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Etariofobia com base legal – leis estaduais que limitam a idade para o exercício de cargo de delegado de polícia

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CONTEÚDO

ARTIGO ORIGINAL

BARROS, Judson [1]

BARROS, Judson. Etariofobia com base legal – leis estaduais que limitam a idade para o exercício de cargo de delegado de polícia. Revista Científica Multidisciplinar Núcleo do Conhecimento. Ano 03, Ed. 09, Vol. 09, pp. 94-129 Setembro de 2018. ISSN:2448-0959

RESUMO

Este trabalho tem por escopo apresentar o conceito de etariofobia e anciofobia, como também comprovar que a etariofobia tem base legal. Ainda mostrar que o Estado representa o ente legalizador, legitimador e incentivador da etariofobia, pelo viés da discriminação etária, analisando leis estaduais que limitam a idade para o exercício do cargo de Delegado de Polícia. Esclarecer que a legislação anciofóbica é inconstitucional e está em descompasso com tratados e convenções internacionais de direitos humanos. Além disso, demonstrar que o Supremo Tribunal Federal, como órgão máximo do Poder Judiciário, tem postura favorável à discriminação por idade, mesmo ferindo princípios constitucionais balizadores da República Federativa do Brasil.

Palavras Chave: Etariofobia, Anciofobia, Dignidade da pessoa humana, Princípio da isonomia, Discriminação etária.

INTRODUÇÃO

A busca pela igualdade e o combate à discriminação e ao preconceito representam um longo período da história da humanidade. Todavia, em pleno Século XXI, a legislação de alguns Estados brasileiros, Piauí e Acre, por exemplo, normatizam e incentivam a etariofobia por meio da discriminação por idade.

Uma longa história almejando a organização de uma sociedade menos preconceituosa. No Brasil existe farta legislação de combate ao preconceito e à discriminação: Estatuto do Idoso, Lei Maria da Penha, Estatuto da Igualdade Racial, Estatuto da Criança e do Adolescente, Código de Defesa do Consumidor. Tudo em busca de igualdade entre as pessoas, sem distinção de idade, sexo, cor, religião, orientação sexual, opção política e partidária.

O princípio delineador da República Federativa do Brasil, anotado no artigo 1º da Constituição, basilar do ordenamento jurídico nacional, é o da dignidade da pessoa humana que determina tratamento igualitário e abandono de qualquer forma de preconceito e discriminação.

O Estado, que representa a estrutura mais poderosa da sociedade e que deveria buscar e incentivar a igualdade entre as pessoas de forma ampla e incondicional, é quem promove a discriminação naquilo que não é do interesse do governante. Não podemos esquecer que o interesse público é uma utopia e que o interesse do Estado é o interesse de quem o dirige, sobretudo na perspectiva de manutenção do exercício do poder.

A etariofobia ou anciofobia manifesta-se das mais variadas formas e nos mais diversificados lugares. A limitação ao acesso a um cargo público representa uma dessas formas de manifestação da etariofobia.

No seio familiar é muito comum casos em que idosos são maltratados e vistos como um estorvo. Bastante corriqueiro família confiar pessoas em idade avançada em instituições. Pessoas idosas passam a ser vistas como um problema nas relações familiares e a solução é a entrega em abrigos.

A etariofobia é corriqueira nas relações de trabalho. Empresas preferem mão de obra qualificada de pessoas com baixa faixa etária, pois, supostamente, são menos suscetíveis a doenças e possuem maior longevidade produtiva.

No âmbito público, onde não deveria existir qualquer tipo de discriminação, um aparato legal cuida de normatizar a anciofobia de maneira nefasta.

Vários estados brasileiros possuem leis que limitam a idade para o exercício do cargo de Delegado de Polícia Civil. São legislações superadas e em confronto com princípios constitucionais que fundamentam a República Federativa do Brasil e também com os direitos individuais esculpidos na Carta Magna que estão acomodados como cláusulas pétreas. Como exemplo destes princípios podemos citar o da dignidade da pessoa humana e o da isonomia.

Os tratados e convenções internacionais de direitos humanos da qual o Brasil faz parte, no âmbito global, da ONU e regional, da OEA, condenam com veemência qualquer tipo de discriminação. A legislação interna que incentiva e legaliza a etariofobia está em completo desacordo com essas normas. Por isso, são também passíveis de controle de convencionalidade. Leis estaduais que estabelecem e incentivam a etariofobia podem ser questionadas tanto na Corte Interamericana de Direitos Humanos (OEA), como na Corte Internacional de Justiça (ONU).

O idoso é vítima de vários processos violentos de discriminação, no seio familiar, nas relações sociais, no emprego. O Estado, o Monstro, que deveria legislar no sentido de eliminar qualquer tipo de discriminação, faz o contrário, edita normas fortemente etariofóbicas, incentivando ainda mais a discriminação por idade. Se o Estado, que deve ser o defensor da igualdade e da dignidade da pessoa humano promove a etariofobia, não há muito o que esperar dos demais atores sociais.

No Brasil existe um aparato normativo federal que busca combater qualquer tipo de discriminação. Leis estaduais que consagram a etariofobia estão pleno contraste com essa legislação federal. O Estatuto do Idoso é uma norma específica para tratar dos direitos dessas pessoas. Foi instituído para combater a discriminação com pessoas idosas. Pelo princípio da especificidade se sobrepõe a qualquer lei estadual que se manifestar em desacordo.

Neste artigo trataremos da etariofobia ou anciofobia, enfocando a discriminação por idade promovida pelo Estado, em se tratando da limitação da idade para o exercício do cargo de Delegado de Polícia Civil.

Utilizamos como base leis complementares (Estatuto e Lei Orgânica da Polícia Civil) dos Estados do Piauí, Acre, Minas Gerais, Mato Grosso e Mato Grosso do Sul que cuidam da organização da Polícia Civil.

CONCEITUAÇÃO DOS TERMOS “ETARIOFOBIA” E “ANCIOFOBIA”

Os termos “etariofobia” e “anciofobia” não constam ainda do léxico brasileiro, tampouco foram mencionados em trabalhos ou artigos científicos nos campos da Sociologia, Psicologia, Direito e outros. Desta forma, proponho os seguintes conceitos para os termos:

“Etariofobia” – junção dos vocábulos etário e fobia.

“Anciofobia” – junção dos vocábulos ancião e fobia.

Etário – que diz respeito ou relacionado à idade.

Ancião – pessoa que tem idade avançada.

Fobia – medo exagerado, falta de tolerância, aversão, comportamento excessivo de evitar alguem ou alguma coisa.

Logo, “etariofobia” ou “anciofobia” é o comportamento de discriminação, de preconceito, de intolerância ou de aversão a pessoas idosas. São termos amplos, de largo alcance, que engloba a discriminação por idade. Assim a discriminação por idade é uma forma de manifestação da etariofobia ou anciofobia.

A etariofobia ou anciofobia pode se manifestar de diversas maneiras, desde a falta de atenção no seio familiar até as formas produzidas pelo Estado com base na lei, como é o caso da discriminação por idade para o exercício do cargo de Delegado de Polícia Civil em vários Estados brasileiros.

DELIMITAÇÃO DO TEMA – LEIS COMPLEMENTARES DOS ESTADOS DO PIAUÍ, ACRE, MINAS GERIAS, MATO GROSSO E MATO GROSSO DO SUL

Os Estados do Piauí, Acre, Mato Grosso e Mato Grosso do Sul possuem leis que legitimam e incentivam a etariofobia. Esses Estados são sujeitos passivos em ações judiciais que questionam a limitação da idade para o exercício do cargo de Delegado de Polícia Civil.

O Estado de Minas Gerais revogou o dispositivo legal que fazia menção à idade máxima para o exercício do cargo de Delegado de Polícia Civil somente depois de determinação judicial. A escolha desses Estados para subsidiar o estudo desenvolvido neste trabalho decorre dos fatos citados anteriormente. São casos emblemáticos em que o Poder Judiciário deverá se pronunciar para declarar a inconstitucionalidade desses dispositivos legais e execrá-las do mundo jurídico, ou declarar a constitucionalidade, dando o entendimento que a etariofobia prevista em lei tem base constitucional.

No Estado do Piauí a Lei Complementar nº 37, de 9 de março de 2004, que dispõe sobre o Estatuto da Polícia Civil do Estado do Piauí, em seu artigo 26, faz a seguinte previsão:

Art. 26 – Para investidura nos cargos de delegado de polícia, escrivão de polícia e agente de polícia, além de outros requisitos previstos em lei, serão exigidos os seguintes:

§ 1º Será também exigida, para a investidura nos cargos de delegado de polícia e agente de polícia:

II – Idade máxima de 45 (quarenta e cinco) anos.

Sem qualquer justificação o dispositivo discriminador por idade, foi mantido na lei. Não há qualquer fundamento, sociológico, filosófico, jurídico ou econômico elencado pelo Poder Legislativo ou Executivo que possa justificar esta discriminação em decorrência da idade. Representa um caso insofismável de etariofobia com base legal.

Em sede de concurso público da Polícia Civil do Estado do Piauí, disposição editalícia, com fundamento na lei, limitando a idade para o cargo de Delegado de Polícia, foi questionada administrativamente no sentido de ser retirada do edital. O Poder Executivo Estadual manteve o regramento sob a alegação de que há lei estadual que faz a previsão da barreira etária. O Ministério Público do Estado do Piauí sustentou o mesmo entendimento, acrescentando que a súmula nº 683 do STF corrobora também com a etariofobia.

No Estado do Acre a Lei Complementar nº 129, de 22 de janeiro de 2004, que institui a Lei Orgânica da Polícia Civil e o Estatuto dos Policiais Civis do Estado do Acre e dá outras providências faz a seguinte previsão à limitação da idade para concursos públicos da Polícia Civil:

Art. 67. São requisitos para inscrição nos concursos públicos da Polícia Civil:

II – Ter no mínimo dezoito e no máximo quarenta anos de idade, completos até a data de encerramento da realização do concurso;

Em momento posterior, o Estado do Acre, por meio da Lei complementar nº 293, de 30 de dezembro de 2014, que alterou a Lei Complementar nº 129, de 22 de janeiro de 2004, Lei Orgânica da Polícia Civil e o Estatuto dos Policiais Civis do Estado e a Lei n. 2.250, de 21 dezembro de 2009, que dispõe sobre o Plano de Cargos, Carreiras e Remuneração – PCCR dos servidores da Polícia Civil do Estado e dá outras providências promoveu a seguinte alteração no artigo 67:

Art. 67. São requisitos para ingresso nos cargos da Polícia Civil:

II – Ter no mínimo dezoito na data da posse e no máximo cinquenta anos de idade na data da inscrição para o concurso;

Observa-se que o Chefe do Executivo, que tem a atribuição para a iniciativa desta lei, de acordo com o artigo 54, § 1º, da Constituição do Estado do Acre, reconhecendo que a idade é um fator discriminatório, propõe projeto de lei, que o Poder Legislativo aprova, para aumentar o limite de idade para 50 (cinquenta) anos, como se esta conduta inibisse a norma etariofóbica. Esta alteração do dispositivo legal mostra com clareza o caráter discriminador da limitação da idade para o exercício de cargo público, neste caso o de Delegado de Polícia Civil. A etariofobia prevista na lei, no caso do Estado do Acre, está em completa desarmonia com a Constituição Federal e a Constituição Estadual, onde estão os princípios balizadores do Estado Democrático de Direito, quer seja, o da dignidade da pessoa humana e o da isonomia. Da mesma forma confronta com tratados e convenções internacionais de direitos humanos que buscam eliminar toda e qualquer forma de discriminação.

No Estado do Acre, por ocasião de concurso público a lei que limita a idade foi questionada judicialmente. O Tribunal de Justiça, em decisão de mérito, com parecer favorável do Ministério Público, entendeu que lei é constitucional e respaldada na súmula nº 683 do Supremo Tribunal Federal.

No Estado de Minas Gerais a Lei Orgânica da Polícia Civil é a Lei 5.406 DE 16/12/1969, que apresentava a seguinte redação:

Art. 80 – São requisitos para matrícula em curso da Academia de Polícia Civil de Minas Gerais:

II – Ter no mínimo dezoito anos e no máximo trinta e dois;

Posteriormente, a Lei 5.406/1969 foi alterada pela Lei Complementar 113/2010, sendo que depois de determinação judicial. O Tribunal de Justiça de Minas Gerais reconheceu que o limite de idade para o exercício de cargo da Polícia Civil é inconstitucional. Por esta razão, o dispositivo da Lei foi revogado:

LEI COMPLEMENTAR 113 DE 29/06/2010 – Altera a Lei Complementar nº 84, de 25 de julho de 2005, e a Lei nº 5.406, de 16 de dezembro de 1969, transforma os cargos que menciona e dá outras providências.

Dispositivo revogado:

Art. 13. O art. 54 e os incisos II, VI e IX do art. 80 da Lei nº 5.406, de 16 de dezembro de 1969, passam a vigorar com a seguinte redação:

Art. 80………………………………..

II – Ter no mínimo dezoito anos;

No Estado de Minas Gerias, havia lei que previa que o aspirante ao cargo agente e Delegado da Polícia Civil deveria ter entre 18 e 32 anos. Este dispositivo da lei foi revogado em 2010 pela Lei Complementar Estadual 113 que suprimiu a referência à idade máxima, mantendo apenas o mínimo de 18 anos. Convém esclarecer que a lei foi alterada no cotejo de ação judicial em que o Tribunal de Justiça sentenciou pela inconstitucionalidade da lei tendo como parâmetro a Constituição Federal e a Estadual.

Neste ponto comporta o seguinte questionamento. O Tribunal de Justiça de Minas Gerais entendeu que o dispositivo da lei que limitava a idade para o exercício de cargo público era inconstitucional tendo como parâmetro a Constituição Federal e a Estadual. No Acre o Tribunal de Justiça entendeu que o dispositivo que trata de norma similar é constitucional e está em consonância com Constituição Federal e a Estadual. Um ou outro Tribunal está acobertado pela normatividade jurídica brasileira. Ainda mais, no Estado do Piauí o dispositivo legal que discrimina pela idade que está presente no Estatuto da Policia Civil continua vigente.

No Estado de Mato Grosso a Lei Complementar N° 20, de 14 de outubro de 1992, que dispõe sobre a organização e o Estatuto da Polícia Judiciária Civil do Estado de Mato Grosso e dá outras providências apresenta a seguinte redação:

Art. 42. São requisitos para inscrição no concurso:

II – Ter no mínimo 21 (vinte e um) anos de idade completos, e 45 (quarenta e cinco) anos no máximo à data do encerramento das inscrições, excetuando-se os componentes das carreiras Policial Civil;

A Lei Complementar nº 155, de 14 de janeiro de 2004, que dispõe sobre a Organização e o Estatuto da Polícia Judiciária Civil do Estado de Mato Grosso e dá outras providências, promoveu a seguinte alteração da Lei Complementar nº 20/1992, contudo mantendo o limite de idade de 45 anos:

Art. 77. São requisitos para inscrição no concurso:

II – Ter no mínimo 21 (vinte e um) anos de idade completos, e 45 (quarenta e cinco) anos, no máximo, à data do encerramento das inscrições.

Evidente que a lei do Estado de Mato Grosso não está respaldada em princípios constitucionais. Na Lei Complementar nº 20/1992 além de altamente etariofóbica, também apresentava forte conteúdo anti-isonômico, mutilando o princípio da igualdade, ao fazer limitação da idade e excepcionar os agentes públicos de carreiras policiais. A Lei Complementar 155/2004, altera o dispositivo legal, eliminando a discriminação em face da desigualação subjetiva relacionada aos agentes públicos de carreiras policiais, mas mantem a discriminação irrazoável da idade.

No Estado de Mato Grosso Ação Civil Pública foi ajuizada pela Defensoria Pública Estadual questionado o limite de idade para o exercício do cargo de Delegado da Polícia Civil, por ocasião de concurso público.

Na ação a Defensoria Pública de Mato Grosso acionou o Poder Judiciário pedindo a nulidade do item do edital do concurso público para Delegado da Polícia Civil, que fixava idade mínima de 21 anos e máxima de 45 anos para os candidatos ao cargo.

O Poder Judiciário, em primeira instância, liminarmente, determinou pela retirada do item do edital que fazia a menção à idade. Na decisão, o magistrado acatou os argumentos apresentados na ação, que apontou que as cláusulas presentes no edital do concurso limitando a idade afrontavam os princípios constitucionais da isonomia de acesso ao cargo público, eficiência, razoabilidade, proporcionalidade. O juiz pontuou, na liminar, que a exigência de idade mínima de 21 anos cabe apenas quando do momento da posse e não durante a inscrição para o concurso. Já quanto à idade máxima de 45 anos, o magistrado afirmou que o cargo de Delegado de Polícia exige um trabalho predominantemente intelectual, de forma que a cláusula viola o princípio da ampla acessibilidade aos cargos públicos.

No Estado de Estado de Mato Grosso do Sul a Lei Complementar nº 114, de 19 de dezembro de 2005, que institui a Lei Orgânica da Policia Civil do Estado de Mato Grosso do Sul e dispõe sobre sua organização institucional e as carreiras, os direitos e as obrigações dos seus membros apresenta o seguinte dispositivo legal:

Art. 67. O candidato ao provimento em cargo de carreira da Polícia Civil deverá comprovar, para a posse, o atendimento dos seguintes requisitos:

II – No mínimo, vinte e um anos completos e, no máximo, quarenta e cinco anos completos na data de encerramento das inscrições; (LEI COMPLEMENTAR Nº 186, DE 3 DE ABRIL DE 2014. Altera e acrescenta dispositivos à Lei Complementar nº 114, de 19 de dezembro de 2005).

No Estado de Mato Grosso do Sul o caso da etariofobia por limitação da idade para o exercício de cargo público (Delegado de Polícia Civil) foi questionado judicialmente pelo Ministério Público Estadual, por ocasião de concurso público.

A pedido do Ministério Público do Estado de Mato Grosso do Sul, o Poder Judiciário, em primeira instância, deferiu o pedido liminar requerido em ação civil pública, movida contra o Estado, no sentido de que fosse retirado do edital a limitação da idade e assim garantido o direito de pessoas acima de 45 anos participarem do certame e, em sendo aprovadas tivessem o direito garantido à nomeação e posse. Na decisão o juiz enfatizou que não há uma situação conexa à condição física para a realização do trabalho que justifique a limitação imposta, já que as funções do cargo são de natureza jurídica.

ESTADO COMO IDEALIZADOR, CRIADOR E INCENTIVADOR DA ETARIOFOBIA

O Estado brasileiro na atualidade nada mais é do que um instrumento na mão de quem tem o exercício do poder para viabilização de interesses privados. O princípio da finalidade que está relacionado com o da impessoalidade passa ao largo em se tratando da atividade pública. Os princípios vigentes que regem a administração pública são os da pessoalidade e o da preponderância do interesse privado.

O fim almejado pelo Estado é o interesse do governante, sobretudo para a manutenção do exercício do poder. Mais do que nunca no Brasil está em vigor a máxima “o estado sou eu”, mesmo que temporariamente.

Não há finalidade pública ao promover e incentivar a etariofobia, discriminado as pessoas por idade para exercício de cargo público, sobretudo em se tratando do cargo de Delegado de Polícia Civil, que possui natureza jurídica. Não há fundamentos constitucionais, tampouco sociológicos, filosóficos ou econômicos que justifique tamanha discriminação. A etariofobia representa uma condição ultrajante para com a pessoa humana e uma discrepância com as normas vigentes no plano interno e internacional.

Sem qualquer sombra de dúvidas, estas aberrações jurídicas e administrativas ocorrem porque a finalidade pública deixou de ser observada pelo agente para que o interesse privado seja efetivado.

LEIS ORGÂNICAS E ESTATUTOS DAS POLÍCIAS CIVIS QUE LIMITAM A IDADE PARA O EXERCÍCIO DO CARGO DE DELEGADO DE POLÍCIA CIVIL

Leis estaduais que limitam a idade para o exercício de cargo de Delegado de Polícia Civil, representam verdadeiras excrecências jurídicas incentivadoras da etariofobia ou anciofobia. Manifestam-se pelo cerceamento do direito constitucional para o exercício de qualquer cargo público, pois não há exceção em se tratando de idade. Ademais a Constituição Federal em seu artigo 5º é de clareza impar ao dizer que todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza. Todos esses dispositivos legais flagrantemente etariofóbicos estão em desacordo com a Constituição Federal e as Constituições Estaduais dos respectivos Estados, como também com os tratados e convenções internacionais de direitos humanos com vistas a eliminação de toda e qualquer forma de discriminação, e com outras normas específicas agasalhadas no âmbito federal, como a Lei nº 10.741/2003, o Estatuto do Idoso, que condena de forma veemente a etariofobia, e a Lei nº 12.830/2013, que estabelece que as funções de polícia judiciária e a apuração de infrações penais devem ser exercidas pelo Delegado de Polícia, sendo de natureza jurídica, essenciais e exclusivas de Estado, e ainda que o cargo de Delegado de Polícia é privativo de bacharel em Direito, devendo-lhe ser dispensado o mesmo tratamento protocolar que recebem os magistrados, os membros da Defensoria Pública e do Ministério Público e os advogados.

Leis estaduais que limitam a idade para o exercício de cargo público são situações que representam verdadeiros absurdos jurídicos, pois não há no plano principiológico constitucional qualquer margem para tamanha discriminação. São leis elaboradas por meio de acordos espúrios entre os Poderes Legislativo e Executivo Estaduais que carecem de intervenção rigorosa do Poder Judiciário e do Ministério Público no sentido de extinguir este regramento de anciofobia com base na lei.

PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA E DA ISONOMIA

Os princípios constitucionais representam as balizas para o ordenamento jurídico infraconstitucional. Os princípios da dignidade da pessoa humana e isonomia devem ser observados na elaboração de qualquer lei ou na edição de qualquer outro ato normativo, sobretudo se causar algum tipo de limitação para que o cidadão exerça plenamente o seu direito. Legislação que acoberta a etariofobia não está de acordo com os princípios constitucionais, tampouco com os tratados e convenções internacionais de direitos humanos da qual o Brasil faz parte.

O princípio da dignidade da pessoa humana está esculpido no artigo 1º da Constituição Federal, sendo um dos fundamentos da República Federativa do Brasil e tratado como o princípio balizador do Estado Constitucional de Direito. Importante dizer que qualquer norma que discrimine por idade está em desacordo com este princípio. O princípio da dignidade da pessoa humana permeia toda a Carta Magna, devendo ser obrigatoriamente observado em toda e qualquer situação, quer sejam públicas ou privadas. A etariofobia baseada na lei não respeita a dignidade da pessoa humana, devendo ser removida do ordenamento.

A dignidade da pessoa humana está estabelecida como princípio matriz da Constituição Federal do Brasil, imprimindo-lhe unidade de sentido, condicionando a interpretação das suas normas e revelando-se, ao lado dos Direitos e Garantias Fundamentais, como norma constitucional que incorpora as exigências de justiça e dos valores éticos, atribuindo suporte axiológico a todo o sistema jurídico brasileiro. É no valor da dignidade da pessoa humana que a ordem jurídica encontra seu próprio sentido, sendo seu ponto de partida e de chegada, na tarefa de interpretação normativa. Consagra-se, assim, dignidade da pessoa humana como o princípio a nortear o direito interno e internacional.

A etariofobia caminha na contramão do princípio da dignidade da pessoa humana. Não permitir que um cidadão exerça um cargo público por questão de idade é uma afronta à democracia e ao regime republicano. E quando essa limitação ainda tem previsão legal, se torna uma infâmia. Esta discriminação não está em sintonia com os princípios constitucionais. Discriminar por idade é desrespeitar a Carta Magna do princípio ao fim.

O princípio da isonomia ou princípio da igualdade, representa o símbolo da democracia, pois indica a necessidade de um tratamento justo para os cidadãos. Está previsto no artigo 5º da Constituição Federal, que diz que “todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza”. Esta igualdade é chamada de formal, pois não permite que a lei trate as pessoas iguais de forma desigual. O princípio da isonomia ou igualdade pode ser visto por dois ângulos: a igualdade material, tipo de igualdade, em que todos as pessoas devem receber tratamento igual ou desigual, de acordo com a igualdade ou desigualdade existente; e a igualdade formal, que está presente na Constituição Federal e que trata da igualdade perante a lei.

Legislações que discriminam negativamente por idade, em particular limitando a possibilidade de um cidadão ocupar um cargo público, sem justificativa plausível não respeita o princípio da isonomia. No caso de leis estaduais limitadoras da idade para o exercício do cargo de Delegado de Polícia Civil, observa-se um descompasso com o princípio da isonomia. Não há no plano objetivo qualquer fundamento que possa justificar essa forma de anciofobia. De acordo com a legislação vigente um cidadão pode ser Delegado de Polícia Civil com 75 anos, mas não pode entrar para a carreira se tiver 45 anos, por exemplo. É espantoso o choque entre estas leis estaduais e o princípio da isonomia e, desta forma, evidente a inconstitucionalidade desses dispositivos legais, tendo como parâmetro tanto a Constituição Federal quanto a Estadual.

O princípio da isonomia representa um dos alicerces da democracia, e deve ser garantido pelo Estado para que a justiça seja efetivada. É um conceito primordial das democracias contemporâneas. Desta forma, legislador está vinculado ao princípio da isonomia, não devendo propor leis que possam violar a igualdade. O Estado carrega a responsabilidade de agir no sentido de promover a isonomia nos seus aspectos material e formal.

TRATADOS E CONVENÇÕES INTERNACIONAIS DE DIREITOS HUMANOS: O SISTEMA GLOBAL (ONU) E O SISTEMA AMERICANO (OEA)

A normatização internacional observada em tratados e convenções de direitos humanos é robusta, tanto no sistema global quanto no sistema regional americano. São normas de cuidam da efetivação de direitos humanos e da afirmação do princípio da não discriminação. É perceptível o descompasso de leis estaduais que reforçam a discriminação por idade com o ordenamento internacional com base na Organização das Nações Unidas e na Organização dos Estados Americanos.

No âmbito das Nações Unidas podemos citar os seguintes tratados e convenções que cuidam da dignidade da pessoa humana e do princípio da não discriminação: o Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos, a Convenção Internacional sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação Racial, a Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra as Mulheres, a Convenção contra a Tortura e outros Tratamentos ou Penas Cruéis, Desumanos ou Degradantes, a Convenção Internacional sobre os Direitos da Criança, a Convenção Internacional sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência e a Declaração das Nações Unidas sobre os Direitos dos Povos Indígenas.

Na dimensão do sistema global o documento mais importante para a defesa dos direitos humanos é a Carta Internacional dos Direitos do Homem, que é constituída pela Declaração Universal dos Direitos do Homem, pelo Pacto Internacional sobre os Direitos Econômicos Sociais e Culturais e pelo Pacto Internacional sobre os Direitos Civis e Políticos e seu Protocolo Facultativo.

O Pacto Internacional sobre os Direitos Civis e Políticos em seu artigo 2º, expõe o seguinte preceito:

1. Os Estados Partes do presente pacto comprometem-se a respeitar e garantir a todos os indivíduos que se achem em seu território e que estejam sujeitos a sua jurisdição os direitos reconhecidos no presente Pacto, sem discriminação alguma por motivo de raça, cor, sexo, língua, religião, opinião política ou de outra natureza, origem nacional ou social, situação econômica, nascimento ou qualquer condição.

No domínio da Organização dos Estados Americanos podemos citar os seguintes tratados e convenções: a Convenção Americana sobre Direitos Humanos (Pacto de São José da Costa Rica), a Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência Contra a Mulher, a Convenção Interamericana para a Eliminação de todas as Formas de Discriminação Contra as Pessoas Portadoras de Deficiência, a Convenção interamericana Contra Toda Forma de Discriminação e Intolerância, a Convenção Interamericana Contra o Racismo, a Discriminação Racial e Formas Conexas de Intolerância, a Declaração Americana dos Direitos e Deveres do Homem, a Declaração Interamericana sobre os Direitos dos Povos Indígenas, a Carta Democrática Interamericana.

A título informativo, expomos um fragmento da Convenção Interamericana Contra Toda Forma de Discriminação e Intolerância, que explana o conceito de discriminação e os compromissos dos Estados Parte:

Discriminação é qualquer distinção, exclusão, restrição ou preferência, em qualquer área da vida pública ou privada, cujo propósito ou efeito seja anular ou restringir o reconhecimento, gozo ou exercício, em condições de igualdade, de um ou mais direitos humanos e liberdades fundamentais consagrados nos instrumentos internacionais aplicáveis aos Estados Partes.

A discriminação pode basear-se em nacionalidade, idade, sexo, orientação sexual, identidade e expressão de gênero, idioma, religião, identidade cultural, opinião política ou de outra natureza, origem social, posição socioeconômica, nível educacional, condição de migrante, refugiado, repatriado, apátrida ou deslocado interno, deficiência, característica genética, estado de saúde física ou mental, inclusive infectocontagioso, e condição psíquica incapacitante, ou qualquer outra condição.

Discriminação indireta é aquela que ocorre, em qualquer esfera da vida pública ou privada, quando um dispositivo, prática ou critério aparentemente neutro tem a capacidade de acarretar uma desvantagem particular para pessoas pertencentes a um grupo específico, ou as coloca em desvantagem, a menos que esse dispositivo, prática ou critério tenha algum objetivo ou justificativa razoável e legítima, à luz do Direito Internacional dos Direitos Humanos.

OS ESTADOS PARTES NESTA CONVENÇÃO,REAFIRMANDO o firme compromisso dos Estados membros da Organização dos Estados Americanos com a erradicação total e incondicional de todas as formas de discriminação e intolerância, e sua convicção de que essas atitudes discriminatórias representam a negação dos valores universais e dos direitos inalienáveis e invioláveis da pessoa humana e dos propósitos e princípios consagrados na Carta da Organização dos Estados Americanos, na Declaração Americana dos Direitos e Deveres do Homem, na Convenção Americana sobre Direitos Humanos, na Carta Social das Américas, na Carta Democrática Interamericana, na Declaração Universal dos Direitos Humanos e na Declaração Universal sobre o Genoma Humano e os Direitos Humanos.

Todo ser humano é igual perante a lei e tem direito à igual proteção contra qualquer forma de discriminação e intolerância, em qualquer esfera da vida pública ou privada.

Todo ser humano tem direito ao reconhecimento, gozo, exercício e proteção, em condições de igualdade, tanto no plano individual como no coletivo, de todos os direitos humanos e liberdades fundamentais consagrados na legislação interna e nos instrumentos internacionais aplicáveis aos

Os Estados comprometem-se a prevenir, eliminar, proibir e punir, de acordo com suas normas constitucionais e com as disposições desta Convenção, todos os atos e manifestações de discriminação e intolerância.

As normas encontrada na esfera da ONU e da OEA buscam eliminar toda e qualquer forma de discriminação e tratar as pessoas no plano da igualdade. A discriminação em face da idade representa uma prática condenável no âmbito dos sistemas dos global e americano. Não há espaço para se discriminar por idade, incentivando a prática da etariofobia, ao se observar as regras exarada pelas Nações Unidas e pela Organização dos Estado Americanos relacionadas. A discriminação por idade, nos tratados e convenções da ONU e da OEA é observada como lesão à dignidade da pessoa humana.

O Brasil como membro da Organização das Nações Unidas e da Organização dos Estados Americanos, submete-se às decisões exaradas por suas Cortes e deve submeter-se as normas destas instituições. Infere-se, portanto, que o Brasil ao editar normas de conteúdo etariofóbico descumpre as regras do direito internacional, podendo ser questionado judicialmente no plano interno e internacional.

SÚMULA Nº 683 DO STF – A CONCRETIZAÇÃO DA ETARIOFOBIA NO ÂMBITO DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL – STF

O Supremo Tribunal Federal na Sessão Plenária de 24/09/2003 editou a súmula nº 683, que possui o seguinte conteúdo: “O limite de idade para a inscrição em concurso público só se legitima em face do art. 7º, XXX, da Constituição, quando possa ser justificado pela natureza das atribuições do cargo a ser preenchido”.

Todavia, a Constituição Federal faz a seguinte previsão em se tratando dos princípios da dignidade da pessoa humana e da isonomia:

Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos:

III – a dignidade da pessoa humana;

Art. 3º Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil:

IV – Promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação.

Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes

Art. 7º São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria de sua condição social:

XXX – proibição de diferença de salários, de exercício de funções e de critério de admissão por motivo de sexo, idade, cor ou estado civil.

De imediato e de forma cristalina, cabe o questionamento: Como pode a súmula nº 683 do STF estar de acordo com os princípios constitucionais da dignidade da pessoa humana, da não discriminação e da isonomia?

Normas, como a súmula nº 683 do STF, de conteúdo etariofóbico estão em pleno descompasso com a Constituição Federal nos aspectos preponderantes da Carta Magna, os seus fundamentos e seus objetivos. Discriminar por idade adultera a ordem constitucional democrática e causa profunda lesão aos princípios balizadores da República Federativa do Brasil.

O STF ao editar a súmula nº 683 está em desarmonia com a Constituição Federal. Sem qualquer sombra de dúvida é inconstitucional. A Constituição não respalda tamanha discriminação.

Esta súmula representa uma manifestação da Corte Suprema contribuindo de forma ostensiva para a concretização da etariofobia. Representa uma decisão vacilante da Corte, sendo certamente a pior súmula do STF em decorrência da sua carga discriminatória negativa.

Não existe qualquer situação jurídica ou caso concreto que justifique vedar o exercício de cargo público ou emprego por questão de idade, quer seja no domínio público ou no privado. Mas na esfera público a situação é ainda mais absurda. Pessoas idosas já sofrem com a desastrosa discriminação no âmbito das relações privadas e, o Estado que deve proporcionar as condições adequadas para minimizar as discriminações e, em particular a anciofobia, é o ente que contribui decisivamente para a manutenção, por meios dos poderes instituídos. No caso da súmula nº 683 o Judiciário age na contramão da Constituição e dos tratados e convenções internacionais de direitos humanos que reprovam todas as formas de discriminação.

O STF assim se manifesta em se tratando da questão da discriminação etária e razoabilidade:

A lei pode limitar o acesso a cargos públicos, desde que as exigências sejam razoáveis e não violem o art. 7º, XXX, da Constituição. Entretanto, não se pode exigir, para o exercício do cargo de médico da Polícia Militar, que o candidato seja jovem e tenha vigor físico, uma vez que tais atributos não são indispensáveis ao exercício das atribuições do cargo. [AI 486439 AgR, rel. min. Joaquim Barbosa, 2ª T, j. 19-8-2008, DJE 28-11-2008.]

Importante frisar que de acordo com a Constituição, somente por concurso é possível o exercício de cargo ou emprego públicos:

Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte:

II – A investidura em cargo ou emprego público depende de aprovação prévia em concurso público de provas ou de provas e títulos, de acordo com a natureza e a complexidade do cargo ou emprego, na forma prevista em lei, ressalvadas as nomeações para cargo em comissão declarado em lei de livre nomeação e exoneração;

Note que a Carta Magna se refere objetivamente à natureza e a complexidade do caso. Em nenhum momento disse de acordo com a idade. Adotar a etariofobia como critério para o exercício de um cargo ou emprego público é rasgar a Constituição, uma limitação indigna, uma falta de respeito e de decência com o ordenamento jurídico pátrio.

Em situações que possa haver necessidade de algum requisito específico para o exercício de um cargo ou emprego públicos, que se faça a previsão de forma objetiva na lei. Discriminar pela idade não é um critério objetivo, sobretudo em se tratando do cargo de Delegado de Polícia Civil. O caso de atividades policiais é um exemplo. Se há necessidade de vigor físico, que se utilize critérios claros e objetivos sem viés anti-isonômico, como o teste físico e de acordo com a faixa etária.

O limite de idade exigido em concurso das áreas policiais não se ajusta no caso do cargo de Delegado de Polícia. Pois se assim for, faz-se necessário que também seja aplicado aos magistrados, promotores, defensores, procuradores e advogados, já que a função exercida por todos é de natureza jurídica.

Outro aspecto importante é a expectativa de vida da sociedade brasileira. O IBGE – Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística afirma que a expectativa de vida do brasileiro é de 75,8 anos. Leis estaduais que limitam a idade para o exercício do cargo de Delegado de Polícia Estadual fere a dignidade da pessoa humana e está alheia ao processo de evolução da sociedade. Dizer que uma pessoa com 50 anos já é “velha” e não tem mais condições físicas e mentais de exercer um cargo público constitui uma discriminação irreparável e absurda.

Evidente está que a súmula nº 683 do STF é uma afronta à dignidade da pessoa e o Estado Democrático de Direito, pois estabelece uma discriminação em função da idade, que representa uma forma de anciofobia.

LEGISLAÇÃO FEDERAL QUE TUTELA A NÃO DISCRIMINAÇÃO

Parte significativa da legislação infraconstitucional editada pela União cuida de normatizar e regulamentar os preceitos constitucionais da dignidade da pessoa humana, da isonomia e da não discriminação. Citaremos a seguir alguns catálogos que cuidam do assunto:

Lei nº 8.069, de 13 de julho de 1990 – ECA – dispõe sobre o Estatuto da Criança e do Adolescente.

Lei nº 11.340, de 7 de agosto de 2006 – Lei Maria da Penha – cria mecanismos para coibir a violência doméstica e familiar contra a mulher, nos termos do § 8º do art. 226 da Constituição Federal, da Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra as Mulheres e da Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher.

Lei nº 12.288, de 20 de julho de 2010 – institui o Estatuto da Igualdade Racial.

Lei nº 7.716, de 5 de janeiro de 1989 – define os crimes resultantes de preconceito de raça ou de cor.

Lei nº 12.711, de 29 de agosto de 2012 – Lei de Cotas – Dispõe sobre o ingresso nas universidades federais e nas instituições federais de ensino técnico de nível médio e dá outras providências.

Lei nº 13.146, de 6 de julho de 2015 – Estatuto da Pessoa com Deficiência – institui a Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência.

Lei nº 10.741, de 1º de outubro de 2003 – dispõe sobre o Estatuto do Idoso.

Enquanto a legislação federal caminha no sentido de eliminar toda e qualquer forma de discriminação a legislação estadual, no que tange ao exercício do cargo de Delegado de Polícia Civil, anda no sentido contrário e sedimenta a etariofobia, neste caso discriminando por idade.

Há uma colisão de normas considerando as existentes no plano federal e as no plano estadual, em particular no que se refere ao Estatuto do Idoso e as leis estaduais que regulam o cargo de Delegado de Polícia Civil.

ESTATUTO DO IDOSO

A Constituição Federal em seu artigo 230 trata sobre a proteção do idoso nos seguintes termos: “A família, a sociedade e o Estado têm o dever de amparar as pessoas idosas, assegurando sua participação na comunidade, defendendo sua dignidade e bem-estar e garantindo-lhes o direito à vida”.

Este dispositivo constitucional foi regulamentado pela Lei nº 10.741/2003, o Estatuto do Idoso. Esta lei busca combater toda e qualquer forma de discriminação contra o idoso, trazendo inclusive a previsão de crimes em casos de condutas discriminatórias contra pessoas idosas.

O artigo 2º do Estatuto atesta que o idoso goza de todos os direitos fundamentais inerentes à pessoa humana, sem prejuízo da proteção integral de que trata o Estatuto, assegurando-se-lhe, por lei ou por outros meios, todas as oportunidades e facilidades, para preservação de sua saúde física e mental e seu aperfeiçoamento moral, intelectual, espiritual e social, em condições de liberdade e dignidade.

O artigo 3º determina que é obrigação da família, da comunidade, da sociedade e do Poder Público assegurar ao idoso, com absoluta prioridade, a efetivação do direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, à cultura, ao esporte, ao lazer, ao trabalho, à cidadania, à liberdade, à dignidade, ao respeito e à convivência familiar e comunitária.

O artigo 26 afirma que o idoso tem direito ao exercício de atividade profissional, respeitadas suas condições físicas, intelectuais e psíquicas; o artigo 27 garante que na admissão do idoso em qualquer trabalho ou emprego, é vedada a discriminação e a fixação de limite máximo de idade, inclusive para concursos, ressalvados os casos em que a natureza do cargo o exigir.

Em se tratando dos crimes previstos no Estatuto do Idoso o artigo art. 100 descreve que constitui crime punível com reclusão de 6 (seis) meses a 1 (um) ano e multa:

I – Obstar o acesso de alguém a qualquer cargo público por motivo de idade;

II – Negar a alguém, por motivo de idade, emprego ou trabalho;

Observa-se uma normatização exemplar dos direitos do idoso nesta lei, visando assegurar os direitos inerentes à pessoa, englobando a dignidade da pessoa humana, o tratamento isonômico material e formal e a não discriminação. Ainda faz a previsão de condutas discriminatórias tipificadas como crimes.

COLISÃO DE NORMAS – O ESTATUTO DO IDOSO

E AS LEIS ESTADUAIS

Considerando o Estatuto do Idoso e as leis estaduais que limitam a idade para o exercício do cargo de Delegado de Polícia Civil, há uma colisão flagrante de normas. Ocorre que o Estatuto do Idoso é uma norma especial em relação as leis estaduais (Estatutos de Polícia Civil). Neste caso de colisão, a norma que deve prevalecer é a especial em decorrência da aplicação do princípio da especialidade.

Importante também salientar que no caso do cargo de Delegado de Polícia a natureza da função é jurídica, logo não há motivo idôneo que justifique a limitação da idade para o exercício deste cargo.

Normas colidentes não podem tutelar uma mesma situação jurídica quando os efeitos poderão ser antagônicos, pois fere a unidade do sistema jurídico. Uma conduta não pode ser tipificada como crime em uma lei e a mesma conduta ser admitida como legal em outra lei. É o caso do Estatuto do Idoso em seu artigo 100 que tipifica crime a conduta de obstar o acesso de alguém a qualquer cargo público por motivo de idade ou negar a alguém, por motivo de idade, emprego ou trabalho, e nas leis estaduais que organizam as respectivas polícias civis a conduta ser legal para bloquear o acesso de cidadãos ao cargo de Delegado da Polícia Civil. Uma das leis deve ser afastada para que a outra prevaleça. De tal modo, o princípio reitor para dirimir a colisão entre elas é o princípio da especialidade, devendo prevalecer o Estatuto do Idoso por ser norma especial em relação aos estatutos policiais dos Estados.

LEI Nº 12.830, DE 20 DE JUNHO DE 2013 – DISPÕE SOBRE A INVESTIGAÇÃO CRIMINAL CONDUZIDA PELO DELEGADO DE POLÍCIA

A Constituição Federal em seu artigo 144 expõe a previsão sobre a segurança pública e quais os órgãos que a compõe. A Lei nº 12.830/2013 regulamente este dispositivo constitucional elucidando quais as atribuições do cargo de Delegado de Polícia e a natureza da função.

Constituição Federal, art. 144, § 4º:

Art. 144. A segurança pública, dever do Estado, direito e responsabilidade de todos, é exercida para a preservação da ordem pública e da incolumidade das pessoas e do patrimônio, através dos seguintes órgãos: I – polícia federal; II – polícia rodoviária federal; III – polícia ferroviária federal; IV – polícias civis; V – polícias militares e corpos de bombeiros militares.

§ 4º Às polícias civis, dirigidas por delegados de polícia de carreira, incumbem, ressalvada a competência da União, as funções de polícia judiciária e a apuração de infrações penais, exceto os militares.

A Lei nº 12.830/2013 representa o marco regulatório da carreira de Delegado de Polícia. Determina as atribuições da polícia judiciária, a natureza da função, a limitação para o exercício do cargo apenas por bacharel em Direito e o tratamento protocolar.

Lei nº 12.830/2013:

Art. 2º As funções de polícia judiciária e a apuração de infrações penais exercidas pelo delegado de polícia são de natureza jurídica, essenciais e exclusivas de Estado.

Art. 3º O cargo de delegado de polícia é privativo de bacharel em Direito, devendo-lhe ser dispensado o mesmo tratamento protocolar que recebem os magistrados, os membros da Defensoria Pública e do Ministério Público e os advogados.

COLISÃO DE NORMAS – A LEI Nº 12.830/2016 E AS LEIS ESTUDAIS QUE TRATAM DAS POLÍCIAS CIVIS

Algumas leis estaduais que regulamentam a atividade da Polícia Civil e sua organização institucional colidem com a Lei nº 12.830/2013 no que tange a natureza do cargo e a limitação da idade para o exercício do cargo de Delegado de Polícia Civil. A Lei nº 12.830/2013 não traz qualquer limitação de idade e confere que a natureza da função é jurídica, tal qual a natureza da função de juiz, promotor, defensor, procurador, advogado.

As leis estaduais limitam a idade com base em critérios não razoáveis e em conflito com a Constituição Federal e Tratados e Convenções Internacionais de direitos humanos.

A base jurídica que poderia justificar a limitação de idade nas leis estaduais seria a natureza da função, especialmente analisando a súmula nº 683 do STF. Desta forma, se há limitação da idade para o exercício do cargo de Delegado de Polícia, por óbvio que os cargos de juiz, promotor, defensor, procurador, advogado deveriam estar submetidos às mesmas condições, já que todos exercem a mesma função.

As leis estaduais não podem prevalecer em frete à Lei nº 12.830/2013. Esta é lei especial, tendo as primeiras que se render ao princípio da especialidade, perdendo validade.

Nos moldes do pacto federativo e da competência dos entes federados, a previsão no artigo 24 da Constituição delimita a competência concorrente entre a União, os Estados e o Distrito Federal. No inciso XVI do artigo 24 diz que os entes podem legislar na organização, garantias, direitos e deveres das polícias civis.

Observa-se ainda no artigo 24, e seus parágrafos:

§ 1º No âmbito da legislação concorrente, a competência da União limitar-se-á a estabelecer normas gerais.

§ 2º A competência da União para legislar sobre normas gerais não exclui a competência suplementar dos Estados.

§ 3º Inexistindo lei federal sobre normas gerais, os Estados exercerão a competência legislativa plena, para atender a suas peculiaridades.

§ 4º A superveniência de lei federal sobre normas gerais suspende a eficácia da lei estadual, no que lhe for contrário.

Extrai-se, portanto, que os Estados e o Distrito Federal têm competência para suplementar a legislação da União como também legislar plenamente caso não exista lei federal. Não é o caso em análise, pois há lei no âmbito da União, logo os Estados e Distrito Federal devem legislar de acordo com a norma federal. Ademais, a lei federal superveniente suspende a eficácia da norma estadual ou distrital. Desta feita, observa-se que legislação estadual que limita a idade para o exercício do cargo de Delegado de Polícia Civil é uma completa aberração jurídica, devendo ser extirpada do ordenamento.

Na observação da competência concorrente fica evidente que as legislações estaduais devem estar em consonância com a legislação federal, não podendo extrapolar para criar critérios de discriminação negativa. Se o legislador federal quisesse limitar a idade para o exercício do cargo de Delegado de Polícia a norma estaria expressa na Lei nº 12.830/2013. Como não o fez, os Estados não podem normatizar a atividade policial estadual criando normas com conteúdo nítido de etariofobia e discrepando da norma federal.

ETARIOFOBIA NAS RELAÇÕES PRIVADAS: FAMÍLIA, TRABALHO E RELAÇÕES SOCIAIS

A prática discriminatória está disseminada em toda a sociedade. Nas relações interpessoais, nos locais de lazer, nos estabelecimentos de consumo, no local de trabalho. A discriminação é feita pelos mais variados motivos e aspectos: em razão da cor, em razão do gênero, por motivo de preferências sexuais, pelas opções políticas, por deficiência física, por idade e tantos outros fatores. Uma teia complexa de comportamentos discriminatórios permeia a sociedade, gerando a necessidade de intervenção do Estado para equilibrar as relações sociais, sendo a edição de normas legais um dos meios utilizado.

É notória a conduta social discriminadora em se tratando da questão idade. Conceituamos etariofobia ou anciofobia como sendo o qualquer comportamento que visa discriminar ou demonstrar sentimento de aversão ao idoso. A etariofobia ou anciofobia engloba a discriminação por idade, mas pode ocorrer de muitas outras maneiras quando se adota um tratamento distinto com o idoso de modo desfavorável.

A etariofobia pelo viés da discriminação da idade representa um aspecto dos mais grotescos, pois a velhice ocorre de modo irremediável e atinge todas as pessoas. Não há qualquer controle sobre o processo de envelhecimento. É natural da vida nascer, crescer, envelhecer e morrer. Na sociedade brasileira o idoso é visto como alguém que não tem mais valor, passando a ser apenas dado estatístico, supostamente porque não é mais produtivo.

Em uma sociedade na qual a condição de produtividade representa um critério de avaliação para a classificação da posição social, a discriminação por idade tem um aspecto preponderante. Se a pessoa é “velha” e, hipoteticamente, não é mais produtiva, o meio social não lhe imputa importância e lhe trata de forma desprezível. No contexto familiar, por exemplo, passa a ser um problema, sem condições até de se manifestar.

Nas relações privadas de trabalho o caso é ainda mais grave. A iniciativa privada não tem interesse por pessoas idosas, pois supostamente possuem baixa capacidade produtiva e são mais suscetíveis a doenças, oferecendo uma baixa contribuição para o lucro empresarial. A baixa capacidade produtiva e a suscetibilidade a doenças são os fatores que mais contribuem para a limitação do ingresso do idoso nas empresas privadas.

Uma pessoa idosa tem sérias dificuldades para obter um emprego na iniciativa privada. O caminho mais justo e igualitário poderia ser o serviço público. Para isso, o ponto de partida é o concurso público. Mas quando isso se torna viável, o próprio Estado é quem faz a discriminação, de forma legalizada, editando leis que cerceiam a entrada para o serviço público em face da idade. É o caso da limitação da idade para o exercício do cargo de Delegado de Polícia Civil.

CONCLUSÃO

A etariofobia pode ser conceituada como o comportamento de discriminação, de intolerância ou de aversão a pessoas idosas. Este comportamento também pode ser denominado de anciofobia. São termos amplos, de largo alcance, que engloba a discriminação por idade. A etariofobia ou anciofobia pode ser caracteriza por outras formas de comportamento, tais como o menosprezo familiar, o assédio moral no trabalho com idosos.

O comportamento anciofóbico ocorre na sociedade nos âmbitos público e privado nas suas mais variadas formas de manifestação. No domínio privado a etariofobia ocorre desde o seio familiar às relações interpessoais e no trabalho. No aspecto público, uma das formas de manifestação da etariofobia é a discriminação por idade para o exercício de cargo público. Não obstante, esta forma pública de discriminação por idade tem por base a lei. É o que podemos denominar de etariofobia com base legal. Um exemplo desta manifestação de etariofobia são as leis estaduais que limitam a idade para o exercício do cargo de Delegado de Polícia Civil.

O Estado como o principal ente promotor da igualdade entre as pessoas, sem distinção de qualquer natureza, toma para si o papel discriminador e incentivador da anciofobia. Isto ocorre a partir do momento em que edita leis com conteúdo etariofóbico, discriminando as pessoas por idade. Essa manifestação do Estado ocorre na esfera dos três poderes, do Legislativo que faz a lei, do Executivo que aplica e do Judiciário que declarara ser legal discriminar por idade. No Judiciário, este comportamento discriminatório tem o melhor exemplo na Suprema Corte por meio da súmula nº 683, que avaliza a discriminação etária como constitucional.

A anciofobia não encontra guarida na Constituição Federal, pois fere os princípios balizadores da República Federativa do Brasil, tais como o princípio democrático, da dignidade da pessoa humana, da isonomia, da razoabilidade. Leis de conteúdo etariofóbico representam lesões graves ao sistema normativo, pois confrontam a República em seus fundamentos e em seus objetivos, atingindo os princípios da dignidade da pessoa humana, da não discriminação e da isonomia.

A etariofobia também está em desacordo com os tratados e convenções internacionais de direitos humanos que reprovam a discriminação em todas as suas formas. Organismos internacionais como a Organização das Nações Unidas (ONU) e Organização dos Estados Americanos (OEA) possuem um respeitável regramento no sentido de proteger a dignidade da pessoa humana e a não permitir a discriminação, em particular por idade.

O Supremo Tribunal Federal, órgão da cúpula do Poder Judiciário, é o abalizador da etariofobia na sua vertente de discriminação pela idade através da súmula nº 683 que foi editada em 24/09/2003. Com base nesta súmula o Judiciário sustenta o fundamento jurídico para manter e incentivar a anciofobia. No comportamento adotado pelo Judiciário transparece que em quase 16 anos a sociedade não mudou nem o direito evoluiu, mesmo com a edição da Lei nº 12.830/2013, que representa o marco regulatório do cargo de Delegado de Polícia e onde está definida que a função exercida pelo Delegado de Polícia é de natureza jurídica, tal qual a praticada pelos magistrados da Suprema Corte, que se aposentam aos 75 anos de idade.

O ordenamento jurídico federal alberga inúmeras leis que cuidam de efetivar o princípio da igualdade, da não discriminação e da dignidade da pessoa humana (Estatuto do Idoso, ECA, Estatuto da Igualdade Racial e outros). As leis estaduais colidem com parte desse ordenamento no que tange a discriminação por idade para o exercício do cargo de Delegado de Polícia Civil. Elementar afirmar que as leis estaduais não podem prevalecer em frete à legislação federal, já que esta é especial em relação aos estatutos policiais.

A Lei nº 12.830/2013 representa o marco regulatório do cargo de Delegado de Polícia no Brasil, pois indica as atribuições e define a natureza da função como sendo jurídica, tal qual a função exercida pelos juízes, promotores, defensores, procuradores e advogados que não existe limitação da idade para o exercício do cargo. Evidente fica que o exercício do cargo de Delegado de Polícia não pode ter limite etário, pois não há justificativa jurídica, sociológica, filosófica para essa disparidade. Representa, sem qualquer sombra de dúvidas, tão somente uma legislação essencialmente anciofóbica.

O aparato jurídico norteador e incentivado da etariofobia, em qualquer viés, precisa ser execrado do ordenamento jurídico, pois está em desacordo com a Constituição Federal, os tratados e convenções internacionais de direitos humanos e atinge a pessoa humana em um dos seus aspectos primordiais, o trabalho. Leis etariofóbicas não são somente inconstitucionais, elas mutilam a dignidade humana, a moral, a ética e os bons costumes.

O Brasil, por meio da União, tem se empenhado em trilhar um caminho buscando minimizar o preconceito e a discriminação e, para isso apresenta uma legislação apropriada. Por outro lado, o mesmo Estado, no âmbito dos entes federados adotam uma legislação na sua essência anciofóbica, que discrimina pela idade, como é o caso dos estatutos de Polícias Civis.

O Estado não possui como finalidade promover a discriminação e o preconceito, mas deve buscar a agregação e o equilíbrio social. Todavia, este objetivo não será alcançado com a edição de leis que fazem discriminação por idade. No Brasil, tem se discutido amplamente os direitos das minorias, com edição leis para resguardar esses direitos. Muito tem de debatido da importância da efetivação da igualdade, de modo que as pessoas não sejam vistas e tratadas, pela sua opção sexual, cor da pele e pela idade, sobretudo pelo Estado, que deve buscar a promoção da isonomia.

Os entes federativos não podem se escusar do compromisso de eliminar todas as formas de discriminação e de preconceito. O comportamento estatal deve ser único para qualquer dos entes federativos. Em se tratando de combate à discriminação, não há justificativas, para que em uma mesma situação fática, a União adote um padrão legal e os Estados, Distrito Federal e municípios adotem outro completamente diferente. Em se tratando da discriminação por idade o caso é ainda mais delicado. Não há espaço no ordenamento para normas que criem insegurança jurídica, como é o caso de leis estaduais que fazem previsão da anciofobia legal.

A discriminação por idade é notória nas relações privadas. Ela ocorre desde as relações familiares e vai às relações de trabalho, representando uma das formas de manifestação da etariofobia. A pessoa idosa no seio familiar, muitas vezes é tratada de forma desrespeitosa. No âmbito do trabalho a discriminação ocorre supostamente em face da capacidade produtiva.

O Poder Executivo de plano pode resolver a questão da etariofobia na lei, pois tem competência de não aplicar caso julgue que seja inconstitucional. É o que se denomina de controle de constitucionalidade posterior feito pelo chefe do Poder Executivo. Estas leis também podem ser questionadas por meio de ação direta de inconstitucionalidade tendo como parâmetro as Constituições Federal e Estadual. Os legitimados para estas ações são vários e, dentre eles o Ministério Público. Ainda podem ser revogadas pelo Poder Legislativo com a edição de lei nova.

Esta legislação de caráter etariofóbico está em desacordo com os tratados e convenções internacionais de direitos humanos podendo ser submetida ao controle de convencionalidade na Corte Internacional de Justiça da Organização das Nações Unidas (ONU) e na Corte Interamericana de Direitos Humanos da Organização dos Estados Americanos (OEA).

São vários os caminhos para resolver a questão da etariofobia com base legal. Evidente que esse conjunto normativo deve ser extirpado do ordenamento jurídico, sem o qual a ordem constitucional permanecerá desrespeitada, como também os tratados e convenções internacionais de direitos humanos.

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[1] Professor de Direito da Universidade Federal do Amapá – UNIFAP. Mestrado em Direito Ambiental e Políticas Públicas pela UNIFAP. Especialização em Direito Constitucional pelo Damásio Educacional. Analista do Ministério Público do Estado do Amapá – MPAP. Membro da Academia de Letras, História e Ecologia de Pastos Bons – MA

Recebido: Setembro de 2018

Aprovado: Setembro de 2018

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Judson Barros Pereira

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