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A universalização da literatura: um direito fundamental

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CONTEÚDO

ARTIGO DE REVISÃO

FAVARO, Cintia Milene [1]

FAVARO, Cintia Milene. A universalização da literatura: um direito fundamental. Revista Científica Multidisciplinar Núcleo do Conhecimento. Ano. 07, Ed. 01, Vol. 03, pp. 126-152. Janeiro de 2022. ISSN: 2448-0959, Link de acesso: https://www.nucleodoconhecimento.com.br/lei/direito-fundamental

RESUMO

A Literatura traz benefícios culturais e sociais ao desenvolvimento humano, portanto seu ensino e sua propagação devem ser garantidos por instituições competentes e pelo Estado. Diante disso, este artigo consiste em uma pesquisa bibliográfica que discute a seguinte questão: a Literatura deve ser considerada um direito fundamental garantido por lei? O objetivo central é analisar se a literatura pode ser considerada um direito fundamental, imbuído de um caráter essencial para a formação do ser humano. Para embasar tal discussão, a revisão apresenta algumas concepções do termo literatura, refletindo sobre sua função social e a importância de seu acesso e disseminação. A partir de citações literárias e de pesquisas acadêmicas, este estudo propõe a universalização da literatura para contribuir com uma equidade social em relação ao acesso à leitura, educação, cultura e informação.

Palavras-chave: leitura, literatura, direito fundamental.

1. INTRODUÇÃO

Existem muitos meios de comunicação e de lazer destinados ao todo social, reconhecidos por informar ou entreter em massa, nesse cenário observa-se o movimento da literatura. Por muito tempo, a denominada “alta literatura” destinava-se a uma camada seleta da sociedade e era, em muitos casos, inacessível (financeira e culturalmente) à maior parte da população, a qual deveria contentar-se com a “literatura de massa”, reduzida a obras com baixa qualidade estética, escrita a um público considerado inculto.

A literatura não se reduz a um refúgio dos poetas, a um passatempo dos filósofos, a uma arte de prateleiras, a uma inspiração dos enamorados ou a um produto de uma sociedade frustrada que precisa construir enredos para todas as situações que não pôde perpetrar na vida real. Embora tenha relação com tudo isso, a literatura é uma expressão artística muito mais complexa, pois reúne as certezas históricas e as incertezas sociais, a alegria externada e a angústia implícita, as críticas dos pensadores e o conteúdo dos produtores de conhecimento, a tradição cultural dos escritores eternizados em obras peculiares e as contradições vividas por meros mortais anônimos.

Essa riqueza cultural não pode ser privilégio de um número reduzido de cidadãos brasileiros. Todos os benefícios sociais e pessoais que a literatura proporciona precisam ser incorporados efetivamente como direito fundamental do ser humano. A literatura não pode ser reduzida a um público que teria erudição e preparo intelectual para degustá-la. Pelo contrário, a prática da leitura constante e diversificada trará o preparo intelectual a todos que desejarem se aprofundar no mundo literário.

Assim o objetivo deste artigo é analisar se a literatura pode ser considerada um direito fundamental, imbuído de um caráter essencial para a formação do ser humano.  Trata-se de uma revisão bibliográfica que se desenvolve em torno da seguinte questão norteadora: a Literatura deve ser um direito fundamental garantido por lei?

Ao longo deste estudo, que consiste em uma pesquisa qualitativa, serão citados alguns célebres trechos literários, permitindo uma breve apreciação das relações de intertextualidade que a literatura permite. Serão também abordados alguns conceitos do termo literatura, cujo estudo auxilia na compreensão de sua função social. Realizar-se-á ainda uma explanação sobre a importância da universalização da literatura, do acesso e de sua disseminação.

Configurando-a como um instrumento para ampliar o horizonte de conhecimento de mundo e motivar novos olhares para situações cotidianas, a literatura deve ser um direito de todos. Além disso, devido a seu poder de introspecção e humanização, a literatura torna-se uma necessidade universal. Assim, o presente estudo propõe uma reflexão acerca do direito à literatura como um direito fundamental.

2. O QUE É LITERATURA?

Recorrendo ao ilustre poeta português Luís Vaz de Camões, em obra de 1572, os textos literários permitem que nossos caminhos sejam assinalados por mares nunca dantes navegados ou mundos desconhecidos (CAMÕES, 1980). Cada leitura é uma experiência única e traz marcas diversas ao sujeito que se propõe a vivenciá-la. A riqueza estética e a diversidade temática são características fundamentais para que cada leitor encontre suas possibilidades de imersão literária para pensar a sociedade e a vida sob outras perspectivas.

Pode-se definir literatura, de maneira ampla, como uma manifestação artística universal; pois a linguagem expressiva, a subjetividade, o lirismo, o primor das expressões pessoais, das conotações e das fabulações aparecem em qualquer época entre todos os homens. Candido (2011, p. 176) denomina literatura:

…todas as criações de toque poético, ficcional ou dramático em todos os níveis de uma sociedade, em todos os tipos de cultura, desde o que chamamos folclore, lenda, chiste, até as formas mais complexas e difíceis da produção escrita das grandes civilizações.

Desse modo, pode-se entender a literatura como o reflexo da vida que foi perpetuado por uma manifestação artística, a qual é escrita, lida, assinada, discutida, estudada, comentada. Como descreve o escritor francês Robert Escarpit (1970, p. 12),

… ela ocupa prateleiras de bibliotecas, colunas de estatísticas, horários de aula. Fala-se dela nos jornais e na TV. Ela tem suas instituições, seus ritos, seus heróis, seus conflitos, suas exigências. Ela é vivida cotidianamente pelo homem civilizado e contemporâneo como uma experiência específica, que não se assemelha a nenhuma outra.

A história vivida e sofrida diariamente pelos leitores está sempre presente no texto literário, seja de maneira explícita e realista, seja no avesso do texto ou da vida; porque o universo literário, assim como o mundo da linguagem, permeia o plano do possível. “Já Aristóteles, respondendo a Platão, dizia que, enquanto a história narrava o que realmente tinha acontecido, o que podia acontecer ficava por conta da literatura” (LAJOLO, 1984, p. 45).

Devido a essa veracidade assumida pela narrativa e ao estilo linguístico adotado pelo autor (que é sempre pessoal, por isso, único e admirável), o texto literário surpreende e captura o leitor com facilidade. O escritor francês Marcel Proust (2011), na produção de um prefácio, antes de refletir aspectos mais conceituais acerca da leitura, escreve algumas memórias vivenciadas em seu contato com os livros. Segue um excerto que exemplifica o caráter envolvente e misterioso da literatura:

Depois a última página era lida, o livro tinha acabado. Era preciso parar a corrida desvairada dos olhos e da voz que seguia sem ruído, para apenas tomar fôlego, num suspiro profundo. Então, a fim de dar aos tumultos há muito desencadeados em mim, outros movimentos para se acalmarem, eu me levantava, punha-me a caminhar ao longo da cama, os olhos ainda fixos em algum ponto que, em vão, se buscaria em meu quarto ou fora dele; porque ele não estava situado senão numa distância de alma, dessas distâncias que não se medem por metros e por léguas como as outras, e que, aliás, é impossível confundir com elas quando se olham os olhos “distantes” dos que pensam “em outra coisa”. E aí? Esse livro não era senão isso? Esses seres a quem se deu mais atenção e ternura que às pessoas da vida, nem sempre ousando dizer o quanto a gente os amava, mesmo quando nossos pais nos encontravam lendo e pareciam sorrir de nossa emoção, e fechávamos o livro com uma indiferença afetada e um tédio fingido. Essas pessoas por quem se tinha suspirado e soluçado, não as veríamos jamais, jamais saberíamos alguma coisa delas. (…) Queríamos tanto que o livro continuasse, e, se fosse impossível, obter outras informações sobre todos os personagens, saber agora alguma coisa de suas vidas, empenhar a nossa em coisas que não fossem totalmente estranhas ao amor que eles nos haviam inspirado e de cujo objeto de repente sentíamos falta, não ter amado em vão, por uma hora, seres que amanhã não seriam mais que um nome numa página esquecida, num livro sem relação com a vida e sobre cujo valor nos enganamos totalmente, pois sua sorte aqui embaixo, agora o compreendíamos e nossos pais o confirmavam numa frase cheia de desprezo, não era, como havíamos acreditado, conter o universo e o destino, mas sim ocupar um lugar estreitinho na biblioteca do notório. (PROUST, 2011, p. 25- 26)

A perplexidade ao término de um livro; a desorientação do leitor digerindo aqueles fatos; os personagens apaixonantes, aos quais foram destinadas a atenção e a ternura antes restritas às pessoas reais; a curiosidade, a inquietação, a saudade; o pequeno objeto de biblioteca e o universo grandioso reservado ao leitor; ficção e realidade se mesclam e se distanciam linha a linha, revelando aos poucos as sensações que a literatura é capaz de proporcionar. Esse é o mérito da linguagem artística.

Bosi (2008) auxilia-nos na compreensão desse diferencial dos textos literários. Para o historiador da literatura brasileira, um artista define o perfil da obra e os aspectos particulares a partir de uma situação interiorizada. À medida que dá contorno e relevo à sua intuição, constrói um objeto semântico, explorando contradições e ambiguidades. O escritor literário produz um todo significativo ao expressar toda a complexidade de sua essência com valor estético e comunicativo, potencializando a palavra.

Devido a esse caráter subjetivo do universo literário, as acepções do termo variam amplamente. Entre algumas definições dicionarizadas do vocábulo “literatura”, encontram-se, no verbete competente: (1) a arte de compor ou escrever trabalhos artísticos em prosa ou verso; (2) o conjunto de trabalhos literários de um país ou de uma época; (3) irrealidade, ficção; (4) qualquer dos usos estéticos da linguagem. Mas, como já alertava, em 1605, o espanhol Miguel de Cervantes (2002), não há regra sem exceção. A imaginação inexaurível de Dom Quixote, advinda de leituras excessivas de novelas de cavalaria andante, torna-se uma situação análoga à abrangência da noção de literatura ao incorporar conceitos de outras ciências humanas, perpassando a linguagem da filosofia, da história, da linguística, da sociologia, da antropologia (LAJOLO, 1984).

Herrera (2017, p. 238) traduz com maestria essa relação da literatura com outras ciências em uma análise da obra “Capitães da Areia”, na qual o baiano Jorge Amado vale-se da arte literária para denunciar a realidade de crianças abandonadas pelas ruas de Salvador: “A literatura vem a ser instrumento para um olhar que suspende certezas e impõe desordem ao sistema de regulação do Direito – calcado no edifício das certezas jurídicas”. Seguindo uma proposta de que a compreensão do Direito pode ser aprimorada se comparada à interpretação de outros campos do conhecimento, especialmente a literatura, o advogado vai além ao afirmar:

Direito é Literatura. No processo de construção do texto (legal ou literário) entrecruzam ficção e a realidade. As ferramentas são as mesmas para o poeta e para o jurista: a retórica, a argumentação, a gramática, a linguagem, a técnica, a prudência (e a imprudência), compõem a estética. Na ficção, o idealizado; no real, os fatos. Na ficção, o texto; no real, a norma. Direito é Literatura na medida em que permeado por ficções e realidades sobre as quais se é possível compreender e interpretar. (HERRERA, 2017, p. 327)

A possibilidade de distanciamento da realidade, a linguagem peculiar e a relação ficção/ realidade aproximam arte e ciência. A obra literária pode ser considerada, nas palavras do jurista e filósofo belga François Ost (2004, p. 15), um laboratório experimental humano, que espanta, deslumbra, perturba, desorienta, inverte pontos de vista e constrói novos olhares, ou mesmo, novas realidades. A partir da literatura, muitas reflexões emergem e situações podem ser analisadas sob outras perspectivas.

Pesquisas da área da Psicologia comprovam que a forma imprecisa de a literatura misturar realidade e fantasia (principalmente no período pueril) contribui para a ampliação da experiência de mundo (que, na infância, é muito limitada). As narrativas literárias ajudam “a criar expectativas sólidas sobre como é o mundo e como se fala sobre ele, sem necessidade de avaliar e contrastar sua realidade” (COLOMER, 2003, p. 89). Esses estudos apontaram que, progressivamente, com o amadurecimento do leitor, a ficção vai se distanciando do mundo real, mas os esquemas de valores recorrentes e o reconhecimento da própria cultura foram assimilados. Isso ocorre porque o sujeito leitor apresenta-se como um observador das situações vividas pelos personagens, ou mesmo pelo narrador. Esse distanciamento permite que as ações sejam analisadas sob novos prismas, os quais não são possíveis de se enxergar quando o ser humano está diretamente envolvido na circunstância real, com raciocínio prejudicado pelas emoções exacerbadas.

A Psicologia reconhece ainda que o mundo da imaginação permite que o sujeito se movimente em diferentes mundos, conhecendo normas de outras localidades e valores de outras gerações, adotando diferentes papéis sociais (COLOMER, 2003, p. 89). Esse processo é imprescindível para que o ser humano possa compreender-se como tal, ou seja, construir sua identidade em um meio social, mas também seja capaz de colocar-se no lugar do outro, exerça a alteridade e aprenda a considerar outros pontos de vista como aceitáveis, mesmo divergindo de seus valores ou posicionamentos.

Tantas outras ciências possuem relação com a linguagem e, especificamente, com a escrita; por isso, talvez, seus caminhos tenham percorrido a literatura com tanta frequência. Todo conhecimento armazenado nos livros no decorrer dos séculos foi também traduzido em poesias ou narrativas literárias. O que representa o fim da sabedoria dos autores, “não nos aparece senão como começo da nossa, de sorte que é no momento em que eles nos disseram tudo o que podiam nos dizer que fazem nascer em nós o sentimento de que ainda nada nos disseram” (PROUST, 2011, p. 34). O ser humano busca enveredar-se pela leitura à procura de respostas e, nesse processo, passe a formular novos questionamentos, o que acaba tornando a busca pelo conhecimento um ato incessante. Nessa perspectiva, caminhos hodiernos e múltiplos se abrem aos sujeitos privilegiados que vivem diante da oportunidade constante da leitura.

Candido (2011, p. 177) ressalta que “cada sociedade cria as suas manifestações ficcionais, poéticas e dramáticas de acordo com os seus impulsos, as suas crenças, os seus sentimentos, as suas normas, a fim de fortalecer em cada um a presença e atuação deles”. Os valores vigentes em uma sociedade (e aqueles que são desprezados por ela) são discutidos nas obras literárias, que acabam constituindo propostas curriculares, sendo instrumento de instrução e educação.

As produções literárias são imagens e transfiguração da própria vida, por isso possuem um caráter formador da personalidade. Muitas vezes, o texto literário infringe as normas estabelecidas socialmente, o que gera conflitos internos, perturbação e, principalmente, reflexões que amadurecem um posicionamento acerca de dilemas pessoais ou de um grupo.

A literatura confirma e nega, propõe e denuncia, apoia e combate, fornecendo a possibilidade de vivermos dialeticamente os problemas. (…) Ela não corrompe nem edifica, portanto; mas, trazendo livremente em si o que chamamos o bem e o que chamamos o mal, humaniza em sentido profundo, porque faz viver. (CANDIDO, 2011, p. 178)

Os indivíduos leitores costumam perceber com mais acuidade as possibilidades de esmiuçar o cotidiano, refletir sobre os caminhos percorridos, planejar novas ações e realizá-las, experimentar emoções intensas, compartilhar experiências, ser mais humano e viver de fato.

O processo de humanização, segundo Candido (2011, p. 182),

…confirma no homem aqueles traços que reputamos essenciais, como o exercício da reflexão, a aquisição do saber, a boa disposição para com o próximo, o afinamento das emoções, a capacidade de penetrar nos problemas da vida, o senso da beleza, a percepção da complexidade do mundo e dos seres, o cultivo do humor. A literatura desenvolve em nós a quota de humanidade na medida em que nos torna mais compreensivos e abertos para a natureza, a sociedade, o semelhante.

Nessa perspectiva, o sujeito leitor, por meio da literatura, participa de um processo de humanização, desenvolvendo suas emoções e atitudes para com o outro com mais refinamento, enxergando o mundo ao seu redor com mais clareza e discernimento, ponderando os problemas e tornando-se mais condescendentes com as diferenças. Já no século XVI, os sermões do padre português Antônio Vieira (2001) profetizavam entre os índios brasileiros que bastam palavras para falar ao vento; mas, para falar ao coração, são necessárias obras.

3. A LITERATURA COMO CULTURA DE MASSA

Muitos autores ao longo dos séculos imprimiram suas intenções ideológicas, políticas e humanitárias nos textos literários. Grande exemplo dessa natureza é o poeta baiano Castro Alves, que escreveu intensos versos abolicionistas em 1870, com musicalidade e métrica:

Se o velho arqueja, se no chão resvala,/ Ouvem-se gritos… o chicote estala./ E voam mais e mais…/ Presa nos elos de uma só cadeia,/ A multidão faminta cambaleia,/ E chora e dança ali!/ Um de raiva delira, outro enlouquece,/ Outro, que martírios embrutece,/ Cantando, geme e ri! (ALVES, 2008, p. 17)

O escritor simbolista, aos dezesseis anos, denunciava a sociedade brasileira escravocrata do século XIX por meio da literatura. Além do “poeta dos escravos” e de Jorge Amado (já mencionado – ao tratar do abandono de menores nas ruas de Salvador), vários autores apresentam-se com problemáticas igualmente significativas para o contexto histórico brasileiro: Graciliano Ramos e a vida do homem nordestino (Vidas Secas), Rachel de Queiroz e a saga que representa a fuga de sua própria família da seca do sertão nordestino (O Quinze), José Lins do Rego e a decadência da economia canavieira nordestina (Menino do Engenho), Euclides da Cunha e o retrato do forte sertanejo no início do século XX (Os Sertões), Aluísio Azevedo e a denúncia social da realidade carioca do século XIX (O Cortiço), Lima Barreto e o patriotismo exacerbado de um suposto major (Triste Fim de Policarpo Quaresma), entre outros.

Na história de nosso país não faltaram questões sociais a serem problematizadas, nem grandes escritores capazes de tratá-las com primor estético e temático. À descrença diante das mazelas desse mundo, opõem-se as palavras de outros escritores maravilhados com o espetáculo fantástico da vida real, o qual torna-se mais grandioso quando mestres da literatura recriam essa realidade.

Quanto à estética literária, cabe ressaltar que a organização textual assume amplo valor no texto literário. O esmero com a escrita – ou dos grafemas (representação gráfica dos sons da linguagem) – está implícito no conceito de literatura, uma vez que o termo “literatura” deriva do latim littera, que significa letra. E é interessante perceber que, historicamente, tanto da interação prevista por esse processo de escrita e leitura, quanto do acesso ao texto literário, desprende-se a construção de um prestígio social. A obra literária é um objeto social, pois infere-se que é preciso uma influência mútua de alguém que a escreva e alguém que a leia; consequentemente, torna-se privilégio de escritores e de sujeitos leitores.

Na tradição cultural, segundo Lajolo (1984, p. 29), o domínio da escrita “é timbre de distinção, atestado de superioridade intelectual, marca de valor: tanto para indivíduos quanto para civilizações”. Mas, cabe ressaltar que, atualmente, todos podem oportunizar esse caminho (mais tortuoso para alguns, sem dúvida) de acesso à leitura e à literatura.

Nota-se que a sociedade privilegia a manifestação escrita sobre a oral. O conhecimento da linguagem é diretamente associado à erudição e à respeitabilidade. Com frequência presenciamos sujeitos pedantes impondo sua magnitude social ao empregar uma linguagem excessivamente rebuscada, muitas vezes sem o intuito de ser compreendido (objetivo primeiro do ato comunicativo), buscando simplesmente comprovar sua superioridade. A demonstração de conhecimento (não de sabedoria), a imposição do autoritarismo (não de autoridade), a expressão de poder (não de competência) sobrepõem-se à finalidade primordial da linguagem, que é a comunicação, a interação social para a compreensão entre as partes mediante a palavra.

A história da literatura em língua portuguesa comprova essa tradição cultural. As cantigas e trovas da Idade Média, de caráter eminentemente oral, transformaram-se em documento literário apenas quando foram registradas e recolhidas nos cancioneiros do século XII, dando início, teoricamente, à literatura portuguesa. Observa-se que a escrita produz a elitização e a literatura prevalece, com suas raízes cultas e nobres, permeando ambientes elitizados e excluindo sujeitos de manifestações culturais e da possibilidade de ampliar conhecimento, elevar o nível de reflexão ou debates, aprimorar condições de vida.

À grande massa, estariam destinados o cordel, o folclore, as cantigas populares, que também são produções literárias nobres, embora não possam ser consideradas suficientes. A literatura denominada erudita continua, em muitos casos, reservada a um grupo seleto porque não há esforço real de equidade. Para Candido (2011, p. 189), a maioria da população brasileira “vive em condições que não permitem a margem de lazer indispensável à leitura. Por isso, numa sociedade estratificada deste tipo, a fruição da literatura se estratifica de maneira abrupta e alienante.”

Apesar de a literatura, geralmente, originar-se da elite e estar a ela destinada, não costuma se restringir a esse público. Há caminhos diversos e possibilidades múltiplas de apreciar obras literárias, analisar textos clássicos, aprofundar-se em autores literatos ou apenas ler o que agrada, diverte, instrui. No entanto, muitas vezes, não há igualdade de condições para se percorrer tais caminhos. Com a ampliação de projetos sociais e educativos, bem como a difusão crescente das obras literárias, o hábito da leitura poderia ter um aumento significativo.

Candido (2011, p. 189) assevera que “quanto mais igualitária for a sociedade, e quanto mais lazer proporcionar, maior deverá ser a difusão humanizadora das obras literárias, e, portanto, a possibilidade de contribuírem para o amadurecimento de cada um”. A leitura de bons textos pode gerar maturidade cognitiva para refletir e agir em face a questões sociais, despertar emoções e reações sensitivas e humanizadoras.

O texto literário pode ser um pretexto para a aquisição de saberes, entretanto torna-se mais intenso ao invadir a emoção do leitor. A literatura possibilita que o leitor imprima subjetividade ao texto. Essa é uma necessidade funcional da leitura literária (ROUXEL, 2012).

Muitos poetas fizeram uso da metalinguagem para explorar essa função emotiva e as possibilidades de sentido, como o poeta mineiro Carlos Drummond de Andrade, que convida o leitor a adentrar o mundo da literatura: “Chega mais perto e contempla as palavras./ Cada uma/ tem mil faces secretas sob a face neutra/ e te pergunta, sem interesse pela resposta,/ pobre ou terrível, que lhe deres:/ Trouxeste a chave?” (ANDRADE, 2001, p. 7). Ao leitor, competem a disponibilidade para a compreensão, a impressão pessoal e o compartilhamento de conhecimentos para a produção de sentidos. O texto já está edificado, basta ter a chave – condições sociais e cognitivas – para iniciar a leitura.  Autor e leitor compartilham conhecimentos que fornecem acesso ao universo literário, numa atividade de reprodução da realidade e de recriação do texto para a reinterpretação do real.

Vale citar ainda os conflitos internos e a inquietação com a escrita do português Fernando Pessoa, em seu Livro do Desassossego (1982, p. 17): “Sou, em grande parte, a mesma prosa que escrevo. Desenrolo-me em períodos e parágrafos, faço-me pontuações, e, na distribuição desencadeada das imagens, visto-me, como as crianças de rei com papel de jornal (…)”. O produtor de textos literários reproduz suas angústias pessoais, suas preocupações sociais, sua visão de mundo; aspectos nem sempre claros nas obras produzidas, exigindo análise textual e, muitas vezes, pesquisas históricas para o conhecimento do contexto de produção.

Nessa perspectiva, o fenômeno literário envolve as relações de produção e recepção de um texto, cujos elementos inseparáveis (autor, texto, leitor) dialogam para a elaboração de uma pluralidade de sentidos. O texto literário constitui-se das escolhas do autor (uma língua para se expressar, um gênero para compor, um léxico para se comunicar, um meio para veicular seu texto, um estilo para enlaçar o leitor), as pistas que o texto apresenta (composição, organização gramatical, seleção vocabular, conteúdo, possibilidades de sentidos) e a cooperação do leitor (estratégias de leitura, antecipações, inferências, repertório).

Colomer (2003, p. 96) acrescenta ainda a relevância do repertório: “O texto e o leitor interagem a partir de uma construção do mundo e de algumas convenções compartilhadas, isto é, a partir de uma imagem da realidade”. E ressalta que as “estratégias” estão presentes tanto na produção do texto – por parte do autor – quanto nos atos de compreensão do leitor, por isso

…o significado de um texto é uma construção negociada por autor e leitor, através da mediação do texto. A mensagem não se transmite do autor para o leitor, mas se constrói, como uma espécie de ponte ideológica, que se edifica no processo de sua interação. Os limites do significado acham-se nas relações entre as intenções do autor, o conhecimento do leitor e as propriedades do texto, durante o processo de interpretação. (COLOMER, 2003, p. 98)

Nesse emaranhado de construções de sentido para outros textos, a leitura e a escrita tornam-se procedência e produto mútuos da literatura. A leitura é uma prática social e dialógica, por isso permite interações diversas com um universo grandioso de escritores e de ideias, as quais passam a ser escritas com novos olhares por diferentes autores em outros espaços e épocas.

A leitura propõe novas relações com o mundo que circunda o sujeito leitor, o qual passa a adotar diferentes interações com o texto e com a sociedade e, consequentemente, assumir novas perspectivas da realidade. Ao passo que o sujeito produtor de textos, por meio da linguagem, realiza um ato social e ideológico. O processo de produção e recepção de textos é permeado por conflitos, relações de poder e constituição de identidades, pois o uso da palavra reflete valores sociais dos sujeitos envolvidos nesse ato comunicativo social e dialógico – a leitura (BAKHTIN, 2000).

Para explicitar esse processo de produção do texto literário, Candido (2011, p. 178) distingue três faces da literatura que atuam simultaneamente:

(1) ela é construção de objetos autônomos como estrutura e significado; (2) ela é uma forma de expressão, isto é, manifesta emoções e a visão do mundo dos indivíduos e dos grupos; (3) ela é uma forma de conhecimento, inclusive como incorporação difusa e inconsciente.

Desse modo, o texto literário se particulariza pela maneira como é construído. Sua organização auxilia o leitor a ordenar a própria mente, seus sentimentos e, consequentemente, sua visão do mundo. O ritmo da linguagem e a distribuição das palavras em um todo articulado permitem uma organização da ideia que está sendo elaborada a respeito do mundo. Forma e conteúdo se harmonizam para impressionar e humanizar o leitor, sugerir e incorporar sentidos.

Além disso, o mesmo texto pode adquirir uma variedade de sentidos de acordo com a situação de produção (de acordo com conhecimento histórico que se tem ou não da obra) e de recepção (aspectos pessoais e sociais vivenciados pelo leitor). Até quando o leitor é o mesmo, a obra pode passar a ter outros sentidos, se a leitura é realizada em outro momento de sua vida; porque o sujeito foi transformado pelo tempo, pelo espaço e por suas experiências de vida e de leitura.

Os valores sociais, ideologias e sistemas de comunicação são elementos inseparáveis da obra literária. Candido (2006, p. 39) lembra que “valores e ideologias contribuem principalmente para o conteúdo, enquanto as modalidades de comunicação influem mais na forma”. Ao longo dos períodos literários, essa característica torna-se muito evidente. Os textos ora possuem formatos bem demarcados, clássicos e tradicionais (estruturas regulares); ora apresentam irregularidades, com liberdade de expressão e forma.

A preocupação com a organização textual não pode ser caracterizada de maneira mais eficaz que pela expressão do ritmo parnasiano, representado pelo carioca Olavo Bilac (1888). O poeta chega a comparar o texto a uma joia, pois o trabalho é similar, exige rigidez das normas e precisão da forma. O texto literário é lapidado, mas subjetivo; é uma construção racional e coerente, mas metafórica e emotiva; traz uma linguagem apurada, mas expressiva; exige técnica, mas principalmente inspiração. A literatura é capaz de incorporar realidade e ficção tornando o texto verossímil.

Candido completa que “as produções literárias, de todos os tipos e todos os níveis, satisfazem necessidades básicas do ser humano, sobretudo através dessa incorporação, que enriquece a nossa percepção e a nossa visão do mundo” (2011, p. 181). Além disso, a literatura denuncia situações mascaradas pela sociedade ao retratar cenas de restrição ou negação dos direitos e construir personagens que representam os excluídos e marginalizados socialmente. Talvez o segredo da arte literária seja muito simples, como Saint-Exupéry filosofou com seu Pequeno Príncipe (1987): só se vê bem com o coração, pois o essencial é invisível aos olhos.

4. A LITERATURA COMO DIREITO FUNDAMENTAL

James Joyce, Franz Kafka, Charles Dickens, Ernest Hemingway, Mark Twain, Jane Austen, Agatha Christie, Clarice Lispector, Cecília Meireles, Rubem Braga, Mario de Andrade e tantos outros renomados autores da literatura (alguns já expostos no tópico anterior) são citados nas escolas, exposições culturais, conferências, saraus, em outros textos literários ou não (como este artigo). Todos devem conhecer esses grandes nomes que representam os clássicos literários, ou melhor, todos têm o direito de conhecer. Afinal, são clássicos porque, por meio de seus enredos, discutiram temas polêmicos, sociais, históricos, filosóficos ou essencialistas, e perduram.

A Constituição Federal de 1988, em seu Artigo 23, preconiza que: “É competência comum da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios: (…) V – proporcionar os meios de acesso à cultura, à educação e à ciência; (…)”. No entanto, no meio do caminho tinha uma pedra, Drummond avisou, tinha uma pedra no meio do caminho (ANDRADE, 2001). Alguns obstáculos deixaram o Brasil distante da universalização desses direitos. Cada cidadão brasileiro poderia conhecer importantes obras literárias se vivêssemos em uma sociedade igualitária de fato, em que o direito à cultura e à educação fosse exercido com eficácia.

Para que nosso país seja construído por seres humanos mais conscientes, habilidosos socialmente, justos e idôneos, para que a educação seja um direito assegurado a toda pessoa, esse princípio é reafirmado pelo artigo 205 da Constituição Federal:

Art. 205. A educação, direito de todos e dever do Estado e da família, será promovida e incentivada com a colaboração da sociedade, visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho. (Texto promulgado em 05/10/1988)

Considerando que o acesso aos bens culturais é recurso primordial para o desenvolvimento da educação formal, torna-se indispensável a relação desse tópico com os artigos 215 e 216 da Constituição Federal:

Art. 215. O Estado garantirá a todos o pleno exercício dos direitos culturais e acesso às fontes da cultura nacional, e apoiará e incentivará a valorização e a difusão das manifestações culturais. (…)

Art. 216. Constituem patrimônio cultural brasileiro os bens de natureza material e imaterial, tomados individualmente ou em conjunto, portadores de referência à identidade, à ação, à memória dos diferentes grupos formadores da sociedade brasileira, nos quais se incluem: I – as formas de expressão; II – os modos de criar, fazer e viver; III – as criações científicas, artísticas e tecnológicas; IV – as obras, objetos, documentos, edificações e demais espaços destinados às manifestações artístico-culturais. (BRASIL, 1988)

A legislação prevê ainda a democratização do acesso aos bens culturais, a garantia da produção, promoção e difusão desses bens, a valorização do patrimônio cultural brasileiro, bem como incentivos para a produção e o conhecimento dessa diversidade. O maior obstáculo para a efetivação do acesso aos bens e valores culturais é a falta de oportunidade e de condições de aquisição dos mesmos, não a incapacidade ou desinteresse, como veiculam muitos discursos sociais. Isso ocorre principalmente por questões históricas.

Em muitos períodos, a leitura foi considerada uma ameaça ao poder, um perigo às autoridades que temiam ser contestadas. Em muitas sociedades, livros eram (e ainda são) alvo de censura; nem toda leitura é permitida em regimes autoritários, a liberdade de expressão e de escolha tem limites e, por isso, a vigilância é constante. Outro exemplo literário dessa repressão foi perpetrado pelo italiano Umberto Eco. Em O nome da rosa (ECO, 1983), muitos mistérios rondam a biblioteca proibida de um mosteiro. A rosa representa o infinito poder das palavras, que também são consideradas sementes do mal: nem todas as verdades são para todos os ouvidos; nem todas as mentiras podem ser reconhecidas como tal por uma alma piedosa.

Os textos literários apenas reproduzem as situações do mundo real, que vão desde 213 a.C., quando o imperador chinês Chi Huang-Ti ordenou queimar todos os livros do reino; passando por 1559, em que a Congregação da Inquisição Romana publicou o Index, índice dos livros proibidos aos olhos da igreja (MANGUEL, 1997); por 1964, com tantos escritores brasileiros exilados na ditadura militar, livros censurados e apreendidos, bibliotecas destruídas; ou mesmo em 1981, em que o general Pinochet mandou banir do Chile o livro Dom Quixote de La Mancha (1605), porque Cervantes fazia um apelo à liberdade e ameaçava a autoridade instituída.

Torna-se contraditório pensar que o mesmo governo que proíbe e limita é também responsável pela igualdade de direitos. Em meio a esse paradoxo, encontra-se a realidade do sistema de ensino brasileiro. Pela Constituição, o Estado tem que garantir uma educação de qualidade nas escolas públicas, com bibliotecas amplas, oferta de materiais diversificados de leitura, professores motivados a disseminar a literatura e a arte, atividades de incentivo à participação (recepção e produção) em manifestações artísticas, como saraus, discussões de obras literárias, espetáculos teatrais, exposições de obras de arte, festivais de música, dança e cinema.

No Brasil, leis com esse teor continuam sendo discutidas. Recentemente foi sancionada a Lei 13.696/2018, que institui a Política Nacional de Leitura e Escrita como estratégia permanente para promover essas práticas. Entre as diretrizes constam “(I) a universalização do direito ao acesso ao livro, à leitura, à escrita, à literatura e às bibliotecas”; e “(II) o reconhecimento da leitura e da escrita como um direito, possibilitando a todos (…) as condições de exercer plenamente a cidadania, viver uma vida digna e contribuir na construção de uma sociedade mais justa”. Com a aprovação da PNLE, a implantação fica a cargo da União, mas prevê a cooperação com os Estados, Distrito Federal e os municípios e a participação da sociedade civil e instituições privadas. Para tanto, é necessário o envolvimento de toda a sociedade na busca de um direito que lhe permita um desenvolvimento pleno da criticidade e autonomia para uma mobilidade social.

De acordo com Candido (2011), o princípio da dignidade da pessoa humana, previsto na Constituição, define um padrão mínimo dos direitos sociais, por isso não basta o reconhecimento de seus elementos básicos. Assim como a busca pelos direitos humanos abrange o acesso aos diferentes níveis de cultura, o direito universal à educação pode ser concretizado por diversos meios, como a literatura. Mas parece estar distante da realidade brasileira, a luta da população para que se efetive uma política pública de fortalecimento e ampliação de oferta de livros e acesso a bibliotecas.

Na Grécia antiga, a literatura não era um privilégio dos que liam, era uma celebração pública nas praças, nos teatros, nos templos. Todos tinham a chance de ter a repercussão da literatura em sua vida, benefício que, hoje, é outorgado a uma parcela ínfima de leitores de nosso país. Aliás, todo brasileiro tem um pouco de Ulisses, guerreiro grego que enfrentou muitos perigos antes de regressar ao lar e à esposa Penélope. Homero (2003) celebrou em 1760, nos versos de Odisseia, os conflitos heroicos e sentimentais do ser humano comum, ainda que essa obra clássica seja, nos dias atuais, privilégio de poucos eruditos.

Lamentável que essa abrangência da literatura a uma coletividade não tenha abarcado outras épocas e outros povos. Em língua portuguesa, desde tempos remotos, os textos literários foram produzidos e consumidos por poucos. Além disso, a tradição da literatura clássica (atribuída e dirigida à elite, como vimos) sempre se apresentou em oposição às narrativas populares, às canções da periferia, à tradição oral dos excluídos social e culturalmente. Muitas pessoas ainda não puderam ser incluídas de fato ao sistema educacional e aos atrativos artísticos e culturais no Brasil.

A arte, em todas suas manifestações (literatura, música, pintura, escultura, dança, teatro), desempenha uma função social e educativa, portanto deveria estar ao alcance de todos como um direito. Antonio Candido (2011) considera a literatura um fator indispensável à humanização, pois é uma arte que prepara e desenvolve a mente das pessoas para serem mais compreensivas e abertas.

Ost (2004), ao relacionar o Direito às obras de arte, aponta algumas características que podemos adotar, especificamente, para compreender a relevância das obras literárias que, segundo o autor, (1) suspendem evidências cotidianas e demonstram o incomum; (2) colocam os dados em outro plano, possibilitando um distanciamento que facilita a análise dos fatos; (3) desfazem as certezas, construindo outras possibilidades, diferentes daquelas já estabelecidas; (4) rompem com as convicções e fazem surgir questionamentos.

Nessa perspectiva, ao privar tantos cidadãos do direito à literatura, tiram-lhes a possibilidade de refletir e compreender a realidade sob outros olhares, de conhecer outros aspectos de momentos históricos, questionar o presente e planejar o futuro. Tudo o que não se pode (ou não se deve) experimentar em uma vida, pode-se conhecer por meio da leitura. Além disso, as obras literárias podem oferecer sinais de antecipação de movimentos sociais, pois apresentam uma releitura do mundo e um prognóstico de reações que, muitas vezes, são mais vagarosas na realidade por trazerem consequências práticas, mas são imediatas na produção ficcional que trabalha com hipóteses e expectativas.

Desse modo, a literatura é um patrimônio individual e social, por ser capaz de criar identidade e alteridade. Além disso, permite a elevação espiritual e a ampliação dos conhecimentos, tem o poder de transmitir valores, discutir conceitos, despertar novas interpretações do texto e do mundo. A obra literária possibilita muitos planos de leitura, apresentando ambiguidades da linguagem e da vida (ECO, 2003).

A realidade literária é verossímil, uma vez que procura transmitir ao leitor uma sensação de verdade. Logo, a literatura pode ser traduzida por uma tentativa de transparência da palavra e de transferência de emoções. O poder criador da palavra possibilita diversas maneiras de imaginar o mundo e de recriar a realidade. No entanto, muitos leitores passaram a desacreditar de uma realidade compreensível, passível de ser recriada por meio de palavras, construindo a ideia de uma significação provisória. Assim os textos literários ressurgem com o destino traçado: a permanência (LAJOLO, 1984); pois a interpretação de uma realidade complexa torna-se mais duradoura que a realidade em si.

Quanto ao imediatismo e à efemeridade do atual contexto social, Lajolo (1984, p. 95) é ainda mais realista: “A violência do hoje roubou o direito ao sonho que, aliás, acabou. A posteridade tornou-se o amanhã de manhã, e o pedir um café pra nós dois o único projeto talvez possível”. O brasileiro é o povo do imediatismo e da oralidade, do dinâmico e do visual. Definitivamente, o Brasil não é um país de leitores, entretanto faz-se necessário o resgate dessa cultura. Afinal, o texto literário possibilita que o ser humano estabeleça novas relações com o universo e consigo mesmo.

O livro precisa ser reconhecido como companheiro de entretenimento, pois “é tão simpático que tudo ao seu redor se contagia” (PROUST, 2011, p. 50); no entanto esse encantamento é gradual, e precisa ser construído para que cada sujeito possa exigir seu direito à literatura. As atividades de compreensão, reflexão, interpretação e análise exigem esforço e conhecimento. É preciso que o leitor se habitue a debruçar sobre os livros e exercitar as estratégias de leitura. Não basta que os leitores sejam conduzidos uma única vez a esse universo para que sejam capazes de descobrir

 … as verdadeiras riquezas, que lá subjazem, mas (…) eles vivem num perpétuo esquecimento de si mesmos, numa espécie de passividade que os torna o brinquedo de todos os prazeres, os diminui até o tamanho dos que os cercam e os agitam. (PROUST, 2011, p. 38)

Assim, para que possam pensar por si mesmos e reagir, criar e criticar, necessitam de uma interação constante com o meio literário, de uma intervenção que estimule o ato de refletir. A prática da leitura é capaz de realizar transformações não apenas no sujeito leitor, mas também no mundo que o cerca. Proust ainda ressalta que, “se o gosto pelos livros cresce com a inteligência, seus perigos (…) diminuem com ela” (2011, p. 51).  Afinal, como alertou o mineiro Guimarães Rosa (1986), viver é “negócio” muito perigoso. Diante dessa sociedade marcada por uma precariedade ideológica e por uma distorção de valores, é possível, em meio aos livros, encontrar experiências e conhecimentos que fortaleçam o modo de pensar e possibilitem a sabedoria de encontrar diferentes direções para agir.

Zilberman (2001, p. 52) reforça que “os atos de compreensão envolvidos no processo de constituição do significado capacitam o leitor a refletir sobre si mesmo e a descobrir um mundo que até então não tivera acesso”. Nesse mundo, o leitor pode agir e pensar sob novas perspectivas, que talvez não fossem possíveis perante as pessoas de sua convivência e as experiências que a vida lhe proporcionara.

A leitura da palavra possui uma estreita relação com a leitura que temos do mundo. São experiências que acompanham o sujeito ao longo de sua vida e produzem efeitos contínuos em sua compreensão da realidade:

Este movimento do mundo à palavra e da palavra ao mundo está sempre presente. Movimento em que a palavra dita flui do mundo mesmo através da leitura que dele fazemos. De alguma maneira, porém, podemos ir mais longe e dizer que a leitura da palavra não é apenas precedida pela leitura do mundo, mas por uma certa forma de “escrevê-lo” ou de “reescrevê-lo”, quer dizer, de transformá-lo através de nossa prática consciente. (FREIRE, 2006, p. 20)

O leitor não é passivo diante do texto. Pelo contrário, é um sujeito que completa o texto e confere vida ao escrito (BAKHTIN, 2000; ZILBERMAN, 2001). Nesse processo de coprodução de sentidos, o leitor seleciona obras que atendem a suas necessidades culturais e sociais, estabelecendo um vínculo pessoal com o objeto literário.

A relação com o livro é a amizade mais pura e sincera que podemos ter. Isso porque, ao interagir socialmente, todo sujeito constrói um modo de ser por suas relações de simpatia, admiração e reconhecimento. Uma imagem social é criada e precisa ser mantida ao longo de sua vida perante as outras pessoas. Porém essa imagem pode ser desconstruída em momentos de solidão, como aqueles em que a única “companhia” é um livro:

Na leitura, a amizade é de repente levada à sua pureza primitiva. Com os livros, não há amabilidade. Esses amigos, se passamos a noite com eles, será porque realmente temos vontade de fazê-lo. Não os deixamos, pelo menos estes, senão com remorso. E quando os deixamos, não levamos nenhum desses pensamentos que mimam a amizade: O que é que pensaram de nós? – Será que não tivemos tato? – Será que agradamos? – e o medo de ser esquecido por um outro. Todas essas agitações expiram na soleira dessa amizade pura e calma que é a leitura. (…) quando nos entendia, não temos medo de parecer entediados, e quando decididamente cansamos de estar com ele, nós o repomos no seu lugar tão bruscamente como se ele não fosse genial nem tivesse celebridade. (PROUST, 2011, p. 48)

O silêncio e a solidão mostram-se aliados da leitura, e toda genialidade dos autores não acarreta qualquer depreciação por ter sido momentaneamente pendida a uma prateleira. As obras literárias são objetos de emancipação interior e social, detêm o poder de humanizar, libertar mentes, transformar sujeitos, levando-os a repensar situações e modificar sociedades alienadas. Dessa maneira, o valor social não está no objeto em si, mas em todas as manifestações que ele possibilita ao indivíduo, pois as transformações desencadeadas pela leitura (apesar de ser uma prática social) são individuais.

Cada indivíduo necessita de sua própria experiência como leitor, por isso é direito de todos – e de cada um – o acesso ao universo da literatura. O leitor de textos literários está em contato com um uso especial da linguagem e desenvolve “uma avaliação estética do mundo” (COLOMER, 2003, p. 173). À medida que o leitor se capacita à compreensão do texto escrito, amplia também suas possibilidades de compreensão do mundo.

Bakhtin (2000) caracteriza o leitor como um ser construído histórico e culturalmente, que participa ativamente da construção de sentidos. Questões sociais assumem um importante papel nas interações existentes entre leitor, autor e texto. Autor e leitor interagem mutuamente para a produção de sentidos do texto.

A obra, por sua vez, vincula o autor ao público, pois o interesse deste é inicialmente por ela, só se estendendo à personalidade que a produziu depois de estabelecido aquele contato indispensável. Assim, à série autor-público-obra, junta-se outra: autor-obra-público. Mas o autor, do seu lado, é intermediário entre a obra, que criou, e o público, a que se dirige; é o agente que desencadeia o processo, definindo uma terceira série interativa: obra-autor-público. (CANDIDO, 2006, p. 47)

No momento da leitura, o sujeito receptor de uma obra produz sentidos em cooperação com o autor, inserindo-se em uma relação dialógica com outros discursos, por isso a construção de significados torna-se plural. Embora o autor seja o desencadeador desse processo, o leitor pratica uma compreensão ativa do texto, “concorda ou discorda (total ou parcialmente), completa, adapta, apronta-se para executar” (BAKHTIN, 2000, p. 290).

Estudos da Psicologia Cognitiva, “desde o final dos anos setenta, destacaram a importância da ficção para o desenvolvimento cognitivo dos indivíduos” (COLOMER, 2003, p.88), uma vez que a narrativa se constrói em uma sequência de ações que retratam a intenção humana e os valores de uma sociedade. Através da leitura do texto literário, o sujeito consegue ordenar as experiências humanas e construir uma realidade.

A literatura deve ser compreendida como um componente imprescindível da vida cultural da nossa sociedade. Os homens não são capazes de viver sem a possibilidade de entrar em contato com alguma espécie de fabulação. Se todos mergulham, em algum momento de sua vida cotidiana, no universo da ficção e da poesia; a literatura, concebida no sentido amplo, “parece corresponder a uma necessidade universal, que precisa ser satisfeita e cuja satisfação constitui um direito” (CANDIDO, 2011, p. 177).

Os textos literários diferenciam-se de outras formas de transmissão de conhecimento. Afinal, “a literatura não é um reflexo mimético das condições sócio-históricas, mas exerce uma função de construção do conhecimento, de criação do mundo como modelador da realidade, a qual configura e dá sentido” (COLOMER, 2003, p.93). Trata-se da aquisição de um uso estético da linguagem aliado ao contato com uma tradição artística e ideológica de todo o sistema cultural de uma sociedade, de um direito que precisa ser garantido em sua essência.

Quando se fala em direitos humanos, a sociedade considera inaceitável a existência de seres humanos vivendo em plena miséria, em meio a escombros, passando fome; porém não enxerga o mesmo absurdo em conviver com pessoas que não possuem uma distribuição de renda igualitária ou que não têm acesso a bens culturais. Manuel Bandeira foi um dos poetas que denunciou o cotidiano degradante de um ser humano que atinge o ápice da miséria:

Vi ontem um bicho/ Na imundície do pátio/ Catando comida entre os detritos.// Quando achava alguma coisa,/ Não examinava nem cheirava:/ Engolia com voracidade.// O bicho não era um cão,/ Não era um gato,/ Não era um rato.// O bicho, meu Deus, era um homem. (BANDEIRA, 1993, p. 26)

A luta pelos direitos humanos transformou-se em uma caminhada ininterrupta, porque a possibilidade teórica de igualdade passou a mascarar a realidade. Há uma valorização social de outros discursos enquanto atos bárbaros são constantes. Conforme Antonio Candido (2011, p. 172):

É verdade que a barbárie continua até crescendo, mas não se vê mais o seu elogio, como se todos soubessem que ela é algo a ser ocultado e não proclamado. Sob este aspecto, os tribunais de Nuremberg foram um sinal dos tempos novos, mostrando que já não é admissível a um general vitorioso mandar fazer inscrições dizendo que construiu uma pirâmide com as cabeças dos inimigos mortos, ou que mandou cobrir as muralhas de Nínive com as suas peles escorchadas. Fazem-se coisas parecidas e até piores, mas elas não constituem motivo de celebração. Para emitir uma nota positiva no fundo do horror, acho que isso é um sinal favorável, pois se o mal é praticado, mas não proclamado, quer dizer que o homem não acha mais tão natural.

Entende-se que a barbárie continua a existir entre os homens, porque os mesmos meios que permitiram o progresso da humanidade estão provocando a degradação do ser humano, excluindo as grandes massas de uma situação confortável social e culturalmente. No entanto, a ofensa, a exclusão, a violência, todo abuso vem sendo camuflado por não ser mais aceito pela grande maioria da população. Talvez o mundo esteja entendendo as palavras da norte-americana Harper Lee (2006) de que só existe um tipo de gente: gente; declaração que está em sua obra de 1960, publicada sob o sugestivo título O sol é para todos.

Embora o mal ainda esteja presente, a sociedade mudou. A imagem da injustiça social parece constrangedora; a insensibilidade em face à miséria é, no mínimo, disfarçada; a permanência do preconceito deve ser, pelo menos, mascarada. Isso indica que o sofrimento alheio já não deixa tão indiferente a média da opinião pública. “Talvez se possa falar de um progresso no sentimento do próximo, mesmo sem a disposição correspondente de agir em consonância” (CANDIDO, 2011, p. 174).

O sujeito que tem direito à literatura torna-se um ser visível e ativo socialmente, trazendo benefícios para si e para a comunidade em que vive. Por isso, a sociedade precisa exigir que cada cidadão tenha sua plenitude social vivenciada, exercendo seu direito à educação, à cultura e, especificamente, à arte literária. A luz da arte literária nasceu para todos. O conhecimento e o conteúdo, a estética e o estilo, a expressão poética e a linguagem emotiva, a reflexão e a subjetividade, o lirismo e a fabulação, o tudo e o nada de sua essência precisam ser conquistados por todos para que a vida se torne mais humana e igualitária.

Há uma tendência de cada cidadão exigir para si direitos que deveriam ser para todos. Como se suas necessidades fossem mais urgentes que a do próximo. O sujeito parece não reconhecer que tudo o que é indispensável para ele, também o é para outras pessoas. Para Candido (2011, p. 174), as pessoas são vítimas de uma obnubilação:

Elas afirmam que o próximo tem direito, sem dúvida, a certos bens fundamentais, como casa, comida, instrução, saúde, coisas que ninguém bem formado admite hoje em dia que sejam privilégio de minorias, como são no Brasil. Mas será que pensam que o seu semelhante pobre teria direito a ler Dostoievsky ou ouvir os quartetos de Beethoven? Apesar das boas intenções no outro setor, talvez isto não lhes passe pela cabeça. E não por mal, mas somente porque quando arrolam os seus direitos não estendem todos eles ao semelhante. Ora, o esforço para incluir o semelhante no mesmo elenco de bens que reivindicamos está na base da reflexão sobre direitos humanos.

O literato ainda exemplifica que, em um passado não muito distante, era comum que os empregados domésticos não pudessem se sentar à mesa para almoçar, não tivessem direito à sobremesa ou à folga nos finais de semana. Acreditava-se que, por não terem esse costume, não sentiriam falta desse “luxo”. O tempo fez com que valores fossem postos à mesa e que leis específicas garantissem direitos mais humanos a essa classe trabalhadora – o que não evitou que famílias abastadas e conservadoras mantivessem esses hábitos “tradicionais” em seus lares. Pensamento semelhante deve ter aquele que considera indispensável para si ir ao cinema, ler bons livros, participar de eventos artísticos, no entanto não encontra motivos para lutar pelo direito de todos a esses bens culturais. Grande parte da sociedade tem a percepção de que a literatura é para poucos, inclusive quem está sendo privado desse direito.

Nesse contexto, torna-se um combatente todo aquele que vislumbra a literatura como direito fundamental.  Tantos homens (escritores, compositores, artistas, estudiosos) pagaram com o exílio ou com a própria vida o confronto que deveria ser uníssono. Não deveria sequer ser tema de discussão um direito que é previsto constitucionalmente e auxilia na construção de um país mais justo, ético e humano. É primordial que todos os brasileiros passem a reconhecer a importância da literatura para o desenvolvimento do país e a promover a disseminação de obras nas esferas sociais em que convivem.

O Fausto, o Dom Quixote, Os Lusíadas, Machado de Assis podem ser fruídos em todos os níveis e seriam fatores inestimáveis de afinamento pessoal, se a nossa sociedade iníqua não segregasse as camadas, impedindo a difusão dos produtos culturais eruditos e confinando o povo a apenas uma parte da cultura, a chamada popular. A este respeito o Brasil se distingue pela alta taxa de iniquidade, pois como é sabido temos de um lado os mais altos níveis de instrução e de cultura erudita, e de outro a massa numericamente predominante de espoliados, sem acesso aos bens desta, e aliás aos próprios bens materiais necessários à sobrevivência. (CANDIDO, 2011, p. 192)

Ao contrário do que muitos sujeitos excludentes apregoam, as minorias têm condições de apreciar obras literárias eruditas e não sofrerem com a privação de bens culturais, os quais deveriam estar ao alcance de todos.  Candido (2011, p. 193) enfatiza que: “Uma sociedade justa pressupõe o respeito dos direitos humanos, e a fruição da arte e da literatura, em todas as modalidades e em todos os níveis, é um direito inalienável”. Qualquer obra literária torna-se uma ferramenta social de direito de todos. Em Os miseráveis (1862), o escritor francês Victor Hugo (S. d.) protesta que prosperidade social quer dizer homem feliz, cidadão livre, nação grande. E a leitura é condição suprema para essa liberdade.

5. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Não se pode negar a qualquer cidadão o direito de conhecer a visão literária do encontro do homem branco com a cultura indígena, representada por Iracema, a virgem dos lábios de mel;  ou da formação do estado do Rio Grande do Sul, ilustrada pela coragem do gaúcho Capitão Rodrigo Cambará, com seu olhar de gavião que irritava e ao mesmo tempo fascinava as pessoas; ou da relação das crianças com os escravos sob o olhar apurado e inusitado de Emília, espevitada e tagarela boneca de pano; ou mesmo as angústias amorosas no ciúme doentio de Betinho pela enigmática Capitu, com seus olhos de cigana oblíqua e dissimulada. Momentos históricos, questões sociais, conflitos pessoais, tantos temas e reflexões são possíveis no meio literário.

Diante disso, retomando a questão norteadora: a Literatura deve ser um direito fundamental garantido por lei? Conclui-se que a literatura é um direito fundamental, imbuído de um caráter essencial para a formação do ser humano. No entanto, foram tecidas neste artigo apenas algumas considerações, pois a luta por esse direito ainda será árdua.

Evidenciado o poder transformador do texto literário, cabe adimplir propostas que viabilizem a universalização desse direito fundamental: ativação de bibliotecas públicas, projetos de leitura literária nas escolas, dramatizações de textos literários em praças públicas, doações de livros para a população de baixa renda. Muitas ações são possíveis e viáveis ao erário público, desde que sejam executadas com planejamento e responsabilidade.

Oferecer a fruição da arte e da literatura a todos é um dos caminhos para a conquista de uma sociedade mais justa, humanizada e emancipada, porém essa batalha precisa ser universal. Não se pode negar a qualquer cidadão o contato diário com a arte literária, privá-lo do caráter humanizante e formador da literatura. O intuito deste trabalho é despertar a motivação para que cada sujeito não se furte às oportunidades e procure as aventuras, conforme sugestão dos mosqueteiros do romancista francês Alexandre Dumas.

REFERÊNCIAS

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[1] Mestrado em Educação, Pós-Graduação em Linguística de Texto e Ensino, Pós- Graduação em Ensino de Língua Portuguesa e Literatura; Graduação em Letras e em Pedagogia. ORCID: 0000-0001-5994-6333.

Enviado: Julho, 2021.

Aprovado: Janeiro, 2022.

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Cintia Milene Favaro

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