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A influência da mídia no tribunal do júri

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CONTEÚDO

ARTIGO ORIGINAL

SILVA, Manuela de Mello Carvajal da [1]

SILVA, Manuela de Mello Carvajal da. A influência da mídia no tribunal do júri. Revista Científica Multidisciplinar Núcleo do Conhecimento. Ano. 07, Ed. 04, Vol. 07, pp. 59-73. Abril de 2022. ISSN: 2448-0959, Link de acesso: https://www.nucleodoconhecimento.com.br/lei/influencia-da-midia

RESUMO

Os veículos de comunicação vêm crescendo em tecnologia, proporcionando ao público informações velozes a qualquer momento, desencadeando a ideia de que a comunicação é uma mercadoria e que a audiência e o interesse do público são prioridades a qualquer custo. Com isto, devido a todo apelo emocional que as notícias sobre crimes contra a vida causam na sociedade, a mídia, a todo tempo, trata sobre esses tipos de casos com sensacionalismo, provocando sentimentos de emoção, raiva e indignação em seus espectadores. Mesmo levantando todas as informações possíveis sobre o caso, a mídia se desvirtua do real acontecimento, transformando o crime em um espetáculo, provocando na sociedade um sentimento de justiça que deve ser satisfeito e que transforma possíveis suspeitos em condenados. Neste sentido, o presente artigo visou responder: qual a influência da mídia no Tribunal do Júri no julgamento de crimes contra a vida? Assim, tem-se como objetivo analisar, de acordo com a literatura já publicada, a influência da mídia naqueles que compõem o Tribunal do Júri, se validando da prevalência do direito constitucional da liberdade de imprensa, de forma a demonstrar como isto afeta as decisões destes indivíduos, o afronto ao princípio da presunção da inocência e os direitos de personalidade do acusado. Para tanto, realizou-se uma pesquisa bibliográfica, através de uma metodologia qualitativa e descritiva, selecionando materiais pertinentes sobre o tema. Como resultados, constatou-se que os meios de comunicação, ao informar sobre crimes dolosos contra a vida, acabam por julgar os acusados, influenciando a sociedade a acreditar que determinado indivíduo é um criminoso, e que merece ser punido. Entretanto, essa influência é negativa para o Poder Judiciário, uma vez que os crimes dolosos contra a vida são julgados pela própria sociedade, através do Tribunal do Júri. Por fim, concluiu-se que, apesar de a mídia possuir o direito fundamental e constitucional de liberdade de imprensa, em muitos casos, as informações noticiadas, descaracterizam e se chocam com o princípio da presunção de inocência, pré-julgando e pré-condenando o indivíduo, que também possui o direito fundamental e constitucional de apenas ser considerado culpado após o trânsito em julgado de sentença penal condenatória.

Palavras-chave: Mídia, Veículos de Comunicação, Tribunal do Júri, Crimes Dolosos Contra a Vida.

1. INTRODUÇÃO

Nas últimas décadas, os veículos de comunicação avançaram consideravelmente, proporcionando à comunidade informações em tempo real e uma propagação na mesma velocidade, atingindo um número cada vez maior de pessoas. Entretanto, a informação se tornou valiosa e disputada, pois a garantia de maior audiência é daquele que consegue se comunicar sobre determinado acontecimento mais rápido e com mais informações, e após isto, sempre manter o público concentrado nas atualizações das notícias (OLIVEIRA, 2013).

Em consequência disto, a informação se tornou uma mercadoria e, como qualquer outro negócio, as disputas por um furo de reportagem se tornaram acirradas. O apelo em tentar cativar, emocionar, entreter e ter a atenção do telespectador se converteram em prioridades a qualquer custo. Entre essas tentativas, a mídia se utiliza do entretenimento do crime, inclusive através de programas de cunho policial, sensacionalistas, para trazer as notícias de minuto sobre crimes contra a vida, a fim de emocionar o público e alavancar a audiência (OLIVEIRA, 2013).

Desta forma, as informações sobre crimes contra a vida se tornaram um produto e seguem o mesmo padrão: um caso bárbaro contra uma vítima inofensiva, inocente e jovem, com familiares inconformados, tristes e desesperados, buscando justiça a todo momento. De um outro lado, há um suspeito, alguém que tenha potencial ou motivação para cometer o crime, indicando todos os meios para que o público se convença e manifeste seu ânimo de justiça. Esse exemplo, muitas das vezes, é propagado de forma desvirtuada do real acontecimento, apenas no intuito de causar mais impacto, como um produto para chamar mais atenção.

Neste sentido, o presente artigo visou responder: qual a influência da mídia no Tribunal do Júri no julgamento de crimes contra a vida? Levando em consideração que os membros do conselho do Tribunal do Júri são compostos pelo povo e que estes podem estar sendo influenciados pelas notícias. Assim, o presente artigo tem como objetivo analisar, de acordo com a literatura já publicada, a influência da mídia naqueles que compõem o Tribunal do Júri, se validando da prevalência do direito constitucional da liberdade de imprensa, de forma a demonstrar como isto afeta as decisões destes indivíduos, o afronto ao princípio da presunção da inocência e os direitos de personalidade do acusado.

A justificativa do problema está na relevância jurídica e social de condenar alguém socialmente antes de haver o trânsito em julgado de sentença penal condenatória pelo Poder Judiciário. Por mais que a imprensa tenha o direito constitucional de liberdade sobre a veiculação de notícias, deve haver uma proporcionalidade em respeito aos direitos de personalidade, a fim de não afrontar a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem da pessoa, acusando-a de um crime doloso contra a vida.

2. O TRIBUNAL DO JÚRI NO BRASIL

No Brasil, apesar de o Tribunal do Júri estar presente desde 1822, este somente se consolidou a partir do Decreto nº 167, de 5 de janeiro de 1938 e, atualmente, é previsto pela Constituição Federal de 1988:

Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:

(…)

XXXVIII – é reconhecida a instituição do júri, com a organização que lhe der a lei, assegurados:

a) a plenitude de defesa;

b) o sigilo das votações;

c) a soberania dos veredictos;

d) a competência para o julgamento dos crimes dolosos contra a vida (BRASIL, 1988).

Desta forma, o Tribunal do Júri está previsto no rol de garantias individuais, assegurando a plenitude de defesa, ou seja, a ampla defesa perante o conselho de sentença; o sigilo das votações, pela formação da opinião do jurado em uma sala secreta; a soberania dos vereditos, com plena liberdade de apreciação de mérito e sem motivação de voto, desde que respeitado o devido processo legal; e a competência para julgar crimes dolosos contra a vida (LOURENÇO e SCARAVELLI, 2018).

Sendo assim, o Tribunal do Júri é competente para julgar os crimes previstos entre o artigo 121 e 126 do Código Penal, dentre os quais são: homicídio e feminicídio; induzimento, instigação ou auxílio ao suicídio; aborto; e infanticídio, seja na forma tentada ou consumada, além de crimes conexos àqueles, como disciplina o artigo 78 do Código de Processo Penal. Nesse contexto, é importante mencionar que as características básicas para a competência do Tribunal do Júri são: crime contra a vida e conduta de dolo, sendo este um elemento psicológico do fato típico, no qual o agente demonstra a vontade e a consciência de realizar os elementos constantes do tipo legal (CAPEZ, 2017).

O Tribunal do Júri é composto de duas fases, em que a primeira diz respeito à instrução preliminar para o convencimento de que está se tratando de um crime doloso contra a vida, admitindo o princípio in dubio pro societate caso houver dúvidas quanto a autoria do crime ou a dinâmica dos fatos, onde deve-se haver a pronúncia, impronúncia, absolvição sumária ou desclassificação. E a segunda fase diz respeito ao julgamento que se inicia a partir da pronúncia e somente se encerra com o veredicto do conselho de sentença formado pelo júri (OLIVEIRA, 2015).

Nesse contexto, o procedimento do Tribunal do Júri, na segunda fase, segue as regras do Código Processual Penal que basicamente consiste em: 1) convocação dos jurados, na qual dentre os 25 convocados pelo menos 15 devem estar presentes; 2) recolhimento das testemunhas, para não haver troca de informações; 3) apresentação do acusado aos jurados; 4) sorteio de 7 jurados para compor os membros do júri, juntamente com o juiz de direito e os outros jurados; 5) inquirição das testemunhas de acusação e, em seguida, das testemunhas da defesa; 6) interrogatório do acuado pela acusação e, em seguida, da defesa; 7) discussão entre o promotor e os representantes da acusação e, em seguida, entre o advogado e os representantes da defesa; 8) veredicto dos jurados (BRASIL, 1941).

Importa frisar que no Tribunal do Júri são os jurados que julgam e que resolvem condenar ou absolver o acusado, enquanto o magistrado apenas formula os quesitos e profere a sentença, além de presidir os jurados. Os jurados, órgão leigo e de responsabilidade do presidente do Tribunal do Júri que elabora anualmente uma lista de convocados obrigatórios para compor o órgão, tem uma importância ímpar no julgamento e, por isso, devem ser imparciais e justos por exercerem função jurisdicional (PRADO, 2017).

3. A INFLUÊNCIA DA MÍDIA NA SOCIEDADE

Devido às evoluções tecnológicas das últimas décadas, atualmente os meios de comunicação conseguem atingir uma quantidade inimaginável de pessoas, a qualquer tempo, por meio de seus mais diversos veículos como rádio, televisão, jornal, revistas, internet e, especificamente, redes sociais, além de outros, divulgando além de notícias, opiniões sobre diversos assuntos contidos na sociedade, sendo considerada por Freitas (2016) como uma formadora de opinião.

Assim, os conteúdos veiculados são instantâneos e acompanham em tempo real os acontecimentos, se propagando em uma velocidade impossível de restringir. Com isto, muitas informações excedem o limite dos fatos, comunicando sobre alegações, depoimentos de fontes sem a verificação da veracidade, boatos, testemunhas que não se lembram ou tem a ideia distorcida dos acontecimentos, entre outros contextos que se distanciam da realidade (PRADO, 2017).

Neste sentido, a intenção da mídia vai além do que apenas informar, de modo que trata a notícia como uma mera mercadoria a ser comercializada para a obter audiência, ser líder entre a concorrência e chamar a atenção do público, entreter, emocionar e sensibilizar com métodos de sensacionalismo. E um dos “produtos” que possibilitam a mídia alcançar a audiência que deseja, são os “programas policiais, que investigam, apontam, acusam, criam hipóteses, e com um linguajar simples e com tons de revolta, influenciam boa parte da população” (PRADO, 2017, p. 17).

A mídia, ao noticiar fatos sem a devida imparcialidade, salientando a sensibilidade e ignorando a razão, faz com que o público tenha empatia com a vítima e aversão ao suposto autor do fato, sem atinar que ambos são pessoas, sujeitos de direitos e deveres e passíveis de cometer erros, e com que desconsiderem a capacidade do ser humano quando do ápice das emoções (MELLO, 2010, p. 154).

Assim, constantemente a mídia forma opinião pública sobre casos de crime contra a vida, sempre direcionando um lado como o opressor, o frio e calculista, com aparência de culpado, e o outro lado, como uma vítima frágil, inocente, com familiares desolados que a todo tempo trazem fotos, sonhos e planos da vítima. Dessa maneira, a mídia cria uma realidade paralela ao mundo real, com o “poder de difundir o ideário popular um forte temor do crime, convencendo assim que a violência atinge índices alarmantes; que o sistema penal atual não funciona e que a sociedade deve lutar por novas incriminadoras” (LOURENÇO e SCARAVELLI, 2018, p.9).

3.1 LIBERDADE DE IMPRENSA X PRINCÍPIO DA PRESUNÇÃO DE INOCÊNCIA

A imprensa, embora tenha surgido em meados de 1789 na Alemanha, somente chegou ao Brasil na vinda da família real portuguesa, em 1808, com a criação do jornal A Gazeta do Rio de Janeiro, para divulgar sobre as notícias da realeza. Entretanto, posteriormente, a imprensa foi censurada por diversos movimentos que iam em desencontro com as intenções colonizadoras. De modo que, somente depois da Constituição Federal de 1946, em seu artigo 113, IX, é que foi permitida a livre manifestação do pensamento, sem censura, a responsabilidade individual por abusos, a proibição do anonimato e a garantia do direito de resposta (FARIAS, 2014).

Freitas (2016) ressalta que desde então todas as constituições brasileiras passaram a consagrar a liberdade de expressão e de imprensa, embora este direito tenha variado de acordo com as inclinações políticas antidemocráticas em determinados períodos da história do Brasil. Todavia, atualmente, o direito à liberdade de imprensa está previsto na Constituição Federal:

Art. 5º (…):

(…)

IX – é livre a expressão da atividade intelectual, artística, científica e de comunicação, independentemente de censura ou licença; (BRASIL, 1988)

Art. 220. A manifestação do pensamento, a criação, a expressão e a informação, sob qualquer forma, processo ou veículo não sofrerão qualquer restrição, observado o disposto nesta Constituição.

§ 1º Nenhuma lei conterá dispositivo que possa constituir embaraço à plena liberdade de informação jornalística em qualquer veículo de comunicação social, observado o disposto no art. 5º, IV, V, X, XIII e XIV.

§ 2º É vedada toda e qualquer censura de natureza política, ideológica e artística.

(…)

§ 5º Os meios de comunicação social não podem, direta ou indiretamente, ser objeto de monopólio ou oligopólio.

§ 6º A publicação de veículo impresso de comunicação independe de licença de autoridade (BRASIL, 1988).

Neste sentido, Lourenço e Scaravelli (2018) explicam que o direito de liberdade de imprensa, basicamente, consiste no direito de informar e de se manter informado sobre os acontecimentos. E dentre estas informações, a mídia, através da imprensa, divulga notas, imagens e comentários sobre os casos de criminalidade em todo o Brasil, tratando o crime como um espetáculo e emocionando o público com o sensacionalismo, às vezes distante da realidade dos fatos.

Este apelo se dá pela intolerância da sociedade contra a criminalidade, principalmente em relação aos crimes contra a vida, que causam comoção, indignação e o sentimento de justiça, para que o autor do crime seja devidamente condenado, seja pela justiça, seja pelas próprias mãos da sociedade. Sendo assim, a mídia fomenta o ódio ao crime e ao criminoso, o que pode influenciar os jurados do Tribunal do Júri.

A liberdade de pensar possui um teor abrangente, que envolve todo um sentido interno, conceitos, crenças, opinião. E a proteção constitucional advém do desenvolvimento da personalidade, sendo fundamental na democracia, e necessário para o pluralismo de ideias. Mas ao longo dos últimos anos, o desenvolvimento tecnológico trouxe consigo meios de informação mais eficientes, que chegam a mais pessoas em menos tempo. Desse desenvolvimento surgiram programas de TV, rádio, que se utilizam de meios sensacionalistas e disputas por recursos publicitários, onde expor suas opiniões nessas condições causam um julgamento pela mídia. E da simples veiculação de notícias que os meios de comunicação transmitiam, a briga pela audiência os transformaram em indústrias culturais, agora o consumidor não precisava apenas das notícias e sim de uma mercadoria e nisso a autora enfatiza a exposição midiática que a fascinação pelo crime traz, fazendo de todos telespectadores potenciais vítimas (PRADO, 2017, p. 24).

Entretanto, deve-se considerar que antes de qualquer julgamento ninguém pode ser considerado culpado, conforme a Constituição Federal no que diz respeito ao princípio da presunção da inocência. Salienta-se que este princípio é fruto da Declaração dos Direitos dos Homens e Cidadãos, de 1971, sendo recepcionado pela Carta Magna como uma garantia fundamental: “Art. 5º (…): LVII – ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória;” (BRASIL, 1988).

Portanto, quando a mídia se utiliza de fatos sensacionalistas e imparciais e expõe o acusado, e o condenam antes mesmo de vir a julgamento, ferem o princípio da presunção da inocência, o que causa um contraponto entre a liberdade de imprensa e a presunção da inocência. E uma vez afrontado o direito fundamental de ser considerado inocente até que haja o trânsito em julgado de sentença penal condenatória, as acusações, as alegações, as insinuações e o apelo que a mídia faz, afronta também os direitos de personalidade (MELLO, 2010).

Acontece que excedem ­[a mídia] a incumbência de apenas divulgar informações, pois ao noticiar acontecimentos se caracteriza como livre expressão, mas quando manifesta uma opinião pessoal em um veículo de comunicação em massa, e essa opinião prejudica um determinado indivíduo, desvia todo o lado benéfico da informação, se confronta com a presunção da inocência, igualmente como é liberdade de imprensa e expressão a presunção da inocência é matéria de ordem constitucional (PRADO, 2017, p. 18).

Portanto, embora a imprensa tenha o direito fundamental e constitucional de informar e se expressar livremente, deve ponderar uma proporcionalidade entre as suas manifestações e o princípio da presunção da inocência, respeitando os direitos fundamentais do ser humano, para que um não prejudique o direito do outro.

4. A INFLUÊNCIA DA MÍDIA EM CASOS CONCRETOS DO TRIBUNAL DO JÚRI

Os altos índices de criminalidade no Brasil e o apelo popular pelos crimes contra a vida são elementos que incentivam a espetacularização do cárcere e o fomento do ódio, não somente ao crime, mas também ao criminoso, pela mídia. Sendo assim, a imprensa sensacionalista divulga notas, imagens, comentários e ao mesmo tempo que emociona, também forma a opinião do telespectador sobre o (s) autor (es) do crime, a dinâmica dos fatos, a motivação, entre outros, que nem sempre chegam a serem confirmados ou provados (PRADO, 2017)

Todavia, toda essa influência que a mídia causa na sociedade reflete diretamente no Tribunal do Júri, exatamente por ser um momento em que a justiça é exercida pelo povo, o que pode influenciar no seu julgamento, considerando o sentimento de medo, insegurança, raiva e a vontade de querer fazer justiça, embora não haja elementos suficientes que indique a autoria do crime. Nisso, a suposta justiça que mais se parece com uma vingança acaba por se tornar uma injustiça.

Como o tribunal do júri trata justamente sobre crimes dolosos, que tem grande repercussão, traz justamente o sentimentalismo da sociedade, a revolta e opiniões sobre tudo o que acontece no mundo do crime. Muitas vezes a mídia condena sem ter a certeza, com apenas especulações de que realmente é verdadeiro tal fato que está sendo noticiado, mas não imagina a influência que pode ter sobre os pensamentos das pessoas, que deveriam julgar apenas baseado em fatos reais, narrados no decorrer do processo e não em apenas especulações já preconcebidas antes mesmo do julgamento (VALVERDE, 2012, p. 21).

No mais, importa mencionar que no Tribunal do Júri, o julgamento é realizado de acordo com as íntimas convicções dos jurados, que não precisam fundamentar sua decisão, podendo seguir seu intuito pessoal e a sua consciência. Isto porque, se tratando de pessoas que não possuem um conhecimento técnico jurídico, as suas teses de julgamento não exigem que os jurados tenham conhecimento das leis penais, apenas um conhecimento mínimo. E assim, para contribuir com a sua íntima convicção, os jurados se baseiam nos depoimentos das testemunhas, do acusado e da discussão entre a acusação e a defesa, envolvendo, também, seus valores e princípios filosóficos, religiosos, políticos, sociais e a sua visão de mundo (MACÊDO, 2013).

Ainda, por ser pessoal, o julgamento também contempla os fatos além daqueles do crime de fato, considerando a vida da vítima, seus familiares, a sua idade, entre outros elementos que são oferecidos pela mídia, envolvendo a comoção social e o emocional perante a decisão de oferecer justiça àqueles que estão sofrendo as consequências do crime e de penalizar alguém pelo ocorrido, mesmo que não haja provas o suficiente.

Mesmo que haja dúvidas sobre a autoria do fato, ainda que não tenha havido outras buscas por provas e outros suspeitos, e se há qualquer mínimo indício de que aquele acusado praticou o crime, a influência da mídia em condená-lo judicialmente influencia o Tribunal do Júri.

Muitos foram os casos de crimes contra a vida que foram transformados em espetáculos pela mídia, sendo palco de discussão em diversos programas, repercutindo nacionalmente. Aqui, é importante mencionar alguns casos como o da atriz Daniela Perez, de Suzane Richthofen e dos irmãos Cravinhos, de Eloá Cristina, da menina Isabella Nardoni, e do goleiro Bruno, que foram aclamados pela mídia que, por sua vez, proporcionou diversas consequências na vida dos acusados socialmente, influenciando, inclusive, o Tribunal do Júri no momento do julgamento (MACÊDO, 2013).

O caso da atriz Daniela Perez, em 1992, foi um dos crimes que chocou a sociedade e a fez formar uma opinião sobre o autor do crime, condenando-o socialmente. O caso aconteceu no Rio Janeiro, onde a atriz Daniela Perez, que na época protagonizou uma novela escrita por sua mãe, e de maior audiência nacional, foi assassinada com 18 golpes de tesoura. Os primeiros suspeitos foram o seu ex-colega de trabalho, Guilherme de Pádua, que mantinha um relacionamento com a vítima, e a sua esposa Paula Thomaz (MACÊDO, 2013).

Por ser uma pessoa pública, todos os meios midiáticos veicularam notícias sobre o assunto, tomando uma tamanha proporção que ainda é impossível de calcular sua abrangência. Freitas (2016) informa que neste caso, todos os jornais e revistas a todo tempo indicavam que não haviam dúvidas sobre a autoria do crime, sempre ressaltando sobre todas as provas. Por fim, Guilherme e sua esposa foram condenados a 19 anos e 18 anos e 6 meses de reclusão, respectivamente. Ainda, como resultado desse caso, houve uma alteração na legislação penal em decorrência da iniciativa popular, incluindo o homicídio qualificado no rol dos crimes hediondos, através da Lei nº 8.930/94, conhecida popularmente como Lei do Caso Daniela Perez.

Outro caso conhecido amplamente pela sociedade, é o de Suzane Richthofen e dos irmãos Cravinhos: Daniel, namorado de Suzane, e Christian, que foram acusados de assassinar os pais de Suzane para usufruir parte da herança. Na época, mais de cinco mil pessoas se inscreveram para conseguir assistir o julgamento no Tribunal do Júri de São Paulo, inclusive houve um pedido de televisionamento do julgamento que foi negado pelo Tribunal de Justiça de São Paulo. Paralelo a isso, Macêdo (2013), alega que a publicidade do processo se restringe somente a garantia de os atos nele praticados, e que entre esse conceito, a abertura das portas do fórum e a transmissão nacional do lamentável drama que envolvia o Tribunal do Júri estavam muito distantes (MACÊDO, 2013).

O caso de Eloá Cristina, por sua vez, é um dos casos que ainda se discute sobre a culpabilidade da mídia no resultado do caso. Eloá Cristina e outros amigos foram mantidos em cárcere privado por mais de quatro dias pelo seu ex-namorado Lindbergh Farias. Quando se teve conhecimento dos fatos, várias emissoras de televisão, jornalistas, fotógrafos e entre outros permaneceram à porta do local em que a menina estava sendo feita de refém, cobrindo e transmitindo todos os acontecimentos e, inclusive, fazendo um apanhado histórico da vida e da intimidade da vítima e dos outros reféns (MACÊDO, 2013).

Os amigos de Eloá conseguiram ser libertados, porém, a adolescente de 15 anos foi morta. A discussão parte da comunicação realizada pela mídia ao vivo no momento em que a unidade policial responsável pelo caso resolveu adentrar na residência e invadir o local para resgatar a vítima, o que mostrou ao Lindbergh Farias, que assistia toda a dinâmica da polícia pela televisão, todas essas ações, de modo que ele a assassinou antes da invasão.

Nessa linha, o caso da Isabella Nardoni também é um dos exemplos da influência da mídia em decisões judiciais. Isabella Nardoni faleceu após uma queda do sexto andar do prédio onde morava em São Paulo e durante toda a investigação do ocorrido, a mídia acompanhou de perto todo o processo, informando diariamente as atividades realizadas pelos investigadores, direcionando como um crime cometido pelo pai e pela madrasta da menina. Oliveira (2015) inclusive cita uma matéria da Revista Veja (edição nº 2057/2008), que estampava a foto do casal na capa com a manchete “Para a Polícia não há mais dúvidas sobre a morte de Isabella: Foram eles”, publicada dois anos antes do julgamento de Alexandre Nardoni e Anna Carolina Jatobá, sendo promovido como entretenimento para o público, como um espetáculo. Mesmo não havendo provas robustas, a mídia foi tendenciosa e sensacionalista em versar sobre o caso, a todo momento apontando os acusados como autores do crime.

Outro caso diz respeito ao do goleiro Bruno, que foi acusado pelo homicídio da sua ex-namorada Eliza Samúdio, em 2010, o qual também foi um caso de grande repercussão midiática que, inclusive, permanece até atualmente. O caso se trata de um típico caso de homicídio sem cadáver, no qual há dúvidas sobre a morte em si e do modus operandi do crime, e principalmente sobre os autores do crime. Todavia, desde o desaparecimento de Eliza, a mídia levantou suspeitas sobre Bruno, relatando sobre ligações, brigas, ameaças que indicavam que o goleiro havia sido o principal mentor intelectual do crime, e de que a sua ex-namorada tinha sido assassinada a seu mando. Entretanto, até a presente data nenhum único vestígio do corpo foi localizado (PRADO, 2017).

Os veículos midiáticos exploraram esse caso de uma maneira ímpar, às vezes Bruno era a vítima, que tinha a mãe de seu filho desaparecida, outra hora era um assassino frio. Eliza passava de garota de programa, a atriz e modelo em questão de dias, a mídia queria audiência, e explorava o caso. Apontava culpados, fazia reconstituições, criavam histórias, apareciam com motivos. A sociedade queria justiça, queria um culpado. E Eliza foi presumida morta e Bruno foi a julgamento (PRADO, 2017, p. 20).

Todavia, todas as notícias sobre o caso indicavam o goleiro como culpado, e em seu julgamento havia uma equipe para atualizar os telespectadores a cada minuto sobre a repercussão, o que inclusive foi evidenciado pelo advogado de defesa, acusando a mídia de manobrar os jurados, afirmando que não havia qualquer prova contra Bruno e pedindo veemente para que os jurados não fossem escravos da mídia e não o condenassem, contudo, o goleiro foi condenado a 22 anos e 3 meses por homicídio e ocultação de cadáver (PRADO, 2017).

Neste caso, mesmo não havendo prova material do crime, ou seja, exame cadavérico, pelo fato do corpo da vítima não ter sido encontrado, o réu foi condenado, o que levanta a seguinte questão: se fosse outro caso, sem envolver um réu famoso e sem o clamor da mídia, o goleiro Bruno seria condenado? Além disso, as consequências dessa condenação perpetuam, pois Bruno está cumprindo pena em regime semiaberto e está tentando conseguir um emprego como goleiro, entretanto, qualquer time que demonstra interesse em contratá-lo desiste após a mídia anunciar, e a sociedade rejeitar, direcionando xingamentos, pichações nos locais de treino e fazendo manifestações, de modo que a contratação não segue adiante.

A função da imprensa é noticiar e não insinuar fatos que não foram confirmados, provados ou que nem aconteceram, sendo apenas suposições, tampouco apresentar culpados e condená-los previamente antes que o Poder Judiciário julgue o caso. Em todos esses casos a imprensa foi além de informar sobre uma mera notícia, de expor sobre fatos e de se manifestar sobre acontecimentos do cotidiano, extrapolou os limites da liberdade de manifestação do pensamento, e a neutralidade e objetividade que deveria se pautar as notícias jornalísticas, cedendo para o espetáculo midiático (FREITAS, 2016).

5. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Em busca de audiência, a mídia se utiliza do seu poder de formar e massificar opiniões, para influenciar a sociedade e gerar um sentimento de justiça pelos crimes dolosos contra a vida. Através do sensacionalismo, da emoção e da sensibilização, a mídia convence e entretém seus espectadores com discursos teatrais, a fim de aumentar sua audiência e gerar mais lucros, uma vez que a informação é tratada como um produto comercial e o mais importante é o seu impacto nas pessoas. Assim, a sociedade inflada de revolta e sentimento de justiça, entende como verdade todos os apontamentos e alegações desferidas, e acaba por condenar socialmente o acusado ou apenas o suspeito do crime.

Retomando a questão norteadora deste artigo, que visou responder sobre a influência da mídia no Tribunal do Júri no julgamento de crimes contra a vida, foi possível constatar que, ao informar sobre crimes dolosos contra a vida, os meios de comunicação acabam por julgar os acusados, e fazem um julgamento paralelo, caminhando para uma condenação social, influenciando a sociedade a acreditar que determinado indivíduo é um criminoso e que merece ser punido, gerando um sentimento de revolta e de justiça, que precisa ser satisfeito. Entretanto, essa influência é negativa para o Poder Judiciário, uma vez que os crimes dolosos contra a vida são julgados pela própria sociedade, através do Tribunal do Júri, podendo transformar um sentimento de justiça, em injustiça.

É certo que a mídia possui o direito fundamental e constitucional de liberdade de imprensa, gozando do direito de propagar qualquer informação jornalística em qualquer veículo de comunicação social, entretanto, em muitos casos, as informações apresentadas descaracterizam e se chocam com o princípio da presunção de inocência, pré-julgando e pré-condenando o indivíduo, que também possui o direito fundamental e constitucional de apenas ser considerado culpado após o trânsito em julgado de sentença penal condenatória.

Sendo assim, em muitos casos, a mídia deixa de exercer seu papel relevante na sociedade, formando o cidadão sobre seus direitos e deveres cívicos, informando sobre notícias jornalísticas e se manifestando sobre elas sem a intenção de influenciar o espectador a uma verdade. As informações levadas pela imprensa devem ser narradas de maneira imparcial e corresponderem aos fatos de forma exata e verdadeira, sem a intenção de confundir o espectador, ou de formar uma opinião errônea sobre os fatos, para que o julgamento pelo Tribunal do Júri mantenha a imparcialidade e justiça.

REFERÊNCIAS

BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. 1988. Disponível em <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm> Acesso em 06/02/2020.

BRASIL. Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940. Código Penal, 1940. Disponível em <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/del2848compilado.htm> Acesso em 06/02/2020.

BRASIL. Decreto-Lei nº 3.689, de 3 de outubro de 1941. Código de Processo Penal, 1941. Disponível em <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/del3689compilado.htm> Acesso em 06/02/2020.

CAPEZ, Fernando. Curso de Direito Penal. São Paulo: Saraiva, 2016.

CAPEZ, Fernando. Curso de Processo Penal. São Paulo: Saraiva, 2017.

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FARIAS, Rodrigo. Liberdade de Imprensa no Brasil: notas gerais, análise de caso e aspectos específicos. Jus.com.br, 2014. Disponível em <https://jus.com.br/artigos/32358/liberdade-de-imprensa-no-brasil> Acesso em 16/02/2020.

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[1] Pós-graduada em Direito Penal e Processual Penal pela Uniamerica, Pós- graduada em Direito Previdenciário pela UniBF, Bacharel em Direito pela Universidade Estácio de Sá. ORCID: 0000-0002-4843-3898.

Enviado: Março, 2022.

Aprovado: Abril, 2022.

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Manuela de Mello Carvajal da Silva

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