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A contribuição ao Programa de Integração Social (PIS) e a Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social (COFINS) incidentes sobre as receitas financeiras das instituições financeiras nos moldes estipulados pela lei nº 9.718/98

RC: 152530
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DOI: 10.32749/nucleodoconhecimento.com.br/lei/programa-de-integracao-social

CONTEÚDO

ARTIGO ORIGINAL

BITENCOURT, Yasmin da Silva [1]

BITENCOURT, Yasmin da Silva. A contribuição ao Programa de Integração Social (PIS) e a Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social (COFINS) incidentes sobre as receitas financeiras das instituições financeiras nos moldes estipulados pela lei nº 9.718/98. Revista Científica Multidisciplinar Núcleo do Conhecimento. Ano 09, Ed. 03, Vol. 02, pp. 167-182. Março de 2024. ISSN: 2448-0959, Link de acesso: https://www.nucleodoconhecimento.com.br/lei/programa-de-integracao-social, DOI: 10.32749/nucleodoconhecimento.com.br/lei/programa-de-integracao-social

RESUMO

O objetivo deste trabalho é analisar se há fundamento normativo para que se exija o pagamento das contribuições ao PIS e a COFINS sobre as receitas financeiras das instituições financeiras no período entre a edição da Lei 9.718/98 e a superveniência da Lei nº 12.973/2014. Com a promulgação da Lei 9.718/98 foram introduzidas alterações na legislação aplicável a tais contribuições que promoveram o alargamento da base de cálculo das contribuições, uma vez que referida lei equiparou o faturamento ao conceito de receita bruta, extrapolando assim o conceito técnico de faturamento previsto originariamente no artigo 195, inciso I, da Constituição Federal de 1988 ao considerar não apenas a receita da venda de bens e serviços mas também as demais receitas, inclusive as financeiras.

Palavras-chave: PIS-COFINS, Faturamento, Instituições financeiras.

1. INTRODUÇÃO

A Contribuição ao Programa de Integração Social (PIS) e a Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social (COFINS), até 27 de novembro de 1998 incidiam sobre o faturamento entendido enquanto conceito técnico de direito comercial que representa a venda de mercadorias ou prestação de serviços sendo que as referidas exações possuem fundamento constitucional no artigo 195, inciso I da Constituição Federal de 1988 (CF/88), que em sua redação original autorizava a incidência das referidas contribuições (PIS/COFINS) tão somente sobre o faturamento e não sobre todas as receitas das pessoas jurídicas.  Para alargar a base de cálculo de referidas contribuições, o legislador à época estava vinculado ao que determina o art. 154, I, da CF/88 que exige lei complementar para o exercício da competência tributária residual da União (Coêlho; Maneira; Santiago, 2010, p. 127).

Entretanto, a Lei ordinária nº 9.718, de 27/11/1998 (Lei 9.718/98), em seu artigo 3º, §1º, ampliou a base de cálculo do PIS/COFINS as quais passaram a incidir sobre a totalidade das receitas auferidas pelas pessoas jurídicas e não mais apenas sobre o respectivo faturamento. Assim, a base de cálculo passou a ser receita da totalidade de receitas originadas da atividade principal da pessoa jurídica, englobando tanto a receita da venda de mercadorias e serviços, como também as receitas financeiras, de incorporação imobiliária e de seguros (Paulsen; Velloso, 2019, p. 227)

Deste modo, consoante o disposto na Lei 9.718/98, as instituições financeiras passaram, a partir de janeiro de 2000, quanto ao PIS, e, a partir de fevereiro de 1999, quanto a COFINS, a sujeitar-se ao pagamento das referidas exações sobre a totalidade das receitas, admitidas as exclusões previstas em lei.

Ocorre que menos de um mês após a edição da Lei 9.718/98, houve a promulgação da Emenda Constitucional nº 20, de 15/12/1998 (EC 20/98), que fez importantes alterações na redação do inciso I, do artigo 195 da CF/88, notadamente no que tange à criação de uma nova materialidade para as contribuições supramencionadas relativa à receita das pessoas jurídicas, ao prever que as contribuições para o PIS/COFINS passariam a incidir sobre a totalidade das receitas ou o faturamento. Ocorre que em matéria fiscal, o termo faturamento não era sinônimo de receita bruta, assim entendidas quaisquer receitas do contribuinte (Paulsen; Velloso, 2019, p. 215).

Nota-se que a definição do critério quantitativo da regra matriz de incidência do PIS/COFINS incidente sobre o faturamento das instituições financeiras é controvertida desde a publicação da Lei 9.718/98. Cerca de dez anos depois, em 27/05/2009 foi editada a Lei nº 11.941, revogando o § 1º do artigo 3º da Lei 9.718/98.

Somente em 2014, após a publicação da Lei nº 12.973/2014, editada com amparo na EC nº 20/98 que alterou o artigo 195, inciso I, alínea “a” da CF/88, restou constitucionalmente instituído o aspecto material das contribuições conforme determinado pela legislação do imposto de renda.

As instituições financeiras recorreram ao poder judiciário para buscar solução definitiva para a controvérsia supramencionada que já se estende por mais de vinte anos e vem sendo tratadas pelo controle difuso no Tema 372 da Repercussão Geral do Supremo Tribunal Federal (STF), que trata da questão da exigibilidade do PIS/COFINS sobre as receitas financeiras das instituições financeiras.

Em julho de 2023, em sessão virtual, o plenário do STF decidiu, por maioria de votos, reconhecer a legitimidade da incidência, à luz da Lei 9.718/98, das contribuições sobre as receitas brutas operacionais decorrentes das atividades empresariais típicas das instituições financeiras, incluindo as receitas financeiras.

Com a máxima vênia, o trabalho analisa se o artigo 3º, caput e § 1º, da Lei 9.718/98 violaram o texto constitucional vigente a época da edição da referida lei, o que levaria a concluir que antes da edição da EC 20/98 a base de cálculo do PIS/COFINS era o faturamento (e não a totalidade das receitas), e, sendo assim, a Lei 9.718/98 não possuía fundamento constitucional para alargar a base de cálculo das referidas contribuições restando impossível a exigência do pagamento pelas instituições financeiras das contribuições em tela nos moldes estipulados pela indigitada Lei nº 9718/98.

2. ESBOÇO HISTÓRICO DO PIS/COFINS

O constituinte originário sistematizou o regramento das contribuições especiais de acordo com as normas gerais de direito tributário (Paulsen; Velloso, 2019, p. 22). O texto constitucional outorga a competência impositiva para a União instituir contribuições sociais de seguridade social, nos termos do artigo 195 da CF/88. As contribuições ao PIS/COFINS têm previsão constitucional nos artigos 149, 195, inciso I, e 239 da CF/88.

A Lei Complementar nº 07, de 07 de setembro de 1970 (Lei Complementar nº 07/1970) instituiu a contribuição para o PIS. Com a promulgação da CF/88, a contribuição ao PIS foi recepcionada pelo artigo 239 sendo que entre 1994 e 1999 a União editou normas que mantiveram a incidência da contribuição sobre a receita bruta operacional, nos termos da legislação do imposto de renda, sendo que tal sistemática, a teor da Emenda Constitucional nº 17, de 22 de novembro de 1997 (Emenda Constitucional nº 17/1997) findou-se em dezembro de 1999.

Já a Lei Complementar nº 70, de 30 de dezembro de 1991 (Lei Complementar nº 70/1991) instituiu a COFINS que substituiu a contribuição Finsocial, tendo como base de cálculo o faturamento conceituado em seu artigo 2º como a receita bruta das vendas de mercadorias, mercadorias e serviços e de serviços de qualquer natureza, excluídos de acordo com o parágrafo único do dispositivo o valor do IPI, as vendas canceladas, as devolvidas e os descontos concedidos, configurando-se impróprio qualquer argumento que equipare o conceito de faturamento previsto na Lei Complementar nº 70/1991 com a totalidade das receitas apuradas pelo contribuinte à época da edição da Lei 9.718/98.

Não obstante, com a publicação da Lei 9.718/98, as referidas contribuições passaram a receber tratamento legislativo conjunto (Paulsen; Velloso, 2019, p. 225), incidindo sobre o faturamento, este definido pela lei como a totalidade das receitas auferidas pelas pessoas jurídicas a partir dos fatos geradores ocorridos a partir de fevereiro de 1999 para a COFINS e a partir de janeiro de 2000 para o PIS.

Ou seja, a Lei 9.718/98 alterou o conceito de faturamento vigente à época da sua edição (receita de venda de mercadorias e de prestação de serviços), equiparando-o à receita bruta (soma de todas as receitas, inclusive não operacionais, como as receitas financeiras), conceito mais amplo e abrangente.

3. CONTROVÉRSIAS SOBRE CONCEITOS: FATURAMENTO E RECEITA

Inicialmente cumpre destacar a relevância e necessidade de definição do sentido técnico do termo faturamento vigente à época da edição da Lei 9.718/98 com o fito de aferir a validade desta lei.

Conforme preleciona Misabel Abreu Machado Derzi ao atualizar a obra de Aliomar Baleiro, intitulada “Limitações Constitucionais ao Poder de Tributar” na seara tributária, a confusão de conceitos acabar por gerar muita litigiosidade:

Não obstante, a nossa Constituição, além de conter uma seção própria, enumerativa das limitações ao poder de tributar, “sem prejuízo de outras garantias asseguradas aos contribuintes” (art. 150), estabelece a mais rígida das discriminações de competência tributária entre os entes estatais. Assim, uma confusão entre os conceitos de renda e patrimônio, ou renda e faturamento e faturamento ou receita, acarreta graves consequências (Baleeiro, 2010, p. 224).

Os artigos 2º e 3º da Lei 9.718/98 elegeram o faturamento, igualando-o a receita bruta, assim entendida como sendo a totalidade das receitas auferidas pelas pessoas jurídicas, como base de cálculo do PIS/COFINS.

Contudo, antes da promulgação da EC 20/98 não havia previsão legal que autorizasse o estabelecimento de identidade entre faturamento e receitas totais apuradas pelos contribuintes.

Inclusive, na época da edição da Lei 9.718/98, a assentada jurisprudência do STF era no sentido de que a receita bruta, esta compreendida como faturamento, seria tão somente a receita decorrente da venda de mercadorias, de mercadorias e serviços e da prestação de serviços, consignando a identidade conceitual entre os termos faturamento e receita bruta decorrente da venda de mercadorias e serviços prestados (RExt 150.755-1; RExt 150.764; ADC 1-1 DF).

Para melhor entendimento, cumpre reproduzir a redação original do inciso I, do artigo 195 da Constituição Federal vigente à época da publicação da Lei 9.718/98:

Art. 195: A seguridade social será financiada por toda a sociedade, de forma direta e indireta, nos termos da lei, mediante recursos provenientes dos orçamentos da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, e das seguintes contribuições sociais:

I – dos empregadores, incidente sobre a folha de salários, o faturamento e o lucro; (grifos nossos) (Brasil, 1988).

Ocorre que em 16 de dezembro de 1998, portanto apenas 18 dias após a edição da Lei 9.718/98, foi promulgada a EC 20/98, que fez importantes alterações no artigo 195 da Constituição Federal, notadamente no que tange a base de cálculo das referidas contribuições ao criar uma nova materialidade não prevista na redação original da carta magna vigente quando da publicação da lei.

Ainda, o constituinte originário, dentre outras previsões, prescreveu que a instituição de novas fontes de a manutenção ou expansão da seguridade social deveriam ser veiculadas por meio de lei complementar, como já mencionado anteriormente, nos exatos termos do artigo 154, inciso I da CF/88 que trata da necessidade de lei complementar para criação de novos impostos (Denari, 2008, p. 125). Posteriormente, com a publicação da EC 20/98, o inciso I do artigo 195 da Constituição Federal passou a ter a seguinte redação:

Art. 195 […]

I – do empregador, da empresa e da entidade a ela equiparada na forma da lei, incidentes sobre:

      1. a) a folha de salários e demais rendimentos do trabalho pagos ou creditados, a qualquer título, à pessoa física que lhe preste serviço, mesmo sem vínculo empregatício;
      2. b) a receita ou o faturamento;
      3. c) o lucro; (grifos nossos) (Brasil, 1988).

Cabe registrar que existem inúmeras outras receitas auferidas pelas instituições financeiras que extrapolam aquelas restritas ao faturamento (receita bruta decorrente da venda de mercadorias e prestação de serviços), tais como receitas financeiras, incluindo variações monetárias ativas e receitas de juros, de venda de ativo fixo, de participações societárias, entre outros.

Ainda para ilustrar que à época da promulgação da Lei 9.718/98 a interpretação adotada para o termo faturamento restringia-se a operação de venda de mercadorias ou serviços, encontrava-se em trâmite perante à Câmara dos Deputados o Projeto de Lei nº 3.926/2000, de autoria do ilustre professor Michel Temer, no qual previa substanciais alterações na referida lei, justamente em razão do próprio Poder Legislativo reconhecer tal fato:

Por aí se depreende que o conceito de “receita bruta” e “faturamento” refere-se à operação de venda de mercadorias ou serviços. Ao adotar um outro, abrangente de todos e quaisquer tipos de receitas, isto é, inclusive aquelas provenientes de aplicações financeiras, aluguéis, etc., a lei nº 9.718/98 foi além do que a Constituição Federal lhe permite. Como se disse, ela não pode deturpar o que a Constituição prevê. Esta estabelece, sim, as matrizes sobre as quais as contribuições podem incidir mas não dá azo a que, de tais parâmetros, possa exsurgir um terceiro. (Brasília, 2000, p. 08)

Ao alargar a base de cálculo das contribuições, a Lei 9.718/98 não se adequou ao arquétipo constitucional para o faturamento delimitado na CF/88, violando assim a repartição de competências fixada na carta magna vigente à época, havendo, pois, nítido descompasso entre a norma constitucional e o comando contido na Lei 9.718/98.

Neste sentido, Roque Antonio Carrazza traz os seguintes ensinamentos sobre a relação entre repartição de competências e regra-matriz de incidência tributária:

[…] o legislador, ao exercitar a competência tributária, deverá ser fiel à norma-padrão de incidência do tributo, pré-traçada na Constituição. O legislador (federal, estadual, municipal ou do Distrito Federal), enquanto cria o tributo, não pode fugir deste arquétipo constitucional (Carrazza, 2021, p. 450).

Comungando do mesmo entendimento, Marco Aurélio Greco ensina com propriedade:

[…] A norma constitucional vai definir um âmbito, um espaço, digamos assim, dentro do qual o legislador ordinário vai atuar. A norma constitucional dá a área cabendo ao legislador ordinário ocupar este espaço criando efetivamente os tributos. O que o legislador ordinário não pode fazer é extrapolar a área que foi definida pelo Constituinte (Greco, 1997, p. 476).

De efeito, o comando contido na referida lei pode ser assim esquematizado: Faturamento é igual à Receita. Em outro giro, a norma constitucional contida na alínea “a” do inciso I do artigo 195 da EC 20/98 elenca de maneira alternativa o faturamento ou a receita como aspecto material das contribuições sociais, o que implica dizer: Faturamento é diferente de Receita.

Neste sentido, o voto proferido pelo Ministro Ilmar Galvão na mencionada Ação Direta de Constitucionalidade nº 1-1/DF onde a Suprema Corte reconheceu a equivalência do termo faturamento como receita bruta proveniente da venda de mercadorias e serviços, apenas (Paulsen; Velloso, 2019, p. 215):

De efeito, o conceito de “receita bruta” não discrepa do “faturamento”, na acepção em que esse termos é utilizado para efeitos fiscais, seja o que corresponde ao produto de todas a vendas, não havendo qualquer razão para que lhe seja restringida a compreensão, estreitando-os nos limites do significado que o termo possui em direito comercial, ou seja, aquele que abrange tão somente as vendas a prazo (art. 1º da Lei nº 187/68), em que a emissão de uma “fatura” constitui formalidade indispensável ao saque da correspondente duplicata. Entendimento nesse sentido, aliás, ficou assentado pelo STF, no julgamento do RE 150.755. (Brasília, 2005, p. 47)

Desta forma, se é certo que o faturamento à época da edição da Lei 9.718/98 não poderia ser angariado estritamente na sua conotação comercial, sua abrangência foi claramente delimitada à época pelo STF, qual seja, o produto de todas as vendas de bens e serviços, mesmo quando desacompanhadas da respectiva fatura.

Neste contexto, sendo o faturamento, considerado como a receita bruta de venda de mercadorias e de serviços, configura-se totalmente imprópria sua equiparação com a totalidade das receitas apuradas pelos contribuintes, nos termos estabelecidos pela Lei 9.718/98, sob pena de ocorrer indevida extensão de conceitos, contrariando o disposto no artigo 110 do Código Tributário Nacional (CTN).

Assim, qualquer outro tipo de receita auferida pelas instituições financeiras cujo a origem não resida no recebimento de contraprestação em operação de venda de mercadoria e prestação de serviços não deveria ser considerada integrante da receita bruta para fins de apuração do PIS/COFINS nos termos ditados pela Lei 9.718/98 uma vez que a materialidade de tais contribuições, conforme previsto na CF/88 vigente à época da edição da lei era o faturamento e não a totalidade de receitas.

Em observância ao princípio da estrita legalidade e da repartição de competências tributárias, o alargamento da base de cálculo de faturamento anterior a EC 20/98 não pode prevalecer na medida em que perpetrou uma extensão indevida do conceito de faturamento, extrapolando a materialidade constitucionalmente delimitada. Somente após a promulgação da EC nº 20/98 toda receita reveladora de capacidade contributiva passou a integrar a base de cálculo do PIS/COFINS (Paulsen; Velloso, 2019, p. 218).

Ato contínuo, levando-se em consideração que o artigo 3º da Lei 9.718/98, ao estabelecer a materialidade do PIS/COFINS como a totalidade das receitas das pessoas jurídicas, incluindo os resultados não operacionais, instituiu nova fonte de custeio da seguridade social, infringindo o § 4º do artigo 195 da CF/88 que remete ao inciso I do artigo 154 também da carta magna que trata da necessidade de lei complementar.

4. A INCONSTITUCIONALIDADE DO ALARGAMENTO DA BASE DE CÁLCULO DO PIS/COFINS INSTITUÍDO PELA LEI 9.718/98

A observância aos princípios constitucionais basilares do Estado Democrático, como a supremacia da norma constitucional, a limitação do poder derivado e a segurança jurídica, é mandatória para toda e qualquer nova lei que seja construída e introduzida ao sistema jurídico.

O ordenamento jurídico pátrio, por adotar modelo de constituição rígida, tem esta como guardiã, restando evidente que todas as normas que integram ou que venham a integrar a ordenação jurídica somente terão validade se, ao serem confrontadas com a lei magna por esta sejam validadas. Nenhuma norma tributária pode ir além dos rígidos marcos constitucionais. (Carrazza, 2021, p. 453)

Além do já exposto, uma emenda constitucional deve servir como instrumento legislativo alinhado com o que estiver previsto na Constituição, neste sentido, a emenda não pode alterar ex tunc comando contido em norma constitucional pretérita, pois, nessa hipótese, sua retroatividade aceitaria o paradoxo de que no pretérito a lei inconstitucional teve abrangência maior do que a então norma constitucional vigente.

Leo Krakowiak discorre com clareza sobre a impossibilidade de convalidação de norma inconstitucional por meio de emenda constitucional:

“[…] o Supremo Tribunal Federal, em várias oportunidades, já reconheceu que uma regra introduzida na Carta Magna por Emenda Constitucional não convalida vício anterior de inconstitucionalidade. Ao contrário, confirma a inconstitucionalidade do regime anterior […] (Krakowiak, 1997, p 152).

Assim, por meio de simples raciocínio lógico é possível concluir que a análise da constitucionalidade da Lei 9.718/98 deve ser feita em relação ao texto constitucional vigente à época de sua publicação, ou seja, sem as alterações instituídas pela EC 20/98.

Cumpre ainda destacar que a EC 20/98 é uma norma constitucional de eficácia limitada, a qual produz seus efeitos a partir da edição de lei infraconstitucional sendo que, deste modo, até 2014 não houve lei posterior a EC 20/98 dispondo sobre a exigência do PIS/COFINS para além do faturamento.

Em outro giro, tendo em vista que as alterações feitas pela Lei 9.718/98 não eram compatíveis com as normas constitucionais vigentes à época de sua edição, é certo que, diante de tal vício material, a norma é nula e, portanto, uma emenda constitucional não poderia pretender convalidá-la.

Assim sendo, para que fossem possíveis tais alterações pretendidas na base de cálculo do PIS/COFINS, seria necessário (i) inicialmente a promulgação de emenda constitucional que admitisse a ampliação do conceito de faturamento e, (ii) posteriormente, a edição de nova lei infraconstitucional com as mesmas pretensões da Lei 9.718/98 que, nessa hipótese, poderia ser convalidada na hipótese de ser compatível com os preceitos constitucionais.

Dessa forma, a Lei 9.718/98 não poderia validamente revogar a sistemática das contribuições para o PIS/COFINS à medida em que se trata de matéria sob reserva de lei complementar, restando nítida a violação aos artigos 154, inciso I e 195, § 4º da CF/88. Assim, impossível a alteração da base de cálculo das referidas contribuições por meio da Lei 9.718/98.

Por conseguinte, com a revogação por vício de inconstitucionalidade do § 1º do artigo 3º da Lei 9.718, referido dispositivo foi aniquilado desde sua existência. Neste sentido, Jose Afonso da Silva esclarece que a declaração de inconstitucionalidade de um dispositivo legal acarreta, nos casos concretos em que foi aplicado, efeitos ex tunc, o que quer dizer que a relação jurídica instituída por meio de comando contido em lei posteriormente declarada inconstitucional é exterminada desde o seu surgimento. (Da Silva, 2005, p 54)

Ratificando o raciocínio exposto, Misabel Abreu Machado Derzi preleciona que a Lei nº 9.718/98 é nula pois foi publicada antes da promulgação da Emenda Constitucional nº 20. Assim, é evidente que o fato de que durante o prazo de noventena da Lei nº 9.718/98 foi publicada emenda à constituição alterando a base de cálculo das contribuições em análise não altera a ilegalidade contida na referida lei uma vez que esta, desde o seu nascimento mostrou-se incompatível com os preceitos constitucionais eleitos na carta magna vigentes na data da publicação da Lei 9.718/98. (Derzi, 1999, p. 236).

Apenas as leis posteriores a EC 20/98 que previram a incidência do PIS/COFINS sobre a receita bruta são constitucionais, como é o caso das Leis 10.637/02 e da Lei 10.833/03. Somente a partir da publicação da Lei nº 12.973, de 13 de maio de 2014 (Lei 12.973/2014) é que o conceito de receita passou a ter identidade expressa com a legislação do imposto de renda, nos termos do artigo 12 do Decreto Lei nº 1.598/1977 (De Castro, Dias Junior e Lustoza, 2022, p. 613).

5. TEMA 372 do STF: EXIGIBILIDADE DO PIS E DA COFINS SOBRE AS RECEITAS FINANCEIRAS DAS INSTITUIÇÕES FINANCEIRAS

Conforme já mencionado, com a publicação da Lei 9.718/98, consoante o disposto no § 1º do artigo 3º, as instituições financeiras passaram a sujeitar-se ao recolhimento do PIS/COFINS incidentes sobre a receita.

Entretanto, conforme todo o histórico acima exposto, tal exação nos moldes estipulados pela Lei 9.718/98 se mostrara impossível. Assim, as instituições financeiras insurgiram-se contra as alterações.

A discussão chegou ao STF através do Tema 372 da Repercussão Geral (REs 609.096 e 1.250.200) e cingiu-se à definição do conceito de faturamento adotado pelo artigo 195, I, da CF/88, em sua redação original para ao final determinar se estariam abrangidas nele as receitas financeiras auferidas pelas instituições financeiras.

Cumpre destacar que embora a Lei 9.718/98 já tenha tido o § 1º do artigo 3º declarado inconstitucional pelo próprio STF no exame dos RE nos 346.084, 358.273, 357.950 e 390.840 por entender que referido dispositivo ampliava o aspecto material do PIS/COFINS, indo além do conceito de faturamento, sua análise tanto neste trabalho como também pelo próprio STF se faz necessária para verificar se à época da edição da lei o conceito vigente para os contribuintes, inclusive as instituições financeiras, era de que integravam o faturamento (i) as receitas originadas da venda de mercadorias e prestação de serviços, apenas ou (ii) a receita bruta operacional.

Inicialmente, o Ministro Relator Ricardo Lewandowski desproveu o recurso da União por entender que o faturamento era a receita proveniente da venda de produtos, de serviços ou de produtos e serviços, até o advento da EC 20/88. Entretanto, o Ministro Dias Toffoli divergiu e o julgamento foi concluído com vitória da divergência inaugurada pelo Ministro. Em apertada síntese, após a votação, o tribunal pleno concluiu que o conceito de faturamento contido na carta magna sempre teve o significado de receita bruta operacional, receita esta originada a partir das atividades típicas realizadas pelas empresas. Assim, no caso específico das instituições financeiras, o conceito de faturamento engloba a receita bruta operacional originada a partir das atividades que possam ser consideradas como tipicamente desenvolvidas pelas instituições financeiras.

Não ficou definido como ficaria o enquadramento de determinadas rubricas dentro do conceito de receita bruta operacional originada a partir da atividade empresarial típica pois no caso das instituições financeiras existem receitas financeiras que não necessariamente decorrem das atividades típicas, como é o caso dos juros sobre capital próprio. Resta pendente o julgamento dos embargos de declaração que requerem a modulação de efeitos.

6. CONSIDERAÇÕES FINAIS

O arquétipo constitucional das contribuições ao PIS/COFINS nos termos do inciso I do art. 195 da CF/88 em sua redação original era o faturamento, este definido como receita bruta decorrente da venda de bens e serviços.

Nos termos do comando estipulado pelo constituinte originário, isto é, antes da promulgação da EC 20/98, o termo faturamento não poderia ser equiparado à totalidade de receitas. Com a publicação da Lei 9.718/98, verifica-se que o legislador ordinário extrapolou a rigidez constitucional de repartição das competências tributárias ao chamar de faturamento o que faturamento não era.

Ainda, uma emenda constitucional não só não é apta a convalidar uma lei inconstitucional como também obviamente reforça a inconstitucionalidade de referida lei.

Considera-se que o alargamento da base de cálculo do PIS/COFINS introduzido pela Lei 9.718/98 é incompatível com o texto constitucional vigente à época e, portanto, padece de vício insanável, tonando tal comando nulo desde a origem.

Logo, mesmo com todas as manobras perpetradas ao longo dos anos de discussão, por todo o exposto, demonstrou-se que o conceito de faturamento previsto na redação original do artigo 195 da CF/88 englobava única e exclusivamente as receitas oriundas da venda de produtos e serviços até a edição da EC 20/98, a qual ampliou o campo de incidência sobre a receita, sem qualquer discriminação.

Confirmar a validade da referida lei ocasiona verdadeiro cenário de insegurança uma vez que se nem o Texto Maior é respeitado, não há força jurídica que garanta a proteção e a defesa dos direitos e interesses da sociedade em geral.

Sendo assim, antes da promulgação da EC 20/98 não havia previsão constitucional que autorizasse o alargamento da base de cálculo do PIS/COFINS por meio de lei ordinária, restando clara a impossibilidade de exigência do pagamento pelas instituições financeiras das contribuições em tela nos moldes estipulados pela Lei 9.718/98.

REFERÊNCIAS

BALEEIRO, Aliomar. Limitações Constitucionais ao Poder de Tributar. 8 ed. atualizada por Misabel Abreu Machado Derzi. Rio de Janeiro: Forense, 2010.

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[1] Mestranda em Direito Constitucional e Processual Tributário pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo; Especialista em Direito Tributário pelo Centro Universitário das Américas; Bacharel em Direito pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. ORCID: 0009-0004-1790-0475. Currículo Lattes: http://lattes.cnpq.br/0374223277270309.

Material recebido: 21 de fevereiro de 2024.

Material aprovado pelos pares: 25 de março de 2024.

Material editado aprovado pelos autores: 28 de março de 2024.

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Yasmin da Silva Bitencourt

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