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O instituto da reaposentação na conjuntura do direito previdenciário brasileiro

RC: 108937
144
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CONTEÚDO

ARTIGO ORIGINAL

CHAGAS, Gabriella Cristina [1]

CHAGAS, Gabriella Cristina. O instituto da reaposentação na conjuntura do direito previdenciário brasileiro. Revista Científica Multidisciplinar Núcleo do Conhecimento. Ano. 07, Ed. 03, Vol. 04, pp. 05-18. Março de 2022. ISSN: 2448-0959, Link de acesso: https://www.nucleodoconhecimento.com.br/lei/instituto-da-reaposentacao

RESUMO

O tema da reaposentação foi levado à análise do Supremo Tribunal Federal após se verificar a reincidência de demandas a seu respeito, principalmente, após o julgamento dos RE nº s 661.256 e 827.833 de 06/02/2020 pelo mesmo órgão. Entretanto, questiona-se se há compatibilidade ou incompatibilidade deste tema com as normativas vigentes que regulamentam a Previdência Social, e ainda, com os anseios sociais. Desta forma, o objetivo do presente trabalho é analisar o instituto jurídico da reaposentação, bem como adentrar nas principais normas e princípios (previdenciários e constitucionais) que regem o direito previdenciário brasileiro, a fim de concluir a respeito da convergência entre as normas e o tema abordado. Para tanto, optou-se pela metodologia do estudo de caso e revisão de literatura, na qual foram acessados textos bibliográficos e artigos pertinentes ao assunto. O resultado do estudo elucida que a reaposentação é uma tese previdenciária que harmoniza de forma coesa as normas e princípios previdenciários e as pretensões sociais.

Palavras-chave: previdência social; reaposentação; direito brasileiro.

1. INTRODUÇÃO

O presente trabalho irá analisar o contemporâneo instituto da reaposentação face ao segurado da Previdência Social, questionando se existe compatibilidade entre as premissas do instituto sob análise e as normas previdenciárias e constitucionais, além de explanar se este se adequa aos anseios da sociedade, mediante uma exploração da recente decisão do STF, de relatoria do Ministro Luís Roberto Barroso, datada de 06/02/2020, onde houve esclarecimentos acerca do tema 503 de repercussão geral, que gerou a inclusão do instituto da reaposentação no tema.

Objetiva-se apreciar a reaposentação e, através de uma análise normativa dos princípios condutores do direito previdenciário identificar se a mesma atende ao mister dos princípios e normas que regem o Regime da Previdência Social e igualmente apurar se há uma conciliação com o interesse público.

A metodologia do estudo de caso e revisão de literatura será utilizada de forma a solucionar a questão norteadora de forma clara e objetiva.

Assim sendo, o trabalho está dividido da seguinte forma; no tópico 2 será apresentado o caso estudado, no 2.1 será apresentada a decisão que deu origem ao presente trabalho, bem como principais pontos de seu embasamento. Será feita uma exposição breve sobre o instituto da desaposentação, que deu origem à reaposentação.

No tópico 2.2 será feito uma abordagem sobre as normas que regulamentam a matéria em questão, bem como os princípios jurídicos relevantes que se aplicam ao caso.

No tópico 2.3 iremos adentrar um pouco mais na decisão dada pelo tribunal, de forma a evidenciar quais foram os principais pontos e argumentos que definiram sua decisão.

Por fim, no item 2.4 avaliaremos os pontos centrais de divergência e convergência da doutrina e jurisprudência, e se, de alguma maneira, houve interpretações antagônicas de princípios previdenciários entre os doutrinadores que geraram embate.

2. APRESENTAÇÃO DO CASO

Recentemente, o Supremo Tribunal Federal (STF), no julgamento dos embargos de declaração (pedido de esclarecimento) nos Recursos Extraordinários (RE) 381367 RE 827833 e RE 661256, datado de 06/02/2020[2], alterou a tese de repercussão geral que tratava da impossibilidade de desaposentação, fazendo constar também o instituto da reaposentação, definindo ainda o âmbito de abrangência de sua decisão.

A demanda inicial tratada pelo STF no tema supramencionado corresponde a uma contenda, na qual o emérito ambicionava abrir mão voluntariamente de sua aposentadoria, sucedendo-se a reanálise de todo o período contributivo de forma a abranger contribuições posteriores à concessão da primeira jubilação. Tais contribuições eram decorrentes de sua permanência no mercado de trabalho, conservando-se na qualidade de segurado obrigatório do regime próprio de previdência social (RGPS), com vistas a acrescentar este período posteriormente assimilado para que, então, fosse deferido benefício maior, mais vantajoso, visto que haveria a incidência de um fator previdenciário mais benéfico.

Neste contexto, pode-se considerar o entendimento do conceito de desaposentação sob palavras de Castro e Lazzari (2009),

A desaposentação é o direito do segurado ao retorno à atividade remunerada. É o ato de desfazimento da aposentadoria por vontade do titular, para fins de aproveitamento do tempo de filiação em contagem para nova aposentadoria, no mesmo ou em outro regime previdenciário (CASTRO; LAZZARI, 2009, p. 570).

No entanto, dentro desse debate, considera-se que não há nenhuma vedação a este instituto no âmbito Constitucional, não existindo, portanto, norma impeditiva de sua aplicação, como entende Martinez (2002),

Se não há vedação legal para a desaposentação, subsiste a permissão. Realmente, quando a norma pública pretende obstar determinado fato, deve discipliná-lo claramente; em princípio, se não está proibindo, enquanto convier ao titular do direito, é porque deseja que aconteça (MARTINEZ, 2002, p. 73).

Apesar disso, observou-se um posicionamento do Supremo Tribunal Federal pautado no princípio da legalidade, ao passo em que o Tribunal havia fixado tese nos seguintes termos:

No âmbito do Regime Geral de Previdência Social – RGPS, somente lei pode criar benefícios e vantagens previdenciárias, não havendo, por ora, previsão legal do direito à ‘desaposentação’, sendo constitucional a regra do art. 18, § 2º, da Lei nº 8.213/91[3] (STF, 2016).

Após a decisão de 2016 do Supremo, que inviabilizava a desaposentação, a Advocacia Geral da União e o Instituto Nacional de Seguro Social passaram a realizar cobranças de aposentados que haviam obtidos, anteriormente, a desaposentação pela via judicial, exigindo a devolução dos benefícios percebidos a mais, em virtude do novo cálculo.

Assim, se viu necessário requerer um posicionamento relacionado à devolução desses valores, e ainda, sobre a reaposentação, que não havia sido inclusa na tese de repercussão geral. Tal pleito foi coordenado pela Confederação Brasileira de Aposentados e Pensionistas (COBAP), o que culminou na decisão recente do STF datada de 06/02/2020:

EMENTA Constitucional. Previdenciário. Parágrafo 2º do art. 18 da Lei 8.213/91. Desaposentação. Renúncia a anterior benefício de aposentadoria. Utilização do tempo de serviço/contribuição que fundamentou a prestação previdenciária originária. Obtenção de benefício mais vantajoso. Julgamento em conjunto dos RE nºs 661.256/SC (em que reconhecida a repercussão geral) e 827.833/sc. Recursos extraordinários providos […] [4]

[…] deste julgamento, e alterou a tese de repercussão geral, que ficou assim redigida: “No âmbito do Regime Geral de Previdência Social – RGPS, somente lei pode criar benefícios e vantagens previdenciárias, não havendo, por ora, previsão legal do direito à ‘desaposentação’ ou à ‘reaposentação’, sendo constitucional a regra do art. 18, § 2º, da Lei nº 8.213/91 […][5] (STF, 2020).

Evidencia-se que na decisão não houve uma análise sistêmica dos princípios constitucionais e previdenciários que regem o sistema previdenciário brasileiro, como o do caráter contributivo da previdência e vedação ao retrocesso social e, apesar da reaposentação ter embasamento dissemelhante à desaposentação, o STF decidiu por negar a viabilidade de ambos os institutos jurídicos, ao invés de analisar cada um separadamente. É o que desfiaremos a seguir.

2.1 IDENTIFICAÇÃO DAS NORMAS E PRINCÍPIOS QUE REGULAMENTAM A MATÉRIA

De plano, é considerável esclarecer que a reaposentação não se confunde com a desaposentação, tese esta que já havia, em 2016, passado pela análise do Supremo Tribunal Federal no julgamento do tema 503 de repercussão geral.

Ambos os institutos foram desenvolvidos através de construção doutrinária e jurisprudencial, entretanto, ao passo que a desaposentação trata de utilizar período posterior à primeira aposentadoria em conjunto com o período anterior, a fim de obter benefício mais vantajoso, a reaposentação, apesar de igualmente depreender aposentadoria preliminar, consiste em conceder novo benefício, tomando por base apenas o período contributivo posterior à concessão da primeira jubilação.

Em outros termos, demanda que aquele aposentado que continuou como segurado obrigatório após a sua jubilação, sendo compelido a permanecer subsidiando o sistema, tenha a perspectiva de se valer dessas contribuições na reivindicação de um novo benefício previdenciário melhor ou mais benéfico.

Assim, nas palavras de Castro e Lazzari (2016):

Não é incomum o segurado continuar trabalhando após a aposentadoria e contribuir por mais quinze anos e, com isso, completar novo período de carência após o jubilamento. Por exemplo, o segurado obteve aposentadoria por tempo de serviço/contribuição com 50 anos de idade e continuou contribuindo. Ao completar os 65 anos de idade terá preenchido os requisitos para a concessão da aposentadoria por idade (CASTRO; LAZZARI, 2016, p. 698-699).

Essa circunstância específica, deveras evidenciada no panorama econômico brasileiro e não contemplada pela legislação, deu ensejo às correntes doutrinárias acerca da temática.

Ou seja, já que as novas contribuições não poderiam fazer jus ao novo benefício, vez que não se podem acumular benefícios da mesma natureza, que fossem utilizadas para atribuir vantagem a este contribuinte. Assim se verificaria interpretação mais coerente com a lei maior.

Os direitos insertos no Art. 7º do texto constitucional relativos à Previdência Social são considerados direitos sociais, e se organizam sob a forma do regime Geral, este, pautados em inúmeros princípios também previstos na Constituição (BRASIL, 1988). Sob o mesmo ponto de vista, o doutrinador Kertzman (2014) afirma que:

A Seguridade Social está inserida no Título VIII da Constituição Federal/88, dedicado à Ordem Social. Por isso, os direitos relativos à Previdência, Saúde e Assistência Social são considerados Direitos Sociais. O Direito Previdenciário estuda apenas um destes ramos, qual seja o da Previdência Social (KERTZMAN, 2014, p. 27).

A Previdência Social, de forma simplificada, pode ser entendida como um tipo de seguro público, coletivo, compulsório, contributivo que busca resguardar determinados riscos sociais como a velhice, a incapacidade para o trabalho ou até mesmo o falecimento. Nesse sentido, a previdência social está alicerçada em inúmeros princípios como o da solidariedade, no caráter contributivo e em sua filiação obrigatória, este último ocorrendo sempre que uma pessoa passa a exercer atividade remunerada legalmente estabelecida na lei do Regime Geral da Previdência Social – RGPS[6]

Nas palavras de Santos (2012):

A previdência social como um seguro com regime jurídico especial, pois é regido por normas de direito público e é necessariamente contributiva, disponibilizando benefícios e serviços aos segurados e seus dependentes, que variarão a depender do plano de cobertura (SANTOS, 2012. p. 115).

Dentre os benefícios inseridos na previdência social destaca-se a aposentadoria, que consiste basicamente em desobrigar o segurado a exercer a atividade laboral seja por alguma incapacidade ou por ter atingido determinado requisito legal.

Fato é que inúmeros brasileiros permanecem em labor após a aposentadoria, principalmente para complementação de renda familiar, e por obrigação da norma, continuam a contribuir com o sistema previdenciário. Tanto a desaposentação como a reaposentação, nesta análise, podem ser consideradas como uma forma idealizada pela doutrina e efetivada pela jurisprudência, de fazer valer essas contribuições vertidas após a aposentadoria.

Em verdade, a reaposentação é até considerada por alguns doutrinadores como Alencar (2012), em sua obra “O Instituto da Transformação de Benefícios Previdenciários do RGPS, como “filha” da desaposentação, porquanto dela teria sido oriunda, mas, de maneira oposta à desaposentação, não estaria trajada de alguns pontos de controvérsia que poderiam culminar em sua repulsa. A reaposentação seria, por conseguinte, uma solução plausível que atenderia os princípios constitucionais e previdenciários.

2.2 SOLUÇÃO DO TRIBUNAL

Os tribunais, antes do posicionamento do STF, possuíam, em sua maioria, entendimento no sentido de prover o instituto da reaposentação:

PREVIDENCIÁRIO. RENÚNCIA À APOSENTADORIA PARA RECEBIMENTO DE NOVO BENEFÍCIO. APOSENTADORIA POR IDADE URBANA COM BASE NOS RECOLHIMENTOS POSTERIORES À INATIVAÇÃO. POSSIBILIDADE. APOSENTADORIA POR IDADE URBANA. REQUISITOS PREENCHIDOS.

ART. 497 DO NCPC. 1. A concessão de aposentadoria por idade urbana depende da implementação de requisito etário – haver completado 65 (sessenta e cinco) anos de idade, se homem, e 60 (sessenta) anos de idade, se mulher, e a carência definida em lei. Requisitos preenchidos. 2. Possível a outorga de aposentadoria por idade, com base apenas em tempo de contribuição posterior à primeira inativação, que perfaz, como se extrai dos autos, mais de 180 contribuições […][7] (STJ, 2016).

Verificamos uma divergência na interpretação realizada pelo Supremo que, provavelmente, passará a ser diretriz para os demais órgãos julgadores. Ocorre que, conforme vem sendo discorrido no trabalho, tal decisão pode ser vista como injusta ao contribuinte, ao passo que não atende a alguns princípios.

A solução dada pelo Tribunal se evidencia na aplicação do princípio puro da legalidade, afirmando que a situação jurídica carece de formalidade legal, sendo, por conseguinte, inviável sua aplicação. Ademais, como vemos no trecho do voto do Ministro Gilmar Mendes (2016), muito se preocupou com o princípio do equilíbrio financeiro e atuarial, e como a percepção desse novo instituto poderia vir a causar situação de instabilidade jurídica no que tange à concessão de benefícios de aposentadoria.

A esse respeito, não se deve olvidar que a Administração Pública se rege pelo princípio da legalidade, de modo que seria inviável a instituição de novas formas de cálculo do benefício, sem o estabelecimento de critérios normativos específicos para a regulamentação do tema. Ou seja, ausente um regramento expresso e suficiente para resultar nos objetivos pretendidos pela desaposentação, […]

[…] Portanto, a mim me parece que, se a matéria devesse ser revista, ela teria que ser feita pelo legislador, que teria que seguir os parâmetros que a Constituição determina, os parâmetros atuariais (MENDES, 2016).

Sobre a questão da abrangência da decisão, houve modulação nos efeitos da sentença de forma a não atingir aos contribuintes que já estavam a perceber contribuições sob a ótica das duas teses jurídicas agora negadas, seja por via de tutela provisória ou por sentença judicial transitada em julgado, salvaguardando as hipóteses relativas às decisões transitadas em julgado até a data do julgamento.

Identifica-se, no julgamento, que não se enterrou em definitivo a esperança na efetividade dessas teses no ordenamento jurídico pátrio. No entanto, o Supremo absteve-se a definir a matéria, por considerar que sua extensão seria muito abrangente, dessa forma, causaria, em caso de aceite, inúmeros reflexos em outras normativas, principalmente do que se refere aos princípios que tratam do custeio e equilíbrio financeiro, fundamentais para a boa existência do nosso sistema previdenciário.

2.3 DISCUSSÃO DA SOLUÇÃO DADA PELO TRIBUNAL COM BASE NA DOUTRINA E EM DECISÕES DIVERGENTES E/OU CONVERGENTES

Da própria decisão dada pelo tribunal podemos extrair importantes apontamentos favoráveis sobre o tema em comento. A exemplo, no voto vencido do Ministro Barroso (2016):

Em suma: a possibilidade de renúncia a uma aposentadoria anterior para requerimento de uma nova é uma decorrência do sistema normativo em vigor, notadamente da combinação entre: (i) a imunidade dos proventos do RGPS em relação à contribuição social incidente sobre os rendimentos do trabalho; (ii) a cobrança da contribuição dos aposentados que retornam ao mercado de trabalho, sob o mesmo regime dos demais trabalhadores; e (iii) a inexistência de benefícios previdenciários específicos que justifiquem a incidência dessa tributação vinculada. Por tudo isso, se a legislação ordinária vedasse a desaposentação de forma expressa, a sua compatibilidade com o atual texto constitucional seria no mínimo duvidosa. (BARROSO, 2016)

Sua linha de raciocínio, analisando seu voto, é que a própria sistemática da lei cria uma situação de desvantagem para o aposentado que permanece em atividade laboral, pois, exige deste, que mantenha suas contribuições. Em suas palavras: “o que a Administração pretende é tratar o trabalho após a aposentadoria exatamente da mesma forma que a atividade anterior, mas apenas em relação aos ônus” (BARROSO, 2016).

Imputar esse ônus ao contribuinte causaria situação de retrocesso social, como entende Rios (2018), pois, em síntese, a Constituição Brasileira possui implícita em sua alma a vedação à regressão de direitos, principalmente os de cunho fundamental, que devem sempre ser ampliados para atingir as diversas áreas sociais, só, desta maneira, sendo capazes de repartir equidade coletiva.

Rios (2018) trata o direito a reaposentação como direito adquirido. Neste sentido, Correia (2007) entende que a ideia firmada de direitos sociais é bem mais extensa do que apenas aqueles taxativos na norma maior, mas sim, aqueles que, balizados pelos fundamentos principiológicos da carta magna, se associaram à herança social através de seus anseios e lutas.

Nesta linha, o direito adquirido não é apenas aquele que incorporou ao patrimônio jurídico do seu titular, em vista da incidência da norma aplicável à época do fato (o que se pode denominar direito adquirido individual). Deve ser considerado, também, a partir da perspectiva da sociedade, como tudo o que incorporou o patrimônio jurídico desta, em vista da luta diária pela aquisição de seus direitos (o que se chama, neste estudo, de direito adquirido social – termo herdado de Anníbal Fernandes (CORREIA, 2007, p. 86).

Igualmente no entender do Ministro Barroso (2016), a vertente de que “é através do princípio da legalidade que se refutam as teses argumentadas” estaria a tempos superado, em suas palavras “por uma ideia mais ampla que é o princípio da juridicidade, que supera o da legalidade, em que se aplica não uma norma específica, mas o sistema jurídico” (BARROSO, 2016).

Na decisão do Supremo se delineia nova interpretação ao princípio do caráter contributivo, em comunhão com o princípio da solidariedade, também pilar da seguridade social, de forma que, a interpretação tende a afirmar que as contribuições obrigatórias não necessariamente determinam vantagem para o contribuinte em si, mas para a coletividade, precisamente, para os integrantes da sistemática previdenciarista, que de igual modo, subsidiam o sistema. Ou seja, a ideia de que deve haver, em todo caso, contraprestação, seria equivocada.

Tal corrente de interpretação elabora percepção de esvaziamento de direitos e imputação de ônus excessivo ao contribuinte, inconciliável com a isonomia que da mesma maneira permeia a metodologia da previdência social, ao passo que são obrigados a contribuir em equivalência de obrigações com os ativos, sem contrapartida.

3. CONSIDERAÇÕES FINAIS

No presente estudo abordou-se a reaposentação enquanto instituto jurídico, com base na decisão recente do STF nos embargos de declaração nos Recursos Extraordinários (RE) 661.256 e 827.833, a fim de esclarecer se há discordância ou concordância desta temática face aos princípios constitucionais e previdenciários norteadores da Previdência Social.

Após análise e respondendo a questão norteadora desta pesquisa, podemos concluir que, de fato, a decisão do Supremo em muito acerta nos termos em que se preocupa com a instabilidade jurídica, que preponderaria caso houvesse o acatamento da tese da desaposentação (que deu origem a reaposentação) no ordenamento jurídico brasileiro, sem uma prévia reestruturação de algumas normas. Entretanto, tratar a reaposentação da mesma maneira soa como equívoco.

Os argumentos utilizados para negar provimento à desaposentação não são suficientes para renegar a reaposentação, até porque, apesar destas teses jurídicas possuírem similitudes, destoam em sua essência.

A desaposentação objetiva o cancelamento da primeira aposentadoria para utilizar este tempo de contribuição conjuntamente com o tempo de contribuição posterior à primeira jubilação, a fim de obter benefício mais vantajoso.

Se for correto que a reaposentação busca se valer apenas das contribuições realizadas após a concessão da aposentadoria para deferimento de novo benefício, e uma vez alcançados os requisitos, se faz totalmente possível sua aplicação pela própria sistemática inserta no direito previdenciário Brasileiro.

Além disso, a análise pelos operadores do direito das normativas e a interpretação de conceitos que permeiam nosso sistema jurídico, deve sempre buscar sua destinação maior, que se dá mediante ao atendimento das pretensões da coletividade.

Isto posto, é notório que a reaposentação converge com os princípios trazidos à baila no presente trabalho, compatibilizando-se com as normas e princípios da Previdência Social. A conciliação entre a premissa do instituto e as normas previdenciárias e constitucionais é seguramente cabível, e demonstra ser de igual forma compatível, inclusive, com as expectativas do contribuinte obrigatório, em outros termos, com a aspiração coletiva, razão pela qual a reaposentação deve ser objeto de uma análise mais cuidadosa e aprofundada pelo Superior Tribunal Federal.

REFERÊNCIAS

ALENCAR, Hermes Arrais. O Instituto da Transformação de Benefícios Previdenciários do Regime Geral da Previdência Social. Ed. Conceito Editorial, Rio de Janeiro, 2012.

BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF. Senado Federal: Centro Gráfico, 1988.

BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Segundos Emb Decl. No Recurso Extraordinário 661256. Relator: Ministro Dias Toffoli. Diário de Justiça Eletrônico. Brasília, 06 fev., 2020. Disponível em: <http://www.stf.jus.br/portal/pauta/verTema.asp?id=137320#>. Acessado em 24 de fevereiro de 2020.

BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Recurso Extraordinário 661.256. Relator: Ministro Roberto Barroso. Diário de Justiça Eletrônico. Inteiro Teor do Acórdão. Brasília, 27 out., 2016. Disponível em:  <http://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=TP&docID=13687555>. Acessado em 24 de março de 2020.

BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Recurso Extraordinário: RE 827833 SC-Santa Catarina. Relator: Min. Roberto Barroso. Tribunal Pleno. Diário de Justiça Eletrônico. Brasília, 26 out., 2016. Disponível em: <https://stf.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/772440265/recurso-extraordinario-re-827833-sc-santa-catarina>. Acessado em 24 de março de 2020.

BRASIL. Tribunal Regional Federal (4. região). Processo – AC 50055612020144047100 RS 5005561-202014404710. Relator João Batista Pinto Silveira. Rio Grande do Sul, 22 fev. 2017. Disponível em: <https://trf-4.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/433645520/apelacao-civel-ac-50055612020144047100-rs-5005561-2020144047100>. Acessado em 10 de abril de 2020.

CASTRO, Carlos Alberto Pereira de; LAZZARI, João Batista. Manual de Direito Previdenciário. 11. ed. Florianópolis: Conceito Editorial, 2009, p. 698-699.

CORREIA, Marcus Orione Gonçalves; CORREIA, Érica Paula Barcha. Curso de direito da seguridade social. São Paulo: Saraiva, 2007.

KERTZMAN, Ivan. Curso prático de direito previdenciário. 11. ed. Salvador, Jus PODIVM, 2014.

MARTINEZ, Wladimir Novaes. A seguridade social na constituição federal. ed. São Paulo: LTr, 2002, p. 73.

RIOS, Bruno Carlos dos. A pujante sobrevida da reaposentação dentro do ordenamento jurídico brasileiro. Ciências Sociais Aplicadas em Revista – UNIOESTE/MCR – v.18 – n. 35, p. 181 a 192, 2º sem. 2018, p. 181 a 192 – ISSN 1982-3037

SANTOS, Maria Ferreira dos. Direito Previdenciário. São Paulo, Saraiva. 2012.

APÊNDICE – REFERÊNCIA NOTA DE RODAPÉ

2. Tal discussão pode ser verificada no sítio eletrônico do Supremo Tribunal Federal, o endereço eletrônico se encontra nas referências deste trabalho.

3. O Ministro Marco Aurélio não participou da fixação da tese. Ausentes, justificadamente, o Ministro Celso de Mello, e, nesta assentada, o Ministro Gilmar Mendes. Presidência da Ministra Cármen Lúcia. Plenário, 27.10.2016.

4. Decisão de relatoria que se encontra no site do Supremo Tribunal Federal, o qual link está anexado nas referências deste trabalho.

5. Vencidos os Ministros Edson Fachin, que acolhia os embargos em maior extensão, e o Ministro Marco Aurélio, que já havia votado no sentido de acolher os embargos apenas para prestar esclarecimentos, sem eficácia modificativa. Em seguida, o Tribunal, por maioria, decidiu preservar as hipóteses relativas às decisões transitadas em julgado até a data deste julgamento. Ficaram vencidos quanto às decisões transitadas em julgado os Ministros Dias Toffoli (Presidente e Relator), Gilmar Mendes e Luiz Fux. Quanto à fixação do marco temporal do trânsito em julgado, ficaram vencidos os Ministros Alexandre de Moraes, Roberto Barroso e Cármen Lúcia, que fixavam a data de 27.10.2016. Na votação desses pontos, o Ministro Marco Aurélio reafirmou seu voto no sentido de que acolhera os embargos apenas para prestar esclarecimentos, sem eficácia modificativa, ficando, portanto, vencido. Redigirá o acórdão o Ministro Alexandre de Moraes. Ausente, por motivo de licença médica, o Ministro Celso de Mello. Plenário, 06.02.2020.

6. O aposentado pelo Regime Geral de Previdência Social-RGPS que estiver exercendo ou que voltar a exercer atividade abrangida por este Regime é segurado obrigatório em relação a essa atividade, ficando sujeito às contribuições de que trata esta Lei, para fins de custeio da Seguridade Social. (Lei 9.032/1995, § 4º do art. 18).

7. A Ementa completa encontra-se no site do jusbrasil do Tribunal Regional Federal da 4° Região sob o registro de APELAÇÃO CIVEL: AC 5005561-20.2014.404.7100 RS 5005561-20.2014.404.7100, o link se se encontra na relação de referências neste trabalho.

[1] Especialista em Direito do Trabalho e Previdenciário, Graduada em Direito. ORCID: 0000-0001-8027-6266.

Enviado: Dezembro, 2021.

Aprovado: Março, 2022.

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Gabriella Cristina Chagas

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