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Prevalência do melhor interesse da criança diante de litígio familiar

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CONTEÚDO

ARTIGO ORIGINAL

SILVA, Thaisa de Souza da [1]

SILVA, Thaisa de Souza da. Prevalência do melhor interesse da criança diante de litígio familiar.  Revista Científica Multidisciplinar Núcleo do Conhecimento. Ano. 07, Ed. 04, Vol. 09, pp. 84-105. Abril de 2022. ISSN: 2448-0959, Link de acesso:  https://www.nucleodoconhecimento.com.br/lei/litigio-familiar

RESUMO

O presente trabalho tem por escopo verificar a incidência do melhor interesse da criança e do adolescente mediante a dissolução do vínculo conjugal diante de litígio, apresentando, também, o papel dos genitores na consecução do poder familiar independentemente da situação entre os pais. Neste contexto, buscou-se responder: até que ponto a atuação jurisdicional deve irromper a instituição familiar para manter o melhor interesse da criança? Portanto, tem-se como objetivo geral investigar a atuação jurisdicional visando a manutenção do melhor interesse da criança diante de litígio familiar. Buscou-se, também, compreender como os pais têm cumprido seu dever legal perante os filhos, após o fim de uma relação conjugal e, até mesmo, se estão cumprindo o que determina a lei, de acordo com a literatura já publicada. Dessa forma, a pesquisa foi elaborada por meio de método bibliográfico, sendo utilizada legislação, doutrina e jurisprudência. A princípio, buscou-se analisar a evolução histórica do direito protetivo da criança e do adolescente diante de avanços da legislação, com a lei 8.069/90 – Estatuto da Criança e do adolescente, ressaltando que eles são sujeitos de direitos e enfatizando as obrigações e deveres inerente aos pais, mesmo com a desconstituição da estrutura familiar. Podendo ser averiguado que os pais, mediante rompimentos conflituosos, têm deixado seu papel de guardião legal e permitindo que a situação com o cônjuge atinja à criação de suas proles. Assim fez-se uma breve consideração de como o judiciário tem atuado no sentido de tentar sanar tal inércia, buscando a prevalência do melhor interesse da criança ainda que resulte em aplicação severa das hipóteses legais, como perda e suspensão do poder familiar.

Palavras-chave: Núcleo familiar, Litígio conjugal, Criança, Poder familiar, Melhor interesse.

1. INTRODUÇÃO

O olhar protetivo jurídico precisa estar pautado no cenário que a sociedade está inserida em determinado período. É certo que o Direito evolui de acordo com as mudanças que cercam as populações, pois ele existe para resguardar e equilibrar as relações humanas.

A partir de tal ponto, pode-se observar as diversas formas familiares que têm surgido ao longo dos tempos. Não há mais um modelo tradicional a ser seguido. Sendo assim, o Direito parte de mutações e evoluções jurídicas para amoldar-se a novas realidades sociais e continuar exercendo seu papel de guardião das leis e dos interesses gerais. Dessa forma, a atuação legal deve-se fazer presente em todas as situações que se encontre uma criança ou adolescente, agindo sempre para garantir o melhor interesse dessa faixa etária (LORENSET, 2012).

Nessa perspectiva, é primordial um olhar retrospectivo para melhor compreender a evolução de conquistas legais para tais pessoas específicas, priorizando a necessidade de constantes mudanças quanto a forma de encarar esse organismo, de tal forma que haja o diálogo entre a conjuntura que cerca cada indivíduo, correspondendo com sua inserção geracional (ARRAES, 2019).

Sobretudo, nesse trabalho, pretendeu-se demonstrar que independentemente da situação que o infante é inserido, não importa aquilo que o circunda, o que deve prevalecer é seu desenvolvimento da melhor maneira possível, visando sempre o melhor interesse da criança, ainda que as estruturas familiares sejam abaladas e haja constantes alterações no âmbito familiar (RODRIGUES, 2002).

Corroborando com o entendimento de que mesmo com a ingerência de litígios familiares, o cuidado e amparo dos pais perante seus filhos deve ser contínuo, o ordenamento jurídico brasileiro traz responsabilidades e deveres que devem ser observados por ambos os genitores. Um deles, abordado ao longo deste artigo, foi o poder familiar, explicando melhor seu conceito e as hipóteses de perda e suspensão.

Ante ao exposto, o presente artigo, tem como questão norteadora: até que ponto a atuação jurisdicional deve irromper a instituição familiar para manter o melhor interesse da criança? Portanto, tem-se como objetivo geral investigar a atuação jurisdicional visando a manutenção do melhor interesse da criança diante de litígio familiar. Buscou-se, também, compreender como os pais têm cumprido seu dever legal perante os filhos, após o fim de uma relação conjugal e, até mesmo, se estão cumprindo o que determina a lei, de acordo com a literatura já publicada.

Nesse sentido, este artigo versa sobre as novas estruturas familiares existentes e como seu processo de construção ou desconstrução afeta a desenvoltura de crianças e adolescentes, enfatizando seu melhor interesse apartado de situações litigiosas que os circundam, bem como demonstrando o papel legal dos responsáveis, ainda que a situação inicial seja alterada.

Destaca-se, também, a atuação jurisdicional dentro de processos decisórios que repercutem na soma de questões patrimoniais e afetivas envolvendo infantes, ressaltando a atuação de forma conjunta com a família para decidir aquilo que seja melhor para a criança dentro de uma situação determinada. Permitindo, assim, uma conclusão mais humana por parte do judiciário, visando sempre o melhor interesse para crianças e adolescentes.

A metodologia utilizada neste trabalho é de cunho bibliográfico, tendo em vista que a leitura de livros e de artigos científicos foi realizada para o desenvolvimento da pesquisa.

2. PROTEÇÃO JURÍDICA DA CRIANÇA E ADOLESCENTE

2.1 O SURGIMENTO DO ESTATUTO DA CRIANÇA E ADOLESCENTE E SUA EVOLUÇÃO TEMPORAL

A Constituição da República de 1988, ao elencar o princípio da dignidade da pessoa humana como um dos fundamentos da República Federativa do Brasil, atestou e elevou a importância do ser humano perante o judiciário (BRASIL, 1988). Neste contexto, o Brasil aprovou, pela Resolução n° 217, em 1948, a Declaração Universal dos Direitos Humanos, assinando a valorização humana e a sua necessária proteção. Sendo fundamentada, portanto, pela: harmonia, amor, afeto, o princípio da dignidade da pessoa humana, irradia para outros ramos além do constitucional, privilegiando as relações pautadas em seres humanos e em sentimentos abstratos, não impondo apenas deveres para o indivíduo, mas outorgando-lhe, também, direitos que permitem a vida com respeito, justiça, harmonia, bem como condições mínimas para coexistir no lugar em que se está inserido, onde deve imperar o respeito e a consideração mútua entre os demais seres (BRASIL, 1948).

Diante das inúmeras Constituições que compunham o arcabouço histórico, a Constituição de 1988, representou para o país a conquista de direitos e prerrogativas jamais antes vistas. De fato, a depender do estilo de aprovação de um novo documento, ela rompe com os laços passados. Sendo assim, o que se vislumbra na Carta Magna de 1988 (BRASIL, 1988), é a ruptura de um regime totalitário frente a uma liberdade em diversos níveis sociais, a começar pela democracia instaurada e a uma nova organização do Estado Brasileiro.

Neste contexto, um novo norte foi implementado através da Constituição Federal de 1988, incrementando a valorização sobre cada indivíduo de maneira a não só elencar direitos, mas também meios e instrumentos válidos para a concretização destes, ou seja, há a “imposição aos poderes públicos dos deveres de respeito, proteção e promoção dos meios necessários a uma vida digna” (NOVELINO, 2017, p. 263).

Ainda citando algumas diretivas favoráveis ao contexto do ser humano como indivíduo digno e merecedor de amparos, no bojo de leis que visavam a evolução de Direitos Humanos, pode-se citar o fato de crianças e adolescentes terem sido enxergados como sujeitos de direitos e deveres pela primeira vez (BRAGA, 2017).

Isso só foi possível devido a organização estrutural política do país, iniciada com a promulgação da Carta Magna de 1988, somado aos tratados internacionais sobre crianças e adolescentes que passaram a ser adotados à época, podendo ser citado, a título de exemplo, a Declaração Mundial sobre a sobrevivência, a Proteção e o Desenvolvimento da Criança nos anos 90 e os Princípios das Nações Unidas para a Preservação da Delinquência Juvenil (PRINCÍPIOS ORIENTADORES DE RIAD, 1990).

Ante ao exposto, constata-se que o novo cenário em que o país estava inserido foi favorável ao desenvolvimento de leis específicas para gerirem a proteção de crianças e adolescentes. A princípio, o Código de Menores de 1979, trazia em seu interior a doutrina da situação irregular, que nada mais era do que a fuga de um quadro existencial entendido como padrão normal dentro da sociedade, prevalecendo a assistência, proteção e vigilância a menores de dezoito anos. Entretanto, neste momento, preocupava-se apenas com fundamentos assistencialistas, não abordando parâmetros que envolvessem a judicialização de questões de direitos fundamentais, o que ocorreu, de igual forma, com a Constituição de 1967 (ZAPATER, 2017).

Dessa maneira, pode-se inferir que a criança e adolescente eram tratados como mero objetos de tutela dentro da estrutura social, sendo considerados a par dos elementos integrativos de sustentação de sociedade, pois esta não tinha o intuito de fomentar, por exemplo, um ambiente saudável e propício para o desenvolvimento digno e saudável do infante, abordando, somente, questões assistenciais.

Frente a isso, em 1990, foi publicada a Lei n° 8.069 – Estatuto da Criança e do Adolescente -, estabelecendo políticas protetivas vinculadas ao país pelos acordos em que o Brasil fazia parte, especialmente a Convenção das Nações Unidas sobre os direitos da criança, que foi ratificada no país em 1990.

Assim sendo, o Estatuto da Criança e do Adolescente (BRASIL, 1990), surgiu em substituição à antiga forma assistencialista da situação irregular da criança e do adolescente, atuando como forma ampliada de resguardar os direitos dos infantes, que passaram a serem vistos como sujeitos capazes de gozar de direitos fundamentais.  Além disto, levou-se em consideração a vulnerabilidade e a necessidade do infante ser amparado e conduzido para seu sustento e sobrevivência, até ter a possibilidade de fazê-lo por si só, trazendo, portanto, dispositivos que asseguram o cumprimento de deveres, fornecendo as crianças e aos adolescentes proteção integral, suporte e apoio para seu pleno desenvolvimento social, moral, intelectual.

De um modo geral, os direitos fundamentais da criança e adolescente, estão sempre voltados para a proteção e saúde deles, assim como para seu desenvolvimento psíquico, físico intelectual e moral, possibilitando, aos menores, um desenvolvimento sadio (FREITAS, 2014).

2.2 O DIREITO FUNDAMENTAL DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE À FAMÍLIA

A implementação de políticas que visavam condições mais humanísticas para as crianças e adolescentes não se limitou apenas a uma seara específica, mas vislumbrou, também, como o próprio instituto foi nomeado, a proteção integral dessas pessoas, incluindo direitos fundamentais para seu pleno desenvolvimento. Neste contexto, pode-se citar alguns direitos elencados no ECA, como: direito à liberdade, à vida, à saúde. (VENOSA, 2013). Entretanto, neste artigo, o foco será voltado para o campo do direito à convivência familiar e comunitária.

Desde a organização estrutural de bases sociais, um dos pilares que a compõem, é o núcleo familiar. Inicialmente, a expressão família, de acordo com Farias e Rosenvald (2016, p. 36), “tem sua origem da língua oscos, povo do norte da península italiana, famel, com o significado de servo ou conjunto de escravos pertencentes ao mesmo patrão”, no entanto, a percepção do conceito de família tanto do ponto de vista literal como no real ganhou novo significado, pois, “O termo família, atualmente, tem uma concepção múltipla, plural, podendo dizer respeito a um ou mais indivíduos, ligados por traços biológicos ou sócio psicoafetivos, com intenção de estabelecer, eticamente, o desenvolvimento da personalidade de cada um” (FARIAS e ROSENVALD, 2016, p. 36).

O Direito surgiu, portanto, para regularizar a convivência humana e, a partir disso, não há que se falar em leis e em um conjunto orgânico jurídico que não se adeque a novas realidades sociais, pois já que a população e civilização mudam no decorrer do tempo, o Direito, precisa continuar ativo e eficaz na sua aplicabilidade prática (FURQUIM, 2008).

Sendo assim, a instituição familiar assume grande importância a partir do momento em que é base para a organização social, recebendo grande proteção do Estado a fim de preservar e fortalecer suas bases. Neste cenário, por ser o Estado Brasileiro um Estado social, em que interfere na vida privada do cidadão para protegê-lo, é através da realização da função social da família e da solidariedade familiar que se alcança uma vida digna.

Em consonância ao exposto, Gagliano e Pamplona Filho (2019, p. 114), afirmam que:

De fato, a principal função da família é a sua característica de meio para a realização de nossos anseios e pretensões. Não é mais a família um fim em si mesmo, conforme já afirmamos, mas, sim, o meio social para a busca de nossa felicidade na relação com o outro.

Assim sendo, não há apenas um modelo familiar disposto de forma na Constituição Federal, qual seja, o casamento ou união estável e a comunidade formada por qualquer dos pais ou seus descendentes, pois as necessidades afetivas humanas estão inseridas, atualmente, em um contexto amplo que resulta na existência de novos núcleos familiares. De acordo com o art. 226 da CF/1988 podemos identificar três formas de constituição de família: a) Casamento civil, sendo gratuita a sua celebração e tendo efeito civil, e o casamento religioso, nos termos da lei (art. 226 §§ 1.º e 2.º). b) União estável entre homem e mulher, devendo a lei facilitar a sua conversão em casamento (art. 226, § 3.º). c) Família monoparental, comunidade formada por qualquer dos pais e seus descendentes (art. 226, § 4.º) (BRASIL, 1988).

Como essa premissa, o ECA precisou ser atualizado, de forma a abordar, em seus artigos, os diferentes tipos de famílias que podiam ser notadas dentro da realidade vivenciada naquele específico tempo. A partir disso, pode-se encontrar, por definição legal, a existência da família natural, da família extensa e da família substituta.

A família natural é aquela que corresponde ao parentesco biológico, ou seja, grupo que é formado pelos pais (ou um deles) que geraram a criança. Já a família extensa, são os parentes próximos com os quais as crianças e adolescentes convivem e mantêm vínculos de afinidade e afetividade. E, por último, a família substituta, que se insere em troca da família natural nas circunstâncias em que haja necessidade, existindo três modalidades: guarda, tutela, adoção (BRASIL, 1990).

De fato, as estruturas familiares que compõem a sociedade não se esgotam nas trazidas alhures, pois o organismo social é vivo e sofre constante mutação, o que torna difícil o acompanhamento, em tempo real, pelo Direito (FONTES, 2009). A despeito disso, salienta-se que independentemente das transfigurações familiares que ocorrem, o cerne de proteção do melhor interesse da criança e do adolescente deve prevalecer.

Neste contexto, a família, enquanto um direito fundamental, deve ser um lugar acolhedor, onde a criança e o adolescente possam se sentir seguros e confortáveis para compartilhar suas angústias e preocupações, proporcionando um ambiente saudável onde se possa crescer fisicamente e psicologicamente, sem que haja brigas familiares e tensões quanto entre seus responsáveis (GRISARD FILHO, 2013).

Essa fase de maturação infanto juvenil requer um suporte estrutural, não apenas econômico e financeiro, mas, essencialmente, emocional, pois o que está em voga é o futuro existencial desse ser humano, que é composto não apenas de necessidades básicas de sobrevivência, mas também de cuidados.

2.3 REALIDADE CONTEMPORÂNEA DA INSTITUIÇÃO FAMILIAR

De acordo com Gomes (1988, apud SZYMANSKI, 2003, p. 26), a família é definida como, “um grupo de pessoas, vivendo numa estrutura hierarquizada, que convive com a proposta de uma ligação afetiva duradoura, incluindo uma relação de cuidado entre os adultos e deles para com as crianças e idosos que aparecerem nesse contexto”, portanto, pode-se aferir que o ponto central da família é um ambiente hospedeiro onde as pessoas são interligadas, principalmente, por questões afetivas.

Desta maneira, o início de um núcleo familiar se dá a partir do momento em que pessoas estão dispostas a manter laços afetivos, independentemente de questões sanguíneas e biológicas. Este fato explica o cenário contemporâneo da existência de polos cada vez mais diversificados que são incluídos como família e recebem proteção legal. Com um adendo de que o Direito acompanha a sociedade de forma lenta e gradual, por isso nem todos os institutos estão amparados de forma jurisdicional (BOCK, 2002).

Sendo assim, é preciso olhar a família no seu movimento, pois ela está passando por momentos de organização e reorganização e torna-se visível a conversão de novos arranjos familiares. Neste contexto, é necessário enxergar a família contemporânea, não apenas em seus pontos de fragilidade, mas também a compreender como um grupo social, cujo movimento é realizado no sentido de reorganizar- se.

Dentre os vários modelos de famílias que surgiram na contemporaneidade, cita-se a família homo parental, que é composta por dois indivíduos do mesmo sexo que compartilham, de forma estável, sua vida sob o mesmo teto, podendo ou não constituírem filho. Todavia, o termo homo parental se refere, de forma específica, a casais que possuem filhos (LACERDA, 2008). Este fato só foi possível devido aos esforços despendidos por essas pessoas para terem seus direitos aferidos, conforme expõe Guizzo e Gomes (2013):

Tal visibilidade pode ser justificada pelo fato de que nas últimas décadas, vários grupos sociais terem começado a reivindicar o direito à representação, bem como começado a questionar as formas de conhecimento dominantes. E essas reivindicações surgem quando esses grupos não se reconhecem como iguais a partir de processos de desigualdade, produzidos a partir de diferenças como gênero, sexualidade, raça, cor, faixa etária, classe social, dentre outros. (GUIZZO e GOMES, 2013, p. 01).

Outro modelo, destacado por Dias (2007), retrata o contexto das famílias monoparentais, que podem ser chefiadas por uma pessoa que não seja necessariamente o genitor ou um parente. A relação formada por alguém que tenha uma criança ou um adolescente, parente ou não, sob sua guarda, logo, constituiria uma entidade monoparental. Além disso, a autora afirma que não é necessária a presença de menores de idade na família para caracterizar a monoparentalidade.

Dentro da nova realidade familiar, não apenas um dos pais e seus descendentes se caracterizam como família monoparental. […] Tanto são prestigiadas tais relações de parentesco que os ascendentes e os parentes colaterais têm preferência para serem nomeados tutores (CC 1.731). Quando um tio assume a responsabilidade por seus sobrinhos, ou um dos avós passa a conviver com os netos, caracteriza-se, também, uma família monoparental mais uma vez deve ser valorados os vínculos de afeto existentes, merecendo essas realidades familiares igual proteção estatal (DIAS, 2007, p. 194).

A origem de famílias monoparentais se dá por diversos motivos, dentre eles, Costa (2002), destaca que, por conta da crescente independência da mulher e seu ganho de espaço no mercado de trabalho, muitas têm dado prioridade para construir sua família sozinha por meio de técnicas de reprodução assistida.

A despeito disso, ressalta-se a necessidade de o foco central do interesse dos responsáveis pela guarda de crianças e adolescentes, permanecer em seu desenvolvimento sadio e acompanhado por atitudes que demonstrem isso.

3. LITÍGIO FAMILIAR E O MELHOR INTERESSE DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE

Mediante ao fato de que muitos términos da relação conjugal se dão de forma litigiosa, o que prejudica não apenas o casal, mas também suas proles, institutos jurídicos, antes nunca vistos, foram desenvolvidos para suprir e sanar algumas deficiências e problemas decorrentes deste processo, tendo em vista que é comum a prática de pais colocando filhos contra o outro cônjuge, a quebra dos vínculos afetivos entre pais e filhos por causa de mágoas e ressentimento, além da alienação parental e o ajuizamento de ações para reparo patrimonial devido ao abandono afetivo por parte dos pais (PECK e MANOCHERIAN, 1995).

Neste contexto, conforme Souza e Brito (2011), o termo alienação parental foi criado nos Estados Unidos, em 1985, por um psiquiatra norte americano chamado Dr. Richard Gardner. Este pode ser definido como uma situação em que a mãe ou pai de uma criança faz com o que o seu filho acabe com qualquer laço afetivo com o genitor, criando sentimentos ruins no filho em relação ao genitor, sendo, portanto, um processo que tende a fazer com o que a criança odeie um de seus genitores sem que haja uma justificativa para isto.

Na maioria dos casos, o alienador é aquele que possui a guarda da criança ou do adolescente. Entretanto, vale a pena ressaltar que mesmo com os pais morando juntos, o ato da alienação também pode acontecer, tendo em vista que o alienador possui características diversas, amplas e de difícil conceituação, possuindo uma forma ardilosa e silenciosa de agir (FAGUNDES; CONCEIÇÃO, 2013). Freitas (2014), complementa dizendo que a alienação parental:

Trata-se de um transtorno psicológico caracterizado por um conjunto sintomático pelo qual um genitor, denominado cônjuge alienador, modifica a consciência de seu filho, por estratégias de atuação e malícia (mesmo que inconscientemente), com o objetivo de impedir, obstaculizar ou destruir seus vínculos com o outro genitor, denominado cônjuge alienado. Geralmente, não há motivos reais que justifiquem essa condição. É uma programação sistemática promovida pelo alienador para que a criança odeie, despreze ou tema o genitor alienado, sem justificativa real (FREITAS, 2014, p. 25).

Tal comportamento fere, de forma direta, os preceitos basilares de proteção integral da criança e do adolescente, devendo essa atitude, portanto, ser desestimulada, até mesmo com sanções civis e administrativas.

3.1 ROMPIMENTO CONJUGAL E DAS OBRIGAÇÕES DOS RESPONSÁVEIS

Sejam quais forem as razões que culminaram no término da sociedade conjugal, certo é que ambos os pais ainda são responsáveis pelo sustento de seus filhos, seja em relação aos estudos, à alimentação, à moradia digna ou ao suporte emocional.

Desta forma, conforme afirma Gagliano e Pamplona Filho (2019), isso não deve ocorrer apenas no campo da teoria. Para isto, o instrumento jurídico, que protege crianças e adolescentes, traz em seu bojo obrigações e deveres inerentes às responsabilidades dos pais.

A nomenclatura desse requisito é poder familiar, sendo descrito como um direito-função dos pais/responsáveis, correspondente ao complexo de deveres pessoais e patrimoniais com relação ao filho menor, não emancipado, e que deve ser exercido no melhor interesse deste (GAGLIANO e PAMPLONA FILHO, 2019).

Antes da vigência da Constituição de 1988, prevalecia o entendimento legal do pátrio poder em que as decisões relacionadas ao infante eram tomadas pelo marido e, caso houvesse divergência entre a mulher e o marido, prevalecia a opinião deste. Neste contexto, Diniz (2002) afirma que esta substituição de nomenclatura se deu como reflexo do reconhecimento da igualdade jurídica entre homens e mulheres. A partir de então, pai e mãe passaram a exercer as decisões inerentes aos seus filhos de forma compartilhada e em igualdade de peso, sendo que tal função deve ser exercida em prol do interesse dos filhos, tratando-se mais de um “múnus” legal do que propriamente um “poder” (DINIZ, 2002, p. 451).

Os direitos e deveres dos pais, com relação à pessoa dos filhos menores, e no que esteja ligado aos seus bens, são objetos do Poder Familiar. Quanto à pessoa dos filhos menores, são exemplos de deveres dos pais, segundo o artigo 1.634 do Código Civil: “a direção da criação e educação tê-los em sua companhia e guarda; a concessão ou não de autorização para o casamento” (BRASIL, 2002).

O ECA, em relação ao poder familiar, delega aos pais, no art. 22, “o dever de sustento, guarda e educação dos filhos menores” e o dever de cumprir determinações judiciais sempre que se tratar dos interesses destes (BRASIL, 1990).

Nesse sentido, Venosa (2013) ressalta que:

Na noção contemporânea, o conceito transfere-se totalmente para os princípios de mútua compreensão, a proteção dos menores e os deveres inerentes, irrenunciáveis e infestáveis da paternidade e maternidade. O pátrio poder, poder familiar ou pátrio dever, nesse sentido, tem em vista primordialmente a proteção dos filhos menores. A convivência de todos os membros do grupo familiar deve ser lastreada não em supremacia, mas em diálogo, compreensão e entendimento (VENOSA, 2013, p. 313).

Os filhos nascidos ou adotados, dentro da relação matrimonial, terão os mesmos direitos e prerrogativas, impedidas quaisquer referências discriminatórias relativas aos genitores. Destarte, o parágrafo 6º do artigo 227, igualou os filhos gerados ou não na relação de casamento ou por adoção, proibindo qualquer desigualdade de direitos (BRASIL, 1988). Acerca, dos direitos e deveres à pessoa do filho, Lôbo (2008), explana que:

Atualmente a família converteu-se em lócus de realização existencial de cada um de seus membros e de espaço preferencial de afirmação de suas dignidades. Dessa forma, os valores coletivos de família e os pessoais de cada membro devem buscar permanentemente o equilíbrio. Consumaram-se na ordem jurídica as condições e possibilidades para que as pessoas no âmbito das relações familiares, realizem e respeitem reciprocamente suas dignidades como pais, filhos, cônjuges, companheiros, parentes, crianças, […] (LÔBO, 2008, p. 39).

Além do mais, esclarecendo que, durante a vigência do casamento, o poder familiar concerne a ambos os pais, e na ausência ou impedimento de um deles incumbirá ao outro exercê-lo com total exclusividade. Havendo discordâncias em relação ao exercício do poder familiar, é reconhecido a qualquer um deles recorrer ao juiz para solução do conflito (DINIZ, 2002, p. 449).

Destarte, nenhum dos genitores perde sua responsabilidade perante seus filhos por causa do término do vínculo conjugal, de maneira simples, porque há um vínculo que une pais e filhos independente da situação do status familiar. Quanto a isto, Venosa (2003), enfatiza que:

Nenhum dos pais perde o exercício do poder familiar com a separação judicial ou o divórcio. O pátrio poder ou poder familiar decorre da paternidade e da filiação e não do casamento, tanto que o novo Código se reporta também à união estável. A guarda normalmente ficará com um deles, assegurado ao outro o direito de visitas (VENOSA, 2003, p. 357).

O não cumprimento do que está disposto legalmente quando as obrigações parentais em relação aos filhos, pode gerar certas consequências, que serão abordadas nos tópicos a seguir.

3.2 OBRIGAÇÕES PRESENTES NO PODER FAMILIAR

O antigo Código Civil, subdividia o exercício do poder familiar em duas esferas distintas: uma em relação à pessoa e outra em relação aos bens dos filhos, abordados nos artigos 384 e seguintes (BRASIL, 2002).

O exercício do poder familiar é regido pelas regras do artigo 1.634 do Código Civil de 2002, que preceitua em seu conteúdo a ideia de que compete a figura dos genitores em relação à pessoa dos filhos menores: a) dirigir-lhes a criação e a educação, devendo os pais matricularem seus filhos na rede regular de ensino, consoante o artigo 55 do Estatuto da criança e do adolescente; b) os manter em sua companhia e guarda, proporcionando-lhes a segurança de vida; c) conceder ou negar-lhes consentimento e permissão para casarem, assim ambos os pais devem concordar, pois o casamento emancipa e, portanto, interfere na situação jurídica de ambos; d) nomear lhes tutor por meio de testamento ou documento autêntico e válido, se caso um dos pais não sobreviver ou na hipótese em que o sobrevivente não puder exercer o poder familiar; e) os representar, até os dezesseis anos, nos atos da vida civil, e assisti-los após essa idade, nos atos em que os mesmos forem partes, suprindo-lhes o consentimento quando necessário; f) na circunstância em que o poder familiar foi violado, reclamá-los de quem ilegalmente os detenha; g) exigir que lhes prestem obediência, o devido respeito e as atividades próprias de sua idade e condição (BRASIL, 2002).

Ressalta-se que, em relação à responsabilização civil dos pais diante ao instituto do poder familiar, observa-se que este poderá ser suspenso ou destituído no caso deles fizerem o uso de maneira negligente em relação aos filhos, que poderão, inclusive, pleitear em juízo, reparação por danos morais. Pode-se, assim, o poder familiar ser delegado a terceiro no todo ou em partes, se o contexto do ambiente familiar exigir, todavia, para recebê-lo, o terceiro, deverá, preferencialmente, ser membro da família e digno da confiança dos pais. Caso não haja o cumprimento do que está disposto legalmente quanto às obrigações parentais em relação aos filhos, isto pode gerar certas consequências que iremos analisar a seguir.

Como visto anteriormente, o descuido e negligência quanto ao exercício do poder familiar pode resultar na perda do responsável na gerência das decisões quanto ao interesse de seus filhos (ANGELINI NETA, 2016). Caso isso aconteça, os pais vão perdendo o poder de participar da vida de suas proles.

3.2.1 EXTINÇÃO DO PODER FAMILIAR

O crescimento e desenvolvimento da criança e do adolescente deve ser uma ação de integração contínua, não apenas de seus pais, mas também da sociedade e do poder público, já que a desenvoltura desses indivíduos se dá a partir do momento da sua interação com o meio em que está inserido.

Logo, o Estado tem interesse precípuo em uma futura geração que seja capaz de gerir, de forma eficiente, seus anseios individuais, além de ser capaz de influenciar a tomada de decisões de forma conjunta, visando o melhor para ele, tanto de forma isolada, quanto para as pessoas que o circundam. Nesse contexto, o bem-estar, de uma forma geral, do núcleo familiar e, de forma individual, do jovem, torna-se de interesse público, partindo do ponto em que bases familiares mais estruturas podem diminuir o índice de procura judicial para resolver litígios familiares e desafogando, dessa maneira, o sistema jurisdicional brasileiro.

Destarte, como o poder familiar exerce um múnus, o Estado pode interferir nessa relação, que, em suma, afeta o núcleo familiar. Dessa maneira, tal função deve ser fiscalizada e controlada pelo Poder Público, já que se ele pode verificar a inexistência de qualquer requisito específico do exercício do poder familiar, realizado por quaisquer um dos genitores, podendo ficar demonstrada a possibilidade de suspensão, modificação ou perda do poder (DIAS, 2007).

Conquanto, a lei traz, de maneira expressa, as hipóteses em que poderá ser aplicada a extinção do poder familiar. Ressaltando que, em todos os casos, tal hipótese é utilizada em última instância, dando-se preferência para o restabelecimento dos laços afetivos. Deste modo, a respeito da extinção do poder familiar é imperioso salientar que, por sua gravidade, a perda do poder familiar somente deve ser decidida quando o fato que a ensejar for de tal magnitude que ponha em perigo permanente a segurança e a dignidade do filho. “A suspensão do poder familiar deve ser preferida à parte, quando houver possibilidade de recomposição ulterior dos laços de afetividade” (DIAS, 2007, p. 191).

Assim, Lisboa (2004) identifica as seguintes hipóteses para que haja a extinção do poder familiar, quais sejam: a) morte dos genitores ou dos filhos; b) emancipação legal ou voluntária; c) castigo exagerado do filho; d) deixar o menor em situação de abandono; e) praticar atos contrários à moral e aos bons costumes; f) e reiterar nas faltas causadoras da suspensão do poder familiar.

A extinção do poder familiar é caracterizada, portanto, pelo término do exercício do poder-dever sobre o filho, em detrimento de inúmeros fatores diversos da suspensão ou da destituição.

3.2.2 SUSPENSÃO DO PODER FAMILIAR

Essa forma de ausência de responsabilização dos pais perante os filhos é considerada de menor gravidade, se comparada com a primeira. Isto porque tal instituto é uma medida que pode ser restabelecida a qualquer momento caso seja sanada o vício de comportamento e ações dos pais ou responsável e, caso atenda, aos interesses de seus filhos. Lembrando que essa medida pode ser aplicada em relação a apenas um filho ou a toda prole de maneira geral.

A suspensão do poder familiar, encontra-se legalmente respaldada no artigo 1.637, caput e parágrafo único do Código Civil, o qual dispõe que:

Se o pai ou a mãe, abusar de sua autoridade, faltando aos deveres a eles inerentes ou arruinando os bens dos filhos, cabe ao juiz, requerendo algum parente, ou o Ministério Público, à medida que lhe pareça reclamada pela segurança do menor e seus haveres, até suspendendo o poder familiar, quando convenha. Parágrafo Único: suspende-se igualmente ao exercício do poder familiar ao pai ou a mãe condenada por sentença irrecorrível, em virtude de crime cuja pena exceda a dois anos de prisão (BRASIL, 2002).

Somando a ideia de proteção, o artigo 24 do Estatuto da Criança e do Adolescente, o qual remete a suspensão do poder familiar aos casos elencados no artigo 22 do mesmo dispositivo legal, amplia a ideia de que aos pais incumbe o dever de sustento, guarda e educação dos filhos menores, concernindo-lhes no interesse destes, o dever de cumprir e fazer cumprir todas as determinações judiciais (BRASIL, 2002).

Dessa maneira, a suspensão poderá ser comprovada em virtude do mau comportamento do pai em relação aos filhos ou por fatos involuntários, os quais podem ser caracterizados quando o titular do poder familiar é interditado judicialmente e quando for declarado ausente. Neste contexto é válido destacar que este apenas poderá ser suspenso do seu exercício por decreto judicial, sendo por tempo determinado, pois a medida em que possa ser comprovado que os genitores não estão sendo negligentes ou omissos em relação aos filhos, o poder familiar retorna para seu titular e, então, estes o podem exercer com cautela (GOMES, 2002).

3.2.3 DESTITUIÇÃO DO PODER FAMILIAR

A perda do poder familiar ocorre em casos considerados extremos, quando há descumprimento dos deveres inerentes aos pais e, somente pode ser exercida nas hipóteses em que se coloque em risco permanente e irreversível a vida, a segurança, e a dignidade do filho.

A destituição do poder familiar é caracterizada, portanto, pelo impedimento definitivo do seu exercício, por meio de decisão judicial, servindo como possibilidades de destituição o castigo imoderado, devido ao abandono do filho e a realização de atos contrários à moral e aos bons costumes, sendo esta, uma medida indispensável e não facultativa (RODRIGUES, 2002).

No caso de o legislador reconhecer que o titular não está capacitado para exercer a função familiar, de maneira que, para a proteção dos filhos, haja a necessidade de o destituir da incumbência, este somente poderá ser admitido novamente, se dificilmente convencido de que as causas que anteriormente o conduziram para a realização do ato forem removidas em definitivo (RODRIGUES, 2002).

O Código Civil, em seu artigo 1.638, indica as possibilidades em que ocorrerá a perda do poder familiar, pelo pai ou pela mãe, ou por ambos, se confirmadas a falta, omissão, ou abuso em relação aos filhos menores. Sendo elas divididas em três hipóteses: I – castigar imoderadamente o filho; II – deixar o filho em abandono; III – praticar atos contrários à moral e aos bons costumes (BRASIL, 2002).

Olhando especificamente para a hipótese de deixar o filho em abandono, conjugando com o assunto exposto no presente trabalho de litígio entre os pais, pode-se aferir que isto ocorre, porque muitas vezes, em relações conturbadas do relacionamento conjugal, refletindo na forma como os pais passam a lidar com seus filhos. Incitados por motivos de raiva, a depender da razão que culminou o término do relacionamento, os pais, se viram contra seus filhos como um ato de protesto e, simplesmente, esquecem que geraram uma vida que é dependente de seus cuidados materiais e emocionais.

E, no que tange a decretação da perda do poder familiar a um dos genitores, o outro passa a exercê-lo de maneira isolada, salvo se não possuir condições suficientes para tal função, sendo que, nesses casos, faz-se necessário a nomeação de um tutor ao menor (VENOSA, 2003).

Com essas gradações de perda de ingerência sobre a vida de seus descendentes, o legislador prescreveu formas de proteger o melhor interesse para criança de acordo com o comportamento dos pais frente aos filhos, buscando resguardar esses sujeitos que conquistaram seus direitos e passaram a ser enxergados como indivíduo que deve ter sua dignidade preservada.

3.3 CASO CONCRETO DE PREVALÊNCIA DO MELHOR INTERESSE DA CRIANÇA

Casos concretos que encontramos em debate na mesa do judiciário são situações que, no passado, sequer eram cogitadas. Ocorre que mudanças ocorreram e o judiciário progrediu juntamente, para proteger e garantir os direitos postos em questões socialmente, evoluindo não só na sua maneira de prescrever, mas também na valorização da interpretação jurídica e principiológica de dispositivos legais, se adequando para uma execução eficaz de seu papel (MALUF e MALUF, 2016).

Sabe-se que o núcleo familiar é o lugar em que o ser humano se desenvolve de maneira segura, podendo encontrar suporte para ampliar suas raízes, sabendo que tem o apoio e resguardo de seus familiares. Entretanto, devido ao rompimento das relações conjugais, muitas das crianças e adolescentes que tinham esse porto seguro, não o encontram mais, quer seja por um de seus pais ou por ambos.

Neste contexto, o judiciário precisa atuar, da melhor maneira possível, não só com a aplicação fria da lei, mas também de acordo com a especificidade de cada caso.

Da mesma maneira, é dever dos pais sustentar, educar e dar proteção aos filhos. Entretanto, caso isso não sobrevenha, poderá suceder-se o crime de abandono material e abandono intelectual, bem como sobrevir à perda do poder familiar, conforme está previsto nos artigos 244 e 246 do Código Penal (BRASIL, 1940).

Nesse contexto, Luz (2019 p. 42), expressa que:

Também incidem em crime de abandono intelectual os pais que, sem justa causa, deixarem de prover a instrução primária de filho em idade escolar, como consta do art. 246 do Código Penal (pena: detenção de quinze dias a um mês ou multa).

Assim, conforme o autor supracitado, os detentores têm responsabilidade de mútua assistência, abrangendo o auxílio em todas as situações para com as crianças e adolescentes.

A mútua assistência deve ser entendida, antes de tudo, como um ato de solidariedade conjugal. A mútua assistência comporta, de um lado, um conceito específico no qual se inserem os alimentos, ou seja, valores pecuniários que asseguram a subsistência material (alimentos, vestuário, medicamentos etc.); de outro lado, um conceito genérico, que compreende cuidados pessoais nas moléstias, socorro nas desventuras, apoio na adversidade e auxílio constante em todas as adversidades da vida (LUZ, 2019, p. 42).

Não só o abandono material, mas também a falta de apoio moral configura infração ao dever de mútua assistência (GONÇALVES, 2018, p. 191).

Quando o casal resolve romper a sua relação, em caso de existência de filhos, são eles os mais atingidos psicologicamente com a ruptura de convivência com um dos pais. Embora a guarda compartilhada vise melhorar essa situação, é importante que os pais tenham por si só a maturidade de deixar seus próprios interesses de lado, para que, assim, consigam contribuir em todas as fases de desenvolvimento da sua prole (FURQUIM, 2008).

Portanto, cada caso deve ser avaliado pelo magistrado de forma a adequar o que seria melhor para cada criança, dentro do quadro apresentado a ele, já que o que é considerado bom para um não, talvez não seja para o outro. Deve-se levar em consideração, também, os laços de convivência, a fim de preservar o melhor interesse da criança e adolescente.

Existem pais que disputam para decidirem sobre as questões diretivas da condução na vida dos filhos, porém existem os casos de abstenção dos responsáveis. Assim sendo, deve-se buscar o que seja melhor dentro da realidade individual de cada infante.

O princípio em comento, como exposto, está inserido no ordenamento jurídico baseando a grande maioria das decisões do judiciário, especialmente quando se trata sobre a guarda dos menores e adolescentes. Encontrando-se, também, a aplicação de penalidades quanto ao comportamento negacionista de algum dos pais. Nesse contexto:

EMENTA: APELAÇÃO CÍVEL. EXTINÇÃO DO   PODER FAMILIAR. ABANDONO. INAPTIDÃO PARA FUNÇÃO PARENTAL. MELHOR INTERESSE DOS MENORES. SITUAÇÃO CONSOLIDADA. MANUTENÇÃO DA EXTINÇÃO DO PODER FAMILIAR. RECURSO NÃO PROVIDO.

– Demonstrada a prática de condutas insertas no rol das hipóteses elencadas pelo artigo 1.638 do Código Civil, a extinção do poder familiar é medida que se impõe para preservação do melhor interesse dos menores – Comprovado o melhor interesse dos menores na institucionalização, deve ser mantida a sentença de procedência do pedido de extinção do poder familiar.

(TJ-MG – AC: 10000211894670001 MG, Relator: Moacyr Lobato, Data de Julgamento: 07/10/2021, Câmaras Cíveis / 5ª CÂMARA CÍVEL, Data de Publicação: 07/10/2021).

Por conseguinte, o princípio do melhor interesse da criança é um tema relevante, em que se baseia na maioria das decisões proferidas a respeito do menor, visando um conjunto robusto comprobatório que seja mais pertinente e aplicável para crianças e adolescentes.

4. CONCLUSÃO

O presente trabalho possibilitou a observação, de forma breve, da evolução do Direito da criança e do adolescente com o advento do Estatuto da criança e do adolescente – Lei 8.069/90 (BRASIL, 1990), bem como, as implicações do devido cumprimento do seu arcabouço jurídico no que diz respeito ao melhor interesse do infante mediante situações litigiosas por conta do término do relacionamento conjugal dos pais. Retratou-se, ainda, de forma breve, a atuação jurídica frente a casos de abstenção do genitor perante seus filhos.

A entidade familiar, no decorrer dos anos, passou por uma série de mudanças quanto a sua estruturação e composição. Dentre os modelos de famílias que surgiram, pode-se citar a homoparental e monoparental. A despeito disso, mantendo ou não as bases iniciais de uma família com moldes passados ou modernos, certo é que ambas precisam manter seu foco nas proles advindas do relacionamento.

Outrossim, as novas estruturas familiares mantêm o seu intuito de ser um lugar garantidor da formação, desenvolvimento da personalidade de seus membros e da concretização do princípio da dignidade da pessoa humana. Nesse sentido, a CF/88 e, posteriormente, o CC/2002 e o ECA, definiram um rol de deveres aos genitores, de cunho material, moral e assistencial, com o intuito de regulamentar o ambiente familiar.

A questão é que a mudança dos moldes familiares não é um problema, o obstáculo se torna intransponível quando o término ocorre de maneira litigiosa e os filhos acabam se tornando alvo, mesmo que de forma reflexa, das circunstâncias do casal. Este fato, por si só, já é de grande dificuldade de assimilação para a criança e adolescente, agravando-se quando seu genitor não cumpre com seu papel moral e legal.

Nesse momento, a persecução do melhor interesse do infante deve ser priorizada, ainda que com a aplicação de dispositivos legais que rompam com a ligação familiar e afetiva, pois a abstenção do genitor pode prejudicar a vida futura de sua prole.

Nesse contexto, cada caso deve ser estudado minuciosamente a fim de cumprir o espírito da lei de proteção integral do menor, visando sempre atingir o melhor interesse para a criança e adolescente, fazendo com que genitores irresponsáveis e inertes quanto ao seu desempenho como guardião, atuem impelidos pelos dispositivos legais e cumpram, ao menos, com suas atribuições sob a ótica jurídica.

Resta claro que a atuação devida como provedor material e emocional dos genitores não se mantém de forma isolada apenas enquanto a sociedade conjugal existe. As responsabilidades inerentes aos pais prevalecem independentemente do relacionamento destes. Com efeito, a obrigação decorrente da relação entre pais e filhos refere-se ao dever jurídico, sobretudo, de cuidado e de convivência, conforme amparado na legislação.

Ante ao exposto, a presente pesquisa pretendeu demonstrar que, mesmo que haja o rompimento legal dos laços familiares com eventual litígio, o melhor interesse da criança e do adolescente deve prevalecer, buscou-se, também, analisar as hipóteses de perda, suspensão e destituição do poder familiar, tendo em vista a possibilidade que a ausência do genitor influência em decisões legais e individuais de seus respectivos filhos.

Por fim, respondendo à questão norteadora deste estudo, que visou retratar até que ponto a atuação jurisdicional deve irromper a instituição familiar para manter o melhor interesse da criança, constata-se que, diante da ausência ou abandono dos pais motivado por litígio conjugal, configura-se o descumprimento do dever legal do poder familiar, possibilitando, dessa maneira, a atuação do Judiciário para concretizar o melhor para a criança ou adolescente ainda que resulte em medidas imperativas e a desconstrução da forma familiar primária.

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[1] Graduada em Direito. ORCID: 0000-0002-5473-8401.

Enviado: Março, 2022.

Aprovado: Abril, 2022.

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Thaisa de Souza da Silva

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