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Exploração sexual e o tráfico internacional de crianças e mulheres para fins lucrativos

RC: 66994
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CONTEÚDO

ARTIGO DE REVISÃO     

BARRIOS, Ana Paula Souza [1], FURLAN, Fernando Palma Pimenta [2]

BARRIOS, Ana Paula Souza. FURLAN, Fernando Palma Pimenta. Exploração sexual e o tráfico internacional de crianças e mulheres para fins lucrativos. Revista Científica Multidisciplinar Núcleo do Conhecimento. Ano 05, Ed. 12, Vol. 01, pp. 41-54. Dezembro de 2020. ISSN: 2448-0959, Link de acesso: https://www.nucleodoconhecimento.com.br/lei/fins-lucrativos

RESUMO

O tráfico internacional de pessoas por meio de exploração sexual de mulheres e crianças para fins lucrativos é uma conduta ilícita que está tipificada no artigo 149-A do Código Penal, cuja redação atual foi inserida por meio da Lei 12.344/2016, que acrescentou este dispositivo e revogou os artigos 231 e 231-A do CP. Levando em conta sua recente alteração, a pesquisa jurídica tem como objeto apresentar quais são as implicações jurídicas decorrentes do tráfico internacional e exploração sexual de crianças e mulheres segundo as normas que estão atualmente em vigor no Brasil. A pesquisa foi desenvolvida por meio da utilização de materiais bibliográficos que foram publicados no Brasil a partir do ano de 2017, segundo o método de análise qualitativa de texto com a exposição dos resultados obtidos através da transcrição dos trechos principais. O estudo irá apontar ao final que a exploração sexual é uma das hipóteses legais de contrabando de pessoas sendo muito combatido pelo Estado por ser praticado contra as mulheres e as crianças mas que, assim como as demais ações penais, necessita da efetiva comprovação dos fatos para que os autores do delito não saiam impune desse crime, por estar comumente vinculado à organizações criminosas.

Palavras-chave: Exploração sexual, tráfico Internacional de pessoas, artigo 149-A CP, implicações jurídicas.

INTRODUÇÃO

Conforme a Constituição Federal de 1988, a liberdade é um dos direitos humanos mais importantes que está resguardado pela Lei. Sua privação somente pode ocorrer por meio de um processo legal, para cumprimento de determinada sanção penal previamente regulamentada.

Fora esta hipótese, todo ser humano deve ter o direito de se locomover e ter domínio sobre sua vontade de ir e vir respeitada. Na mesma linha de raciocínio, esta liberdade também se estende ao corpo humano, que não pode ser escravizado, prática inadmissível nos dias atuais.

Entretanto, mesmo diante dessa expressa proibição legal, existem situações em que seres humanos são privados de sua liberdade e tem seu corpo utilizado como meio de exploração e de aferição de lucros para terceiros.

O tráfico nacional e internacional de pessoas é um crime encontrado no ordenamento jurídico brasileiro no artigo 149-A do Código Penal, incluído na lei por meio da Lei nº 13.344/2016, norma que diz respeito a repressão e prevenção a comercialização de pessoas.

Dentre as motivações de sua prática está a exploração de crianças e de mulheres, enviadas para outros países para serem objetificadas e sexualmente exploradas por dinheiro.

É esta prática ilícita que será discutida nesta pesquisa, que discute a exploração sexual e tráfico internacional de crianças e mulheres para fins lucrativos, que infelizmente ocorre no Brasil ante a vulnerabilidade social a que as vítimas estão inseridas, que são enganadas com falsas promessas e exploradas sem ter condições de se defender.

A relevância do estudo aqui desenvolvido é evidente para o âmbito jurídico, posto que afronta direitos básicos, como a liberdade de locomoção e do corpo, de indivíduos que historicamente são mais vulneráveis, que são as mulheres, crianças e adolescentes.

Desta forma, o estudo tem como objetivo apresentar as implicações jurídicas decorrentes da exploração sexual e tráfico internacional de crianças e mulheres para fins lucrativos segundo a legislação penal em vigor no Brasil, devido a explanação dos apontamos doutrinários e jurisprudenciais sobre a matéria, a fim de deixar clara a resposta dada pelo Poder Judiciário quando cometido este ilícito penal.

METODOLOGIA

Esta pesquisa tem como objeto o estudo crianças e mulheres que são vítimas do tráfico de pessoas para exploração sexual com fins lucrativos e foi elaborada por meio de pesquisa bibliográfica. As informações citadas do trabalho científico foram retiradas de Leis Federais, de doutrinas sobre o direito penal e decisões jurisprudenciais que discutiram o tráfico internacional de crianças e mulheres e sua punição no ordenamento brasileiro.

O método adotado foi técnicas de análise qualitativa do texto, que ocorre com o confrontamento de informações doutrinárias e análise de discursos e conteúdos sobre o tema, com apresentação dos resultados no decorrer do desenvolvimento da pesquisa, com a transcrição dos trechos mais relevantes dos livros e das decisões dos tribunais colegiados.

FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA

A PROTEÇÃO LEGAL DE CRIANÇAS, ADOLESCENTES E MULHERES

O Ordenamento jurídico brasileiro resguarda os direitos de todos os cidadãos brasileiros e busca garantir a vida e liberdade daqueles que historicamente possuem maior violação a estes direitos, como é o caso dos menores de idades e das mulheres.

Existem disposições constitucionais e internacionais em vigor no direito brasileiro com o propósito de proteger esses indivíduos.

PROTEÇÃO CONSTITUCIONAL

O ordenamento jurídico brasileiro regulamenta a proteção a direitos básicos de todo ser humano por serem essenciais para a garantia da dignidade da pessoa humana.

O artigo 5º da Constituição Federal de 1988 enumera os chamados direitos fundamentais e dita que a vida, liberdade, segurança, igualdade e propriedade são direitos que devem ser garantidos a todos (BRASIL, 1988).

O art. 5.º, caput, da CF/88 estabelece que todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos dos seus 78 incisos e parágrafos. Trata-se de um rol meramente exemplificativo, na medida em que os direitos e garantias expressos na Constituição não excluem outros decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados, ou dos tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte (§ 2.º) (LENZA, 2018, p. 1090).

Está expresso já no inciso I do dispositivo constitucional que “homens e mulheres são iguais em direitos e obrigações” (BRASIL, 1988).

Pedro Lenza esclarece que a igualdade tratada pela Constitucional não é apenas a igualdade formal aparente no dispositivo, mas sim a igualdade material, pautada na máxima de “tratar igualmente os iguais e desigualmente os desiguais na medida de suas desigualdades” (LENZA, 2018, p. 1.106).

Com o intuito de garantir esse direito, existem disposições legais que asseguram às mulheres a igualdade material e evitam que o histórico de submissão patriarcal perdure, situação que é combatida através da punição com maior rigor dos atos que violam os direitos das mulheres.

Do mesmo modo, as crianças e adolescentes também estão resguardadas pela Constituição, que dispõe:

Art. 227. É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão (BRASIL, 1988).

A atual redação dada a esse dispositivo foi inserida na Constituição através da Emenda Constitucional nº 65/2010. Antes disso, não estava disposto no dispositivo a prioridade absoluta dos direitos dos menores.

A prioridade absoluta em assegurar os direitos da criança, do adolescente e do jovem, nos termos do artigo 227 da Constituição Federal e do artigo 4º da Lei nº 8.069/90 (ECA), implica o dever do Estado de estabelecer políticas, planos e programas e serviços para a primeira infância que atendam, às especificidades dessa faixa etária, visando a garantir seu desenvolvimento integral (LENZA, 2018, p. 1.400).

O cuidado e a garantia do exercício dos direitos das crianças e dos adolescentes devem ser vistas, portanto, como uma prioridade do Estado brasileiro, situação que motivou a redação do parágrafo 4º do artigo 227 que determina que qualquer ato de abuso, violência ou exploração sexual de menores deve receber punição severa da Lei.

TRATADOS INTERNACIONAIS

As disposições constitucionais citadas acima são resultado da preocupação internacional com a garantia da liberdade e incolumidade física de todo ser humano, tendo em conta que a proteção dos direitos das mulheres, crianças e adolescentes estão também resguardadas em normativas internacionais de que o Brasil é signatário.

A Declaração Universal dos Direitos Humanos (DUDH), proclamada pela Assembleia Geral da Organização das Nações Unidas (ONU) no dia 10 de dezembro do ano de 1948, é a norma internacional de maior relevância no tocante a proteção internacional de direitos humanos. Ela deixa clara a igualdade entre homens e mulheres e declara, em seu artigo III que “todo ser humano tem direito à vida, à liberdade e à segurança pessoal” (ONU, 1948).

Consequência dessa proteção dispõe o artigo IV que “ninguém será mantido em escravidão ou servidão; a escravidão e a comercialização de escravos serão proibidas em todas as suas formas” (ONU, 1948).

Com o intuito de assegurar os direitos humanos das mulheres e a busca por sua não discriminação, a Assembleia Geral da ONU proclamou em 1979 a Convenção Sobre a Eliminação de todas as Formas de Discriminação contra Mulher (CEDAW), a qual é promulgada no Brasil por meio do Decreto nº 4.377, de 13 de setembro de 2002. Dispõe o artigo 2º da referida Convenção:

Artigo 2o Os Estados Partes condenam a discriminação contra a mulher em todas as suas formas, concordam em seguir, por todos os meios apropriados e sem dilações, uma política destinada a eliminar a discriminação contra a mulher, e com tal objetivo se comprometem a:

a) Consagrar, se ainda não o tiverem feito, em suas constituições nacionais ou em outra legislação apropriada o princípio da igualdade do homem e da mulher e assegurar por lei outros meios apropriados a realização prática desse princípio;

b) Adotar medidas adequadas, legislativas e de outro caráter, com as sanções cabíveis e que proíbam toda discriminação contra a mulher;

c) Estabelecer a proteção jurídica dos direitos da mulher numa base de igualdade com os do homem e garantir, por meio dos tribunais nacionais competentes e de outras instituições públicas, a proteção efetiva da mulher contra todo ato de discriminação;

d) Abster-se de incorrer em todo ato ou prática de discriminação contra a mulher e zelar para que as autoridades e instituições públicas atuem em conformidade com esta obrigação;

e) Tomar as medidas apropriadas para eliminar a discriminação contra a mulher praticada por qualquer pessoa, organização ou empresa;

f) Adotar todas as medidas adequadas, inclusive de caráter legislativo, para modificar ou derrogar leis, regulamentos, usos e práticas que constituam discriminação contra a mulher;

g) Derrogar todas as disposições penais nacionais que constituam discriminação contra a mulher (BRASIL, 2002).

 Essa proteção é ainda maior quando se trata de crianças e adolescentes, que merecem ampla proteção do Estado em razão de sua pouca idade e dificuldade de promover sua própria defesa e conhecer seus direitos.

A Convenção sobre os direitos da criança da ONU, sancionada pelo ordenamento brasileiro no Decreto 99.710/1990 é clara ao reconhecer que o Estado deve impedir e punir a aplicação de todo grau de violência ou exploração de crianças, aqui compreendida como criança todo indivíduo que possua menos de dezoito anos de vida (BRASIL, 1990).

Essa proteção também está prevista no Pacto de San Jose da Costa Rica, assinado na Convenção Americana sobre Direitos Humanos no ano de 1969 e promulgada pelo ordenamento através do Decreto nº 678/1992, que determina que ninguém deve ser submetido a qualquer ato de escravidão ou servidão (BRASIL, 1992).

Assim sendo, a vida, liberdade e incolumidade física são direitos humanos que devem ser garantidos, cabendo ao Estado criar mecanismos de prevenção e punição em caso de sua ocorrência.

O TRÁFICO DE PESSOAS

O tráfico de pessoas é uma conduta ilícita que está tipificada no Código Penal (Decreto-Lei n 2.848/1940) nos seguintes termos:

Tráfico de Pessoas

Art. 149-A.  Agenciar, aliciar, recrutar, transportar, transferir, comprar, alojar ou acolher pessoa, mediante grave ameaça, violência, coação, fraude ou abuso, com a finalidade de:

I – remover-lhe órgãos, tecidos ou partes do corpo;

II – submetê-la a trabalho em condições análogas à de escravo;

III – submetê-la a qualquer tipo de servidão;

IV – adoção ilegal; ou

V – exploração sexual.

Pena – reclusão, de 4 (quatro) a 8 (oito) anos, e multa (BRASIL, 1940).

Esse dispositivo foi inserido recentemente no código, por meio da Lei 12.344/2016. Antes dela, o tráfico estava disciplinado nos artigos 231 e 231-A e compreendia apenas o tráfico com finalidade de abuso sexual, dispositivo que era insuficiente para atender ao que estava expresso nos documentos internacionais que foram assinados pelo estado brasileiro (CUNHA; PINTO, 2017).

Ou seja, os dispositivos revogados eram mais genéricos, dispondo apenas do tráfico nacional e internacional praticado para fins sexuais, diferente da redação atual que é mais abrangente.

A redação em vigor é mais ampla, trata-se de “tipo de múltipla proteção, envolvendo o estado de filiação, a integridade física, enfim, a própria vida. Pode-se, então, afirmar cuidar-se de uma tutela penal à dignidade da pessoa humana”. (NUCCI, 2017, p. 279).

O tipo atual é misto e alternativo, com o aparecimento de verbos que vai desde o início da prática delitiva, com a aliciação da vítima, sua locomoção até o final, que é a chegada da vítima ao destino (GRECO, 2017). Desse modo, o exercício de qualquer um dos verbos contidos no caput caracteriza tráfico de pessoas.

Pelo que se depreende da redação típica, estamos diante de um crime formal, de consumação antecipada, não havendo, portanto, necessidade de que a vítima seja, efetivamente, traficada, ou seja, removida ou levada para algum outro lugar para que o crime se configure, bastando que o agente tão somente atue com uma das finalidades exigidas pelo tipo penal do art. 149-A do Código Penal (GRECO, 2017, p.714).

A segunda parte dispõe que a ação do atuante pode ser praticada pelos seguintes meios: grave ameaça, coação, abuso, fraude, ou violência contra a vítima. Todas estas situações caracterizam o delito, que tem como bem jurídico tutelado a liberdade e a incolumidade física da vítima. O tráfico de pessoas é um crime comum, pode ser praticado por qualquer pessoa contra qualquer vítima.

Levando em consideração as condutas e os meios previstos na lei para a sua prática, o tráfico de pessoas tem como elemento subjetivo o dolo “consistente na vontade livre e consciente de agenciar, aliciar, recrutar, transportar, transferir, comprar, alojar ou acolher pessoa, mediante grave ameaça, violência, coação, fraude ou abuso” (CAPEZ, 2018, p.434).

O dolo do agente deve ainda ser específico e encaixar-se dentro de uma das modalidades contidas nos incisos 149-A do Código Penal. São elas: retirada de órgãos, tecidos e pedaços do corpo; trabalho escravo; servidão ou exploração sexual.

É hipótese prevista no inciso V do dispositivo que será aprofundada nesta pesquisa científica, praticada contra crianças e mulheres para fins lucrativos.

TRÁFICO E EXPLORAÇÃO SEXUAL DE MULHERES E CRIANÇAS PARA FINS LUCRATIVOS

Como foi apontada acima, a exploração sexual está disposta no inciso V do artigo 149-A do CP como uma das hipóteses de transação lascívia que compreende situações em que “o agente tire proveito da sexualidade alheia, tratando a vítima como mercadoria” (JESUS, 2013, p. 124).

O tráfico de pessoas para fins de exploração sexual, até a entrada em vigor da Lei nº 12.344/2016, era a única hipótese de caracterização dos crimes previstos nos revogados artigos 231 e 231-A do CP.

Na redação atual, essa hipótese é a quinta modalidade contida no tipo criminal, que segundo dados oficiais divulgados pela ONU é a modalidade mais praticada nesse delito.

Segundo relatório sobre tráfico de pessoas feito pela Organização das Nações Unidas – ONU, no ano de 2014, foram identificadas mais de 150 vítimas de diversas nacionalidades, espalhadas por mais de 120 países no mundo. Dos aliciadores e recrutadores, 72% eram homens e 28%, mulheres. Relativo às vítimas, 49% delas eram mulheres adultas, 18% eram homens, 21%, crianças e adolescentes do sexo feminino e os 12% restantes eram crianças e adolescentes do sexo masculino. Conforme, ainda, com o aludido relatório, 53% das vítimas são exploradas sexualmente, sendo 40% destinadas ao trabalho escravo, 0,3% destinadas à remoção de órgãos, dividindo-se o percentual restante entre as demais formas dessa espécie de criminalidade. Em 2012, as estimativas da Organização Internacional do Trabalho (OIT) indicavam que, no mundo, havia quase 21 milhões de vítimas de trabalho forçado ou exploradas sexualmente, sendo, dentre elas, aproximadamente 5,5 milhões de crianças (GRECO, 2017, p.704).

Essa modalidade de exportação é muito praticada porque o “mercado do sexo” é muito lucrativo para os traficantes, por ser a prostituição rentável, principalmente quando as vítimas – consideradas mercadorias, são mais novas e possuem maior valor sexual (GRECO, 2017).

A expressão “exploração sexual”, que está contida no tipo penal compreende a prática dos variados delitos sexuais que estão disciplinados na legislação penal. Fernando Capez cita a definição de Rogério Sanches Cunha onde a exploração sexual consiste no abuso do corpo de crianças, adolescentes e adultos ofertado por exploradores sexuais (mercadores) que, dentro de uma rede de comercialização são responsáveis pela comercialização da vítima. Segundo explica, a exploração sexual compreende quatro modalidades: a prostituição, turismo sexual, a pornografia e tráfico propriamente para fins sexuais (SANCHES apud CAPEZ, 2018).

As mulheres e crianças são as principais vítimas dessa modalidade pois são mais frágeis e trazem lucros para os criminosos por serem vulneráveis e mais rentáveis a esse negócio ilícito.

Ban Kin-moon, na época Secretário Geral da ONU, declarou em 2014 que o principal perfil de vítima são “mulheres e crianças vulneráveis que foram levadas enganosamente a uma vida de sofrimento” (BAN KI-MOON apud CAMPOS, 2017, p.1).

O tráfico de pessoas para fins de exploração sexual é um crime comum e pode ser praticado por qualquer pessoa, contra qualquer um, apesar de, em sua maioria, ser contra mulheres e crianças.

Na hipótese desse inciso, o objeto jurídico que é ofendido é a independência pessoal e sexual da vítima, que perde a liberdade sobre o seu corpo (CAPEZ, 2018).

O dolo específico para a sua caracterização é comprovação de que o agenciamento, aliciamento, recrutamento, transporte, transferência, compra, alojamento ou acolhimento da vítima se deu com o intuito de abuso sexual com finalidade de lucros.

Caso essa exploração sexual seja contra vítima menor de idade, seja ela criança ou adolescente, a pena será majorada de um terço até metade, já que a proteção legal nacional e internacional é expressa em punir com rigor a violência praticada contra as crianças, que são vulneráveis e exigem maior proteção do Estado e da comunidade em geral.

São esses os principais apontamentos doutrinários acerca deste crime. Adentramos agora nos principais apontamentos jurisprudenciais adotados pelo Judiciário brasileiro.

APONTAMENTOS JURISPRUDENCIAIS

Por ser delito de exploração um crime de alta reprovabilidade jurídica, sendo menores de idade, maior é o interesse estatal em aplicar a lei penal, mas com observância do contraditório e ampla defesa.

Para que isso ocorra é preciso que o fato se enquadre na situação disposta em lei. Em caso concreto julgado pelo Tribunal Regional Federal da 1ª Região, houve absolvição dos acusados pelo delito do artigo 149, V, do Código Penal, por falta de provas da situação de grave ameaça e demais requisitos do caput do dispositivo em questão.

PENAL E PROCESSO PENAL. TRÁFICO DE PESSOAS. LEI 12.015/2009. ART. 231-A DO CÓDIGO PENAL. ABOLITIO CRIMINIS. LEI Nº 11.344/2016. ART; 149-A DO CP. EXPLORÇÃO SEXUAL. IMPUTAÇÃO DA PRÁTICA DOS DELITOS DOS ARTIGOS 218-B, 230, 149 E 288, TODOS DO CÓDIGO PENAL. PROVAS DOS AUTOS QUE NÃ DEMONSTRAM A PRÁTICA DELITIVA. ABSOLVIÇÃO MANTIDA. APELAÇÃO DO MPF NÃO PROVIDA. 1. A Lei nº 11.344/2016 revogou expressamente o art. 231 do Código Penal e inseriu o art. 149-A do Código Penal. Com a alteração, o tipo ampliou o rol de proteção e, no caso específico, foram excluídas as figuras típicas de promover ou facilitar a entrada ou saída de pessoas com a finalidade de exercer prostituição, substituídas pelas condutas de agenciar, aliciar, recrutar, transportar, transferir, comprovar, alojar ou acolher pessoa, com a finalidade de exploração sexual. Regulamentou a forma como o crime deverá ser praticado, introduzindo as elementares de grave ameaça, violência, coação, fraude ou abuso. Tais circunstâncias implicam em uma limitação ao campo de abrangência da norma penal, tornando-a mais favorável à ré do que a descrição típica anterior. 2. Na redação da lei anterior o consentimento da vítima era irrelevante. Agora, torna a conduta atípica. Não comprovado nos autos que a atuação da ré ocorreu num contexto de grave ameaça, violência, coação, fraude ou abuso, motivo pelo qual deve ser mantida a absolvição. […] Ante a insuficiência das provas nos autos da configuração do crime, deve ser mantida a absolvição. 7. Apelação do Ministério Público Federal não provida. (TRF-1 – APR: 0001652620134013903, Relator: Desembargador Federal Ney Bello, Data de Julgamento: 28/01/2020, Terceira Turma, Data de Publicação: 07/02/2020).

Todavia, em situação em que o acusado alegou ausência de provas do fato, o Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul condenou acusado com base na prova obtida em audiência, através da tomada de depoimento de policial que esteve no local, cujas declarações eram condizentes com os demais elementos obtidos na averiguação criminal:

TRÁFICO DE ENTORPECENTES. ASSOCIAÇÃO AO TRÁFICO E CASA DE PROSTITUIÇÃO. PROVA. PALAVRA DO POLICIAL. VALOR. CONDENAÇÕES MANTIDAS. Os depoimentos dos policiais envolvidos nas diligências que culminaram com a acusação da prática de um crime por parte do apelante devem ser analisados como os de qualquer outra pessoa. E, por uma questão lógica e racional, eles preponderam sobre a declaração de quem é acusado de um delito, porque, geralmente, este tenta fugir de sua responsabilidade penal pelo fato. Não se imagina que, sendo o policial uma pessoa idônea e sem qualquer animosidade específica contra o agente, vá a juízo mentir, acusando falsamente um inocente. Assim, sua declaração, como a de todas as outras testemunhas e vítimas, deve ser examinada apenas pelos elementos que ela contém. Confrontar-se-á com as outras provas obtidas na instrução e até com qualidade da pessoa que depôs. Se a prova sobrevive após esta análise, ela é forte para a condenação, não importando quem a trouxe. Aqui, em prova convincente, os policiais civis trouxeram a prova e informaram que, fazendo investigações a respeito de denúncia de tráfico pelos apelantes, inclusive com autorizada escuta telefônica, os recorrentes traficavam entorpecentes na ocasião, três deles estavam associados para tanto e dois outros mantinham casa de prostituição, explorando mulheres maiores e uma menor. Comprovados, sem sombra de dúvida, que Cláudio, Leandro, Daiane e Jairo eram traficantes, Leandro, Daiane e Jairo estavam associados para este fim, Leandro mantinha uma casa de exploração sexual e Cláudio atraiu a menor de idade para a prostituição. DECISÃO: Apelos de Leandro, Jairo e Daiane desprovidos, por maioria. Apelo de Cláudio desprovido, à unanimidade. (TJ-RS – ACR: 70067838029 RS, Relator: Sylvio Baptista Neto, Data de Julgamento: 24/02/2016, Primeira Câmara Criminal, Data de Publicação: 23/05/2016).

Em sendo o autor do fato pessoa de outra nacionalidade, diante da existência de tratado de extradição, o Supremo Tribunal Federal concederá ao país competente o direito de julgar e impor sanção ao acusado. Essa situação se concretizou ante à decretação de prisão do acusado pela justiça espanhola, mencionada no aresto a seguir:

EXTRADIÇÃO INSTRUTÓRIA E EXECUTÓRIA. PRISÕ DECRETADA PELA JUSTIÇA ESPANHOLA. TRATADO ESPECÍFICO: REQUISITOS ATENDIDOS. CRIMES DE TRÁFICO INTERNACIONAL DE PESSOA PARA FIM DE EXPLORAÇÃO SEXUAL, FAVORECIMENTO DA PROSTITUIÇÃ OU OUTRA FORMA DE EXPLORAÇÃO SEXUAL E REDUÇÃO À CONDIÇÃO ANÁLOGA À DE ESCRAVO. DUPLA TIPICIDADE. INOCORRENCIA DE PRESCRIÇÃO. EXTRADIÇÃO DEFERIDA. 1. O pedido formulado pelo Reino da Espanha atende aos requisitos necessários ao deferimento, nos termos da Lei n 6.815/1980 e do Tratado de Extradição específico, inexistindo irregularidades formais. 2. O Estado Requerente dispõe de competência jurisdicional para processar e julgar os crimes imputados ao Extraditando e para executar a sentença condenatória imposta, conformando-se o caso ao disposto no art. 78, inc. I, da Lei n. 6.815/1980 e ao princípio de direito penal internacional da territorialidade da lei penal. 3. Requisito da dupla tipicidade previsto no art. 77, inc. II, da Lei n. 6.815/1980 cumprido: fatos delituosos imputados ao Extraditando correspondentes, no Brasil, aos crimes de tráfico internacional de pessoa para fim de exploração sexual, favorecimento da prostituição ou outra forma de exploração sexual e redução à condição análoga à de escravo (arts. 231, 228, caput e §2º e 149, todos do Código Penal Brasileiro). 4. Na extradição, esta Supremo Tribunal Federal não detém competência para examinar o mérito da pretensão deduzida pelo Estado Requerente ou o contexto probatório no qual se apoia a postulação extrajudicial. Precedentes. 5. Extradição deferida. (STF – Ext: 1377 DF – DISTRITO FEDERAL 0000102-45.2014.1.00.0000, Relator: Min. Cármem Lúcia, Data de Julgamento: 29/09/2015, Segunda Turma, Data de Publicação: DJe-207 16-10-2015).

Da leitura dos julgados transcritos constata-se a reprovabilidade e a imposição de sanção penal diante dos fatos. Contudo, também se apresenta o direito do acusado em somente ser condenado com a existência de provas da ocorrência do fato delituoso.

De uma forma ou de outra, na prática, é de interesse estatal a responsabilização do autor do fato, especialmente quando se trata de vítimas vulneráveis como as crianças e adolescentes, para impedir a reincidência delituosa.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

O interesse sexual se apresenta dentre as modalidades mais sórdidas de exploração de pessoas desde os primórdios da humanidade. Atualmente, existem situações em que mulheres e crianças são presas, enganadas, vendidas e exploradas sexualmente, tudo em prol da lucratividade daqueles responsáveis pelo tráfico.

Está é uma realidade, tanto que foi, por muito tempo, a única modalidade de tráfico nacional e internacional de pessoas previsto no Código Penal, crime que estava previsto nos revogados artigos 231 e 231-A.

Foi a partir do ano de 2016 que as disposições acerca deste delito foi alterada com a revogação dos dispositivos supracitados e a inclusão do artigo 149-A, que trata não apenas do crime em questão mas também para outras finalidades, como a venda de órgãos, trabalho análogo ao de escravo, servidão ou adoção ilegal de menores.

O tráfico, com proposito de exploração sexual é a modalidade mais praticada nesse crime, que envolve uma série de criminosos em uma cadeia que vai desde o aliciamento das vítimas, o seu transporte para outro local até a efetiva exploração do corpo da vítima para aferir lucros aos traficantes, por se tratar de um mercado ilegal altamente lucrativo.

São as crianças, adolescentes e mulheres as principais vítimas desse crime, por apresentaram o biótipo dos indivíduos que fazem uso desse serviço ilegal. A exploração sexual se apresenta no inciso V e pode levar à aplicação de pena privativa de liberdade, de 4 a 8 anos e multa. Aumenta-se a pena de um terço a metade, se o crime se comete contra criança, adolescente, pessoa idosa ou com deficiência e se a pessoa vier ser removida do território nacional; entre outras causas. A finalidade lucrativa se enquadra no verbo do tipo agenciar por meio de exploração.

Assim como todo o crime previsto nas leis brasileiras, a sentença do traficante de pessoas necessita de comprovação da autoria e da materialidade delitiva, o que é mais complexo nessa modalidade de crime por ser praticada por organização criminosa. É indispensável comprovar todas as elementares contidas no caput do artigo 149-A, somada à finalidade prevista em seus incisos.

Estando presentes tais requisitos, o tráfico de crianças e mulheres para fins sexuais será punida pelo Estado brasileiro, segundo o rigor previsto em lei, pois só assim os direitos fundamentais protegidos pela Constituição federal e tratados internacionais estarão efetivamente assegurados as crianças, adolescentes e mulheres brasileiras.

REFERÊNCIAS

BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Promulgada em 05 de outubro de 1988. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm. Acesso em: 13 set. 2020.

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[1] Graduando em Direito.

[2] Orientador. Mestrado em andamento em Direito. Especialização em Direito Civil E Processo Civil. Especialização em Supervisão e orientação educacional. Graduação em Direito.

Enviado: Novembro, 2020.

Aprovado: Dezembro, 2020.

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