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Relativização do princípio da proibição de utilização das provas obtidas por meios ilícitos

RC: 152242
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DOI: 10.32749/nucleodoconhecimento.com.br/lei/principio-da-proibicao

CONTEÚDO

ARTIGO ORIGINAL

FREITAS, Isabella Rodrigues [1], BRAGA, Henrique de Oliveira Lima [2]

FREITAS, Isabella Rodrigues. BRAGA, Henrique de Oliveira Lima. Relativização do princípio da proibição de utilização das provas obtidas por meios ilícitos. Revista Científica Multidisciplinar Núcleo do Conhecimento. Ano 09, Ed. 03, Vol. 01, pp. 147-166. Março de 2024. ISSN: 2448-0959, Link de acesso: https://www.nucleodoconhecimento.com.br/lei/principio-da-proibicao, DOI: 10.32749/nucleodoconhecimento.com.br/lei/principio-da-proibicao

RESUMO

O presente artigo visa a tratar a respeito da possibilidade (ou não) da relativização do princípio da proibição da utilização das provas ilícitas (art. 5º, LVI, da Constituição Federal de 1988) pelo princípio da proporcionalidade, bem como trazer a reflexão sobre se a inutilização absoluta da prova ilícita de forma irrestrita realmente leva em consideração os fins almejados pelo referido dispositivo constitucional. Para tanto, foi utilizada a metodologia dialética, sendo analisadas posições doutrinárias (antagônicas e complementares) relativas às três correntes distintas acerca da utilização das provas ilícitas.

Palavras-chave: Provas ilícitas, Vedação, Relativização, Ponderação de princípios, Proporcionalidade.

1. INTRODUÇÃO

Não obstante o direito à prova configure uma garantia constitucional, este não é ilimitado ou incondicional, sofrendo restrições advindas tanto da Constituição Federal de 1988 (Constituição Federal), quanto da legislação infraconstitucional, em especial quando estiverem em xeque demais garantias constitucionais, tais como a privacidade ou intimidade. A proibição ao uso da prova ilícita encontra-se prevista no artigo 5º, LVI, da Constituição Federal, sendo norma de ordem pública cuja aplicabilidade atinge o processo civil, penal e administrativo. Contudo, não há no sistema constitucional brasileiro direitos, garantias ou princípios revestidos de caráter absoluto, nem mesmo os fundamentais.

O presente artigo se propõe a analisar o princípio da proibição de utilização das provas obtidas por meios ilícitos e trazer a reflexão sobre sob quais condições seria possível falar em sua relativização. Em primeiro lugar, será apresentado um breve panorama geral sobre o conceito de princípios e sua relevância para fins de assegurar coerência interna ao ordenamento jurídico. Após, analisar-se-á especificamente o princípio da proibição da prova ilícita e o tratamento que a questão recebe no ordenamento pátrio. Por fim, serão abordadas as três correntes distintas no que diz respeito ao aproveitamento da prova ilícita, o que possibilitará a conclusão acerca da possibilidade (ou não) de relativização da regra constitucional do art. 5º, inciso LVI pelo princípio da proporcionalidade.

2. O PAPEL DE COESÃO ASSUMIDO PELOS PRINCÍPIOS NO ORDENAMENTO JURÍDICO BRASILEIRO

O tema “provas” é um dos mais relevantes no estudo do direito processual civil[3]. Não obstante, não há um consenso na doutrina a respeito de sua finalidade. Enquanto alguns autores entendem que a prova se presta a apurar a verdade formal sobre os fatos, ou conferir certeza sobre estes, outros defendem que seu objetivo é confirmar as alegações das partes ou investigá-las, de forma a verificar sua existência.

Independentemente da acepção adotada, fato é que, quanto maior o grau de fundamentação de uma decisão com base nas provas trazidas aos autos, mais segurança haverá com relação aos fatos alegados pelas partes, proporcionando maior aproximação à resolução justa[4] do conflito (Auilo, 2021, p. 21).

A acentuada pertinência do tema ganha uma dimensão ainda maior com o constante advento de novas tecnologias. O reaquecimento inevitável do debate clama, assim, por uma análise organizada acerca dos princípios relacionados à prova. Precisamente com o objetivo de construir um conteúdo dogmático significativo sobre o tema, William Santos Ferreira se propôs a realizar uma reunião dos princípios fundamentais (gerais) da prova em matéria cível. O compilado de uma teoria dos princípios fundamentais da prova cível possui uma relevância ímpar ao estudo do direito processual civil, pois, segundo narra o autor, para que seja possível aprofundar o debate acerca das provas:

[…] são imprescindíveis a busca de uma visão global a respeito do objeto de estudo, ainda que minimamente condensada, por meio da sistematização dos princípios fundamentais da prova em matéria civil, “procurando traçar‑lhes o perfil dogmático, alcance, limites e consequências”, no espectro definido. (Ferreira, 2014, p. 20).

Contudo, voltando brevemente algumas etapas, antes de adentrar ao mérito dos princípios fundamentais da prova em matéria civil – mais especificamente, do princípio da vedação da utilização das provas obtidas por meios ilícitos, objeto do presente artigo – imperioso perpassar pela noção do que é um princípio, quais são os tipos existentes e qual sua funcionalidade no ordenamento jurídico.

Conforme preceitua Miguel Reale (2001, p. 299), “toda forma de conhecimento filosófico ou científico implica a existência de princípios, isto é, de certos enunciados lógicos admitidos como condição ou base de validade das demais asserções que compõem dado campo do saber”; assim, na acepção do autor, os princípios são “verdades fundantes” de um sistema de conhecimento. Na mesma linha, Luis Virgílio Afonso da Silva (2003, p. 612), define princípios como “mandamentos nucleares” ou “disposições fundamentais”:

[…] “princípios” são definidos como “mandamentos nucleares” ou ‘disposições fundamentais’ de um sistema, ou, ainda, como “núcleos de condensações”. A nomenclatura pode variar um pouco de autor para autor – e são vários os que se dedicaram ao problema dos princípios jurídicos no Brasil –, mas a ideia costuma ser a mesma: princípios seriam as normas mais fundamentais do sistema, enquanto as regras costumam ser definidas como uma concretização desses princípios e teriam, por isso, caráter mais instrumental e menos fundamental.

Compreendido o conceito de princípio, necessário contemplar sua função no ordenamento jurídico. Os princípios funcionam como verdadeiros alicerces do sistema jurídico, possibilitando a interpretação e compreensão das normas que o compõe (Mello, 2004, pp. 841-842). Ao assim fazerem, servem de forma a assegurar a coerência interna do sistema.

Existem diferentes critérios que podem ser utilizados para fins de classificar princípios. A doutrina tradicional utiliza classificação que divide os princípios no processo civil entre “informativos” e “fundamentais”.

Os princípios informativos são divididos em: (i) lógico; (ii) jurídico; (iii) político; e (iv) econômico. Contudo, tais princípios não são objeto do presente artigo, sendo suficiente pontuar que estes são considerados praticamente como axiomas, não possuem grande conteúdo ideológico e se baseiam em critérios técnicos e lógicos.

Por sua vez, os fundamentais, também denominados princípios gerais ou formativos, são “aqueles sobre os quais o sistema jurídico pode fazer opção, considerando aspectos políticos e ideológicos” (Nery Júnior, 2014, p. 57). Tais princípios veiculam forte carga ideológica, razão pela qual comportam a realização de eleição de prevalência de um em detrimento de outro que lhe apresente oposição, escolha a qual fica sempre sujeita às particularidades do caso concreto[5].

Entretanto, esse juízo de ponderação que resulta no afastamento dos valores de um princípio em relação a outros não deve ser entendido como um defeito a ser ajustado, mas como uma virtude do próprio sistema, sendo inerente à sua lógica (Ferreira, 2014, p. 38). Tendo em vista que os princípios não possuem uma pretensão de exclusividade, sua convivência conflitual não se dá em caráter de contradição, mas sim de salutar oposição (Canaris, 2002, pp. 205-206).

Conclui-se, portanto, que do conhecimento acerca da dimensão, função e aplicação dos princípios serão extraídos elementos que irão conferir organização e coerência interna ao ordenamento jurídico (Ferreira, 2014, p. 39).

3. O DIREITO À PROVA E O PRINCÍPIO DA PROIBIÇÃO DE UTILIZAÇÃO DAS PROVAS OBTIDAS POR MEIOS ILÍCITOS

O direito à prova tem base constitucional, sendo uma garantia proveniente dos conceitos de devido processo legal, inafastabilidade do controle jurisdicional, contraditório e ampla defesa (Grinover, 2008, online). Ao tratar da relação entre o direito à prova e o acesso à ordem jurídica justa, preceitua Ferreira (2014, p. 56):

A prova propicia a cognição judicial, o julgamento da lide que, ao envolver questão fática, é item indispensável para que o jurisdicionado alcance o bem da vida almejado. Daí por que atualmente tanto se ressalta que a noção de direito de acesso à ordem jurídica justa está indissociavelmente relacionada ao direito à prova, porque aquele inexiste sem este, sendo ambos elementos intrínsecos do Estado Democrático de Direito.

Todavia, não obstante seu atual status de garantia constitucional, o direito à prova não é ilimitado ou incondicional, sofrendo restrições advindas tanto da Constituição Federal de 1988, quanto da legislação infraconstitucional, em especial quando estiverem em xeque demais garantias constitucionais, tais como a privacidade ou a intimidade.

Como mencionado, dentre as limitações ao livre exercício do direito à prova, o presente artigo versará especificamente sobre a proibição ao uso da prova ilícita, um dos princípios fundamentais menos estudados no campo da prova cível. A referida vedação encontra-se prevista no artigo 5º, LVI, da Constituição Federal[6], sendo norma de ordem pública, cuja aplicabilidade atinge o processo civil, penal e administrativo.

A Constituição Federal de 1988, primeira após a ditadura militar, inovou ao prever a vedação de utilização das provas obtidas por meio ilícito (Brasil, 1988). Não obstante, o princípio emergiu da doutrina e jurisprudência, ancorado, no âmbito cível, no artigo 332 do Código de Processo Civil de 1973 (CPC/73) – art. 369 do atual Código[7] –, o qual garantia o emprego de todos os meios legais para a prova da verdade dos fatos, bem como os moralmente legítimos, ainda que atípicos (Brasil 1973).

Há dissenso na doutrina quanto às formas de classificação das provas que transgridem a legislação. Para fins do presente artigo, será adotada a classificação desenvolvida na doutrina calcada nos ensinamentos do professor Pietro Nuvolone, da Universidade de Milão[8].

Escorando-se nas ideias de Nuvolone, Ada Pellegrini Grinover (1984, p. 171), defende que as provas ilícitas lato sensu são as que ferem o ordenamento jurídico, existindo, dentre elas, (i) provas ilícitas stricto sensu (também denominadas “provas obtidas por meio ilícito”), as quais transgridem normas de direito material; e (ii) provas ilegítimas, as quais transgridem normas de direito processual. Nesse mesmo sentido, assentou o Superior Tribunal de Justiça (STJ, 2021):

      1. A prova ilícita, em sentido estrito, deve, então, ser associada, exclusivamente, às obtidas com violação de direitos fundamentais, materiais ou protetivos de liberdades públicas, e não àquelas obtidas com a vulneração de normas puramente processuais, ainda que estas possam ter algum subsídio constitucional. 5. Assim, as provas ilegais são ilegítimas quando infringirem normas de caráter procedimental ou de direito processual; e ilícitas quando violarem os princípios ou garantias constitucionais fundamentais ou as normas que versam sobre o direito material. E a consequência processual para a prova ilícita é a sua inadmissibilidade, a impedir o seu ingresso (ou exclusão) no processo, enquanto a prova ilegítima gera sua nulidade. (grifos nossos).

Portanto, enquanto nas provas obtidas por meio ilícito o ato ocorre fora do processo, sendo extraprocessual, nas provas ilegítimas, o ato ocorre dentro do processo, sendo endoprocessual (Avolio, 2022, p. 115).

Em vista à assertividade da redação do artigo 5º, LVI, da Constituição Federal, muito se indaga a respeito da possibilidade de flexibilização do seu conteúdo. À primeira vista, a análise da norma constitucional faz crer que não há margem para relativizações. Contudo, como é cediço, não há no sistema constitucional brasileiro direitos, garantias ou princípios revestidos de caráter absoluto, nem mesmo os fundamentais [9]. Ao defender a impossibilidade de aplicação incondicional do princípio da proibição das provas obtidas por meio ilícito, preceitua Ferreira (2014, p. 98):

O princípio da proibição das provas obtidas por meio ilícito deve ser ponderado com outros princípios constitucionais que possam estar sendo negados pela aplicação incondicional do primeiro, é o “bilanciamento degli interessi” defendido por Nicolò Trocker.

Dessa forma, devem ser examinadas com cautela as situações em que se mostra possível a mitigação do princípio da vedação da utilização das provas obtidas por meios ilícitos.

Em ordenamentos estrangeiros, como, por exemplo, o inglês, por vezes adota-se teoria que admite a prova ilícita, isto é, a prova colhida em infração à norma penal. Nestes casos, é reputado válido o conteúdo da prova ilícita para fins de comprovação da verdade legal, contudo, tem-se como consequência a punição do responsável pela prática da infração (doutrina esta conhecida como male captum, bene retentum).

Todavia, em que pese o incontestável valor da teoria que defende a separação entre o conteúdo da prova e o ato ilícito cometido para sua obtenção através da manutenção da prova no processo e da consequente punição do agente violador da lei, a primazia pelo conteúdo não foi a opção adotada em nosso sistema jurídico.

No Brasil, a (in)admissibilidade das provas ilícitas chegou a ser alvo de controvérsia na doutrina e na jurisprudência (Barroso, 1998, p. 159). Contudo, mesmo antes do advento da Constituição cidadã, o entendimento majoritário que imperava nos Tribunais pátrios era no sentido de rechaçar por completo a utilização das provas ilícitas[10]. À época, os defensores da inadmissibilidade plena fundamentavam seu posicionamento no artigo 332 do Código de Processo Civil de 1973[11].

Como mencionado, em 1988, a inadmissibilidade das provas obtidas por meios ilícitos finalmente tornou-se norma constitucional expressa[12]. A partir disso, restou inequívoca a opção do constituinte de não apenas coibir a violação de certas garantias constitucionais (tais como a intimidade) através do estabelecimento de sanções diretas, como também de obstar a utilização de seu produto, isto é, a prova. Tal opção legislativa merece especial destaque ao se considerar que seu resultado inevitável foi a limitação do princípio do livre convencimento motivado (art. 371 do CPC/15[13]).

4. A RELATIVIZAÇÃO DO PRINCÍPIO DA PROIBIÇÃO DE UTILIZAÇÃO DAS PROVAS OBTIDAS POR MEIOS ILÍCITOS

Existem três alternativas distintas passíveis de adoção no tocante à utilização das provas ilícitas. A primeira é a admissibilidade da prova obtida por meio ilícito. Conforme mencionado, essa alternativa privilegia o conteúdo da prova ilícita e tem como consequência a punição do infrator através das sanções penais, cíveis e administrativas cabíveis. Na atualidade, tal posição está superada no ordenamento jurídico brasileiro.

Os defensores de tal corrente tendem a acreditar que a finalidade da prova seria a investigação da verdade dos fatos. A partir dessa interpretação, é somente natural que se abra margem para argumentos no sentido de que, se o fato existe, ainda que sua verificação se dê através de prova obtida por meio ilícito, este não poderia deixar de ser reconhecido por aspectos meramente formais (Lima, 2011, p. 931).

Todavia, muitos criticam a possibilidade de admissão da prova ilícita, entendendo que sua aceitação, por qualquer razão que o seja, poderia dar azo à violação de direitos fundamentais. Nesse sentido, cite-se o posicionamento do Ministro Luís Roberto Barroso (1998, p. 162), que, ao contemplar o fato de que em âmbito nacional há uma inconsistência histórica com relação ao respeito aos direitos e garantias individuais, defende que seria demasiadamente arriscado se cogitar flexibilizações à inadmissibilidade da prova ilícita. No mais, os críticos argumentam que, mesmo que assim não o fosse, a proibição da prova ilícita não poderia ser taxada de mero formalismo[14].

A segunda alternativa é a inadmissibilidade de plano das provas ilícitas. Os defensores de tal posicionamento se apegam ao texto constitucional, entendendo que deve ser observada a interpretação teleológica da norma[15], de forma que a atenção do intérprete deve se voltar ao bem jurídico tutelado e à finalidade que o dispositivo em questão procura alcançar.

Não se pode desconsiderar que no ordenamento jurídico pátrio houve uma clara opção do constituinte pela proteção aos direitos materiais em detrimento do esclarecimento de questões fáticas. Assim, a violação aos direitos – em especial os constitucionalmente assegurados – tendo como objetivo a produção probatória não deve ser recompensada com a possibilidade de utilização da prova ilícita no processo, mesmo que acompanhada de posterior sanção ao transgressor. Pelo contrário, se obtida por meio ilícito, a prova deve ser considerada imprestável.

Todavia, ao mesmo tempo (e de forma quase paradoxal), tornar absoluta a inutilidade da prova ilícita também não parece levar em conta os fins almejados pela disposição constitucional (art. 5º, LVI, da Constituição Federal).

Em que pese a interpretação teleológica se mostre necessária, sua aplicação isolada é insuficiente, visto que as finalidades da norma somente ganham corpo através de sua conformidade com outras finalidades e valores. Assim, os valores e intencionalidades finalísticas não podem ser dissociados de uma indispensável aplicação sistemática, a qual possibilita a análise da norma como parte de um contexto maior, isto é, de conjunto normativo harmônico[16].

Sob esse prisma, admitir a absolutização da inutilidade da prova ilícita significaria fazer uma fria desconsideração do todo no qual a norma se insere. Isso porque, em casos extremos, a adoção rígida de tal entendimento pode gerar excessos. Em outros termos: “a defesa de um cego garantismo absoluto em relação a certos direitos pode ter como consequência a inviabilização de outros direitos fundamentais, merecedores de igual ou maior proteção” (Ferreira, 2014, p. 99).

À luz dessas considerações, surge a terceira alternativa, qual seja, a da inadmissibilidade mitigada da prova ilícita. Caminho intermediário entre as duas opções anteriores, a terceira corrente prega que a regra é a vedação da prova ilícita no processo, contudo, reconhece (em nosso entendimento, de maneira acertada) que tal regra comporta exceções.

Muito embora tal debate seja mais usualmente travado na esfera do direito penal – eis que, nesse campo, geralmente os valores tutelados têm maior potencial de acarretar a colisão entre princípios e garantias constitucionais, o que pode dar azo à admissão excepcional de uma prova ilícita[17] – a discussão acerca da possibilidade de relativização do princípio proibição da prova ilícita também é pertinente no âmbito do direito civil.

Em se tratando de litígios que versem tão somente acerca de direitos patrimoniais disponíveis, em nossa compreensão, é mais difícil que se permita o afastamento da vedação constitucional com vistas ao alcance da verdade real. Todavia, o cenário nos parece ser um pouco distinto ao se imaginar valores não disponíveis[18], tais como os disputados no universo do direito de família[19].

Nos casos excepcionais em que seria possível o aproveitamento da prova ilícita, é imprescindível assegurar que (i) essa é de fato confiável para comprovar o que se pretende[20], (ii) inexistam outros meios de prova para se comprovar o que se necessita e (iii) os interesses e valores em jogo sejam relevantes[21].

Verificado o preenchimento dos requisitos elencados acima, em nossa compreensão, é possível que no processo civil a prova ilícita possa comportar temperamentos, até para não comprometer o próprio direito de ação[22]  (o qual pressupõe o direito de provar os fatos) ou o direito de defesa[23]. A contraposição da prova ilícita no processo civil a outros valores se dá através da aplicação do princípio da proporcionalidade.

Referido princípio consiste no mecanismo através do qual o julgador, diante do caso concreto, realizará a ponderação entre valores constitucionais, isto é, sopesará os valores e interesses em jogo (Lopes, 2006c, p. 136) e a partir disso realizará uma escolha (Avolio, 2015, p. 62), a qual terá como consequência a mitigação ou não da regra de inadmissibilidade da prova ilícita[24].

Desse modo, a justificativa para a relativização consiste no simples fato que de que existem, na Constituição Federal, bens jurídicos de relevância equivalente àquela dos direitos fundamentais preservados pela vedação às provas ilícitas, o que faz com que a proibição não possa ser colocada incondicionalmente acima de todo e qualquer outro valor constitucional (Roque, 2016, pp. 16-17). Diante de casos excepcionais que envolvem conflito entre direitos fundamentais, faz-se imperioso o sopesamento dos valores protegidos, o que ocorre através do princípio da proporcionalidade.

Apesar de tal cenário causar certa espécie devido à sua aparente contradição, fato é que nos hard cases a ponderação dos interesses em jogo é justamente o que assegura a proteção dos direitos fundamentais previstos na Constituição Federal.

Entretanto, ainda que em nome da proteção de valores que se mostram mais importantes mediante as especificidades de um caso concreto, muitos se posicionam de forma contrária à relativização da proibição da prova ilícita[25]. Mesmo em se tratando de hipóteses excepcionais, parte significativa da doutrina ainda possui certa desconfiança quanto ao emprego da ponderação dos interesses jurídicos, entendendo que aceitação da proibição das provas obtidas por meios ilícitos pela via da proporcionalidade seria uma verdadeira arma para o subjetivismo (Góes, 2006, p. 957).

Ao redor de todo o mundo, experiências históricas de regimes ditatoriais fazem com que juristas das mais diversas nacionalidades se sintam confortáveis apenas diante da vedação absoluta da utilização da prova ilícita. Em seu entendimento, não deve ser dada margem para quaisquer exceções, eis que estas que poderiam ocasionar arbitrariedades imprevisíveis e colocar em risco a dignidade humana de forma ampla.

Independentemente do lado que se defenda com relação ao emprego do princípio da proporcionalidade nesses casos, fato é que sua aplicação deve ser feita com extrema cautela e mediante a análise detida das particularidades dos interesses em jogo no caso concreto. Isso pois, como explica João Batista Lopes (2006c, p. 140), sua aplicação indiscriminada pode ser nociva à ordem social.

5. CONCLUSÃO

O direito de provar o que se alega é uma importante expressão do devido processo legal. Contudo, tal direito deve conviver com a vedação constitucional à utilização da prova obtida por meios ilícitos. O aproveitamento da prova ilícita é tema bastante controverso na doutrina, podendo os posicionamentos acerca do tema ser divididos em três grupos, quais sejam, (i) os que defendem que a parte que comete o ilícito na obtenção da prova deve ser punida, todavia, ao mesmo tempo, o conteúdo da prova deve ser aproveitado, (ii) os que inadmitem sua utilização em qualquer hipótese e (iii) os que adotam caminho intermediário ao defenderem que o uso da prova obtida por meios ilícitos pode ser avaliado, temperando-se com o princípio da proporcionalidade.

Porém, mesmo os defensores da terceira alternativa, isto é, que admitem a possibilidade da relativização do princípio da proibição da utilização das provas ilícitas pelo princípio da proporcionalidade, pontuam que essa permissão deve ser extremamente cautelosa, devendo-se verificar à luz do caso concreto se (i) a referida prova possui um conteúdo confiável, (ii) inexistem outros meios de prova e (iii) os interesses em jogo são relevantes.

A delicadeza da situação reside precisamente no fato de que, ao mesmo tempo em que a aplicação do princípio da proporcionalidade se revela imprescindível na mitigação da regra do artigo 5º, LVI, da Constituição Federal (eis que em certas situações a rígida inflexibilidade da vedação pode gerar injustiças), esta deve ser comedida e restrita às hipóteses em que seu uso é realmente justificado, ou seja, nos casos em que a admissão de uma prova ilícita irá de fato garantir a observância de um direito constitucional mais relevante à luz do caso concreto.

É necessário cautela ao se privilegiar o conteúdo da prova ilícita em detrimento das ilegalidades cometidas para sua obtenção. Além dos contornos éticos questionáveis, a primazia ao conteúdo da prova ilícita pode gerar consequências nefastas, não devendo ser desconsiderados os preciosos (e demasiadamente custosos) ensinamentos que a história nos proporcionou nesse sentido.

Não obstante seja amplamente conhecido que a verdade real não pode ser atingida, imperioso destacar que a busca pela aproximação de seu alcance, se efetuada de forma desmedida e imprudente, pode representar uma verdadeira ameaça ao Estado Democrático de Direito.

Por todo o exposto, nosso posicionamento acerca do tema encontra-se em linha com o dos doutrinadores que defendem que as exceções à vedação constitucional da admissibilidade da prova ilícita devem se restringir a situações excepcionais, nas quais encontra-se em jogo outro valor jurídico extremamente relevante. Isso pois, como demonstrado, diante de tais situações, a ponderação dos valores em jogo é justamente o que assegura a proteção dos direitos fundamentais previstos na Constituição Federal.

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SILVA, Luis Virgílio Afonso da. Princípios e regras: mitos e equívocos acerca de uma distinção. Revista Latino-Americana de Estudos Constitucionais, Belo Horizonte, n. 1, pp. 607-630, Jan./Jun. 2003. Disponível em: https://repositorio.usp.br/item/001516601. Acesso em: 23 nov. 2023.

SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. Rcl n. 36.734/SP. Terceira Seção. Rel. Min. Rogerio Schietti Cruz. j. em 10 Fev. 2021. DJe de 22 Fev. 2021. Disponível em: https://scon.stj.jus.br/SCON/GetInteiroTeorDoAcordao?num_registro=201802854798&dt_publicacao=22/02/2021. Acesso em: 23 nov. 2023.

SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. RE n. 85.439-RJ. Segunda Turma. Rel. Min. Xavier de Albuquerque. j. em 11 nov. 1977. DJ de 2 Dez. 1977. Disponível em: https://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=AC&docID=179578. Acesso em: 26 nov. 2023.

SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. RE n. 100.094. Primeira Turma. Rel. Min. Rafael Mayer. j. em 28 Jun. 1984. DJ de 24 Ago. 1984. Disponível em: https://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=AC&docID=192499. Acesso em: 26 nov. 2023.

SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. RHC n. 63.834-SP. Rel. Min. Célio Borja. Segunda Turma. j. em 18 Dez. 1986; DJ de 5 Jun. 1987. Disponível em: https://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=AC&docID=100647. Acesso em: 26 nov. 2023.

TAVARES, André Ramos. Curso de Direito Constitucional. São Paulo: Saraiva, 2010.

WAMBIER, Teresa Arruda Alvim et al. Primeiros comentários ao Novo Código de Processo Civil. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2016.

APÊNDICE – NOTA DE RODAPÉ

3. Com efeito, José Carlos Barbosa Moreira (1994, p. 93), traz que: “[…] a imensa maioria dos litígios civis encontra solução, sobretudo, e muitas vezes exclusivamente, na apreciação de questões de fato, que nos chegam, como é óbvio, por intermédio da prova”.

4. Tendo em vista que um dos objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil é a construção de uma sociedade justa (art. 3º, I, da Constituição Federal), a prova opera como um verdadeiro instrumento de exigência de uma postura estatal.

5. Neste ponto, Luis Roberto Barroso (2001, p. 36), esclarece: “Relembre -se: enquanto as normas são aplicadas na plenitude da sua força normativa – ou, então, são violadas –, os princípios são ponderados”.

6. Cf. a redação do dispositivo: “Art. 5º, CF/88. […] LVI – são inadmissíveis, no processo, as provas obtidas por meios ilícitos” (Brasil, 1988, online).

7. Cf. o artigo atual: “Art. 369, CPC/15. As partes têm o direito de empregar todos os meios legais, bem como os moralmente legítimos, ainda que não especificados neste Código, para provar a verdade dos fatos em que se funda o pedido ou a defesa e influir eficazmente na convicção do juiz” (Brasil, 2015, online). A esse respeito, preceitua Paulo Osternack do Amaral (2015, p. 190): “[…] o ordenamento jurídico brasileiro veda o aproveitamento no processo de provas obtidas por meios ilícitos (CF/1988, art. 5º, LVI). Trata-se da imposição pela constituição de um limite moral ao direito à prova, que norteia a conduta das partes e a atividade do juiz no processo. O Código de Processo Civil contemplou em sede infraconstitucional a proibição de provas ilícitas a contrario sensu, ao admitir a produção de provas atípicas desde que sejam legais e moralmente legítimas”.

8. Sobre a referida categorização, João Batista Lopes (2006b, p. 346), elucida: “Em sede doutrinária, há que extremar, também, as provas ilícitas das provas ilegítimas. Para Nuvolone, consideram-se ilícitas as provas que vulnerem normas de direito material e ilegítimas as que ofendam disposições de caráter processual”.

9. Sobre a relatividade dos direitos constitucionais, explica-se: “Não existe nenhum direito humano consagrado pelas Constituições que se possa considerar absoluto, no sentido de sempre valer como máxima a ser aplicada nos casos concretos, independentemente da consideração de outras circunstâncias ou valores constitucionais. Nesse sentido, é correto afirmar que os direitos fundamentais não são absolutos. Existe uma ampla gama de hipóteses que acabam por restringir o alcance absoluto dos direitos fundamentais” (Tavares, 2010, p. 528).

10. Nesse sentido, tem-se os seguintes julgados: Supremo Tribunal Federal (STF), 1977, 1984, 1987.

11. Cf. a redação do artigo no antigo Código: “Art. 332, CPC/73. Todos os meios legais, bem como os moralmente legítimos, ainda que não especificados neste Código, são hábeis para provar a verdade dos fatos, em que se funda a ação ou a defesa” (Brasil, 1973, online).

12. O mesmo não ocorre em alguns outros ordenamentos jurídicos, como por exemplo no da Itália, onde essa previsão constitucional não se verifica, sendo as deduções a esse respeito feitas com base na doutrina.

13. Cf. o teor da norma no novo Código: “Art. 371, CPC/15. O juiz apreciará a prova constante dos autos, independentemente do sujeito que a tiver promovido, e indicará na decisão as razões da formação de seu convencimento” (Brasil, 2015, online).

14. Em pertinente colocação a esse respeito, assevera Ferreira (2014, p. 99): “[…] a proibição da utilização da prova obtida por meio ilícito e a sua consequente exclusão do acervo probatório, não é uma mera conduta formal, mas sim é um importante instrumento (devido processo legal substancial) de execução indireta (coerção-estímulo) à observância de direitos fundamentais, como a intimidade e a privacidade, não sendo apenas uma exclusão derivada de fundamentação formal”.

15. Sobre a interpretação teleológica, observa-se: “Considera-se o Direito como uma ciência primariamente normativa ou finalística; por isso mesmo a sua interpretação há de ser, na essência, teleológica. O hermeneuta sempre terá em vista o fim da lei, o resultado que a mesma precisa atingir em sua atuação prática. A norma enfeixa um conjunto de providências, protetoras, julgadas necessárias para satisfazer a certas exigências econômicas e sociais; será interpretada de modo que melhor corresponda àquela finalidade e assegure plenamente a tutela de interesse para a qual foi regida” (Maximiliano; Marcaro, 2022, p. 153).

16. Aprofunda-se: “[…] toda a interpretação de uma norma tem de tomar em consideração, como vimos, a cadeia de significado, o contexto e a sede sistemática da norma, a sua função no contexto da regulação em causa. […] o ordenamento jurídico no seu conjunto, ou pelo menos grande parte dele, está subordinado a determinadas ideias jurídicas diretivas, princípios ou pautas gerais de valoração, a alguns dos quais cabe hoje o escalão de Direito Constitucional. […] A descoberta das conexões de sentido em que as normas e regulações particulares se encontram entre si e com os princípios diretivos do ordenamento jurídico, e a sua exposição de um modo ordenado, que possibilite a visão de conjunto – quer dizer, na forma de um sistema – é uma das tarefas mais importantes da Jurisprudência científica” (Larenz, 1989, pp. 531-532).

17. Os exemplos mais claros na jurisprudência pátria sobre o tema estão inseridos na seara do processo penal. A título ilustrativo, imagine-se uma hipótese em que, visando a demonstrar um abuso sexual de menor, a parte autora viola a intimidade da contraparte visto ser este o único meio de prova apto à demonstração do crime? Poderia (ou deveria), nesse caso, à intimidade do abusador se sobrepor à necessidade de proteção da criança?

18. Maria Elizabeth de Castro Lopes (2006d, p. 48), entende que o princípio da proporcionalidade no tocante à admissibilidade das provas ilícitas tem mais aplicabilidade com relação aos direitos indisponíveis, sendo mais complicado falar em sua incidência quanto aos direitos patrimoniais disponíveis.

19. Esse é o entendimento de Sérgio Shimura (2008, p. 265): “O critério da proporcionalidade passou a ser adotado inicialmente pela justiça alemã, idéia que se alastrou para os Estados Unidos da América (princípio da razoabilidade), com a função de evitar ou prevenir injustiças que a aplicação da vedação absoluta das provas ilícitas poderia acarretar. Temperam-se outros valores ou princípios, igualmente dotados de credencial constitucional […]. Alguns exemplos podem ser citados: interceptar conversa de detento que esteja planejando a morte de juiz; filmar a intimidade de alguém, que esteja violando direitos da criança; abrir correspondência de alguém, para demonstrar a inaptidão ou o perigo de continuar com o pátrio poder”.

20. A vedação da prova ilícita tem ao mesmo tempo uma dimensão de proteção de direitos fundamentais e uma dimensão de preservação da credibilidade da prova. Isso porque a prova obtida ilicitamente é naturalmente suspeita, ocasionando desconfiança quanto à sua credibilidade para demonstrar o que se pretende.

21. Ao defender essas três condições para o aproveitamento da prova ilícita, asseveram Teresa Arruda Alvim Wambier et al., (2016, p. 710): “Há controvérsia a respeito do aproveitamento da prova ilícita. Há aqueles que a inadmitem em qualquer hipótese, sustentando que sua ilicitude contaminaria o resultado do processo e as demais provas obtidas licitamente. Outros entendem que se deve punir a parte pelo cometimento do ilícito na obtenção da prova, mas aproveitá-la em razão do seu conteúdo, fazendo prevalecer, aos direitos individuais, o interesse público na efetividade do processo. E, por sua vez, há uma terceira corrente que adota posição intermediária, a que aderimos. Segundo esta, aquele que violou direito material para conseguir a prova ilícita deve responder pelo ato praticado, mas a prova deverá ser aproveitada, desde que confiável (não tenha sido obtida mediante tortura, uso de drogas, coação moral, por exemplo), inexistam outros meios de prova, e estejam em jogo interesses relevantes – como os que envolvem menores – que se sobreponham à violação da privacidade”.

22. A respeito do direito à prova no processo civil como consequência lógica da garantia de acesso à justiça: “Aspecto novo no estudo da matéria é, porém, a preocupação com o direito à prova no processo civil decorrente do elastério que hoje se confere ao direito de ação e à ampla defesa. De acordo com a doutrina atual, o direito de ação não significa simples faculdade de movimentar a máquina judiciária para obter um pronunciamento judicial. Nem é suficiente sustentar, com apoio em Liebman e Rosenberg, que a ação é o direito de obter uma sentença sobre o mérito da causa. À luz da efetividade do processo, do instrumentalismo substancial, do processo civil de resultados, a ação deve garantir o direito ao devido processo legal e colimar o acesso à ordem jurídica justa. Para tanto, não basta assegurar o acesso formal e protocolar ao juiz ou tribunal: é de rigor garantir o direito à tutela jurisdicional qualificada, ao devido processo legal, com respeito ao contraditório, à ampla defesa, à igualdade de tratamento das partes, ao juiz natural, à proibição das provas ilícitas etc. Como decorrência do princípio do devido processo legal (fórmula ampla que, a rigor, já consagra as garantias constitucionais sobreditas) refere-se à doutrina mais recente ao direito à prova, aspecto fundamental do direito à ampla defesa […]” (Lopes, 2006a, pp. 166-168).

23.O direito à prova também é um componente relevante ao respeito ao contraditório. Nesse sentido, cf. (Lopes, 2006b, p. 346).

24. Como aprofundamento, cf..: “Uma segunda corrente, mais flexível, vale-se do princípio da proporcionalidade, conhecida como a do interesse predominante, admitindo a prova, conquanto ilícita ou ilegal, tudo a depender dos valores jurídicos e morais em discussão no caso concreto” (Shimura, 2008, p. 264).

25. Resumindo as críticas relativas ao sistema da proporcionalidade, preceituou Luis Francisco Torquato Avolio (2015, p. 72): “A teoria encerra um subjetivismo ínsito, que já deflui da impossibilidade de enunciação dos seus elementos essenciais em um plano abstrato (interesses e valores). Sua aplicação jurisprudencial, como demonstram as linhas de evolução, reveste-se de algumas incertezas”.

[1] Mestranda em Direito Processual Civil pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP); Bacharela em Direito pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP). ORCID: 0009-0004-4281-8027. Currículo Lattes: https://lattes.cnpq.br/9484542962829547.

[2] Mestrando em Direito Processual Civil pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP); Bacharel em Direito pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP). ORCID: 0009-0004-9713-5709. Currículo Lattes: https://lattes.cnpq.br/0378976497319230.

Material recebido: 06 de dezembro de 2023.

Material aprovado pelos pares: 20 de fevereiro de 2024.

Material editado aprovado pelos autores: 12 de março de 2024.

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Isabella Rodrigues Freitas

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