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Cidadania negra no Brasil do pós abolição: a representatividade política dos negros

RC: 103836
1.970
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CONTEÚDO

ARTIGO ORIGINAL

GARIBOTI, Diuster de Franceschi [1], BLANCO, Yago Freitas [2]

GARIBOTI, Diuster de Franceschi. BLANCO, Yago Freitas. Cidadania negra no Brasil do pós abolição: a representatividade política dos negros. Revista Científica Multidisciplinar Núcleo do Conhecimento. Ano. 06, Ed. 12, Vol. 09, pp. 39-50. Dezembro de 2021. ISSN: 2448-0959, Link de acesso: https://www.nucleodoconhecimento.com.br/lei/cidadania-negra

RESUMO

O reconhecimento da cidadania negra no Brasil foi uma conquista do povo no período da pós-abolição. Porém, passados mais de 100 anos ainda não foi completamente efetivado, de modo que restam muitas mazelas de representatividade dessa população. Assim, surge o seguinte questionamento: Qual é o motivo pelo qual os negros ainda carecem de representatividade política? Com isso, objetiva-se investigar e analisar o avançar da cidadania negra no Brasil no pós-abolição. O artigo é baseado no método de abordagem hipotético-dedutivo, com participação da técnica de pesquisa bibliográfica. Com isso, evidenciou-se que a inércia institucional para reconhecer problemas públicos que envolviam essa população foi ignorada até 1988, sendo esta um motor catalisador do afastamento dos negros da vida política.

Palavras-Chaves: Cidadania Negra, Escravidão, Pós-Abolição, Direitos Políticos, Representatividade Negra.

1. INTRODUÇÃO

Ao longo dos séculos o conceito de cidadania se transmuta em diversos aspectos, o que se imagina atualmente sobre cidadania é completamente diferente da que era praticada pelos gregos, romanos, portugueses do século XVI ou até mesmo da ideia adotada no Brasil antes de 1988. No entanto, durante 331 anos, no Brasil, existiu a antiga instituição da escravidão, esta que separou os brasileiros entre cidadãos e propriedade, o que influenciou até os dias de hoje o Estado Brasileiro.

Além disso, verifica-se que o Brasil foi o último país das américas a abolir a escravidão, abolição tardia e incompleta, ainda que houvesse a liberdade de direito, garantida na Lei Áurea, essa abolição não ocorreu de fato, pois eles continuavam a viver em situações análogas de um escravizado, sem serem integrados a sociedade ou possuir direitos plenamente reconhecidos. De acordo com Gomes (2019) o Brasil foi o maior país  escravista do  território ocidental, tendo aportado, aproximadamente, 5 milhões de africanos; e atualmente é o segundo país de maior população negra no mundo.

A população negra, termo usado pelo IBGE (2019) que congrega as pessoas autodeclaradas pretas e pardas, representa 56,10% da população brasileira, aproximadamente 110 milhões de pessoas. Mas, o poder legislativo é majoritariamente branco, dos 594 congressistas, apenas 106 são negros, 17,8% do total. O art. 45º da CF/88, define a Câmara dos Deputados como uma instituição composta por representantes do povo, para fiscalizar, controlar e propor normas de interesse de todos, mas isso não ocorre, resultando que a maior parte dos brasileiros não esteja representada. Portanto, surge a seguinte questão: Por que os negros ainda carecem de representatividade política?

Ademais, cabe ressaltar que o artigo é orientado através da documentação indireta, aliada à pesquisa de cunho qualitativo, de teor bibliográfico,  junto à técnica de pesquisa hipotético-dedutiva, com participação da técnica de pesquisa bibliográfica. Ademais, utilizar-se-á da pesquisa documental, a fim de propiciar uma análise contextualizada acerca da Lei Imperial nº 3.353, de 13 de maio de 1888; da Lei nº 12.288, de 20 julho de 2010; e da Lei nº 7.716, de 05 de janeiro de 1989.

Ao decorrer da pesquisa os autores obtiveram um quadro qualificado de autores científicos e jornalísticos, que corroboraram em suas pesquisas com a problemática envolvida nesta investigação, com destaques para os subsídios teóricos de Antonio Sérgio Alfredo Guimarães (2012); Eric Hobsbawn (2008); Laurentino Gomes (2019); e Afrânio Garcia Jr. (1986). Assim, o artigo foi dividido em duas partes, sendo que a primeira trata sobre o fim da escravidão e a cidadania negra durante o período pós-abolição; a segunda retrata o Estatuto da Igualdade Racial como promotor da igualdade étnico-racial.

2. O FIM DA ESCRAVIDÃO E A CIDADANIA AFRO-BRASILEIRA NO PÓS-ABOLIÇÃO

A priori, faz-se compreensível como ressaltado por Guimarães (2012), que foi repugnantemente fundamental a influência da hierarquia colonizadora do Brasil, desde os seus primórdios, para a formação das graves consequências sociais que atingiram o território a partir dessa colonização segregacionista. A somar-se a isto, se sabe que a sociedade brasileira se manteve segregada e hierarquizada mesmo após a conquista da alforria e de direitos e com a transição do Brasil Império para o Brasil República.

Cabe expor, também, que os discursos que tratavam sobre aspectos e questionamentos  abolicionistas entraram na pauta das investigações teóricas somente a partir do século XVIII, através dos desgastes da legitimidade do processo escravista no Brasil. Assim, adentraram ao meio teórico vastas variáveis que ponderavam tais aspectos antiescravidão, com influências do contexto vigente, no qual estavam ocorrendo várias emancipações políticas com ideais de liberdade de diferentes povos, em função da questão dos “direitos de cidadania dos libertos, o pensamento racial emergente nas novas nações […] e com as variadas conjunturas históricas em que as diferentes sociedades escravistas viveram o processo da emancipação escrava ao longo de todo o século XIX.” (RIOS E MATTOS, 2004, p.172-173).

Em sequência, é imprescindível ressaltar que o ponto de partida da luta pela democratização da cidadania negra no Brasil se manifestou desde a resistência dos africanos escravizados ao sistema colonial do Brasil, que começou a tomar corpo com maior determinação a partir da abolição da escravatura (GUIMARÃES, 2012). Além disso, é perceptível que a transição do período escravista para a liberdade foi o marco fundamental que finalmente concedeu para todo o povo brasileiro a condição de igualdade e liberdade individual perante a lei, influenciando a concepção de cidadania nacional (GARCIA, 1986).

Todavia, faz-se necessário elucidar que entre a escolha e a prática destes princípios sempre se manteve um distanciamento, vários eram os empecilhos que atrapalhavam a assimilação do negro como um dos componentes centrais da nova sociedade brasileira, um indivíduo portador de direitos e deveres (GUIMARÃES, 2012). Assim, é possível criar uma concepção de como os primeiros anos da República foram complicados para o exercício da liberdade que recém à conquistaram. Nesse ínterim, retrata-se que  tais indivíduos eram mais assujeitados do que sujeitos no meio social (GARCIA, 1986), conforme Cação:

No dia 13 de maio de 1888, uma lei imperial, a chamada Lei Áurea, deu fim à instituição que por mais de três séculos marcou de maneira profunda a vida cotidiana no Brasil: modos de viver e de pensar, relações de poder, etiquetas de mando e obediência. Desde então, aquele segundo domingo do mês de maio de 1888 deixaria de ser apenas um dia qualquer do calendário para ganhar as páginas da história do país, como um momento fundador, decisivo e crucial. (CAÇÃO; REZENDE FILHO, 2018, p. 370).

Herdada dos colonizadores europeus, a funesta tradição escravista tornou-se bastante presente ao longo dos séculos na sociedade brasileira e mesmo após a abolição, as suas marcas ainda perduraram no âmago da sociedade brasileira. A Lei n° 3.353, de 13 de maio de 1888 sancionada pela Princesa Isabel, através seu artigo 1° tornou-se responsável por extinguir a escravidão em território brasileiro expondo o que seria considerado o fim de uma instituição muito lucrativa para os escravistas.  Entretanto, a ideologia fundamentada em uma biologia elitista e puramente tendenciosa transcendera a ordem legislativa, fazendo com que os efeitos da escravidão ecoassem hodiernamente, conforme afirma Hobsbawm:

Sob a forma de racismo, cujo papel central no século XIX nunca será demais ressaltar, a biologia era essencial para uma ideologia burguesa teoricamente   igualitária, pois   deslocava   a   culpa   das   evidentes desigualdades humanas da sociedade para a “natureza”. (HOBSBAWM, 2008, p. 221).

Mesmo após o golpe militar de 1889 e com a introdução de um novo sistema político, nada se alterou materialmente e simbolicamente na condição dos ex-escravos. Todavia, notava-se, na percepção de alguns estadistas da época, as implacáveis manchas deixadas pela escravidão, igualmente, a feroz tentativa de apagá-la de nossa história, tal como fez o ministro Ruy Barbosa em 1890, ao ordenar a destruição da documentação relativa à escravidão (DOMINGUES, 2007).

Omissa foi a política estatal de fornecer cidadania aos negros libertos, que eram vistos com preconceito e trocados por imigrantes no mercado de trabalho remunerado. Também foram eficazes os incentivos à imigração no intuito de “europeização” do Brasil pois, o “imigrante, além da raça, trazia consigo […] a experiências da mão de obra técnica nas indústrias já em franco desenvolvimento no Brasil”. (CAÇÃO; REZENDE  FILHO, 2014).

Nesse contexto, se reafirmou como os movimentos sociais com ideais da cidadania negra foram imprescindíveis para a evolução dessa pauta. A partir disso, infere-se que foi integrado à sociedade, nessas primeiras décadas da República (BASTIDE, 1983), uma imprensa negra alternativa, com o objetivo de reconhecer a classe média preta,  de possibilitar a dignidade social e de protestar contra o racismo (FERRARA, 1986).

No Estado de direito todos são iguais. No entanto, a primeira constituição republicana, permitiu que todos os homens maiores de 21 anos pudessem votar, excetuando as mulheres, mendigos, analfabetos, as praças e religiosos de ordens monásticas, um grande avanço. É de se ponderar que devido a recente abolição da escravidão, os pretos libertos não tiveram qualquer instrução e poucos eram alfabetizados, realidade que não era flagrante apenas nessa população, de acordo com Ferreira, mas em toda a sociedade brasileira, pois 82,3% da população total era analfabeta.

Ademais, infere-se que o voto nesse período vigorava apenas na lei, estava desconexo com a realidade social, era uma ferramenta do status quo para se manter no poder durante a primeira república, já que apenas pouco mais de 4% da população estava apta a votar. A população preta, majoritariamente, não estava representada, não existia norma que expressamente os impedia de votar, como ocorria nos Estados Unidos ou na África do Sul, mas exigia-se pressupostos para o exercício dessa democracia, de acordo com José Afonso da Silva:

[…] Coerente com sua essência antidemocrática, o elitismo assenta-se em sua inerente desconfiança do povo que reputa intrinsecamente incompetente. Por isso sua “democracia” sempre depende de pressupostos notoriamente elitistas, tais como os de que o povo precisa ser preparado para a democracia, de que esta pressupõe certo nível de cultura, certo amadurecimento social, certo desenvolvimento econômico, e reclama que o povo seja educado para ela. (SILVA, 2014, p. 129).

A República de 1889 nasceu comprometida com o pensamento da elite rural, que de entendia como a representante legitima do povo, já que os consideravam incapacitados intelectualmente para se representarem e com vistas de não perder os privilégios que adquiriram, impossibilitaram por meio de legislações simbólicas, a possibilidade de o negro votar, ser representado e participar da vida política brasileira (GUIMARÃES, 2012).

A Sexta República foi ambiciosa, iniciou um processo de democratização e de ruptura com as antigas repúblicas oligárquicas brasileiras, após uma noite de 21 anos à sombra de governos civis-militares (1964-1989), surgiu do pulsar das ruas a exigência que o Estado seja um promotor da justiça social. A dignidade humana tornou-se um fundamento do novo e democrático Estado Brasileiro, nesse espírito de mudança,  a população negra não se contentaria mais em ter seus anseios e lutas ignoradas pela elite dominante, não podendo mais deixar de ter as suas pautas representadas é necessário fazer valer os artigos da constituição (GUIMARÃES, 2012).

A República Liberal foi acusada de ter barrado o processo mais radical de abolição da escravidão e promovido esse quadro repugnante no qual a população negra se encontrava, dessa maneira ficou entendido que era preciso que uma segunda abolição acontecesse (FERNANDES, 1965). Porém, na Segunda República, os conflitos de classe e o anti-imperialismo tornaram a luta social o centro dos debates, como se o impasse racial estivesse concluído (GUIMARÃES, 2012). Em consequência disso, a luta pela segunda abolição foi subsumida pela luta pelo socialismo.

Em contrapartida, faz-se mister destacar que em meados da década de 1970, surgiu o Movimento Negro Unificado Contra a Discriminação Racial, o qual influenciou na criação do primeiro órgão público voltado para os movimentos sociais afro-brasileiros, o Conselho de Participação e Desenvolvimento da Comunidade Negra (GUIMARÃES, 2012). Dessa maneira, também, surgiu a ideia de indicar um representante negro para a Comissão que tornou o racismo crime inafiançável na Constituição de 1988.

Foi preciso instalar a Terceira República, em 1985, e promulgar a Constituição, em 1988, para que o movimento negro renegasse completamente o ideal de democracia racial; adotou, em contrapartida, uma agenda radical de defesa dos direitos humanos e dos direitos civis e sociais dos negros. Iniciou-se, então, uma fase de denúncia radical da precariedade dos direitos dos cidadãos negros, através da criação de múltiplas ONGs voltadas para a advocacia de direitos individuais […] e a formação de organizações populares que passaram a agir em torno de atividades de cultura, educação, emprego e saúde. Essa é a fase que tem como pressuposto a ruptura ideológica com os ideais da democracia racial e, como meta, a afirmação radical da igualdade racial. […] O movimento negro passou a ter como meta o desmantelamento das desigualdades raciais através de políticas públicas de discriminação positiva. (GUIMARÃES, 2012, p. 21-22).

A luta histórica do abolicionismo se divide em dois feitos, primeiro buscou-se a abolição formal legal e logo a efetivação dessa abolição, ainda que muito tenha que ser feito, a Constituição Cidadã contou em sua elaboração com a participação do povo e de uma comissão negra, de acordo com Benedita da Silva (2018), uma das três mulheres negras constituintes, comenta que:

A libertação dos escravos foi tímida, porque os escravos foram libertos entre aspas. Não tinha lugar para colocar as crianças, mulheres e idosos. Que mercado de trabalho estava reservado para eles? Que tipo de habitação? Qual era a relação de salário? Qual era também a questão da escolaridade? Havia liberdade nas manifestações culturais? Livres para quê? Para passar fome e uma série de situações. Então, na Constituinte foi o grande momento desse debate. (SILVA, 2018).

Foi somente na CF/88, com um trabalho hercúleo dos congressistas negros e da sociedade civil organizada, que se fez perceber nos representantes e na sociedade, que havia discriminação racial no Brasil, situação negligenciada desde a Proclamação da República, como se manifesta nas estrofes do Hino da Proclamação da República, “[…]nem cremos que escravos outrora tenha havido em tão nobre País […] (BRASIL, 1890), composto em 1890 apenas dois anos após a abolição. Ademais, esses constituintes, conseguiram inserir na CF/88 a obrigação de se estudar a História da África e História dos Negros no Brasil,  elemento de fundamental importância para se conceber a história brasileira, dos 553 constituintes apenas 11 eram negros, 2% do contingente, uma flagrante sub-representação racial de 56% da população brasileira.

É essencial destacar que no Governo Lula foi aprovado o Estatuto da Igualdade Racial, destinado a garantir à população negra a efetivação da igualdade de oportunidades, a defesa dos direitos étnicos individuais, coletivos e difusos e o combate à discriminação e às demais formas de intolerância étnica. Retrata-se que o igualitarismo negro foi resultado de um amadurecimento das demandas, que adotaram meios para obter reconhecimento de sua particularidade cultural e por ações afirmativas de oportunidades entre brancos e negros (GUIMARÃES, 2012).

Infere-se, assim, que a aprovação do Estatuto da Igualdade Racial é positivo para a nossa realidade e que só vem a agregar. Todavia, enquanto houver a cultura de negação do racismo, que é arraigada na sociedade, não será possível combater com seriedade esse impasse que atormenta a vida de muitas pessoas.

3. O ESTATUTO DA IGUALDADE RACIAL COMO MEIO DE PROMOVER A IGUALDADE ÉTNICO-RACIAL

A priori, para dar início a esse debate relacionado à promoção da igualdade racial a partir do Estatuto da Igualdade Racial, que ainda encontra muitos desafios para ter sua eficácia plena. Assim, mesmo esse direito sendo um princípio básico na sociedade ainda existem várias ocorrências de ações que envolvem discriminação de modo que ocorram, simplesmente, em função do fenótipo da vítima.

Diante disso, sabe-se que o racismo ainda está muito presente e interligado na sociedade no sentido de que ele promove uma barreira e retira diversas e importantes possibilidades para uma grande parcela de indivíduos (ALENCAR, 2010). Desse modo, mesmo após passados 133 anos da abolição da escravatura no território brasileiro, o racismo ainda é gerador de uma vasta segregação social perante certa parcela populacional.

Além disso, infere-se que essas situações discriminatórias relacionadas a raça e cor, são configuradas como graves crimes contra a vida, liberdade e dignidade. Nessa perspectiva, faz-se compreensível o porquê do debate e a busca pela igualdade racial está em evidência, mesmo existindo vários empecilhos e adversidades que prejudicam a trajetória dessa luta. Urge, assim, a necessidade de uma legislação para que ocorra uma tentativa de remissão dessa dívida histórica, de trezentos anos de escravidão (CINTRA, 2012).

Com isso, o Estatuto da Igualdade Racial chegou para promover e reforçar o combate e a luta contra a desigualdade étnico racial na sociedade brasileira. Essa lei garante a igualdade dede oportunidades entre os cidadãos, assegura e defende os direitos dos negros e, além disso, combate as discriminações raciais e toda e qualquer forma de intolerância étnica, assim, “[…] somente a lei não será capaz de reparar as discrepâncias sociais relativas à questão racial, mas é o passo inicial para a implementação de diversas mudanças na busca por um país mais igual”. (CARVALHO, 2015, p. 90)

Resta destacar alguns artigos que constam no Estatuto da Igualdade Racial e que buscam proporcionar uma melhor qualidade de vida para essa população:

Art. 1o  Esta Lei institui o Estatuto da Igualdade Racial, destinado a garantir à população negra a efetivação da igualdade de oportunidades, a defesa dos direitos étnicos individuais, coletivos e difusos e o combate à discriminação e às demais formas de intolerância étnica.

Parágrafo único.  Para efeito deste Estatuto, considera-se:

I – discriminação racial ou étnico-racial: toda distinção, exclusão, restrição ou preferência baseada em raça, cor, descendência ou origem nacional ou étnica que tenha por objeto anular ou restringir o reconhecimento, gozo ou exercício, em igualdade de condições, de direitos humanos e liberdades fundamentais nos campos político, econômico, social, cultural ou em qualquer outro campo da vida pública ou privada;

II – desigualdade racial: toda situação injustificada de diferenciação de acesso e fruição de bens, serviços e oportunidades, nas esferas pública e privada, em virtude de raça, cor, descendência ou origem nacional ou étnica;

III – desigualdade de gênero e raça: assimetria existente no âmbito da sociedade que acentua a distância social entre mulheres negras e os demais segmentos sociais;

IV – população negra: o conjunto de pessoas que se autodeclaram pretas e pardas, conforme o quesito cor ou raça usado pela Fundação Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), ou que adotam autodefinição análoga;

V – políticas públicas: as ações, iniciativas e programas adotados pelo Estado no cumprimento de suas atribuições institucionais;

VI – ações afirmativas: os programas e medidas especiais adotados pelo Estado e pela iniciativa privada para a correção das desigualdades raciais e para a promoção da igualdade de oportunidades.

Art. 2o  É dever do Estado e da sociedade garantir a igualdade de oportunidades, reconhecendo a todo cidadão brasileiro, independentemente da etnia ou da cor da pele, o direito à participação na comunidade, especialmente nas atividades políticas, econômicas, empresariais, educacionais, culturais e esportivas, defendendo sua dignidade e seus valores religiosos e culturais.

Art. 9o  A população negra tem direito a participar de atividades educacionais, culturais, esportivas e de lazer adequadas a seus interesses e condições, de modo a contribuir para o patrimônio cultural de sua comunidade e da sociedade brasileira.

Art. 19.  O poder público incentivará a celebração das personalidades e das datas comemorativas relacionadas à trajetória do samba e de outras manifestações culturais de matriz africana, bem como sua comemoração nas instituições de ensino públicas e privadas.

Em função do que foi exposto, retrata-se que a Lei nº 12.288 é de extrema importância e imprescindibilidade, de modo que ela evidencia e determina proteções e garantias legais para que a igualdade racial seja promovida e possua eficácia no meio social. Ademais, ressalta-se a Lei nº 7.716 de 05 de janeiro de 1989, a qual define os crimes resultantes de raça ou de cor. Em seu artigo 1º  ela estabelece que “serão punidos, na forma desta Lei, os crimes resultantes de discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia, religião ou procedência nacional.

4. CONSIDERAÇÕES FINAIS

A fim de concluir esse estudo, cabe inferir que, ao longo deste trabalho, foi questionado o motivo pelo qual os negros ainda carecem de representatividade política. Percebemos que existem mazelas históricas que foram ignoradas durante a república e só foram reconhecidas durante a constituinte de 1988, com a participação da sociedade e dos poucos congressistas negros que haviam sido eleitos. Assim, compreendemos que ainda que a população negra, atualmente, possui todos os seus direitos formalmente igualados aos da população branca, materialmente não se pode falar em igualdade. Em função de que sabemos que foram 331 anos de escravidão e mais 100 anos de discriminação.

Com isso, ressalta-se que, assim como a Lei Áurea de 1888, a Constituição de 1988 é um marco que inaugura uma nova nação, que busca a redenção da pesada chaga que o Estado Brasileiro carrega, da implacável instituição da escravidão, as desigualdades e erros do passado. De modo que todos esses aspectos somente poderão ser redimidos com democracia, participação política e popular, evidenciando nesse aspecto, a importância do Estatuto da Igualdade Racial para estabelecer políticas públicas, fitando garantir à população negra a efetivação da igualdade de oportunidades.

REFERÊNCIAS

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BASTIDE, Roger. A imprensa negra do Estado de São Paulo. Boletim de Sociologia, São Paulo, 1951. Disponível em: < https://pt.scribd.com/document/380695040/BASTIDE-Roger-A-imprensa-negra-no-Estado-de-Sao-Paulo-ROGER-BASTIDE-pdf >. Acesso em: 23 nov. 2020.

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SILVA, José Afonso da.Curso de Direito Constitucional Positivo. Malheiros Editores. São Paulo: ed. 37ª, 2014.

[1] Graduação. ORCID: https://orcid.org/0000-0002-4403-1322.

[2] Graduação. ORCID: https://orcid.org/0000-0001-9178-192X.

Enviado: Maio, 2021.

Aprovado: Dezembro, 2021.

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Diuster de Franceschi Gariboti

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