REVISTACIENTIFICAMULTIDISCIPLINARNUCLEODOCONHECIMENTO

Revista Científica Multidisciplinar

Pesquisar nos:
Filter by Categorias
Administração
Administração Naval
Agronomia
Arquitetura
Arte
Biologia
Ciência da Computação
Ciência da Religião
Ciências Aeronáuticas
Ciências Sociais
Comunicação
Contabilidade
Educação
Educação Física
Engenharia Agrícola
Engenharia Ambiental
Engenharia Civil
Engenharia da Computação
Engenharia de Produção
Engenharia Elétrica
Engenharia Mecânica
Engenharia Química
Ética
Filosofia
Física
Gastronomia
Geografia
História
Lei
Letras
Literatura
Marketing
Matemática
Meio Ambiente
Meteorologia
Nutrição
Odontologia
Pedagogia
Psicologia
Química
Saúde
Sem categoria
Sociologia
Tecnologia
Teologia
Turismo
Veterinária
Zootecnia
Pesquisar por:
Selecionar todos
Autores
Palavras-Chave
Comentários
Anexos / Arquivos

A imunidade dos livros, jornais, periódicos e do papel destinado à sua impressão às contribuições sociais incidentes sobre a receita ou faturamento: uma justificação dúplice

RC: 103846
681
5/5 - (3 votes)
DOI: ESTE ARTIGO AINDA NÃO POSSUI DOI
SOLICITAR AGORA!

CONTEÚDO

ARTIGO ORIGINAL

GRIPP, Mateus Silva de Muzio [1], ANECHINNO, Alex Rodolfo Jacot [2]

GRIPP, Mateus Silva de Muzio. ANECHINNO, Alex Rodolfo Jacot. A imunidade dos livros, jornais, periódicos e do papel destinado à sua impressão às contribuições sociais incidentes sobre a receita ou faturamento: uma justificação dúplice.  Revista Científica Multidisciplinar Núcleo do Conhecimento. Ano. 06, Ed. 12, Vol. 09, pp. 64-87. Dezembro de 2021. ISSN: 2448-0959, Link de acesso: https://www.nucleodoconhecimento.com.br/lei/imunidade-dos-livros

RESUMO

A interpretação apressada ou literal do art. 150, VI, “d” da Constituição Federal pode sugerir que a imunidade veiculada no comando proteja os livros, jornais, periódicos e o papel destinado à sua impressão apenas da tributação por meio dos impostos. Neste contexto, o presente artigo, tem como questão norteadora: quando interpretado sistemática e teleologicamente, não impediria que esses bens (ou o produto de sua comercialização) fossem também tributados por meio das contribuições sociais, em especial aqueles incidentes sobre o faturamento ou receita bruta? Responder a esta questão é o objetivo deste artigo, que o fará, metodologicamente, por meio da análise do texto constitucional, da jurisprudência e da doutrina clássica quando do tratamento das imunidades tributárias destinadas aos referidos bens, numa abordagem lógico-dedutiva. E, como se verá, a resposta para essa questão é positiva, seja sobre a posição de que na Constituição as contribuições não constituem espécie tributária autônoma, seja sobre uma análise teleológica da norma imunizante.

Palavras-Chave: Imunidade tributária, livros, contribuições sociais, interpretação sistemática, interpretação teleológica.

1. INTRODUÇÃO

A imunidade aqui analisada encontra-se prevista no art. 150, VI, “d” da CRFB/88 e estabelece ser vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios instituir impostos sobre livros, jornais, periódicos e o papel destinado à sua impressão. Costa (2015), é quem faz sucinta e didática síntese histórica do comando:

A imunidade foi prevista inicialmente na constituição de 1946 (art. 31, V, ‘c’), restrita apenas ao papel destinado exclusivamente à impressão de jornais, periódicos e livros – dicção que não foi alterada com o advento da Emenda Constitucional 18, de 1965. A Carta de 1967, além de manter a imunidade do papel destinado à sua impressão, estendeu a exoneração tributária aos livros, jornais e periódicos (art. 20, II, “d”). A Constituição de 1969 reproduziu a mesma hipótese (art. 19, III, “d”). (COSTA, 2015, p. 202)

Análise teleológica do comando revela que a imunidade em tela alça a livre difusão do saber, da cultura e do pensamento à proteção constitucional. Busca proteger também a liberdade de comunicação, a expressão artística e científica, tornando o acesso à informação mais acessível por meio da desoneração tributária dos bens que promovam esses ideais.

A doutrina igualmente chancela esse entendimento, como se observa na lição de Roque Carrazza (2019):

Com toda a facilidade notamos que o que a Constituição pretende, neste ponto é garantir a liberdade de comunicação e de pensamento (aí compreendida a liberdade de imprensa) e, ao mesmo tempo, facilitar a difusão da cultura e da própria   educação do povo. Em outras palavras, quer facilitar a busca do conhecimento, bem inefável que agrega dignidade à pessoa humana.

De fato, ninguém contesta que a Nação Brasileira só se  desenvolverá quando todos tiverem real acesso à educação, à  informação e à cultura.

É interessante notar que a liberdade de pensamento não se limita a permitir que as pessoas exprimam o que pensam.  Garante-lhes, também, o direito de difundir suas ideias proferindo conferências, fazendo representar peças teatrais, publicando livros, jornais ou periódicos e assim por diante.

(…)

Assim, quando a Constituição Federal prescreve serem imunes aos impostos o livro, o jornal, o periódico e o papel destinado a sua impressão (art. 150, VI, “d”) ela não está senão dando efetividade aos direitos fundamentas à livre “manifestação do pensamento” (art. 5º, IV) e de “expressão da atividade intelectual, artística, científica e de comunicação” (art. 5º, IX). Também tem em mira (i) assegurar a todos o “acesso à informação” (art. 5º, XIV), (ii) evitar venha de algum modo embaraçada a “plena liberdade de informação jornalística em qualquer veículo de comunicação social” (art. 220, § 1º) e (ii)  banir qualquer censura de “natureza política, ideológica e artística” (art. 220, § 2º). (CARRAZZA, 2019, pp. 690 e ss.)

Isso é o que importa ter em mente para os fins do presente trabalho: a edição do comando, pelo constituinte, buscou refletir na tributação valores por ele tutelados ao longo de toda a Carta – desonerando-se os bens que os difundem, dá-se efetividade à proteção constitucional que recai sobre tais ideais. Esse é o racional, inclusive, que justifica a interpretação extensiva – ou ampliativa – diversas vezes aplicada pelo Supremo Tribunal Federal – STF –, à imunidade em tela.

Instada a se manifestar, já decidiu a Corte que a norma sob apreço atinge também o papel fotográfico (RE nº 203.859[3]) e outros insumos similares ao papel (RE nº 327414 AgR[4]), a despeito do que poderia sugerir interpretação literal de seu dispositivo. De igual modo, afirmando que intocáveis pela tributação, já afirmou a Corte que a norma atingiria também os componentes eletrônicos destinados à composição de dispositivos destinados a integrar a “unidade didática com fascículos periódicos impressos” (RE nº 595.676[5]). O Tribunal já afirmou até mesmo que o comando protegeria da tributação cards colecionáveis, aplicáveis em álbuns de figurinhas, ainda que deles pudessem ser dissociados e compreendidos como bens em separado (RE nº 1.193.910[6]).

As razões que justificam o reconhecimento da imunidade em tela são diversas e distintas entre si. O intuito do constituinte ao editar a norma, contudo, foi considerado em todos os julgados, sendo a força motriz do esforço interpretativo desempenhado pela Corte sobre a norma aqui em apreço.

Conquanto o STF tenha reconhecido a imunidade para os casos citados sob um viés teleológico, ao examinar se a norma em apreço vedaria a incidência de contribuições sobre o faturamento e a receita bruta[7], decorrente da venda dos livros, jornais, periódicos e do papel destinado a sua impressão, a resposta tem sido negativa.

Nesta hipótese, confere o STF interpretação restritiva ao comando, ou mesmo literal: tendo o art. 150, VI, “d” da CRFB/88, feito referência exclusiva a impostos, a desoneração tributária não alcançaria as contribuições, as quais constituem espécie tributária distinta, à luz da jurisprudência da Suprema Corte[8].

Contudo, o comando em tela, quando interpretado sistemática e teleologicamente, não impediria que esses bens (ou o produto de sua comercialização) fossem também tributados por meio das contribuições sociais, em especial aqueles incidentes sobre o faturamento ou receita bruta? Responder a essa questão é o objetivo último deste artigo.

Ao fim, como se verá, a resposta àquela questão é positiva e o tratamento deferido pelo Supremo à questão não se justifica. De fato, é conhecida a posição do Tribunal pela existência de mais de três[9] espécies tributárias distintas na Carta – dentre elas as contribuições. A sua jurisprudência, contudo, não faz a interpretação correta das espécies tributárias elencadas pelo constituinte. O equívoco da Corte e as repercussões de sua posição na doutrina – que, também por isso, parece não se dar conta da real extensão da imunidade sob apreço – justificam esforço para que a questão mereça ter nova luz jogada sobre si.

Ao que crê esse artigo e como se objetiva demonstrar, as contribuições previstas no art. 195, I, da Constituição enroupam-se em impostos quando instituídas, daí porque também serem alcançadas pela imunidade a que se refere seu art. 150, VI, “d”. De toda sorte, ainda que assim não fosse e que as contribuições pudessem ser reconhecidas como espécies tributárias próprias, pretende-se explicitar aqui, de igual modo, que os livros, jornais, periódicos e o papel destinado à sua impressão – ou, mais especificamente, a receita ou o faturamento, decorrente da comercialização desses bens – ainda estariam protegidos da tributação por meio das contribuições, em homenagem ao intento imunitário do constituinte originário.

É por meio do estressar dessas duas ideias que, como adiantado, se demonstrará que a norma do art. 150, VI, “d”, da Constituição alcança também as contribuições sociais incidentes sobre o faturamento e a receita bruta. Tese que se sustenta, por si só, seja sobre a posição de que na Carta as contribuições não constituem espécie tributária autônoma, seja sobre uma análise teleológica da norma imunizante.

Deveras, ver-se-á que interpretação diversa (a afirmar pela restrição da imunidade aos impostos) tem o condão de menoscabar a vontade do constituinte originário, desfavorecer política pública cogente – pois inscrita na Carta – e onerar bens cuja proteção à tributação é de máxima valia ao Estado.

Tudo a ser realizado, metodologicamente, por meio da análise do texto constitucional, da jurisprudência e da doutrina clássica, numa abordagem lógico-dedutiva.

2. DAS ESPÉCIES TRIBUTÁRIAS PREVISTAS NA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA FEDERATIVA DE 1988 E DAS CONTRIBUIÇÕES DE SEU ART. 195, I, “B”

Como adiantado, o presente artigo pretende demonstrar que o art. 150, VI, “d”, da Constituição, também protege os bens nele referidos da tributação pela via das contribuições, tendo em conta que essas figuras jurídicas, quando instituídas, necessariamente enroupam-se da espécie tributária dos impostos.

É o que se passa a fazer, identificando qual o critério distintivo escolhido pelo constituinte para eleger as espécies tributárias admitidas na Constituição e identificando quantas e quais são elas, a fim de se demonstrar que a dicção “impostos” contida naquele dispositivo (art. 150, VI, “d”) não tem o condão de afastar as contribuições de seus efeitos.

No que tange às espécies tributárias constitucionais, não há consenso nos julgados da Suprema Corte acerca de sua quantidade. A propósito, confira-se os excertos dos julgados da ADI nº 447, datado ainda de 1991, e do RE nº 146.133, de 1992, respectivamente:

Os tributos, nas suas diversas espécies, compõem o Sistema Constitucional Tributário brasileiro, que a Constituição inscreve nos seus arts. 145 a 162. Tributo, sabemos todos, encontra definição no art. 3º do CTN, definição que se resume, em termos jurídicos, no constituir ele uma obrigação que a lei impõe às pessoas, de entrega de uma certa importância em dinheiro ao Estado.

(…)

As diversas espécies tributárias, determinadas pela hipótese de incidência ou pelo fato gerador da respectiva obrigação (CTN, art. 4º), são a) os impostos (CF, art. 145, I, arts. 153, 154, 155 e 156), b) as taxas (CF, art. 145, II), c) as contribuições, que são c.1) de melhoria (CF, art. 145, III), c.2) sociais (CF, art. 149), que, por sua vez, podem ser c.2.1) de seguridade social (CF, art. 195, CF, 195, § 4º) e c.2.2) salário-educação (CF, art. 212, § 5º) e c.3) especiais: c.3.1.) de intervenção no domínio econômico (CF, art. 149) e c.3.2) de interesse das categorias profissionais ou econômicas (CF, art. 149). Constituem, ainda, espécie tributária, d) os empréstimos compulsórios (CF, art. 148) (…).[10]

De efeito, a par das três modalidades de tributos (os impostos, as taxas e as contribuições de melhoria) a que se refere o art. 145 para declarar que são competentes para instituí-lo a União, o Estado, o Distrito Federal e o Municípios, os artigos 148 e 149 aludem a outras modalidades tributárias, para cuja instituição só a União é competente: o empréstimo compulsório e as contribuições sociais, inclusive as de intervenção no domínio econômico e de interesse das categorias profissionais e econômicas.

Como se vê, no primeiro julgado afirmou o Tribunal que eram quatro as espécies tributárias previstas na CRFB (impostos, identificados no item “a” descrito, taxas, item “b”, contribuições, item “c” – as quais se dividiriam em subespécies –, e empréstimos compulsórios, item “d”). Já no segundo (RE nº 146.133), afirmou a Corte que eram cinco as espécies (impostos, taxas, contribuições de melhoria, empréstimo compulsório e as contribuições sociais), como se infere da simples leitura do trecho supratranscrito.

De toda sorte, o que se extrai ao certo da jurisprudência do STF – tome-se os julgados aqui citados a título exemplificativo – é que a Corte se distancia de uma teoria tripartida das espécies tributárias presentes na Carta[11]. Ao que sustentam suas decisões, para além dos impostos, das taxas e das contribuições de melhoria, também as contribuições sociais constituiriam espécie autônoma de tributo.

Não obstante a ideia de que contribuições sociais são espécie tributária autônoma ser aceita por boa parte da doutrina[12] e, como visto, pelo Judiciário, o presente trabalho acredita em sua incorreção, filiando-se à dita teoria tripartida. Com efeito, a tese que aqui se sustenta é que as espécies tributárias elencadas na Constituição são apenas três: os impostos, as taxas e as contribuições de melhoria.

Registre-se que este trabalho não se olvida de que a Carta, de fato, previu as figuras das contribuições e dos empréstimos compulsórios como meios coercitivos de exigência pecuniária, pelo Estado face ao contribuinte, quando se depare ante fato lícito e que configure manifestação de capacidade contributiva.

A previsão dessas figuras na Carta, contudo, não possui o condão de torná-las espécies tributárias distintas dos impostos, das taxas e das contribuições de melhoria. De fato, são elas figuras jurídicas relevantes, por certo, mas cuja discrepância dos impostos é pertinente e restrita às finanças públicas e não à tributação.

Assentadas essas premissas, a teoria tripartida aqui adotada é calcada em dois comandos constitucionais distintos, cuja clareza, tal qual a razão pelas quais editados pelo constituinte, a este trabalho parecem inequívocas. São eles os arts. 145, § 2º, e 154, I, da Carta.

Com efeito, prescreve o § 2º do referido art. 145 queas taxas não poderão ter base de cálculo própria de impostos”. Ora a inteligência da norma reflete a conhecida doutrina de Becker (1998), segundo a qual é a base de cálculo o elemento da hipótese de incidência tributária determinante para a identificação da natureza jurídica do tributo sob exame. Em que pese clássica, a lição merece transcrição uma vez mais, pois perene:

(…) o critério objetivo e jurídico é o da base de cálculo (base imponível. Este, sempre e necessariamente, é o único elemento que confere o gênero ao tributo. Noutras palavras, ao se investigar o gênero jurídico do tributo, não interessa saber quais os elementos que compõem o pressuposto material ou quais as suas decorrências necessárias, nem importa encontrar qual o mais importante daqueles elementos ou decorrências. Basta verificar a base de cálculo; a natureza desta conferirá, sempre e necessariamente, o gênero jurídico do tributo. (BECKER, 1998, p. 373)

O mesmo entendimento é defendido por Geraldo Ataliba (2019, p. 131), conquanto este afirme, com igual precisão, que é o aspecto material da hipótese de incidência tributária o critério jurídico correto para a classificação das espécies tributárias, pois conceituava a base de cálculo como a “perspectiva dimensível do aspecto material da h.i.”[13].

O que faz o art. 145, § 2º, da Constituição, pois, é elevar ao nível constitucional a clássica lição doutrinária supracitada, reconhecendo a base de cálculo como discrime indiscutível para a identificação dos tipos tributários, ordenando às pessoas políticas competentes que lhes é vedada a instituição de taxa cuja base de cálculo seja própria à espécie dos impostos, eis que, na hipótese, restaria travestida a figura daquela primeira espécie. E se assim o faz a Carta, não há sentido em afirmar que, simultaneamente, reconheça a existência de outras espécies tributárias identificáveis por elementos outros quaisquer que não tenham relação com a hipótese de incidência. Afinal, a base de cálculo é o elemento da regra matriz de incidência indiscutivelmente adotado no texto constitucional para a identificação das espécies tributárias – ao lado do fato gerador, como se verá. Para além deles, nenhum outro mais.

Contrário a essa tese, e.g., é o entendimento de Alberto Xavier (1991):

[A Constituição] não procedeu, pois, a uma classificação, mas a uma tipologia de tributos, definindo uns por características atinentes à estrutura (impostos, taxas), outros por características ligadas à função (contribuições), outros por traços referentes simultaneamente a um ou outro dos citados aspectos (contribuição de melhoria) e outros ainda por aspectos de regime jurídico alheios quer à estrutura, quer à função, como é o caso dos empréstimos compulsórios. (XAVIER, 1991, p. 26)

Como se vê, ao afirmar que a tipologia dos tributos deve ser compreendida considerando as características distintas das supostas espécies tributárias delineadas na Constituição, o autor filia-se à teoria pentapartida. Suas palavras, contudo, podem ser emprestadas por aqueles que dele discordam e adotam a teoria  tripartida.

Explica-se. Tem razão o autor quando afirma que o constituinte fez referência às contribuições, e. g., “por características ligadas à função” dessas figuras jurídicas. Isso igualmente vale para os empréstimos compulsórios, assim designados pela obrigatória devolução do produto por ele arrecadado. Todavia, a previsão dessas figuras no texto constitucional, como se espécies tributárias autônomas fossem, tem amparo na atecnia inerente ao trabalho do legislador – como é o constituinte –, especialmente em matéria tributária[14].

Com efeito, os critérios distintivos para a identificação das espécies tributárias, são exclusivamente aqueles inscritos nos referidos arts. 145, § 2º, e 154, I, da CRFB/1988; e se não são eles os utilizados para a identificação das contribuições ou dos empréstimos compulsórios (como reconhece o autor, estes são identificáveis por sua função e pela necessária devolução dos recursos arrecadados), é porque tais figuras não são espécies de tributos, propriamente ditas.

Assim é que os comandos constitucionais que preveem as contribuições e os empréstimos compulsórios não são definidores de espécies tributárias, mas apenas permissivos lá postos para a criação desses tributos, que hão de revestir um dos arquétipos previstos no art. 145 da Carta[15] – impostos, taxas ou contribuições de melhoria, que, sem embargos, são legítimas espécies.

No que concerne às contribuições e aos empréstimos compulsórios, portanto, não há que se falar em tipologia tributária, como o faz o autor supracitado, data maxima venia. Reitere-se que bem pontuou Alberto Xavier (1991) que a Constituição faz referência a esses institutos sob óticas distintas, ora tendo em conta características ligadas à sua função – a destinação da receita, no caso das contribuições –, ora tendo em conta características ligadas à sua estrutura – caso dos impostos e das taxas –, por exemplo. Contudo, ao fazê-lo, laborando o constituinte com atecnia, repita-se, não cria espécies tributárias distintas, em que pese preveja os institutos no texto constitucional. O que faz, tão somente, é prever os institutos, o que não equivale à mesma coisa.

Fosse diferente, o referido art. 145 da Constituição não preveria três inequívocas e taxativas espécies tributárias. Ora, não se coaduna com uma interpretação sistemática da Carta imaginar-se que o constituinte tenha estabelecido espécies fixas em um comando, para depois, ao longo do restante do texto, excepcioná-las, em contradição com aquilo que havia sido dito categoricamente em momento anterior.

É da combinação do referido art. 145 e dos demais comandos constitucionais que fazem referência às contribuições (dentre eles o art. 195, I) que se chega à conclusão supramencionada de que esses tributos devem revestir-se ou da figura de impostos, ou de taxas – porque, diga-se, contribuições de melhoria não o podem ser, já que o fato gerador dessa espécie está intrinsecamente ligada à consecução de obra pública e a consequente valorização patrimonial, hipótese muito diversa dos fatos que ensejam a instituição das contribuições outras (que não as de melhoria) previstas na Carta.

Reforça o que aqui se afirma o referido comando do art. 154, I, da Constituição, segundo o qual a União poderá instituir, mediante lei complementar, impostos não previstos no artigo anterior, desde que sejam não cumulativos e quenão tenham fato gerador ou base de cálculo próprios dos discriminados nesta Constituição”.

Como dele se infere, ao lado da base de cálculo, o constituinte elevou o fato gerador como único outro critério distintivo para a identificação das espécies tributárias admitidas no ordenamento brasileiro. Tal qual faz o art. 145, § 2º, a inteligência da norma prescreve a importância desses dois elementos da hipótese de incidência tributária – e apenas destes – para a regular e coerente interpretação do ordenamento, no que tange à tipologia dos tributos.

É precisamente da análise conjunta da base de cálculo e do fato gerador prescritos no art. 195, I, “b”, da Constituição que se conclui que as contribuições sociais lá referidas são indiscutíveis impostos quando instituídas. Ora, como cediço, imposto é a modalidade de tributo que tem por hipótese de incidência um fato qualquer que não guarde vínculo a uma atuação estatal. Para que exigível, desnecessário que o contribuinte perceba em seu favor qualquer prestação direta advinda do Estado. E esse é exatamente o caso em vertente, em que o contribuinte dos tributos referidos no comando supracitado (art. 195, I, “b”) são o empregador ou a empresa que singelamente aufiram receita ou faturamento, fato esse que é suficiente para fazer nascer a obrigação tributária, sem qualquer participação do Estado que justifique a classificação desses tributos em espécie distinta daquela dos impostos.

O intérprete, portanto, quando analisa as contribuições, vê-se diante de tributos não vinculados, na classificação de Geraldo Ataliba (2019, p. 138) – endossada pelo constituinte – e, portanto, impostos.

Nem se alegue que a atuação do Estado (no caso, a seguridade social posta à disposição da coletividade) justificaria a elevação das contribuições sociais a espécie tributária autônoma, de modo que não mais poderia se falar em impostos quando as receitas tributárias obtidas financiassem específico dever estatal. É Roque Carrazza (2019), quem rebate com máxima precisão o argumento:

Naturalmente, o dinheiro arrecadado mediante a tributação por via de impostos terá destinação pública. Portanto, as pessoas não os pagam em vão. Só que não recebem benefícios diretos, mas, tão somente, difusos, como membros que são da comunidade. Não há, porém, uma correlação entre o montante de imposto pago por uma pessoa e o benefício que o Estado vai lhe proporcionar. Aliás, este benefício é o mesmo para todas as pessoas, quer paguem, quer não paguem, impostos. Embora, juridicamente, esta circunstância seja irrelevante – já que a destinação do produto da arrecadação não interfere em sua natureza específica (…) –, convém que se diga que o produto da arrecadação dos impostos concorre para as despesas gerais do Estado. (CARRAZZA, 2019, p. 448)

Tampouco se afirme que a específica destinação do produto arrecadado pelas contribuições seria fato suficiente para que constituíssem espécie tributária autônoma – como o faz o Supremo[16]. Ora, a matéria é concernente ao Direito Financeiro e não ao Tributário, que se ocupa com a relação entre Fisco-Estado e contribuinte, mas não da distribuição, pela Administração, dos frutos da coleta dos tributos.

Tanto é assim que, descumprida a destinação constitucionalmente consignada dos frutos obtidos com a arrecadação, o contribuinte não terá direito à restituição, conforme a própria jurisprudência do mesmo STF (e.g. RE nº 566.007/RS).[17] É dizer, nessa linha: se devidamente cumpridos as garantias constitucionais e legais deferidas aos contribuintes no curso da arrecadação – o que compreende o tributo desde sua instituição até seu efetivo recolhimento aos cofres públicos –, a relação obrigacional entre Fisco e sujeito passivo dá-se por encerrada  com o pagamento, uma vez que o tributo sempre foi devido.

Faltaria legitimidade ao contribuinte para ver restituído ao seu poder os valores pagos a título de contribuição posteriormente desviada, eis que o ilícito (a tredestinação) não viola direito subjetivo seu, mas da própria pessoa política detentora, ao fim, desses recursos.

Em suma, tendo em conta que fato gerador in abstracto descrito no art. 195, I, “b”, da CRFB/1988 é a percepção de receita ou faturamento pelo contribuinte empregador, empresa, ou entidade a ela equiparada, e tendo em conta que a base de cálculo dos tributos em tela são os mesmos receita e faturamento (conforme dispuser a lei que o institua[18]), resta inequívoco que o comando prescreve à União a competência para instituir imposto, não outra espécie de tributo, na medida em que a hipótese de incidência resta absolutamente desvinculada a qualquer atividade estatal[19].

Com efeito, a necessidade de que o exegeta determine com precisão qual a espécie tributária diante da qual se encontra, a fim de lhe aplicar o regime jurídico correto e adequado face às normas constitucionais, é o que há muito reconhecia Geraldo Ataliba (2019, p. 123). E arrematava o mesmo mestre:

O próprio sistema constitucional adota uma classificação dos tributos e faz derivarem consequências do discernimento que estabelece entre as espécies e subespécies tributárias. Isto é: o texto constitucional consagra uma determinada classificação e atribui regimes jurídicos diferentes a serem aplicados às espécies tributárias. No próprio texto constitucional estão princípios e regras diferentes, e peculiares, aplicáveis com exclusividade – e relevantes efeitos – às diversas espécies e subespécies de tributos.

Conforme um tributo se configure como inserto numa ou noutra categoria, as consequências serão diferentes. (ATALIBA, 2019, p. 124)

As premissas que sustentam o presente trabalho não são exatamente novas. Como antecipado, parte expressiva da doutrina tributária nacional defende que as espécies tributárias previstas na Constituição de 1988 são apenas três. Essa é a posição de Ataliba (2019), para quem a Carta prevê apenas a existência dos impostos, das contribuições e das taxas, quando afirma:

Tributos vinculados são as taxas e contribuições (especiais) e tributos não vinculados são os impostos.

Definem-se, portanto, os tributos vinculados como aqueles cuja hipótese de incidência consiste numa atividade estatal; e impostos como aqueles cuja hipótese de incidência é um fato ou acontecimento qualquer não consistente numa atividade estatal.

A consistência da h.i. é que permite classificar os tributos em vinculados e não vinculados a uma atuação estatal. Se a h.i. consistir numa atuação estatal, o tributo será uma taxa ou contribuição (tributo vinculado); se consistir em outro fato qualquer, o tributo será não vinculado (imposto). (ATALIBA, 2019, p. 132)

Há de se mencionar que o conceito de contribuição a que se refere o jurista citado é restrito. De fato, salientou que “nenhum tributo, até agora, designado contribuição no Brasil – salvo a de melhoria – é contribuição verdadeira, no rigoroso significado do conceito (…)” (ATALIBA, 2019, p. 182). E esta é a mesma linha defendida neste trabalho, segundo o qual as espécies tributárias verificáveis no ordenamento brasileiro hoje são os impostos, as taxas e as contribuições de melhoria.

Em idêntico sentido, Roque Carrazza (2017) pela teoria tripartida:

Realmente nossa Lei Maior está comprometida com uma classificação jurídica dos tributos. É ela que, em seu art. 145, confere, às pessoas políticas, competência para que criem impostos, taxas e contribuições de melhoria.

Apesar de o assunto ainda suscitar acaloradas discussões doutrinárias, continuamos entendendo que a destinação da receita proveniente da tributação não altera – pelo menos não necessariamente – a classificação supra. Neste sentido, já adiantamos que os empréstimos compulsórios (tributos cuja receita há de ser devolvida ao contribuinte) e as “contribuições” (tributos com destinação especificada nos arts. 149 e 195 da CF) podem ser reconduzidos às modalidades imposto, taxa, ou, no caso daqueles, até contribuição de melhoria.

Podemos, portanto, dizer que, no Brasil, o tributo é gênero, do qual imposto, a taxa e a contribuição de melhoria são as espécies. (CARRAZZA, 2017, p. 446)

E, de arremate, igualmente diz Paulo de Barros Carvalho (2017):

Não é de agora que advogamos a tese de que as chamadas contribuições têm natureza tributária. Vimo-las sempre como figuras de impostos ou de taxas, em estrita consonância com o critério constitucional consubstanciado naquilo que nominamos de tipologia tributária no Brasil.

(…)

A conclusão parece-nos irrefutável: as contribuições são tributos que, como tais, podem assumir feição de impostos e taxas. (CARVALHO, 2017, p. 70)

Como se vê, a defesa que faz o presente trabalho encontra-se bem amparada no âmbito acadêmico, conquanto lhe falte o respaldo dos tribunais. É ao lado dessa doutrina, contudo, que este artigo se filia, com a esperança de que um dia a jurisprudência dê a ela ouvidos[20].

Postas essas ideias, conclusão inevitável será a de que os livros, jornais, periódicos e o papel destinado à sua impressão estão igualmente imunes à incidência dos tributos identificados no art. 195, I, “b” Carta, pois estes são, em verdade, impostos quando instituídas, a despeito da nomenclatura prescrita no caput da norma.

De fato, é conhecida a lição segundo a qual os institutos jurídicos devem ser reconhecidos segundo sua natureza, não pelo nome que lhe confere o legislador – seja ele o ordinário ou mesmo o constituinte. E isso é especialmente verdade em matéria tributária. O ensinamento encontra-se, inclusive, inscrito no art. 4º, I, do Código Tributário Nacional[21], dada a sua importância para assegurar tratamento jurídico coerente, seguro e isonômico nas relações tributárias, que, por natureza, são de repetição constante.

Tenha-se claro que, com a menção ao referido dispositivo do código, o que aqui se propõe não é a interpretação da Carta em conformidade com a legislação infraconstitucional, mas apenas pontuar que a Lei Complementar reforça aquilo que já vem consagrado pelo próprio constituinte nos referidos arts. 145, § 2º, e 154, I, da Constituição, acima explorados.

O vocábulo “contribuições” empregado no art. 195, caput, pois, há de ser compreendido em consonância com o restante da Constituição, em especial com o art. 145 e incisos, da CRFB/1988. Lembre-se, aliás, como bem pontua Estevão Horvath, que “o método interpretativo mais completo é aquele denominado sistemático” (HORVATH, 2002, p. 14).

Aqui também não se quer dizer que o emprego do termo “contribuições” seja irrelevante, sob pena de se violar o princípio hermenêutico básico de que a lei (no caso, a Carta) não possui palavras inúteis – verba cum effectu sunt accipienda. O termo é utilizado pelo constituinte não porque se trata no caso de espécie tributária autônoma, mas sim para plasmar no texto constitucional que a rubrica possui o produto arrecadatório com ela obtido agarrado à destinação específica, como ocorre nos demais casos em que a Carta faz menção ao termo “contribuição”. Essa dita vinculação do resultado arrecadatório, contudo, não possui o condão de criar espécie tributária distinta daquelas versadas nos incisos do referido art. 145, reitere-se – com o risco que o presente trabalho soe repetitivo.

A distinção entre impostos e contribuições, pois, importa para as finanças públicas, na medida em que seus efeitos se destinam apenas a esse ramo do Direito, não devendo surtir efeitos na relação tributária.

3. DA INTERPRETAÇÃO TELEOLÓGICA DO DISPOSITIVO IMUNITÓRIO

Como adiantado, a tese de que a imunidade inscrita no art. 150, VI, “d” da Constituição alcança também as contribuições sociais se sustenta não só ante a ideia de que elas não são espécie autônoma de tributos, mas impostos quando instituídas. Conclusão idêntica se chegará acaso, rejeitadas as palavras anteriormente expostas nesse trabalho, o intérprete daquele comando realize sobre ele uma exegese teleológica, como adiante será aqui feito.

E importa realizá-lo considerando a contemporânea jurisprudência dos tribunais nacionais pela adoção de teorias outras que não a tripartida dos tributos, razão pela qual não se desconhece que as palavras expostas no item anterior talvez tenham pouco impacto em âmbito que não o acadêmico.

Por isso, impende ressaltar que a imunidade dos livros, jornais e periódicos às contribuições se sustenta sob outro fundamento que não a classificação desses tributos como impostos. Com efeito, ainda que se considere que as contribuições são espécie tributária própria, a despeito de todas as considerações já traçadas, o comando do art. 150, VI, “d” da CRFB/1988, ainda as alcançará.

Como exposto, o intuito da norma é proteger difusão do saber, da cultura e do pensamento, favorecendo a liberdade de comunicação, a expressão artística e científica, tornando, ao fim, o acesso à informação facilitado. Ora, se esse era o intento do constituinte desde a promulgação da Carta, não há sentido em pressupor que esses valores não fossem por ele protegidos in totum da tributação, mas apenas em parte – no que concerne especificamente aos impostos.

E, claro, não há que se duvidar que a tributação dos bens sob apreço por meio das contribuições colabora para onerar esses produtos. Deveras, consta por expresso na Constituição que esses tributos incidem sobre o faturamento ou a receita bruta[22], conceitos contábeis-jurídicos que, no que concerne às editoras, e.g., são compostos justamente pelos valores arrecadados por esses contribuintes com a venda de livros[23].

Tributar a operação mercantil com as mercadorias desse tipo, ou tributar os valores com ela arrecadados quando já incorporados ao faturamento ou à receita bruta das empresas, de fato, tem pouca distinção no que concerne à repercussão econômica do encargo tributário – tanto numa quanto noutra hipótese, o custo da exação é repassado, em maior ou em menor medida, para o consumidor final dos livros, jornais e periódicos.

Com efeito, o que aqui se defende não é uma visão consequencialista do Direito, no sentido de que a tributação dos bens elencados do art. 150, VI, “d”, por onerá-los (e tão somente por isso), deveria ser afastada. De forma alguma. O que aqui se veicula é uma interpretação positivista – sistêmica, por certo –, que intenta garantir a maior concretude possível à vontade, ou ao intento, daqueles que Scott Shappiro chama de legal system designers – in casu o constituinte originário de 1988. Bem ensinou o referido positivista:

(…) the fundamental function of all legal systems is to achieve certain very general political and moral objectives. These objectives include the maintenance of order, the prevention of undesirable and wrongful behavior, the promotion of distributive justice, the protection of rights, the provision of facilities for private ordering, and the fair settling of disputes. How legal systems should go about attaining these objectives, of course, is likely to be a complex and contentious matter.

(…)

It is one of the primary functions of legal designers to resolve these very issues. They settle questions about specific political objectives through the process of institutional design, that is, by distributing rights and responsibilities in such a way that the exercise of the allocated powers and the observance of the assigned duties achieve the goals and realize the values they wish to promote. In this way, the behavior of members of the community will be channeled in the direction of the selected objectives. This is not to say that the law’s fundamental functions will be achieved simply through deference to the institutional structure designed by those in authority. Indeed, if the designers are untrustworthy and design the system poorly, the broad moral objectives mentioned earlier are guaranteed not to be met. The point, rather, is that if those in authority are basically trustworthy, which is what the law always supposes, deferring to the designers’ judgments about how to attain the fundamental aims of the system is a highly effective strategy for actually attaining those ends.

Once it is recognized that legal designers play this “settling” function, one can see why their resolutions concerning particular ends and values must be privileged when ascertaining interpretive methodology.[24] (SHAPPIRO, 2007, pp. 46 e 47)

A lição é plenamente aplicável ao tema sob apreço. De fato, é inequívoco que a Carta consagra e protege a livre difusão do saber, da cultura e da informação como valores intocáveis, cuja promoção consiste em um objetivo político e moral com o qual se vincula toda e qualquer pessoa que se submeta à sua tutela.

Tendo isso em conta, não há razão para que o comando imunizante sob exame seja interpretado de modo restritivo, em frontal desfavor ao atingimento daquele objetivo político consagrado pelo constituinte. Ora, conferir à imunidade em tela interpretação restritiva, afirmando-se que atinge apenas impostos, equivale a fazer pouco caso das vontades dos system legal designers brasileiros.

Uma leitura positivista desse ordenamento impõe que à vontade do constituinte o intérprete do Direito se reporte, o que significa, aqui, que se deve dar à norma em exame a leitura que garanta a sua máxima efetividade. Afinal, como bem aponta Shappiro (2007), ater-se ao intento fundamental do constituinte é uma estratégia eficiente para que os fins visados na Carta sejam definitivamente alcançados. Noutro giro, desconsiderá-lo, ou mesmo adotar interpretação que o abrande, é receita certa para que os fins consagrados na Constituição não sejam atingidos.

A necessidade de que se aplique às imunidades tributárias a interpretação que lhes confira máxima eficácia, aliás, é o que também aponta Roque Carrazza (2017), fazendo referência a Geraldo Ataliba:

Por isso tudo, a interpretação dos preceitos imunizantes há de ser o quanto possível ampla e generosa (Geraldo Ataliba), isto é, favorável ao contribuinte, posto expressarem a vontade do Constituinte – explicitamente manifestada – de preservar da tributação valores de particular significado político, social, religioso, econômico etc.

O exegeta e o aplicador devem, pois, identificar o bem jurídico tutelado pela imunidade tributária e optar pela interpretação que melhor o garanta. (CARRAZZA, 2017, p. 615)

Aqui impende, aliás, reportar às lições de Hart (2020). Como bem expunha o jusfilósofo, a linguagem (notadamente a jurídica), ou mesmo o próprio Direito, possui textura aberta e a sua aplicação ao caso concreto pressupõe uma escolha entre alternativas igualmente abertas (HART, 2020, pp. 165 e 166). De fato, a aplicação de qualquer texto normativo comporta certa dose de discricionariedade – ora maior, ora menor, ou quase ínfima – e assim o é indiscutivelmente por conta da natureza da dita linguagem. Diante disso, predica o autor:

É, entretanto, importante considerar por que razão, excluída essa dependência da linguagem tal como realmente existe, com sua típica textura aberta, não devemos acalentar, nem mesmo como um ideal, a concepção de uma norma tão detalhada que a pergunta se ela se aplica ou não a um caso particular já tenha sempre sido respondida antecipadamente, sem nunca envolver, no momento de sua aplicação real, uma nova escolha entre alternativas abertas. (HART, 2020, p. 166)

Ora, se assim o é, resta claro ser vedada uma interpretação literal, restritiva, superficial e precipitada do comando inscrito no art. 150, VI, “d” da Constituição, para afirmar que, tendo o legislador feito expressa referência à figura dos impostos, a imunidade estaria reservada apenas a eles. Perceba-se que o aqui se sustenta não é a desconsideração do que consignou o constituinte na norma sob apreço, mas sim a devida investigação do conteúdo desse comando.

Tal como sustenta in abstracto Hart, a aplicação do comando pressupõe uma escolha do intérprete: no caso sob apreço, a norma imunizante alcança as contribuições a que faz referência o art. 195, I, “b” da Constituição?  Ora, a Carta, na essência de seu art. 150, VI, “d”, consagra ordem expressa às pessoas políticas: não gravem os livros, jornais, periódicos e os papéis destinados à sua impressão com a tributação. A resposta, portanto, parece evidente ao presente trabalho – e é positiva.

4. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Chega a tempo, então, de retomar de modo conclusivo a questão central do presente artigo: o comando do art. 156, VI, “d”, da Constituição, quando interpretado sistemática e teleologicamente, não impediria que os bens nele referidos (ou o produto de sua comercialização) fossem também tributados por meio das contribuições sociais, em especial aqueles incidentes sobre o faturamento ou receita bruta? Como visto, pretendeu-se aqui demonstrar, de forma singela, que a resposta para essa questão é positiva, de modo que aqueles bens não podem ser tributados por meio contribuições sociais incidentes sobre o faturamento e a receita bruta. E foi isso o que aqui se fez, ainda que contando com premissas antigas que, porque perenes, merecem ser reiteradas até os tempos atuais.

Assim é que se buscou demonstrar que as contribuições a que faz referência o dito art. 195 da Constituição, dentre as quais, por óbvio, se inserem aquelas de seu inciso I, “b”, não são espécies tributárias autônomas. E que, conquanto sejam tributos previstos por expresso no texto constitucional, devem revestir-se da forma de impostos quando instituídos.

A conclusão, como se expôs, decorre da sistemática interpretação dos arts. 145, § 2º, e 154, I, da Constituição, com seu art. 195, I, sob pena de se esvaziar o conteúdo daqueles primeiros comandos, na medida em que a base de cálculo e o fato gerador são os únicos elementos distintivos eleitos pelo constituinte para a identificação das espécies tributárias. Assim, quaisquer outras características atinentes às figuras jurídicas das contribuições são irrelevantes para sua pretendida classificação como espécie autônoma de tributo.

Desse modo, considerando que as contribuições, uma vez instituídas, são impostos, atraem para si os efeitos do art. 150, VI, “d”, da Constituição, impedindo que se onerem o produto da comercialização de livros, jornais, periódicos e o papel destinado a sua impressão.

O preceito defendido, como visto, ampara-se em coerente e firme doutrina nacional, que endossa a ideia central aqui exposta.

Não obstante, ainda que as contribuições referidas no art. 195, I, “b” da Constituição pudessem, de fato, ser consideradas espécies tributárias autônomas dos impostos, das taxas e das contribuições de melhoria, pretendeu o presente trabalho demonstrar que seriam elas igualmente atingidas pela imunidade sob apreço.

E isso é o que se extrai da interpretação teleológica do comando inscrito no art. 150, VI, “d” da Carta, em necessária homenagem ao intento do constituinte ao prescrevê-lo, qual seja desonerar a livre difusão do saber, da cultura e do pensamento, protegendo a liberdade de comunicação, a expressão artística e científica, a fim de que o conhecimento seja amplamente acessível.

Leitura contrária, data máxima venia, tem o condão de preterir a referida vontade do constituinte, seja em benefício do fisco, por razão qualquer, ou em homenagem a interpretação restritiva e literal, que não se coaduna com o espírito da Constituição de 1988.

Sob qualquer ótica que se analise a questão, portanto, a imunidade em tela terá alcançado os tributos referidos no art. 195, I, “b” da Constituição Federal.

REFERÊNCIAS

ATALIBA, Geraldo. Hipótese de Incidência Tributária. 6ª ed. São Paulo: Malheiros, 2019.

BALEEIRO, Aliomar. Limitações constitucionais ao poder de tributar. Atualizado por DERZI, Misabel.  7ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 1997.

BARRETO, Paulo Ayres. Contribuições: regime jurídico, destinação e controle. São Paulo: Noeses, 2011.

BECKER, Alfredo Augusto. Teoria Geral do Direito Tributário. 3ª ed. São Paulo: Lejus, 1998.

BRASIL. Constituição. Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília: Centro Gráfico, 1988.

BRASIL, Código Tributário Nacional. Lei n. 5.172, de 25 de outubro de 1966. Dispõe sobre o Sistema Tributário Nacional e institui normas gerais de direito tributário aplicáveis à União, Estados e Municípios. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l5172compilado.htm>. Acesso em 30 de maio de 2021.

CAPARROZ, Roberto. Direito Tributário Esquematizado. São Paulo: Saraiva, 2017.

CARRAZZA, Roque Antonio. Curso de Direito Constitucional Tributário. 32ª ed. São Paulo: Malheiros, 2017.

CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de Direito Tributário. São Paulo Saraiva, 2017.

COSTA, Regina Helena. Curso de Direito Tributário – Constituição e Código Tributário Nacional. 9ª ed. São Paulo: Saraiva: 2019.

COSTA, Regina Helena. Imunidades Tributárias. 3ª ed. São Paulo: Malheiros, 2015.

GORDILLO, Agustín. Princípios Gerais do Direito Público. Trad. GRECO, Marco Aurélio. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1977.

HART, Herbert Lionel Adolphus. O conceito de Direito. São Paulo: Martins Fontes, 2020.

HORVATH, Estevão. As contribuições na Constituição brasileira: ainda sobre a relevância da destinação do produto da sua arrecadação. São Paulo: Revista de Direito Tributário, nº 100, 2008. pp. 122-129.

HORVATH, Estevão. O princípio do não-confisco no direito tributário. São Paulo: Dialética, 2002.

MASCITTO, Andrea. Consequências Jurídico-Tributárias do Desvio das Receitas de Contribuições – Análise sob o Enfoque da CIDE-Combustível. São Paulo, Quartier Latin, 2013.

SHAPIRO, Scott J. The Hart-Dworkin Debate: A Short Guide for the Perplexed. 2007. Disponível em: https://ssrn.com/abstract=968657, e emhttp://dx.doi.org/10.2139/ssrn.968657. Aceso em 16 de junho de 2021.

SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. 36ª ed. São Paulo: alheiros, 2013.

XAVIER, Alberto. Temas de Direito Tributário. Rio de Janeiro, Lumen Juris, 1991.

APÊNDICE – REFERÊNCIA NOTA DE RODAPÉ

3. A propósito, a ementa do julgado: “RECURSO EXTRAORDINÁRIO. CONSTITUCIONAL. TRIBUTÁRIO. JORNAIS, LIVROS E PERIÓDICOS. IMUNIDADE TRIBUTÁRIA. INSUMO. EXTENSÃO MÍNIMA. Extensão da imunidade tributária aos insumos utilizados na confecção de jornais. Além do próprio papel de impressão, a imunidade tributária conferida aos livros, jornais e periódicos somente alcança o chamado papel fotográfico – filmes não impressionados. Recurso extraordinário parcialmente conhecido e, nessa parte, provido.” (RE 203859, Relator(a): CARLOS VELLOSO, Relator(a) p/ Acórdão: MAURÍCIO CORRÊA, Tribunal Pleno, julgado em 11/12/1996, DJ 24-08-2001 PP-00062 EMENT VOL-02040-06 PP-01263)

4. Idem: “RECURSO EXTRAORDINÁRIO – INSUMOS DESTINADOS À IMPRESSÃO DE LIVROS, JORNAIS E PERIÓDICOS – IMUNIDADE TRIBUTÁRIA – LIMITAÇÃO CONSTITUCIONAL AO PODER DE TRIBUTAR QUE TAMBÉM SE ESTENDE A MATERIAIS ASSIMILÁVEIS AO PAPEL – RECURSO DO ESTADO DE SÃO PAULO IMPROVIDO – PROVIMENTO DO RECURSO DEDUZIDO PELA EMPRESA JORNALÍSTICA. – O Supremo Tribunal Federal, ao interpretar, restritivamente, o alcance da cláusula inscrita no art. 150, VI, “d”, da Constituição da República, firmou entendimento no sentido de que a garantia constitucional da imunidade tributária, tratando-se de insumos destinados à impressão de livros, jornais e periódicos, estende-se, apenas, a materiais que se mostrem assimiláveis ao papel, abrangendo, em conseqüência, para esse efeito, os filmes e papéis fotográficos. Precedentes. – Posição do Relator sobre o tema: o Relator, Ministro CELSO DE MELLO, embora reconhecendo a possibilidade de interpretação extensiva do postulado da imunidade tributária (CF, art. 150, VI, “d”), ajusta o seu entendimento (pessoal e vencido) à orientação prevalecente no Plenário da Corte (RE 203.859/SP), em respeito ao princípio da colegialidade. – Considerações em torno da imunidade tributária, notadamente daquela estabelecida em favor de livros, jornais, periódicos e papel destinado à sua impressão. Significado e teleologia da cláusula fundada no art. 150, VI, “d”, da Constituição da República: proteção do exercício da liberdade de expressão intelectual e do direito de informação.”(RE 327414 AgR, Relator(a): CELSO DE MELLO, Segunda Turma, julgado em 07/03/2006)

5. Também a ementa do acórdão: “IMUNIDADE – UNIDADE DIDÁTICA – COMPONENTES ELETRÔNICOS. A imunidade prevista no artigo 150, inciso VI, da Constituição Federal alcança componentes eletrônicos, quando destinados, exclusivamente, a integrar a unidade didática com fascículos periódicos impressos.” (RE 595676, Relator(a): MARCO AURÉLIO, Tribunal Pleno, julgado em 08/03/2017, ACÓRDÃO ELETRÔNICO REPERCUSSÃO GERAL – MÉRITO DJe-291 DIVULG 15-12-2017 PUBLIC 18-12-2017)

6. Outra vez: “DIREITO TRIBUTÁRIO. EXTENSÃO IMUNIDADE AOS CARDS. RECURSO EXTRAORDINÁRIO INTERPOSTO SOB A ÉGIDE DO CPC/2015. ALEGAÇÃO DE OFENSA AO ART 150, IV, “D”, DA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA. DIVERGÊNCIA DA DECISÃO RECORRIDA COM A JURISPRUDÊNCIA CRISTALIZADA NO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. AGRAVO MANEJADO SOB A VIGÊNCIA DO CPC/2015. 1. O entendimento assinalado na decisão agravada não diverge da jurisprudência firmada no Supremo Tribunal Federal. Compreensão diversa demandaria a reelaboração da moldura fática delineada no acórdão de origem, a tornar oblíqua e reflexa eventual ofensa à Constituição, insuscetível, como tal, de viabilizar o conhecimento do recurso extraordinário. 2. As razões do agravo não se mostram aptas a infirmar os fundamentos que lastrearam a decisão agravada, principalmente no que se refere à ausência de ofensa a preceito da Constituição da República. 3. Majoração em 10% (dez por cento) dos honorários anteriormente fixados, obedecidos os limites previstos no art. 85, §§ 2º, 3º e 11, do CPC/2015, ressalvada eventual concessão do benefício da gratuidade da Justiça. 4. Agravo interno conhecido e não provido, com aplicação da penalidade prevista no art. 1.021, § 4º, do CPC/2015, calculada à razão de 1% (um por cento) sobre o valor atualizado da causa, se unânime a votação.” (RE 1193910 AgR, Relator(a): ROSA WEBER, Primeira Turma, julgado em 17/05/2019)

7. Institutos jurídico-contábeis que, por sua natureza e em especial no que tange às empresas cuja atividade guarde relação com a comercialização de livros ou periódicos, e.g., são compostos pelos valores das vendas dessas mercadorias. A incidência das contribuições sobre o faturamento, pois, quanto a essas empresas, equivale à incidência sobre a comercialização dos bens retro mencionados.

8. Assim se posicionou a Corte, e.g., no julgamento do RE nº 628.122/SP.

9.  Como se verá adiante, a Corte não tem posição firme sobre o número exato de espécies tributárias presentes na Constituição. Consenso em sua jurisprudência é, contudo, de que são elas mais de três.

10. Voto vista do Exmo. Min. Carlos Velloso.

11. A qual restringe as espécies tributária a três, como se explorará adiante.

12. Dentre eles Ives Gandra Martins, Alberto Xavier, Regina Helena Costa e José Afonso da Silva.

13. Nas palavras do autor, ele e Becker defendiam coisa muito similar (2019, p. 131): “Esse critério não discrepa do adotado por A. Becker. Quando estudamos a base imponível, conceituamo-la como ‘perspectiva dimensível do aspecto material da h.i.’. Classificamos os tributos pela consistência do aspecto material da h.i.; Becker, pela base imponível. O critério é o mesmo.”

14. Tanto o é que as isenções a que faz referência o texto constitucional, são, em verdade, imunidades, por exemplo. No sentido do que aqui se afirma, vale conferir a merecida crítica que faz Carvalho (2017, p.  58) ao emprego da locução coordenativa alternativa “ou” pelo constituinte originário no art. 154 da Carta de 1988: “É bem verdade que o art. 18, § 5º, da Constituição Federal de 1967, era mais preciso, ao empregar o conjunto ‘e’, ao invés do disjuntor includente ‘ou’. Esse dado, contudo, havemos de debutar às imperfeições ínsitas ao trabalho legislativo, principalmente quando se trata do legislador das normas gerais e abstratas.” De arremate, salienta o autor, agora em elogio à dicção do art. 4º, I, do Código Tributário Nacional (Op. cit. P. 60): “As leis não são feitas por cientistas do Direito e sim por políticos, pessoas de formação cultural essencialmente diversificada, representantes que são dos múltiplos setores que compõem a sociedade. O produto de seu trabalho, por conseguinte, não trará a marca do rigor técnico e científico que muitos almejam encontrar”.

15. “Art. 145. A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios poderão instituir os seguintes tributos:

I – impostos;

II – taxas, em razão do exercício do poder de polícia ou pela utilização, efetiva ou potencial, de serviços públicos específicos e divisíveis, prestados ao contribuinte ou postos a sua disposição;

III – contribuição de melhoria, decorrente de obras públicas.”

16. A propósito, vale conferir o acórdão exarado no julgamento da ADI nº 2.925. Veja-se o trecho do voto condutor do julgado que predica a ideia, ao tratar das contribuições: “(…) a sua característica está justamente na sua finalidade, ou na destinação do produto de sua arrecadação. É dizer, o elemento essencial para a identificação dessas espécies tributárias é a destinação do produto de sua arrecadação.”

17. E no ponto a jurisprudência peca pela incoerência. Ora, se a destinação do produto arrecadatório é elemento substancial para que contribuições sejam espécie tributária autônoma – porque assim expressa a Constituição, alega-se –, o desvio dessas receitas, ainda que para finalidade pública, deve indiscutivelmente gerar direito automático à repetição dos valores pagos, pois a vinculação de receitas é parte integrante da espécie tributária. Descumprida a destinação dos recursos, verificar-se-ia a inconstitucionalidade superveniente da exação, donde o direito à recuperação dos valores. Ou é isso que se defende, tratando as contribuições como espécie distinta de tributos, ou se reconhece que não são coisa distinta de impostos. Não há coerência jurídica em sustentar ambos ao mesmo tempo. Assim, aliás, Ayres Barreto (2011, p. 168): “(…) a norma que estabelece a vinculação do pagamento de contribuição a órgão, fundo ou despesa tem, para fins tributários, o mesmo relevo da regra-matriz de incidência. Contribuição, como espécie tributária autônoma, pressupõe o cumprimento de duas condutas distintas: (i) o dever jurídico do contribuinte pagar o tributo; (ii) o dever jurídico de o ente tributante aplicar o crédito tributário recebido no respectivo órgão, fundo ou despesa. Cumpridas ambas as condutas, estará, de um lado, extinto o crédito tributário e, de outro, restará desonerado o ente tributante da devolução do montante recebido. Pago o tributo, mas desviado o montante arrecadado, tem o contribuinte assegurado o direito subjetivo de repetir o indébito tributário. Se o tributo não for pago pelo contribuinte, assegura-se ao ente tributante o direito subjetivo de exigir, de forma coativa, o adimplemento da obrigação.” Em idêntico sentido Estevão Horvath (2008, p. 126), para quem o desvio do produto arrecadatório de contribuições implica “na impossibilidade da sua exigência e posterior restituição do que foi indevidamente recolhido aos cofres públicos”.

18. Trata-se, atualmente, da Lei nº 9.718/1998, que instituiu o Programa de Integração Social e de Formação do Patrimônio do Servidor Público (PIS/PASEP) e a Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social (COFINS).

19. Com efeito, a conclusão semelhante já chegou o Supremo no passado ao examinar a contribuição ao FINSOCIAL, instituída pelo Decreto-Lei 1.940/1982, ainda na vigência da Constituição de 1967/69. Assim os seguintes julgados: RE 109.484, Rel. Min. Célio Borja, Segunda Turma, DJ 27.5.88; RE 116.492, Rel. Min. Célio Borja, Segunda Turma, DJ 16.9.88; RE 170.717, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, Primeira Turma, DJ 8.5.1998; RE 252.132, Rel. Min. Ilmar Galvão, Primeira Turma, DJ 19.11.1999.

20. Cumpre mencionar que a tese central aqui defendida – a imunidade dos livros, jornais, periódicos e papéis destinados a sua impressão – às contribuições do art. 195, I, “b” da Constituição já foi corroborada pelo STF no passado, por razoes similares. Assim o julgado do RE nº 109.484, proferido ainda sob a vigência da Carta anterior, ao examinar a imunidade dos bens referidos à dita contribuição ao FINSOCIAL. Confira-se a ementa do acórdão: “Constitucional. Tributário. FINSOCIAL. Livro. Jornal. Periódicos. Comercialização. Imunidade. Art. 19, III, d, da Constituição Federal [de 1967/69]. Reconhecidas, em precedentes do Supremo Tribunal Federal, a natureza tributária do FINSOCIAL e a amplitude da imunidade assegurada pelo art. 19, III, d, da Carta Política em vigor, ao livro, ao jornal, aos periódicos e ao papel destinado a sua impressão, há de estender-se a proteção constitucional – até em razão do princípio da liberdade de opinião e de difusão de idéias (art. 153, § 8o, CF) – à fase de comercialização que, sem dúvida, se compreende na imunidade. RE conhecido e provido para deferir a segurança impetrada”. (Rel. Min. Célio Borja, Segunda Turma, DJ 27.5.88; no mesmo sentido: RE 116.492, Rel. Min. Célio Borja, Segunda Turma, DJ 16.9.88)

21. “Art. 4º A natureza jurídica específica do tributo é determinada pelo fato gerador da respectiva obrigação, sendo irrelevantes para qualificá-la: I – a denominação e demais características formais adotadas pela lei;”

22. Essa última base incluída pela Emenda Constitucional nº 20, de 1988.

23. O mesmo equivale para os jornais: sua receita bruta e faturamento são exatamente compostos pelos valores obtidos com a comercialização de periódicos, dentre outras rubricas. O exemplo vale também para as livrarias e todos aqueles contribuintes outros que têm sua receita ou faturamento composto em decorrência de atividade com os bens protegidos no art. 150, VI, “d”, da Constituição.

24. Em tradução livre: “(…) a função fundamental de todos os sistemas jurídicos é atingir certos objetivos políticos e morais muito gerais. Esses objetivos incluem a manutenção da ordem, a prevenção de comportamentos indesejáveis ​​e ilícitos, a promoção da justiça distributiva, a proteção de direitos, a provisão de facilidades para a ordenação privada e a solução justa de controvérsias. Como os sistemas jurídicos devem proceder para atingir esses objetivos, é claro, é provavelmente uma questão complexa e controversa.

(…)

É uma das funções principais dos projetistas jurídicos resolver exatamente esses problemas. Eles resolvem questões sobre objetivos políticos específicos por meio do processo de desenho institucional, ou seja, distribuindo direitos e responsabilidades de forma que o exercício dos poderes alocados e a observância das funções atribuídas atinjam os objetivos e concretizem os valores que desejam promover. Dessa forma, o comportamento dos membros da comunidade será canalizado na direção dos objetivos selecionados. Isso não quer dizer que as funções fundamentais da lei serão alcançadas simplesmente por meio de deferência à estrutura institucional projetada por aqueles que detêm autoridade. Na verdade, se os projetistas não forem confiáveis ​​e projetarem o sistema de maneira inadequada, os amplos objetivos morais mencionados anteriormente não serão atingidos por certo. O ponto, sim, é que, se aqueles em posição de autoridade são basicamente confiáveis, que é o que a lei sempre supõe, fazer deferência aos julgamentos dos designers sobre como atingir os objetivos fundamentais do sistema é uma estratégia altamente eficaz para realmente atingir esses fins.

Uma vez que reconhecido que os projetistas jurídicos desempenham essa função “resolutória”, nota-se o porquê de suas resoluções relativas a fins e valores específicos deverem ser privilegiadas na determinação da metodologia interpretativa.”

[1] Mestrando em Direito no núcleo de pesquisa em Direito Constitucional e Processual Tributário da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, Pós-Graduado em Direito Tributário pela Fundação Getúlio Vargas / FGV Direito SP e Bacharel em Direito pela PUC-SP.

[2] Mestrando em Direito no núcleo de pesquisa em Direito Constitucional e Processual Tributário da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, Especialista em Direito Fiscal pela PUC-Rio e Bacharel em Direito e Ciências Contábeis pela UNESA.

Enviado: Novembro, 2021.

Aprovado: Dezembro, 2021.

5/5 - (3 votes)
Alex Rodolfo Jacot Anechinno

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

POXA QUE TRISTE!😥

Este Artigo ainda não possui registro DOI, sem ele não podemos calcular as Citações!

SOLICITAR REGISTRO
Pesquisar por categoria…
Este anúncio ajuda a manter a Educação gratuita