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A execução provisória da pena após condenação em segunda instância e sua constitucionalidade: Do julgamento das ações declaratórias de constitucionalidade

RC: 78556
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CONTEÚDO

ARTIGO ORIGINAL

RODRIGUES, Aline Sudré Filgueiras [1]

RODRIGUES, Aline Sudré Filgueiras. A execução provisória da pena após condenação em segunda instância e sua constitucionalidade: Do julgamento das ações declaratórias de constitucionalidade. Revista Científica Multidisciplinar Núcleo do Conhecimento. Ano 06, Ed. 03, Vol. 07, pp. 100-112. Março de 2021. ISSN: 2448-0959, Link de acesso: https://www.nucleodoconhecimento.com.br/lei/execucao-provisoria

RESUMO

O presente artigo busca analisar a execução provisória da pena após condenação em segunda instância e sua constitucionalidade, tema visitado diversas vezes pela Suprema Corte e que gera debate na sociedade e no ambiente acadêmico. Há diversas discordâncias no estudo do instituto e muitos questionamentos quanto à análise do princípio da presunção de inocência frente à execução provisória da pena. Para examinar o tema é necessário verificar o contexto histórico, social e jurídico das viradas jurisprudenciais do instituto, bem como as modificações legais realizadas. A referida pesquisa se deu por meio do estudo bibliográfico, entre eles, a legislação, a doutrina e artigos científicos.

Palavras-chave: Execução provisória da pena, Presunção de inocência, Segunda instância.

1. INTRODUÇÃO

Este artigo busca fazer uma análise do julgamento das Ações Declaratórias de Constitucionalidade (ADC) 43/DF, 44/DF e 54/DF que perdurou durante anos no STF, trazendo diversas polêmicas e discussões sobre a constitucionalidade do artigo do Código de Processo Penal (CPP) e a possibilidade de prisão após condenação em segunda instância.

A ADC 43/DF foi proposta pelo Partido Ecológico Nacional, no dia 18 de maio de 2016, já a ADC 44/DF foi proposta pelo Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil no dia 19 de maio de 2016 e a ADC 54/DF foi proposta pelo Partido Comunista do Brasil no dia 18 de abril de 2018.

No ano de 2019, o Supremo Tribunal Federal (STF) julgou as ADC’s, com a relatoria do Min. Marco Aurélio e decidiu pela constitucionalidade do art. 283 do CPP que diz:

Ninguém poderá ser preso senão em flagrante delito ou por ordem escrita e fundamentada da autoridade judiciária competente, em decorrência de sentença condenatória transitada em julgado ou, no curso da investigação ou do processo, em virtude de prisão temporária ou prisão preventiva (BRASIL, 2017).

O tema que foi discutido nas ações declaratórias de constitucionalidade acima mencionadas é de grande controvérsia jurídica e um tema que tem grande repercussão social, pois estamos falando de um princípio muito caro à democracia. Se de um lado temos a liberdade de um indivíduo condenado em duas instâncias, ou seja, condenado por um juízo singular e por um órgão colegiado, do outro lado toda a sociedade que anseia por justiça.

A questão é muito controvertida, tanto que não há consenso nem em relação ao tema a ser discutido. Há questionamentos sobre o princípio da presunção de inocência e sobre os requisitos da prisão, afinal não é unânime se a prisão por si só gera a violação do princípio da presunção da inocência, tendo em vista outros institutos que permitem a prisão sem haver sequer uma condenação.

Não se pode esquecer que o tema já foi debatido na Suprema Corte diversas vezes, tanto em sede de controle concentrado como também em sede de recurso extraordinário com repercussão geral, e essa é a quarta vez que a Suprema Corte muda o seu entendimento, o que causa efeitos não apenas no âmbito jurídico interno como também no externo, além de gerar efeitos no setor econômico internacional, por demonstrar a instabilidade jurídica do nosso país.

Por causa da grande instabilidade que gira em torno do tema, que em menos 32 anos de Constituição já esteve em pauta várias vezes. É importante lembrar que a última decisão divergente da atual foi em 2016, o que demonstra uma mudança tão importante em um curto lapso temporal.

O Congresso Nacional tem apresentado algumas possibilidades de alterações legislativa e constitucional. No presente momento há dois projetos nas casas legislativas, quais sejam, a Proposta de Emenda à Constituição nº 410 de 2018 e o Projeto de Lei do Senado nº 166 de 2018.

2. ANÁLISE DA JURISPRUDÊNCIA

O tema debatido nas ADC’S acima citadas passou por enorme evolução ao longo dos anos. Desde a promulgação da Constituição Federal o tema foi revisitado algumas vezes pela Suprema Corte, sendo de muitas divergências e muitas alterações jurisprudenciais.

A Constituição Federal, data de 1988, e desde a sua promulgação até o 2009 o STF admitia a possibilidade da execução provisória da pena após condenação em 2º grau, ou seja, tal possibilidade não feria o princípio da presunção da inocência à época.

No ano de 2009, no julgamento do HC 84.078/MG (Rel. Min. Eros Graus) era julgada a possibilidade de o paciente recorrer em liberdade após ter sido condenado por tentativa de homicídio.  Após ser julgado em segunda instância, o réu teve sua prisão decretada em regime fechado, sendo assim, os patronos do paciente recorreram da decisão requerendo o efeito suspensivo da decisão e solicitando que se aguardasse em liberdade.

O referido processo chegou ao STF em 2004, e só teve o julgamento do mérito em 2009, sendo superado o entendimento da possibilidade de execução provisória da pena após a decisão em segunda instância, por 7 votos a favor e 4 votos contra. Com essa mudança na interpretação o paciente do habeas corpus não cumpriu nenhum dia dos sete anos e seis meses de sua condenação, tendo em vista a prescrição pretensão executória antes da condenação com trânsito em julgado (NEVES; OPICE, 2018).

Durante 7 anos vigorou tal entendimento, até que o STF ao julgar o HC126.292/SP (Rel. Min. Teori Zavaski) modificou seu entendimento retornando ao que vigorava. O habeas corpus, impetrado pelo paciente, questionava a decisão do Tribunal de Justiça de São Paulo que ao negar provimento ao recurso interposto apenas pela defesa determinou o início da execução da pena de 5 anos e 4 meses de reclusão, em regime fechado. Por 7 votos a favor e 4 votos contra o STF entendeu que seria possível a execução provisória da pena após a condenação em segunda instância.

Ainda em 2016, após tal decisão do STF, o Partido Ecológico Nacional (PEN, atual Patriota) impetrou uma Ação Declaratória de Constitucionalidade (ADC 43) que questionava a constitucionalidade do art. 283 do CPP, porém, tempos depois o partido reformulou o pedido inicial e modificou o entendimento, desejando que fosse sustentada a decisão de prisão após segundo grau.

Dias após a propositura da ADC acima citada, o Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil impetrou outra Ação Declaratória de Constitucionalidade que possuía o mesmo objeto, qual seja, a declaração de constitucionalidade do art. 283 do CPP, tendo por esse motivo sido apensada à outra ADC.

No ano de 2018, o Partido Comunista do Brasil – PCdoB, impetrou a Ação Declaratória de Constitucionalidade (ADC 54) com o mesmo objeto das acima mencionadas, sendo, portanto, apensada à principal.

Em novembro de 2019, após muitos questionamentos da opinião pública nacional e internacional o STF mais uma vez levou à julgamento o tema sobre a execução provisória da pena e reviu seu posicionamento, declarando a constitucionalidade do art. 283 do CPP e decidindo que a execução provisória da pena, tal como previsto hoje, é inconstitucional.

Hoje tramita no Senado Federal, o projeto de lei nº 166/2018, de autoria do Senador Lasier Martins do PSD/RS, com a finalidade de pacificar o entendimento e evitar insegurança jurídica, tendo em vista tantas divergências e mudanças de posicionamento na Suprema Corte, começou a elaborar projeto de lei de nº 166/2018 para alterar o art. 283 do CPP, a principal mudança encontra-se no §3º que trará a seguinte previsão:

A prisão por ordem escrita e fundamentada da autoridade judiciária competente decorrente de juízo de culpabilidade poderá ocorrer a partir da condenação em segundo grau, em instância única ou recursal (BRASIL, 2017).

 Já na Câmara dos Deputados tramita a proposta de emenda à constituição nº 410/2018, de autoria do Deputado Federal Alex Manete do Cidadania/SP, com a finalidade de alterar o art.5º, LVII para modificar o momento em que alguém pode vir a ser considerado culpado, sendo o inciso escrito na proposta da seguinte forma: “Ninguém será considerado culpado até a confirmação de sentença penal condenatória em grau de recurso” (BRASIL, 1988).

As duas propostas de alterações legislativa e constitucional estão seguindo o seu trâmite nas Casas Legislativas, não há garantia de sua aprovação e mesmo após aprovadas não há como saber se o Supremo Tribunal Federal ao ser questionado sobre a constitucionalidade das modificações concordará ou não.

3. ANÁLISE BIBLIOGRÁFICA DA EXECUÇÃO PROVISÓRIA DA PENA

Assim como o tema é bastante controvertido na Suprema Corte também o é nas doutrinas. Muito se discute sobre o tema em si, sobre as alterações legislativas e sobre a atuação mais ativista da Suprema Corte.

Alguns doutrinadores defendem que a possibilidade de execução provisória da pena está diretamente ligada ao princípio da presunção de inocência e, portanto, seria inconstitucional.

Para Lenio Luiz Streck (2019), que atuou como amicus curae no julgamento das ADC’s, “quem defende a tese da prisão tem o ônus de mostrar que a Constituição Federal obriga que se prenda após segunda instância”.

O jurista defende que o espírito da constituição presa pela presunção de inocência de forma inequívoca, sendo assim, para que se possa admitir uma execução provisória da pena é necessário demonstrar a previsão constitucional em sentido contrário.

Na sua visão admitir a execução provisória seria ouvir o clamor da população e para isso a Suprema Corte estaria se afastando do seu papel precípuo de guardiã da Constituição, para ele: “Suprema Corte não tem nada que ouvir voz das ruas. Primeiro porque ela nem existe. Segundo porque, mesmo que existisse, não tem autoridade. A autoridade é do Direito”. (STRECK, 2019)

Com a mesma linha de pensamento, José Roberto Batochio (2019), vai além em sua análise, pois para ele a possibilidade de alteração do texto constitucional é uma violação à cláusula pétrea, pois o art. 5º, inciso LVII, que trata do princípio da presunção de inocência é um direito fundamental e, portanto, protegido pela imutabilidade.

Segundo Uadi Lammêgo Bulos (2010), o princípio da presunção de inocência fosse respeitado, deveria ser liquidada a possibilidade de condenação antecipada.

É importante destacar que a defesa desse entendimento não é unânime, encontrando diversos opositores desse pensamento, como Roberto Beijato Júnior (2018), que defende a presunção da inocência como uma garantia da inversão do ônus da prova, ou seja, acabe a acusação provar a culpa do réu. Ele ainda acrescenta:

Ao contrário do que muitos pensam, referido direito fundamental não constitui uma garantia à ineficácia da sentença penal condenatória até que haja o trânsito em julgado, considerado este último como o exaurimento de qualquer possibilidade recursal, ainda que em abstrato, no âmbito não apenas de Tribunais Superiores, mas como da própria Corte Constitucional. Ora, este entendimento, além de representar uma total desarmonia quanto ao modelo de organização judiciária prevista na Constituição, levaria a cabo a conclusão de que toda e qualquer sentença penal condenatória prolatada em cada Comarca do território nacional não terá sua eficácia produzida senão antes do exame de possíveis embargos de declaração do Recurso Extraordinário a ser apreciado pelo STF (MELLO, 2009).

 O Ministro Celso de Mello (MELLO, 2009), traz um posicionamento semelhante ao acima mencionado:

nenhuma acusação penal se presume provada. Não compete, ao réu, demonstrar a sua inocência. Cabe, ao contrário, ao Ministério Público, comprovar, de forma inequívoca, para além de qualquer dúvida razoável, a culpabilidade do acusado. Já não mais prevalece, em nosso sistema de direito positivo, a regra, que, em dado momento histórico do processo político brasileiro (Estado Novo), criou, para o réu, com a falta de pudor que caracteriza os regimes autoritários, a obrigação de o acusado provar a sua própria inocência (Decreto-lei n. 88, de 20.12.37, art. 20, n. 5)”.

 Um dos grandes defensores na Suprema Corte da possibilidade da execução provisória do acórdão penal é o Ministro Luís Roberto Barroso, em seu voto no HC 126.292 trouxe importantes fundamentos para sua decisão. Ele considera que há uma distinção entre prisão e presunção de inocência, tanto é assim que a Carta Magna trouxe tais institutos em dispositivos diferentes, ou seja, no inciso LVII há a previsão da presunção de inocência ou de não culpabilidade, já no inciso LXI trata dos requisitos para a prisão e não há previsão do trânsito em julgado para que seja realizada.

O Ministro Alexandre de Moraes (MORAES, 2016), ressalta que o princípio da presunção de inocência não impede que ocorram as prisões provisórias:

A consagração do princípio da inocência, porém, não afasta a constitucionalidade das espécies de prisões provisórias, que continua sendo, pacificamente, reconhecida pela jurisprudência, por considerar a legitimidade jurídico-constitucional da prisão cautelar, que, não obstante a presunção juris tantum de não culpabilidade dos réus, pode validamente incidir sobre seu status libertatis. Desta forma, permanecem válidas as prisões temporárias, em flagrante, preventivas, por pronúncia e por sentenças condenatórias sem trânsitos em julgado.

 Cabe destacar, que a doutrina ainda está se atualizando, tendo em vista a alteração ser tão recente, sendo assim, não se sabe se os doutrinadores e juristas continuarão defendendo seus posicionamentos de outrora ou acompanharão a Corte na modificação.

4. ANÁLISE DAS MUDANÇAS JURISPRUDENCIAIS REALIZADAS PELA SUPREMA CORTE

A Suprema Corte nos últimos anos tem atuado de forma mais ativista, o que em alguns casos é mais efetivo e até garantem mais direitos, como no julgamento dos Recursos Extraordinários (RE’s) 646.721 e 878.694 que discutia os direitos sucessórios dos companheiros, inclusive nas uniões homoafetivas; mas existem outros casos que são amplamente questionáveis e que afronta diretamente a Constituição Federal, como o caso do julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade por Omissão (ADO) 26 e do Mandado de Injunção (MI) 4733 que declarou equivalente ao racismo os crimes de homofobia e transfobia.

No caso objeto de estudo, a Corte não deve fechar os olhos para o que acontece com o sistema jurídico nacional, pois temos uma sociedade que clama por Justiça, não apenas nos crimes que os atinge de forma mais visível, mas principalmente pelos crimes que causam maiores danos à população.

A prisão após condenação em segunda instância vigorou desde 1941, passando pela promulgação da Constituição em 1988, e, apenas, em 2009 teve seu entendimento modificado. O caso paradigma que marcou essa mutação na Suprema Corte chegou lá para julgamento em 2004 e só em 2009 foi para julgamento.

Nesse ínterim, em 2005, o Brasil ficou sabendo de um grande esquema de corrupção que ocorria nas mais altas cúpulas do país que ficou conhecido como “Mensalão”, um esquema que envolveu estatais, senadores, deputados, partidos políticos, ministros de Estado (BRASIL, s.d).

Se há qualquer relação entre o “Mensalão” e a modificação do entendimento da Corte Constitucional, não se sabe, mas o fato é que a partir desse momento os olhos foram voltados para o STF e seus movimentos passaram a ser acompanhados, por leigos e muito mais pelos estudiosos do Direito.

Entre 2009 e 2016, o entendimento ficou firmado na Corte e se sustentou, porém em 2014 o Brasil mais uma vez parou ao ser deflagrada a operação Lava-Jato, o que seria conhecido como o maior esquema de corrupção do mundo, envolvendo Presidente da República, ex-Presidente da República, Diretorias da Petrobrás, Governadores, Senadores, Deputados Federais e Estaduais, Procuradores, Ex-Ministros, grandes empreiteiras, enfim, uma infinidade de envolvidos.

A partir desse momento, o Brasil e o mundo começaram a acompanhar o sistema jurídico do país, pois mesmo o Brasil tendo alto número de homicídios e de crimes não resolvidos, os esquemas que envolviam a alta cúpula do país precisava ser resolvidos, não apenas para os brasileiros, mas para o mundo todo, pois não se tratava apenas de Direito, mas de economia e credibilidade do país para com o mundo.

O Ministro Barroso explicita muito bem o sentimento do brasileiro no seu voto da ADC 43:

32. Quando um cidadão de bem se sente indignado com a morte de uma criança por um tiro de fuzil; com o estupro ou a violência doméstica contra uma mulher; com o grileiro que toca fogo na floresta; ou com o desvio de milhões de reais por agentes públicos corruptos, não é de “opinião pública” que se trata. Nós estamos é diante do sentimento de justiça, que une as pessoas de bem e distingue as sociedades civilizadas das sociedades primitivas.

33. Um país que perde o senso de justiça é um país que se perdeu na história (BRASIL, s.d).

A não elucidação dos casos pela Justiça brasileira não é o maior problema, o maior problema é a falta de credibilidade e de segurança jurídica, pois não há como confiar em um país que da noite para o dia pode modificar seu entendimento de justiça.

A insegurança jurídica que gira em torno do assunto é tão grande, que a título de exemplo, só o ministro Gilmar Mendes que esteve em todas as decisões sobre o tema, frente à Constituição de 1988, mudou de entendimento todas as vezes, se comparado ao seu voto anterior. Em 2009, ele votou contra a execução; já em 2016, votou a favor; e recentemente em 2019, votou novamente contra. Não se trata de interpretação frente à constituição, mas sim de sua visão em relação à sociedade, mas não parece razoável que a sociedade mude tão rapidamente.

Durante muitos anos a Suprema Corte demonstrava uma esperança para a população frente aos equívocos do Congresso, exercendo uma espécie de garantidor da lei e da constituição, exercendo seu papel precípuo de guardião da Carta Política, porém algumas vezes o papel fica invertido, o Congresso precisa proteger a população dos excessos da Suprema Corte.

Ao colocar em discussão projeto de lei e de emenda à constituição, que versam sobre a possibilidade da execução provisória da pena o Congresso está fazendo o papel de representante do povo e tentando acabar com qualquer divergência da interpretação do referido tema, deixando de forma clara qual o verdadeiro sentido do texto.

Essa atuação do Congresso Nacional frente às decisões da Suprema Corte é conhecida pela doutrina como efeito blacklash, que é uma reação política ao ativismo judicial.

O principal tema discutido é a presunção da inocência frente a execução provisória da pena, pois para muitos não se pode admitir o cumprimento da sentença sem ferir o princípio da presunção de inocência.

O Ministro Barroso, brilhantemente, traz uma reflexão sobre o tema:

O peso da presunção da inocência ou não culpabilidade, após a condenação em segundo grau de jurisdição, fica muito mais leve, muito menos relevante, em contraste com o peso do interesse estatal de que os culpados cumpram pena em tempo razoável. Desse modo, o estado de inocência vai-se esvaindo à medida que a condenação se vai confirmando (LENZA, 2017).

 O saudoso Ministro Teori Zavaski no voto do HC 126.292/SP diz:

(a) o alcance do princípio da presunção da inocência aliado à (b) busca de um necessário equilíbrio entre esse princípio e a efetividade da função jurisdicional penal, que deve atender a valores caros não apenas aos acusados, mas também à sociedade, diante da realidade de nosso intricado e complexo sistema de justiça criminal.

Além das questões suscitadas pelos ministros, o que está em discussão é a credibilidade de todo o sistema judiciário, pois decisões como as que foram tomadas pela Suprema Corte geram uma sensação de impunidade para a população. Ao ponderar entre o direito do condenado e da Justiça, escolhe-se a do condenado no lugar de toda a sociedade.

Ao firmar o entendimento da possibilidade de cumprimento da pena só após o trânsito em julgado o STF coloca-se em uma função que não lhe foi dada pela constituição, afinal no seu entendimento quando houver recursos especial e extraordinário o condenado não poderá cumprir a pena imposta por órgão colegiado. Ocorre que nem o STJ e menos o STF são cortes recursais, suas funções previstas na Carta Magna não são de Tribunais revisores, com exceção aos casos previstos no texto constitucional.

Firmando esse entendimento novamente o STF de forma implícita legitima aberrações como o caso do Agravo Regimental nos Embargos de Declaração no Agravo Regimental no Agravo em Recurso Extraordinário no Recurso Extraordinário no Agravo Regimental nos Embargos de Declaração no Agravo Regimental no Agravo nº 1249838/SC, ou como o Embargos de Declaração nos Embargos de Declaração nos Embargos de Declaração no Agravo Regimental nos Embargos de Declaração no Agravo em Recurso Extraordinário no Recurso Extraordinário no Agravo Regimental no Agravo Regimental no Agravo nº 1387499/SP.

Por esses motivos, tendo ouvido os anseios da população cabe ao Congresso Nacional votar os projetos de alteração do Código de Processo Penal e da Constituição Federal para assim não ter qualquer dúvida quanto ao que diz a lei e a Constituição.

5. CONCLUSÃO

Todo o exposto ao longo desse breve ensaio nos leva a questionar a segurança jurídica existente hoje no país.

Percebe-se com facilidade a ausência de controle nas decisões proferidas pela Suprema Corte e a vulnerabilidade jurídica é exposta.

Nesse sentido, é preciso criar mecanismos de controle das decisões proferidas pelo Supremo Tribunal Federal e ampliar o instituto dos freios e contrapesos, tal qual existente nos outros poderes em que é possível observar o controle de um pelo outro.

É plenamente possível que haja necessidade de modificações jurisprudenciais ao longo do tempo, mas há de se questionar o intervalo entre as mudanças e, também, o cenário nacional que levou a modificação.

Certo é, que estamos diante de um poder com prevalência sobre os outros, e trata-se de um poder que não representa a democracia, tendo em vista a ausência de participação popular na escolha dos seus membros.

O debate sobre os poderes da Suprema Corte precisa ser ampliado e revisitado, para não haver uma “Supremocracia” (VIEIRA, 2008) e chegar ao ponto de não ter como limitar seus poderes e que suas decisões causem tamanha insegurança jurídica como a discutida no presente artigo.

Não pode a cada modificação da composição temas antigos serem votados novamente para mudar a maioria anteriormente firmada, pois não é só insegurança jurídica que isso acarreta, mas também uma inviabilidade à duração útil do processo.

6. REFERÊNCIAS

BARROSO, Luís Roberto. Curso de direito constitucional contemporâneo, 6. ed. São Paulo: Saraiva, 2017, 592 p.

BATOCHIO, José Roberto. PEC que altera artigo 5º e permite prisão após 2º grau é ideia estapafúrdia. Consultor Jurídico, 19 nov. 2019. Disponível em: <https://www.conjur.com.br/2019-nov-19/batochio-pec-permite-prisao-grau-ideia-estapafurdia>. Acesso em: 13 fev. 2021.

BEIJATO, Roberto Júnior. Deixando a hipocrisia de lado: sobre a prisão após julgamento em segunda instância. Migalhas, 23 ago. 2018. Disponível em: <https://www.migalhas.com.br/depeso/286065/deixando-a-hipocrisia-de-lado-sobre-a-prisao-apos-julgamento-em-segunda-instancia>. Acesso em: 13 fev. 2021.

BRASIL. Código de Processo Penal. Vade Mecum OAB. 13ª ed. São Paulo: Saraiva, 2017.

BRASIL. Código Penal. Vade Mecum OAB. 13ª ed. São Paulo: Saraiva, 2017.

BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil. Vade Mecum OAB. 13ª ed. São Paulo: Saraiva, 2017

BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Julgamento do HC 83.947/AM. 10 nov. 2009. Disponível em: <http://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=TP&docID=3168617>. Acesso em: 13 fev. 2021.

BULOS, Uadi Lammêgo. Direito constitucional ao alcance de todos, 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2010, 336 p.

LENZA, Pedro. Direito Constitucional Esquematizado, 24. ed. São Paulo: Saraiva, 2020, 1576 p.

MORAES, Alexandre de. Direito constitucional, 32. ed. São Paulo: Atlas, 2016. 201 p.

NEVES, Felipe Costa Rodrigues; OPICE, Sergio. Prisão após decisão em 2ª instância: O que isso quer dizer? Migalhas, 6 abr. 2018. Disponível em <https://www.migalhas.com.br/coluna/constituicao-na-escola/277923/prisao-apos-decisao-em-2-instancia-o-que-isso-quer-dizer>. Acesso em: 13 fev. 2021.

VIEIRA, Oscar Vilhena. SUPREMOCRACIA. Revista GV, Volume 4, número 2, jul-dez 2008, pg. 441-463

STF. Aspectos de Percurso da denominada “Operação Lava-Jato” no Supremo Tribunal Federal. Disponível em <http://www.stf.jus.br/arquivo/cms/noticiaNoticiaStf/anexo/FGVVersoFinal.pdf>. Acesso em: 13 fev. 2021.

STF. Corte Suprema do Brasil inicia o julgamento do mensalão. Disponível em: <https://www2.stf.jus.br/portalStfInternacional/cms/destaquesNewsletter.php?sigla=newsletterPortalInternacionalNoticias&idConteudo=214544>. Acesso em: 13 fev. 2021.

STRECK, Lenio Luiz. Lendas e mitos do senso comum sobre a presunção da inocência. Consultor Jurídico, 21 out. 2019. Disponível em <https://www.conjur.com.br/2019-out-21/streck-lendas-mitos-senso-comum-presuncao-inocencia>. Acesso em: 13 fev. 2021.

[1] Pós-graduada em Direito Público – PUC Minas; Graduada em Direito – UNESA.

Enviado: Setembro, 2020.

Aprovado: Março, 2021.

5/5 - (1 vote)
Aline Sudré Filgueiras Rorigues

Uma resposta

  1. A segurança jurídica sobre o tema ‘prisão após condenação em segunda instância’ demanda a resolução de paralogismos (sobre dicotomias conceituais) que se firmaram ao longo de décadas:

    1º) TRÂNSITO EM JULGADO X COISA JULGADA –
    É do teor do art. 502 do CPC (assim como do art.6º, § 3º, do Decreto-Lei 4657/42 – Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro) que se extrai a certeza de que as ideias de irrecorribilidade e imutabilidade do julgado dizem respeito ao conceito de COISA JULGADA, não ao de TRÂNSITO EM JULGADO, merecendo destaque a observação de que as duas expressões são utilizadas em diferentes incisos (XXXVI e LVII) do próprio art. 5º, da CF; insofismável evidência de que o Poder Constituinte optou por recepcioná-las com sentidos diferentes. E segundo lição do jurista Eduardo Espínola Filho, transita em julgado a sentença penal condenatória a partir do momento em que já NÃO caiba recurso COM efeito suspensivo. Assim, considerando que os recursos excepcionais (para o STJ e o STF) são desprovidos de efeito suspensivo, esgotada a segunda instância, a decisão condenatória transita em julgado de imediato; ainda que fique pendente a coisa julgada por força de recurso excepcional. Neste contexto, não há falar em execução ‘antecipada’ da pena, mas em execução oportuna, cuidando-se de execução penal provisória até que se caracterize a coisa julgada (a partir da qual não cabe mais recurso de espécie alguma), tornando-se, então, uma execução penal definitiva. Como se vê, compreendido o conceito de trânsito em julgado, resulta natural e suficiente a aplicação da atual redação do art.5º, inciso LVII, da CF, assim como do art.283, do CPP, não havendo que falar na pretensa necessidade de uma Proposta de Emenda à Constituição (PEC) ou de uma norma infraconstitucional que tenha por objeto a já constitucional prisão após condenação em segunda instância (execução penal provisória). Por outro lado, considerando que haverá resistência (doutrinária e jurisprudencial) à resolução da dicotomia entre os conceitos de TRÂNSITO EM JULGADO e COISA JULGADA, de toda conveniência que a insegurança jurídica seja elidida através de uma norma infraconstitucional; algo que pode ser feito, por exemplo, mediante inserção do adequado conceito de TRÂNSITO EM JULGADO (ausência do efeito suspensivo em determinados recursos) na Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro;

    2º) PRISÃO PROVISÓRIA X EXECUÇÃO PROVISÓRIA –
    Espécie de prisão provisória, o que se depreende dos artigos 282 (e parágrafos), 283 (e parágrafos) e 312, todos do CPP é que a prisão preventiva só tem cabimento a título cautelar, entenda-se, antes de ser lançada a SENTENÇA penal condenatória. Efetivamente, considerando que toda medida incidental, de caráter cautelar, se exaure com o advento de uma SENTENÇA, que passa a impor os mais fortes efeitos que lhe são inerentes, qual o sentido de se determinar uma prisão cautelar quando se está diante de uma SENTENÇA condenatória, que já impôs uma pena (com prazo definido), depois do exame dos fatos, das provas e argumentos das partes? Além de não haver outro instrumento judicial mais firme e valioso que uma SENTENÇA penal condenatória para garantir a ordem pública ou econômica, depois de lançada, não teria sentido custodiar alguém ‘preventivamente’, ‘sem prazo’, por conveniência de uma instrução já finda ou para assegurar a aplicação de uma lei penal já aplicada (via SENTENÇA). Em outras palavras, cogitar da prisão preventiva (medida cautelar, prisão provisória) como instrumento alternativo (substituto) da prisão após condenação em segunda instância (execução provisória), à evidência, constitui um equívoco sistêmico; lembrado que a expressão ‘processo’ (art.283, ‘caput’, e art.311, ambos do CPP), no que concerne às cautelares, deve ser interpretada à semelhança da expressão ‘instrução criminal’ (art.282, I e art.312, ambos do CPP), inclusive porque a fase de formação da culpa transcorre com os autos em primeira instância (a segunda instância é revisora da culpa que se disse formada, ou não, segundo os elementos de convicção colhidos em primeira instância e examinados na SENTENÇA).

    Iniludivelmente, tanto quanto antes da SENTENÇA condenatória só tem cabimento a prisão provisória, depois dela só tem cabimento a execução provisória (após o trânsito em julgado) ou a execução definitiva (após a coisa julgada). Portanto, após condenação em segunda instância, não há falar na necessidade de fundamentação – ou de reavaliação de requisitos – acerca de prisão preventiva (cautelar), porque há uma pena a ser cumprida (execução provisória), por força de SENTENÇA condenatória transitada em julgado, ficando pendente apenas a coisa julgada em caso de eventual recurso excepcional.

    Como corolário, culpado é o condenado por sentença penal contra a qual já não cabe recurso com efeito suspensivo, contexto caracterizador do trânsito em julgado, pelo que exaurida a presunção de inocência; restando imperativo o cumprimento da pena privativa de liberdade mediante execução provisória, em lugar da imposição de uma descabida prisão provisória (“sem prazo” e insuscetível de benefícios típicos do cumprimento da pena).

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