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Biodiversidade, patrimônio genético e biotecnologia: Aspectos legais para o desenvolvimento científico

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CONTEÚDO

ENSAIO TEÓRICO

RIBEIRO, Luana Aparecida [1], RIBEIRO, Luciene de Fátima [2]

RIBEIRO, Luana Aparecida. RIBEIRO, Luciene de Fátima. Biodiversidade, patrimônio genético e biotecnologia: Aspectos legais para o desenvolvimento científico. Revista Científica Multidisciplinar Núcleo do Conhecimento. Ano 05, Ed. 06, Vol. 04, pp. 05-16. Junho de 2020. ISSN: 2448-0959, Link de acesso: https://www.nucleodoconhecimento.com.br/lei/patrimonio-genetico

RESUMO

O Brasil é um dos 17 países com maior diversidade do planeta. Estima-se que o número de espécies conhecidas variem entre 170 a 210 mil, o que corresponde a 10% de todas as espécies já estudadas pela humanidade. Tal biodiversidade possui não somente um grande valor por existir, mas também representa uma fonte de possíveis biofármacos, movimentando um mercado milionário que somente em 2006 rendeu trilhões em exportações de plantas medicinais in natura. Nesse sentido, a Lei 13.123/2015 instituiu regras rigorosas para bioprospecção e estudos acerca dos biofármacos recém descobertos, e, ainda, versa sobre as contribuições dos indígenas e quilombolas. O conhecimento de tais comunidades é crucial para conservação das espécies no Brasil. Entretanto, esta lei somente tem ação e eficiência dentro do território nacional, não valendo para instituições de pesquisa fora do Brasil. Portanto, este artigo é relevante pois visa avaliar e fornecer subsídios sobre a lei em questão a partir da análise de artigos científicos, livros e legislação vigente.

Palavras-chave: Lei 13123/2015, biodiversidade, patrimônio genético, biotecnologia.

1. INTRODUÇÃO

A Constituição Federal de 1988, em seu artigo 225, garante que:

Art. 225 – Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações (BRASIL, 1988).

Sendo assim, é dever do Estado garantir a proteção da biodiversidade em todo o território nacional, bem como a cultura de povos que vivem e sobrevivem desses recursos. A biodiversidade de uma nação não somente tem um valor intrínseco à própria existência das espécies e da vida, mas também possui grande potencial para geração de biofármacos e substâncias bioativas para tratamento de inúmeras patologias humanas. Em razão da expansão das descobertas farmacológicas e bioquímicas de vários componentes das espécies e da crescente extinção mundial das espécies e ecossistemas naturais, em 1972, a Organização das Nações Unidas (ONU) convocou todos os países para a primeira Conferência da ONU sobre o Ambiente Humano, realizada em Stocolmo (Suécia), que institui no capítulo I:

A proteção e melhoria do ambiente humano é a maior tarefa que afeta o bem estar da população, o desenvolvimento econômico em todo o mundo; é um desejo urgente dos povos de todo o mundo e um dever de todos os Governantes (ONU, 1972, p. 3).

Este foi o primeiro acordo internacional voltado à garantia da sobrevivência dos ecossistemas e das espécies que o compõem. Desta derivaram várias outras conferencias ao longo do mundo incluindo a que ocorreu na cidade brasileira do Rio de Janeiro e conhecida como Conferência Rio 92, que ocorreu no ano de 1992. Nela, dentre as várias ações, estabeleceu-se a Agenda 21 que institui uma agenda mundial global de estilo de vida, incluindo-se a instituição da educação ambiental como ferramenta para transformação global (ONU, 1992). No capítulo 35, sessão 35.1, delega-se o papel da ciência e do cientista no que tange a conservação do planeta:

O papel e o uso da ciência em suportar o manejo prudente do meio ambiente e o desenvolvimento para a sobrevivência diária e futura da humanidade. (…) Um papel da ciência será de prover informações para melhor formular e selecionar políticas e para os processos de tomada de decisão (ONU, 1992, p. 311).

Além da Agenda 21, também ficou instituído a Convenção sobre Diversidade Biológica. O documento, em seu Art. 15, elenca sete diretrizes necessárias ao gozo dos recursos de caráter genético. A primeira reitera que:

Reconhecendo os direitos soberanos dos Estados sobre seus recursos naturais, a autoridade para determinar o acesso aos recursos genéticos cabe aos governos nacionais e está sujeita à legislação nacional (…)

(… ) O acesso aos recursos genéticos estará sujeito ao consentimento prévio e informado da Parte Contratante que fornece tais recursos, a menos que determinado de outra forma por essa Parte.

(…) Cada Parte Contratante esforçar-se-á por desenvolver e realizar pesquisas científicas baseadas nos recursos genéticos fornecidos por outras Partes Contratantes com a participação plena e, sempre que possível, nessas Partes Contratantes.

(….) os resultados da pesquisa e desenvolvimento e os benefícios decorrentes da utilização comercial e de outros recursos genéticos com a Parte Contratante que os fornece. Esse compartilhamento deve ocorrer em termos mutuamente acordados. (MMA, 2019, p. 1).

Tais acordos levaram ao Brasil instituir, no ano de 2015, a Lei 13.123, que prevê normas rígidas para o acesso ao patrimônio genético, ou seja, aos recursos e derivados da biodiversidade nacional, bem como dispõe sobre sua proteção e o acesso ao conhecimento dos povos tradicionais associados à essa biodiversidade (BRASIL, 2015). O Brasil instituiu, nesse sentido, o Sistema Nacional de Gestão do Patrimônio Genético e do Conhecimento Tradicional Associado (SisGen), que exige que todas as instituições nacionais de pesquisa e seus pesquisadores cadastrem suas pesquisas e resultados relacionados usando, para tanto, recursos genéticos da heterogeneidade biológica, sendo possível o uso desde uma bactéria até árvores, entretanto, de forma responsável, sob pena de multa.

Tal rigor praticamente estacionou a pesquisa nacional com biofármacos e substâncias bioativas advindas da biodiversidade brasileira. Pesquisas etnobotânicas que buscam testar, a partir do conhecimento popular, quais fitoterápicos são realmente efetivos ou não no tratamento de doenças foram praticamente extintas, pois o pesquisador, por força de lei, precisa, agora, possuir uma declaração jurídica que atesta que toda a comunidade detentora do conhecimento sobre um determinado fitoterápico deve ser consultada e que todos os integrantes devem permitir o acesso aos dados para que pesquisas possam ser realizadas. Parte-se da premissa que tais regras rigorosas não foram instituídas em outros países como China, Japão, Estados Unidos etc.

Acreditamos que a pesquisa nacional brasileira perdeu muito com a instituição de normas tão rigorosas para a pesquisa da sua própria biodiversidade, em contraste com a possibilidade de que outros países realizem tais prospecções sem tamanha obrigatoriedade e rigor. O SisGen (Sistema Nacional de Gestão do Patrimônio Genético) e a Lei da Biodiversidade (Lei 13.123/2015) impõe novos limites ao desenvolvimento biotecnológico do país. Tal lei poderá ser um retrocesso para pesquisa brasileira e, involuntariamente, beneficiar a pesquisa internacional para prospecção de novos fármacos a partir da biodiversidade brasileira.

O aumento do rigor da legislação voltado às instituições de pesquisas nacionais que estudam e geram patentes a partir de princípios bioativos da biodiversidade brasileira, em contraponto, com a baixa exigência internacional e regras menos rigorosas para instituições fora do país, poderá levar a um aumento do uso internacional da biodiversidade brasileira na prospecção de novos fármacos.

2. A BIODIVERSIDADE E O PATRIMÔNIO GENÉTICO

Atualmente, a biodiversidade brasileira corresponde à, aproximadamente, 20% da vida de todo o planeta. Cabe auferir, também, que 12% dos recursos hídricos de todo o mundo concentram-se no Brasil. Milaré (2011) explica que a diversidade biológica aponta para a multiplicidade de organismos vivos de todas as espécies, desde ecossistemas terrestres e marinhos até outros complexos ecológicos eclodidos dos citados. Assim sendo, a multiplicidade de espécies se manifesta dentro das próprias espécies e entre ecossistemas. Destarte, Andrade (2013) alude que a diversidade existe para que o planeta e os seres humanos que nele habitam sobrevivam. Há uma questão urgente a ser pensada: hoje, mais do que nunca, há que se refletir sobre ações que priorizam a preservação e manutenção da vida humana para que as gerações futuras tenham acesso à essa riqueza da qual gozamos.

Já o patrimônio genético é aquele em que constam as informações genéticas dos organismos de um determinado país e que poderão ser estudadas a fim de se desenvolver remédios, pesquisas e outros benefícios. Eles fazem parte de um Estado. Nesse contexto, cabe afirmar que a Medida Provisória 2.186-16, de 23.08.2001, foi um marco legal sobre acesso ao patrimônio genético, e, ainda, ao saber múltiplo dos povos detentores de um saber amplo sobre a biodiversidade: os indígenas e quilombolas. Assim sendo, a MP dispõe sobre dados genéticos contidos em amostras integrais ou parciais, compreendendo a espécie vegetal, fúngica, microbiana, animal, molecular, e, ainda, substâncias provindas do metabolismo dos organismos vivos ou mortos. Assim, Milaré (2011, p. 722) explica que: “patrimônio genético é o núcleo de toda a biodiversidade”.

3. LEGISLAÇÕES INTERNACIONAIS E PROTEÇÃO

A Convenção sobre Diversidade Biológica (CDB) foi um marco para a proteção e regulação do patrimônio genético e da biodiversidade. Antes desse tratado, existiam algumas legislações internacionais, como a Convenção da Unesco (1970) e a Resolução da ONU de 1989. Contudo, com o advento da CDB, ficou determinada a utilização sustentável de componentes da biodiversidade por meio da conservação dos recursos biológicos: “proteger e encorajar a utilização costumeira de recursos biológicos de acordo com práticas culturais tradicionais compatíveis com as exigências de conservação ou utilização sustentável” (Art. 10). Além disso, a CDB, passou a reconhecer que os Estados devem ter a sua soberania protegida no que tange o uso dos recursos naturais e o saber múltiplo dos povos detentores (como indígenas e quilombolas).

Conforme alude Andrade (2013), em seu estudo, há que se ater à algumas questões sumárias. Embora seja garantido o acesso ao saber dos povos quilombolas e indígenas para a produção de novos biofármacos, essas comunidades devem participar de todas as etapas relacionadas à tal produção, e, também, precisam gozar de tais biofármacos. Nesse sentido, o Protocolo de Nagoya, sancionado durante a Convenção sobre a Diversidade Biológica, trata-se de um documento complementar, acordado entre os países participantes. Seu escopo principal é a estruturação, de modo legal e transparente, do uso consciente dos recursos naturais. Foi feita uma repartição justa e equânime, de forma que todos possam gozar dos benefícios oriundos dos recursos genéticas. As partes, porém, devem respeitar o acordado. O primeiro artigo dispõe que[3]:

O objetivo do presente Protocolo é a repartição justa e equitativa dos benefícios advindos da utilização de recursos genéticos, inclusive por meio do acesso adequado a recursos genéticos e da transferência adequada de tecnologias relevantes, considerando-se todos os direitos sobre tais recursos e tecnologias, e por meio do financiamento adequado, assim contribuindo para a conservação da diversidade biológica e para o uso sustentável de seus componentes.

Aufere-se, em tal dispositivo, a preocupação com a proteção dos países em desenvolvimento, e, desse modo, estimula-se a transferência de tecnologia. Este protocolo determina o acesso a conhecimentos tradicionais de comunidades indígenas e outras comunidades locais. Conforme afirma Andrade (2013), a burocracia, e, ainda, a inexistência de um aparato legal ou respeito às leis vigentes é um problema grave. Destarte, as normas internacionais acabam se aproximando, de certo modo. As normatizações preveem que as diretrizes da Convenção sobre Diversidade Biológica devem reger as nações, contudo, Andrade (2013) elenca que há certa dificuldade em ser conciliar os objetivos estatais com o que as comunidades indígenas e quilombolas, por exemplo, almejam. A burocracia e as legislações distintas atuam, no mínimo, como fomentadoras à biopirataria.

A terminologia “biopirataria”, segundo o estudo de Andrade (2013), foi cunhada em 1993 pela ONG RAFI (Fundação Internacional para o Progresso Rural, hoje ETC-Group) que visava chamar a atenção para o fato de empresas multinacionais e instituições científicas compactuarem de uma prática danosa: a subtração, em excesso, de recursos biológicos e o uso do saber indígena e quilombola sem quaisquer amparos legais. Nesse sentido, Andrade (2013) elucida que tais práticas, em razão do contexto, foram denominadas como “biopiratas”. São agentes que, por vezes, com apoio do Estado, subtraem, de outras nações, sobretudo de países subdesenvolvidos, recursos genéticos com potencial econômico. Tais práticas se manifestam em razão de uma legislação pouco eficaz, e, ainda, em razão desses países possuírem pouca ou nenhuma fiscalização.

Historicamente, segundo Milanezi e Barbosa (2013), a apropriação de recursos e saberes de cunho genético tem sido comum. Assim sendo, países detentores de tais recursos, e, ainda, que possuem comunidades indígenas e quilombolas expressivas, estão mais ameaçados. Tais nações e suas respectivas comunidades não recebem quaisquer créditos, pois são utilizados para gerar potencial econômico para outras nações que transformam tais saberes em produtos a serem comercializados. É, então, conforme Milanezi e Barbosa (2013), um uso injusto, e, em muitas das vezes, é fomentado por práticas “biopiratas”. É um problema que assola o Brasil a muitos anos. Como exemplo pode-se citar a marca “Açaí” e “Açaí Power”. Tal temática despertou interesse à nível internacional. Empresas estrangeiras fizeram o registro dessas marcas.

Assim sendo, o governo brasileiro ajuizou diversas ações para impedir tal absurdo. Segundo a Pró Reitoria da Universidade Federal do ABC (2020), em razão da necessidade urgente de se combater a “biopirataria”, assegurando-se, portanto, uma repartição justa entre organizações, cientistas e as comunidades detentoras do saber sobre biofármacos, todos precisam ser beneficiados no que tange o gozo da biodiversidade brasileira. Considerando tal contexto, o país autorizou o uso do Patrimônio Genético (PG) e Conhecimento Tradicional Associado (CTA) em 2001 (MP 2186-16). Recentemente, a Lei da Biodiversidade (Lei nº 13.123/2015) revogou a MP 2186-16, instituiu, dentre outras coisas, o Fundo Nacional para a Repartição de Benefícios (FNRB). É obrigatório o repasse de 1% (ou 0,1%, a depender do setor) da renda líquida oriunda de vendas de produtos advindos do PG brasileiro.

No caso de produto acabado ou material reprodutivo originado de CTA de origem identificável, o depósito no FNRB será de 0,5% da receita líquida anual. Essa ação do governo brasileiro está de acordo com o Protocolo de Nagoya, gerado na décima reunião da Conferência das Partes da Convenção sobre Diversidade Biológica (COP10). O Protocolo de Nagoya entrou em vigor em 12/10/2014, visando a conservação biológica, uso sustentável e repartição justa e equitativa dos benefícios gerados a partir da utilização dos recursos genéticos (PRÓ REITORIA UFABC, 2020, s/p).

Todavia, a Pró Reitoria do Universidade Federal do ABC (2020), entende que, na prática, a Lei da Biodiversidade brasileira criou barreiras para a Pesquisa & Desenvolvimento (P&D). Alega que ao ser incluído na teoria de PG pesquisas que contemplam linhas temáticas como, por exemplo filogenia, taxonomia, sistemática, ecologia, biogeografia e epidemiologia, a Lei passa a contemplar novas determinações no que tange o acesso ao PG e à pesquisa, e, ainda, contempla-se atividades que não foram, anteriormente, mencionadas na Resolução 21. A Pró Reitoria da UFAB cita, como exemplo de tais atividades, a taxonomia molecular, a filogenia, a epidemiologia molecular, a ecologia molecular, e, também, o uso de sequências oriundas de bancos públicos.

4. LEI N. 13.123, DE 20 DE MAIO DE 2015: NOVO MARCO REGULATÓRIO DO USO DA BIODIVERSIDADE

Távora et al (2015) tecem comentários expressivos acerca da Lei 13123, de 2015. O Projeto de Lei (PL) nº 7.735, de 2014, apresentado à Câmara dos Deputados pelo Poder Executivo, “regulamenta o inciso II do § 1º e o § 4º do Art. 225 da Constituição Federal, o Art. 1 e a alínea j do Art. 8, a alínea c do Art. 10, o Art. 15 e os §§ 3º e 4º do Art. 16 da Convenção sobre Diversidade Biológica, promulgada pelo Decreto nº 2.519, de 16 de março de 1998. Dispõe sobre o acesso ao patrimônio genético, sobre a proteção e o acesso ao conhecimento tradicional associado e sobre a repartição de benefícios para conservação e uso sustentável da biodiversidade. Revoga a Medida Provisória nº 2.186-16, de 23 de agosto de 2001, e dá outras providências”. Trata-se de uma tentativa de aprimorar a legislação, de buscar a segurança jurídica e de garantir o direito de todos os agentes envolvidos.

Távora et al (2015) explicam que o projeto que gerou a nova Lei tinha como objetivo a maior aderência à realidade; incentivo à bioprospecção; não tributação da pesquisa e desenvolvimento tecnológico; apoio à comercialização dos produtos gerados; incentivo à rastreabilidade de todo o processo; estabelecimento de regime de repartição de benefícios adequado e factível; redução dos custos de transação; remissão para normas infralegais dos problemas possíveis e prevenção de enrijecimento da nova legislação a despeito de vários pontos positivos da legislação anterior – como a tentativa de proteção dos direitos das comunidades indígenas – a regulamentação da repartição dos benefícios advindos do uso do patrimônio genético e a intenção de pôr fim à biopirataria. Contudo, tais ações acabaram por inviabilizar a pesquisa e a inovação em biotecnologia no Brasil ao longo de quinze anos.

Assim, as pesadas restrições ao acesso à biodiversidade pelos próprios pesquisadores nacionais, as barreiras às atividades de pesquisa e bioprospecção e a rígida crítica contratual demandaram nova legislação, não só para evitar a biopirataria, mas também para incentivar os projetos de P&D e a pesquisa nacional, bem como para garantir os direitos de todos os atores que possam se beneficiar do acesso ao patrimônio genético e ao conhecimento tradicional associado. Além disso, a nova legislação buscou assegurar a repartição isonômica de benefícios com o fim de promover a conservação e o uso sustentável da biodiversidade no País (TÁVORA et al, 2015, p. 13).

Com relação ao meio ambiente, a lei conferiu uma maior segurança jurídica à biodiversidade brasileira, pois definiu patrimônio genético como sendo “informação de origem genética de espécies vegetais, animais, microbianas ou espécies de outra natureza, incluindo substâncias oriundas de metabolismo destes seres vivos” (BRASIL, LEI 13123/2015). Já os recursos financeiros obtidos com a comercialização de novos produtos baseados no patrimônio genético, segundo Távora et al (2015), serão destinados ao Programa Nacional de Repartição de Benefícios (PNRB) que, entre outras finalidades, fomentará a pesquisa e desenvolvimento tecnológico no que tange o acesso aos recursos genéticos, e, também, aos saberes múltiplos das comunidades indígenas e quilombolas.

5. A LEI N. 13.123/2015 E A FALTA DE PROTEÇÃO DO SABER INDÍGENA E QUILOMBOLA

Os saberes originários do patrimônio genético da biodiversidade (CTA) integram o patrimônio cultural brasileiro e são direitos coletivos, especialmente protegidos pela Constituição Federal de 1988, conforme consta dos Arts. 215 e 216, que dispõem sobre o direito fundamental à cultura. Com isso, os conhecimentos tradicionais, conforme Moreira e Conde (2017), formam uma categorização de direito humano cultural necessário para o livre desenvolvimento dos povos e comunidades indígenas e quilombolas, comunidades essas que devem ter a sua identidade cultural assegura, e, desse modo, a depender dos objetivos do pesquisador, a nova norma exige que aja a presença de um ou mais atos declaratórios. Moreira e Conde (2017) atestam, então, que para que se tenha acesso, é preciso, primeiramente, cadastrar-se no SISGEN.

Destarte, caso o pesquisador deseje ter acesso à uma área essencial à segurança nacional, como, por exemplo, à uma plataforma continental ou à uma zona econômica exclusiva, de acordo com Moreira e Conde (2017), será preciso a apresentação do cadastro, e, ainda, uma autorização emitida pela União. No caso de atividades voltadas à exploração econômica o usuário precisará apresentar a notificação do produto que atua como uma ferramenta declaratório anterior ao ensejo da exploração econômica desejada. Antes, o Art. 11 da MP 2186/01 atribuía competência ao CGEN para deliberar sobre a autorização das atividades de acesso e de remessa, mediante anuência prévia do titular do CTA ou do patrimônio genético. Fornecia-se, ainda, anuência aos Contratos de Utilização do Patrimônio Genético e Repartição de Benefícios.

Na lei atual, o CGEN visa, apenas, a regularização do acesso ao CT, mediante a emissão automática de comprovante de cadastro após preenchimento do formulário eletrônico disponível no Sistema Nacional de Gestão do Patrimônio Genético e do Conhecimento Tradicional Associado (SisGen), sistema eletrônico que é operado e mantido pela Secretaria-Executiva do CGEN. Moreira e Conde (2017) aludem que a administração do patrimônio genético e do acesso ao conhecimento indígena e quilombola pauta-se na Lei de Nº 13. 123/15. Trata-se, desse modo, de um retrocesso no que tange à garantia da proteção dos CTA, pois, anteriormente, o Estado exercia o seu controle de forma mais ampla em relação ao acesso, uso e exploração de atividades econômicas. Era, então, menos vulnerável à “biopirataria” e ao uso ilegal de patentes, pois havia um controle prévio do Estado.

Uma importante questão que deve ser mencionada é que a lei em questão dispõe sobre a obrigação do Estado no que tange a proteção dos povos indígenas e quilombolas, uma vez que são os maiores detentores do conhecimento necessário à produção de novos biofármacos, e, assim, combate-se a utilização e a exploração ilícita dos conhecimentos tradicionais. Entretanto, esses direitos não apontam para uma proteção eficiente dos povos indígenas e quilombolas. Conforme dispõem Moreira e Conde (2017), além de o novo dispositivos não fomentar  a atividade de acesso ao registro, o direito estabelecido no § 2º do Art. 8º da Lei de Nº 13.123/15 não tem efeito prático para fins de proteção dos CTA e de proteção dos direitos culturais dos povos e comunidades tradicionais em relação, por exemplo, ao direito de concessão de patentes de invenção.

Há ainda na lei a omissão sobre o direito de os povos e comunidades tradicionais decidirem em relação ao uso dos seus CTA vulnera direitos que precisariam estar claramente dispostos; veja-se, por exemplo, no que diz respeito ao direito de impedir terceiros não autorizados de utilizar, realizar testes, pesquisas, exploração, relacionados aos CTA, bem como de divulgar, transmitir ou retransmitir dados ou informações que integram ou constituem CTA, outrora previsto no inciso II do art. 9º da MP e não reproduzido na Lei n. 13.123/15. Nesse contexto, fica evidente que a nova legislação regrediu na defesa dos direitos socioambientais, prejudicando o desenvolvimento dos grupos sociais titulares dos CTA, afetando a sua dignidade e, por via reflexa, retirando a liberdade dos povos e comunidades tradicionais (MOREIRA; CONDE, 2017, p. 191).

Estes são alguns aspectos citados pelos autores que ainda dispõem sobre o cadastro no SISGEN. Este não oferece garantia de que o usuário obteve o consentimento prévio da comunidade detentora (exigido no caso de CTA de origem identificável) ou de que o usuário fez a repartição de benefícios, em qualquer das modalidades previstas na própria lei. Assim, no aspecto relacionado à propriedade intelectual, conforme Moreira e Conde (2017), o legislador alude que é incoerente tal posicionamento perante a comunidade internacional, pois não ratifica o Protocolo de Nagoya, apesar de o Brasil ocupar as primeiras posições no ranking voltado à países considerados como “megadiversos”. A Lei n. 13.123/15 trouxe, em seu texto, diversos dispositivos que mitigaram e substituíram direitos já provenientes dos provedores dos CTA, violando os princípios do não retrocesso ambiental, da progressividade dos direitos humanos e o princípio da dignidade da pessoa humana.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Conforme pôde ser visto neste artigo, a diversidade biológica provê muitos recursos importantes para as pesquisas médicas e traz inovações para o mercado de diferentes tipos. Ela representa para a economia brasileira e mundial um valor incalculável. A Convenção da Diversidade Biológica foi assinada em 1992 para garantir a conservação dessa diversidade biológica, a utilização sustentável e, também, dos seus componentes, além da repartição equitativa dos benefícios que decorrem da utilização dos recursos genéticos e do saber de comunidades indígenas e quilombolas. Para garantir esta questão, o Brasil publicou a lei 13.123/2015 após muitas discussões. Esta lei dispõe sobre o acesso ao patrimônio genético, e, também ,sobre a proteção e o acesso ao saber de comunidades indígenas e quilombolas. Atenta-se, por fim, ao uso consciente da biodiversidade brasileira.

Esta nova lei torna menos burocrático o processo relacionado às questões mencionadas e atribui mais celeridade ao que antes era regido pela Medida Provisória 2186-16, de 23/08/2001. Todavia, auferiu-se que esta lei também foi criticada, pois está inadequada diante da Convenção Americana de Direitos Humanos, de outras normas internacionais, além dos princípios da nossa Constituição Federal que dispõe sobre fundamentos basilares. O Estado Democrático impõe a constante progressão de medidas que requerem fortalecimento dos direitos humanos.

A nova lei fere no que diz respeito ao fato de ter consentimento prévio informado para acesso aos conhecimentos tradicionais e repartição de benefícios para a exploração dos CTA de forma incondicionada. Assim, estes dois pilares do desenvolvimento sustentável tão importantes ficam vulneráveis, deixam de estar para quem, de direito, como deveria ser. Neste caso, é uma lei restritiva de direitos.

REFERÊNCIAS

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BRASIL, Decreto n° 8772, de 11 de maio de 2016. Dispõe sobre o acesso ao patrimônio genético, sobre a proteção e o acesso ao conhecimento tradicional associado e sobre a repartição de benefícios para conservação e uso sustentável da biodiversidade. Diário Oficial da União. Brasília: Congresso Nacional, 2016.

BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Diário Oficial da União. Brasília: Congresso Nacional, 1988.

BRASIL. Lei nº 13.123, de 20 de maio de 2015. Regulamenta o inciso II do § 1º e o § 4º do art. 225 da Constituição Federal, o Artigo 1, a alínea j do Artigo 8, a alínea c do Artigo 10, o Artigo 15 e os §§ 3º e 4º do Artigo 16 da Convenção sobre Diversidade Biológica, promulgada pelo Decreto nº 2.519, de 16 de março de 1998; dispõe sobre o acesso ao patrimônio genético, sobre a proteção e o acesso ao conhecimento tradicional associado e sobre a repartição de benefícios para conservação e uso sustentável da biodiversidade; revoga a Medida Provisória nº 2.186-16, de 23 de agosto de 2001; e dá outras providências. Diário Oficial da União. Brasília: Congresso Nacional, 2015.

BRASIL. Medida Provisória nº 2.186-16, de 23 de agosto de 2001. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/mpv/2186-16.htm. Acesso em: 05 abr. 2020.

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APÊNDICE – REFERÊNCIA DE NOTA DE RODAPÉ

3. Extraído de: https://www.cbd.int/abs/infokit/revised/print/factsheet-nagoya-pt.pdf. Acesso em: 05 abr. 2020.

[1] Graduanda em Direito do Centro Universitário UNA Campus Bom Despacho.

[2] Graduanda em Direito do Centro Universitário UNA Campus Bom Despacho.

Enviado: Junho, 2020.

Aprovado: Junho, 2020.

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Luana Aparecida Ribeiro

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