSABILIDADE CIVIL DE ADVOGADO. TEORIA DA PERDA DE UMA CHANCE. AUSÊNCIA DE PROBABILIDADE DE SUCESSO NO RECURSO CONSIDERADO INTEMPESTIVO. 1. Controvérsia em torno da responsabilidade civil de advogados, que patrocinaram determinada demanda em nome da parte ora recorrente, pelo não conhecimento do seu recurso especial e do agravo de instrumento consequentemente interposto, ocasionando a “perda da chance” de ver reconhecido o seu direito ao recebimento de benefício acidentário, postulando, assim, indenização por danos materiais e morais. 2. Possibilidade, em tese, de reconhecimento da responsabilidade civil do advogado pelo não conhecimento do recurso especial interposto intempestivamente e, ainda, sem ter sido instruído, o agravo de instrumento manejado contra a sua inadmissão, com os necessários documentos obrigatórios. 3. Os advogados, atuando em nome do seu cliente e representando-a judicialmente, comprometem-se, quando da celebração do mandato judicial, a observar a técnica ínsita ao exercício da advocacia e, ainda, a articular a melhor defesa dos interesses da mandante, embora sem a garantia do resultado final favorável (obrigação de meio), mas adstritos à uma atuação dentro do rigor profissional exigido, nisso incluindo-se a utilização dos recursos legalmente estabelecidos, dentro dos prazos legalmente previstos. 4. A responsabilidade civil subjetiva do advogado, por inadimplemento de suas obrigações de meio, depende da demonstração de ato culposo ou doloso, do nexo causal e do dano causado a seu cliente. 5. Tonalizado pela perda de uma chance, o elemento “dano” se consubstancia na frustração da probabilidade de alcançar um resultado muito provável. 6. Nessa conjuntura, necessário perpassar pela efetiva probabilidade de sucesso da parte em obter o provimento do recurso especial intempestivamente interposto. 7. Na origem, com base na análise da fundamentação do acórdão recorrido e, ainda, das razões do referido apelo excepcional, a conclusão foi de que o recurso estava fadado ao insucesso em face do enunciado 7/STJ. Insindicabilidade. 8. Doutrina e jurisprudência do STJ acerca do tema. 9. Pretensão indenizatória improcedente. 10. RECURSO ESPECIAL DESPROVIDO.” (Brasil, 2018a).
“PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO INTERNO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. PERDA DE UMA CHANCE. INEXISTÊNCIA. REEXAME DO CONJUNTO FÁTICO-PROBATÓRIO DOS AUTOS. INADMISSIBILIDADE. SÚMULA N. 7 DO STJ. DECISÃO MANTIDA. 1. “Em caso de responsabilidade de profissionais da advocacia por condutas apontadas como negligentes, e diante do aspecto relativo à incerteza da vantagem não experimentada, as demandas que invocam a teoria da ‘perda de uma chance’ devem ser solucionadas a partir de detida análise acerca das reais possibilidades de êxito do postulante, eventualmente perdidas em razão da desídia do causídico”. Assim, “o fato de o advogado ter perdido o prazo para contestar ou interpor recurso – como no caso em apreço -, não enseja sua automática responsabilização civil com base na teoria da perda de uma chance, fazendo-se absolutamente necessária a ponderação acerca da probabilidade – que se supõe real – que a parte teria de se sagrar vitoriosa ou de ter a sua pretensão atendida” (REsp n. 993.936/RJ, Relator Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, QUARTA TURMA, julgado em 27/3/2012, DJe 23/4/2012). 2. O recurso especial não comporta exame de questões que impliquem revolvimento do contexto fático-probatório dos autos, a teor do que dispõe a Súmula n. 7 do STJ. 3. No caso concreto, o Tribunal de origem examinou os elementos fáticos dos autos para concluir que inexistiam chances concretas de êxito do recurso apresentado intempestivamente. Dessa forma, a alteração do acórdão recorrido exigiria reexame da prova dos autos, inviável em recurso especial, nos termos da súmula mencionada. 4. Agravo interno a que se nega provimento” (Brasil, 2019).
Fica claro, portanto, que as demandas que sustentam a aplicação da teoria da perda de uma chance para eventuais responsabilizações do advogado devem ser resolvidas a partir da análise sobre as reais possibilidade de êxito do postulante, eventualmente perdidas em decorrência da desídia do profissional contratado.
Necessário que se analise se, de fato, existia a chance, se era esta real ou séria, ou seja, qual era a probabilidade de em eventual interposição de recurso haver êxito ou modificação do entendimento e, ainda, que tenha sido frustrada por ação ou omissão do advogado. Por fim, caso haja cumprimento desses critérios que se estime o grau de probabilidade que a oportunidade teria para se materializar, para fins de quantificação.
Sobre o último requisito, destaca-se que diante da tentativa de uniformização jurisprudencial, há temas que permitem a análise a probabilidade de forma mais objetiva. Dessa maneira, nos termos de Glenda Gondim (2022), já é possível avaliar probabilidades diante dos fatos e provas existentes e as chances que decorreriam da sua apresentação em juízo.
6. SEGURO DE RESPONSABILIDADE CIVIL
Conforme dispõe Maria Inês de Oliveira Martins (2020):
Tanto o seguro, como a responsabilidade civil, são mecanismos pelos quais se procede à reparação de um dano – o que, visto de outro ângulo, não é mais que a deslocação das consequências danosas para uma esfera diferente da primariamente atingida por elas.
No seguro de responsabilidade civil se garante o pagamento de perdas e danos devidos pelo segurado a terceiro. O artigo 787, caput, do Código Civil estabelece que:
No seguro de responsabilidade civil, o segurador garante o pagamento de perdas e danos devidos pelo segurado a terceiro (Brasil, 2002).
Já o art. 3° da Circular Susep n° 637, de 27/07/2021, define o seguro de responsabilidade civil da seguinte forma:
Art. 3º. No seguro de responsabilidade civil, a sociedade seguradora garante o interesse do segurado, quando este for responsabilizado por danos causados a terceiros e obrigado a indenizá-los, a título de reparação, por decisão judicial ou decisão em juízo arbitral, ou por acordo com os terceiros prejudicados, mediante a anuência da sociedade seguradora, desde que atendidas as disposições do contrato terceiro (Banco Central do Brasil, 2021).
Conforme dados da Superintendência de Seguros Privados (SUSEP), entre 2015 e 2020, o seguro de responsabilidade civil apresentou um crescimento de 175%, atingindo R$ 2,6 bilhões em prêmios em 2020. No período de janeiro a agosto de 2021, houve um aumento de 35,4%, acumulando R$2,11 bilhões em prêmios. Esses números, conforme Nina Teixeira (2023), evidenciam a relevância dessa modalidade securitária como ferramenta para mitigar riscos empresariais e potenciais danos a terceiros.
Existem muitas modalidades além do seguro de responsabilidade civil geral, o seguro D&O (Directors & Officers) para proteger o patrimônio das pessoas físicas, as quais ocupam cargos ou funções diretivas na empresa, nos termos de Barbara de Souza (2020); o seguro de responsabilidade civil ambiental, que garante a responsabilidade do segurado por danos advindos de sua responsabilidade ambiental; o seguro para riscos cibernéticos, para cobertura de possíveis perdas financeiras em decorrência de ataques virtuais a sua empresa; e, ainda, o seguro de responsabilidade civil profissional (E&0 – Errors and Omissions) que possui como finalidade a garantia de eventuais prejuízos causados a terceiros em razão de erros ou omissões dos segurados, dentro de sua atividade profissional.
Não existem regras especificas tratando do seguro de responsabilidade civil profissional (E&O), sendo aplicável, do ponto de vista regulatório e civil, no que couber, as regras previstas para todo e qualquer seguro de responsabilidade civil facultativo, conforme preceitua Bárbara de Souza (2020).
O fato, contudo, de inexistir regramento próprio não impede o desenvolvimento e crescimento do produto no mercado securitário, tampouco a sua comercialização, em especial, para médicos, advogados e escritórios de advocacia, desde que observadas as diretrizes mínimas estipuladas pela SUSEP.
7. SEGURO DE RESPONSABILIDADE CIVIL PROFISSIONAL (E&O) PARA ADVOGADOS
O seguro de responsabilidade civil profissional ou o E&O tem crescido de forma constante. Só em 2022, no Brasil, cresceu quase 18%, atingindo R$ 605 milhões de prêmio emitido (Nadjek, 2023).
Como dito, o objetivo dessa modalidade securitária é preservar o patrimônio do segurado na hipótese de uma falha profissional que cause prejuízo a um terceiro, ou seja, tem como objetivo segurar danos causados a terceiros em decorrência de erros e/ou omissões cometidos no exercício de suas atividades profissionais.
No que refere-se aos seguros de responsabilidade civil para advogados, há duas possibilidades de contratação: pode ser feita diretamente por profissionais liberais, que nesse caso, serão os próprios segurados, ou podem ser contratados por bancas de advocacia, já nesse caso, os escritórios serão os tomadores do seguro e os advogados pertencentes ao escritório, os segurados.
Assim como em outros segmentos securitários, no caso também do seguro de responsabilidade civil para advogados, a regulação de sinistros é etapa fundamental. Nela, resumidamente, se apura se há, de fato, a responsabilidade do segurado e, posteriormente, em uma segunda etapa, quantifica-se os danos. E é exatamente nesse momento, da regulação, que aplica a teoria da perda de uma chance.
Nesse sentido, destaca Thiago Junqueira (2022):
(…) “mesmo na ausência de especificação da observância da teoria da perda de uma chance na apólice de seguro de responsabilidade civil profissional, a sua aplicação será medida impositiva, uma vez que decorre da própria análise, à luz do ordenamento jurídico brasileiro, da responsabilidade civil do segurado. Ora, se o próprio lesante estaria vinculado a indenizar apenas o dano da perda da chance, por qual motivo o segurador deveria indenizar mais do que isso?”
O seguro, portanto, não se destina a garantir o pagamento de condenações judiciais relacionadas às falhas cometidas por advogados, mas tão somente a obrigação legal de indenizar, limitado o dano à chance perdida.
Nesse sentido, as condições gerais de responsabilidade civil profissional para advogados e escritórios de advocacia hoje preveem a aplicação da teoria da perda de uma chance visando determinar a existência e a extensão do nexo de causalidade:
“2. GLOSSÁRIO DE TERMOS TÉCNICOS Falha Profissional: Qualquer ato, erro ou omissão real ou alegado, desde que cometido no desempenho da prestação das Atividades Profissionais em representação e benefício do Segurado e que cause danos a Terceiro e ocasione uma Reclamação contra o Segurado, incluindo mas não se limitando a perda de prazo, recurso deserto, peças processuais apócrifas, ausência de alegação de preclusão, ausência de alegação de prescrição, consultoria tributária falha ou consultoria trabalhista falha. Para a quantificação de eventual Indenização a ser paga, a Seguradora aplicará a “teoria da perda de uma chance”, quando aplicável, para qualificar percentualmente o impacto da Falha Profissional no desfecho adverso do processo.“ (Allianz, 2016, p. 11)
“II – A definição de Falha Profissional constante na Cláusula 2. DEFINIÇÕES das Condições Gerais da Apólice é substituída pela seguinte: FALHA PROFISSIONAL: É o Ato Danoso, isto é, qualquer ação ou omissão culposa, desde que cometida ou alegadamente cometida pelo Segurado no desempenho das Atividades Profissionais estabelecidas na Especificação da Apólice, que cause danos a Terceiros, dando ensejo à apresentação de uma Reclamação contra o Segurado, incluindo mas não se limitando a, perda de prazo, deserção, apresentação de peças processuais apócrifas ou que não venham a ser conhecidas por erro na efetivação do protocolo, ausência de alegações preliminares, prejudiciais ou de mérito favoráveis à posição jurídica do Terceiro – como, p.ex., preclusão, prescrição, decadência, coisa julgada – ou o aconselhamento jurídico comprovadamente falho. Para a quantificação de eventual indenização a ser paga, a Seguradora aplicará a “Teoria da Perda de uma Chance” (em conformidade com a Cláusula 26 – CLÁUSULA ESPECÍFICA DE INDENIZAÇÃO UMA VEZ APLICADA A TEORIA DA PERDA DE UMA CHANCE, das Condições Gerais), visando a determinar a existência e a extensão do nexo de causalidade entre a Falha Profissional e o Dano dela decorrente, qualificando percentualmente o impacto daquela para a materialização do Dano“. (Allianz, 2016. p. 39)
Mas, destaca-se que, caso não houvesse previsão expressa, seria prescindível, na medida em que já se tem pacificamente uma obrigação legal de indenizar, limitando o dano à chance perdida.
A particularidade desse seguro é justamente o fato de que assim como em eventual responsabilização do advogado diretamente, a indenização securitária – caso devida – deve ser calculada sobre a chance de êxito perdida em razão do erro especificamente cometido pelo advogado/segurado e não sobre a integralidade de eventual condenação judicial.
Conforme João Paulo de Sá Freitas e Rodrigo Gomes Sousa (2020), há necessidade, portanto, de análise da chance de êxito pela seguradora, que deve observar não só do erro cometido, mas também – e principalmente – do mérito do referido processo. Ressalte-se que não cabe à seguradora julgar o mérito do processo em que se verificou o erro profissional, mas analisar quais seriam as chances de êxito do terceiro se não houvesse sido verificado qualquer erro profissional por parte do escritório ou advogado segurado.
Por esse motivo, é comum que as regulações de sinistros desse tipo sejam realizadas por escritórios de advocacia terceirizados, especializados na matéria, que devem verificar: o nexo causal entre o erro cometido pelo segurado e os prejuízos sofridos por terceiros clientes; e, caso reste comprovado o nexo causal, o quanto o segurado efetivamente contribuiu para os prejuízos sofrido, nos termos de João Paulo de Sá Freitas e Rodrigo Gomes Sousa (2020).
Seguindo o racional da teoria da perda de uma chance, isso significa dizer que, diante de um caso concreto, deverão ser considerados, na medida do possível, as reais chance de sucesso, caso a falha não tivesse ocorrido.
Os critérios, contudo, atualmente utilizados pela seguradora não são claros. Sequer se tem conhecimento quais entendimentos jurisprudenciais a seguradora está aplicando, a doutrina nacional e/ou estrangeira que está se utilizando e como estas a levaram a tal conclusão. Não há na regulação de sinistros transparência nesse sentido. O segurado não possui acesso as informações para sequer impugná-las e, como se sabe, a jurisprudência e a doutrina brasileira são vacilantes.
Assim, para fins de indenização securitária, é necessário que tal erro tenha prejudicado a situação na qual já se encontrava o lesado, guardando relação de causalidade com os prejuízos sofridos. Só então seria possível falar em danos decorrentes de erros ou omissões culposas na prestação de serviços profissionais pelo segurado, como usualmente estabelecem os clausulados.
Vale destacar que, não há qualquer contradição caso uma seguradora reconheça a existência de uma falha profissional e, nesse mesmo cenário, conclua por uma negativa de cobertura, pois o erro profissional e os eventuais danos gerados a terceiros são hipóteses que não se confundem, nem estão necessariamente atreladas. Assim, o cometimento de erro profissional não obrigatoriamente significa que danos a terceiros, sendo essa a premissa da teoria da perda de uma chance.
Para fins de segurança e transparência ao segurado, necessário que os critérios para pagamento de eventual indenização pela seguradora sejam estabelecidos de forma mais objetiva, alinhando-se na ideia de que é necessário o exame das reais possibilidades de êxito do postulante, eventualmente perdidas em razão da desídia do advogado, sob os seguintes critérios: 1) se, de fato, existia chance; 2) se a chance era real e séria, vinculando-se a ideia de porcentagem, caso se entenda que a probabilidade de êxito era superior a 50%; 3) se a ação ou omissão cometida pelo advogado foi suficiente para sepultar eventual chance.
As razões que levaram a conclusão da seguradora com a observação dos critérios acima devem ser transparente e constar expressamente no relatório de regulação de sinistro. Necessário que se estabeleça previamente um número mínimo de julgados vinculados aos Superiores Tribunais e ao estrado em que tramita o processo e, ainda, a doutrina a que seguradora se filiou para chegar as conclusões. Nesse sentido, o Projeto de Lei de Contrato de Seguro (PLC 29/2017) estabelece que:
Art. 84. O relatório de regulação e liquidação do sinistro é documento comum às partes.
Art. 86. Negada a garantia, no todo ou em parte, a seguradora deverá entregar ao segurado, ou ao beneficiário, os documentos produzidos ou obtidos durante a regulação e liquidação do sinistro que fundamentem a decisão (Brasil, 2017).
Ressalta-se que é fundamental que esses critérios sejam previamente estabelecidos nas apólices e condições gerais a fim de trazer mais transparência ao segurado, no momento da contratação.
Caso, após a análise desses critérios objetivos, verifique-se que a indenização securitária será devida, necessária, a partir do que preceitua Sérgio Savi (2009), a análise do grau de probabilidade para fins de indenização, podendo-se filiar ao que estabelece a doutrina italiana, que segue a seguinte fórmula: “VIP = VRF x Y, onde: VIP = valor da indenização da chance perdida; VRF = valor do resultado final; Y = percentual de probabilidade de obtenção do resultado final.”
8. CONSIDERAÇÕES FINAIS
A teoria da perda de uma chance, apesar de não estar expressamente prevista no ordenamento jurídico brasileiro, vem sendo amplamente aceita e aplicada tanto pela doutrina quanto pela jurisprudência como um mecanismo eficaz de responsabilização civil. Sua aplicação é particularmente relevante em casos envolvendo a responsabilidade de advogados, onde, devido a uma conduta negligente, uma oportunidade real e séria de obtenção de um benefício é frustrada. Nesse sentido, a teoria visa reparar a chance perdida, e não o resultado final, tornando a compensação mais justa e proporcional ao dano sofrido.
No entanto, a sua aplicação exige uma análise cuidadosa de critérios objetivos, como a existência e seriedade da chance, a culpa do agente e a probabilidade de sucesso que a vítima teria alcançado caso a chance não fosse perdida.
No contexto do seguro de responsabilidade civil profissional (E&O) para advogados, também em franco crescimento, a teoria da perda de uma chance assume um papel crucial. Com o aumento do número de advogados e a crescente complexidade dos litígios, a tendência é que haja também um crescimento nas falhas profissionais e, consequentemente, na demanda por seguros que cubram essas responsabilidades.
Dessa forma, é imprescindível que os critérios para pagamento de indenização no seguro de responsabilidade civil sejam claros e transparentes, trazendo segurança jurídica tanto para os segurados quanto para as seguradoras. A definição de parâmetros objetivos, como a utilização de números mínimos de jurisprudência e doutrina nos relatórios de regulação de sinistros, pode reduzir litígios e fortalecer a confiança no sistema securitário. Esse aprimoramento do processo de regulação não só beneficia os advogados segurados, mas também contribui para a estabilidade e previsibilidade do mercado de seguros, promovendo um ambiente mais equilibrado e eficiente para todas as partes envolvidas.
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APÊNDICE – NOTA DE RODAPÉ
2. Em tradução livre, “mais provável do que não”.
3. Art. 944 do CC. A indenização mede-se pela extensão do dano.
[1] Mestranda em Direito Civil pela Universidade Católica de São Paulo (PUC/SP). Pós-Graduação em Direito Empresarial pela Fundação Getúlio Vargas (FGV/SP). Graduação em Direito pela Universidade Federal de Pernambuco (UFPE). ORCID: 0009-0000-2173-7640. Currículo Lattes: http://lattes.cnpq.br/3623882830262928.
Material recebido: 20 de junho de 2024.
Material aprovado pelos pares: 22 de outubro de 2024.
Material editado aprovado pelos autores: 04 de novembro de 2024.