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Direito à educação: ameaça ao direito subjetivo à educação em tempos de pandemia

RC: 102991
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CONTEÚDO

ARTIGO ORIGINAL

FÁVERO, Lucas Antônio [1], DIAS, Priscila Dutra [2], RUBIO, Cibelly [3]

FÁVERO, Lucas Antônio. DIAS, Priscila Dutra. RUBIO, Cibelly. Direito à educação: ameaça ao direito subjetivo à educação em tempos de pandemia. Revista Científica Multidisciplinar Núcleo do Conhecimento. Ano. 06, Ed. 12, Vol. 03, pp. 162-184. Dezembro de 2021. ISSN: 2448-0959, Link de acesso: https://www.nucleodoconhecimento.com.br/lei/direito-a-educacao

RESUMO

O presente artigo relaciona o direito fundamental à educação, estabelecido na Constituição Federal de 1988 e em normas infraconstitucionais, e a ameaça a esse direito pela ineficiência dos governantes no contexto da pandemia do COVID-19. O problema dessa pesquisa visa responder: como o direito subjetivo à educação está sendo garantido frente à nova realidade e dificuldades dos estudantes ao acesso de tecnologia e consequentemente às aulas remotas? O presente artigo tem como objetivo geral entender e analisar como o Estado tem trabalhado para garantir o direito à educação em meio à pandemia. Neste sentido, é feita uma análise bibliográfica de artigos publicados em periódicos, livros, documentos de organizações internacionais e documentos elaborados por órgãos de educação na busca para responder essa questão. Conclui-se que apesar das normas estabelecerem claramente que todos têm direito à educação, o Estado brasileiro teve dificuldades para efetivá-lo durante a pandemia. Esse problema deriva da precariedade de implementação de políticas educacionais eficazes, sobretudo no que se refere ao acesso dos estudantes às ferramentas exigidas pela modalidade de ensino à distância e apoio ao planejamento de aulas adequadas à nova dinâmica.

Palavra-Chave: COVID-19, Direitos, Criança, Escola.

1. INTRODUÇÃO

O contexto sociopolítico do presente estudo, com a temática central “O Direito à Educação em tempos de COVID-19”, pretende centrar-se nas seguintes categorias: Direito à Educação como um direito subjetivo garantido na Constituição Federal de 1988 e as consequências da pandemia causada pelo COVID-19 no que diz respeito ao ensino remoto, frente à garantia dos direitos educacionais nesse contexto. Justifica-se por se tratar de um tema instigante, atual e ainda pouco explorado no meio acadêmico, sendo necessária a identificação de alternativas que contemplem de forma integral a realidade brasileira, bem como, seus impactos na educação, visto que o Estado brasileiro deve garantir a todos o acesso à educação de qualidade.

A problemática que instiga essa pesquisa é: como o direito subjetivo à educação está sendo garantido frente à nova realidade e dificuldades dos estudantes ao acesso de tecnologia e consequentemente às aulas remotas? O presente artigo tem como objetivo geral entender e analisar como o Estado tem trabalhado para garantir o direito à educação em meio à pandemia diante da implementação do ensino remoto, num país onde grande parte dos alunos não possui acesso aos meios tecnológicos que possibilitam acompanhar as aulas. Mais especificamente, pretende-se compreender: a) o percurso histórico do direito à educação; b) analisar as políticas educacionais em tempos de COVID-19; e c) identificar o impacto dessas políticas no direito à educação dos estudantes.

A metodologia do trabalho em questão apresenta uma abordagem qualitativa e busca relacionar o objeto investigado com discussões socioculturais, políticas e econômicas por meio da pesquisa bibliográfica. Ademais, considerando os aspectos narrados por González Rey (2002) possibilita-se, por meio da pesquisa qualitativa, examinar o caráter construtivo-interpretativo do conhecimento, o qual não é feito pela análise linear da realidade, mas sim por meio de um saber adquirido que possa reconhecer a criação de novos conhecimentos, mesmo que se considere a particularidade dos dados, com uma conexão/incorporação com o aspecto quantitativo.

Semelhante a essa perspectiva, González Rey (2002) corrobora com a afirmação de Chizzotti (1991) o qual ratifica que os dados não são coletados, e sim elaborados por meio das aproximações e distanciamentos que estão inter-relacionados. Dessa maneira, é possível afirmar que esta pesquisa será construída a partir da análise do estudo das conjecturas envolvidas.

Para tanto, o presente trabalho também utiliza o levantamento bibliográfico como forma de metodologia, por meio do qual busca-se analisar como o Direito à Educação em tempos de COVID-19 vem sendo discutido, estudado e abordado na comunidade científica. Neste sentido, Triviños (2009) afirma que os fatos sociais e educacionais, em geral complexos, demandam um suporte de princípios que sejam capazes de alcançar os níveis de relevância do que se estuda. Contudo, foi necessária também a consulta em acervo bibliográfico, na base de dados de periódicos e artigos científicos, livros e palestras nos meios digitais.

Os direitos nascem de uma necessidade da sociedade de garantias mínimas de existência e convivência. Todos os países latino-americanos possuem em seu ordenamento jurídico normas que preveem a educação como um dever do Estado e a obrigatoriedade em alguns níveis (RANIERI; ALVES, 2018).

Entende-se que é preciso passar às novas gerações conhecimentos que as possibilitem fazer parte da sociedade contribuindo para a construção de novos conhecimentos e sendo sujeitos autônomos. A educação tornou-se um dos pilares da democracia como afirma Cury (2002), sendo na Revolução Francesa uma necessidade absoluta colocar todas as crianças na escola como uma maneira de manter a própria Revolução. Se antes o conhecimento era reservado a uma pequena parcela da nobreza, agora deveria ser difundido para o progresso da sociedade.

No Brasil, autores como Carlos Roberto Jamil Cury (2002), Luiz Carlos de Freitas (2014), Maria Abádia Silva (2005), apontam que a educação só passou a ser uma prioridade há pouco tempo, sendo garantido na Constituição Federal de 1988 como um direito subjetivo de todo brasileiro. Isso significa que o Estado não pode abster-se de garantir o acesso e permanência de todos aqueles que estão em idade escolar de frequentar a escola e ainda daqueles que, apesar de não estarem em idade escolar, desejem retomar os estudos. No entanto, alertam que esse direto tem buscado atender interesses bem específicos.

Conforme Freitas (2014) as elites nunca se preocuparam em educar as camadas populares, pois a necessidade imediata a que a classe trabalhadora estava submetida demandavam pouco ou nada de estudo. Estudar era reservado apenas às classes dirigentes. Assim, a regra era o analfabetismo e somente com a complexificação da indústria e dos maquinários usados no campo é que se passou a ter a necessidade de dar as camadas mais populares instruções mínimas para baratear os custos, uma vez que se eram poucos os que dominavam as técnicas o preço pelo serviço era mais alto.

Como regra, as elites historicamente sonegaram até mesmo a dimensão do conhecimento às camadas populares. Ao longo de décadas o empresariado conviveu muito bem com o analfabetismo e com a baixa qualidade da educação, até que a complexificação das redes produtivas e do próprio consumo demandou mais conhecimento e a mão de obra barata ficou mais difícil de ser encontrada, derrubando as taxas de acumulação de riqueza (FREITAS, 2014, p. 1089).

A lei da oferta e da procura ajudou para que os trabalhadores pudessem ter acesso a condições mínimas de aprendizagem. O capital precisava que os trabalhadores tivessem acesso à educação formal com um currículo estabelecido pelo Estado para poder continuar se desenvolvendo, de modo a garantir sua própria acumulação. Por outro lado, a garantia constitucional do direito à educação possibilitou novas perspectivas aos trabalhadores.

As lutas dos movimentos sociais culminaram com a elaboração da Constituição Federal de 1988 após um longo período de ditadura civil-militar. Todas as garantias expressas no artigo 5o da Constituição e as cláusulas pétreas do parágrafo 4o do artigo 60 bem como os objetivos fundamentais da República não poderiam ser garantidas sem o mínimo de educação.

A educação se torna o alicerce da democracia, pois se os sujeitos não sabem que possuem direitos e deveres não poderá defender o desconhecido. Dessa forma Cury (2002) argumenta a necessidade das sociedades democráticas pós a Revolução Francesa de dar a todos a possibilidade de aprender como um pressuposto do exercício da cidadania.

A disseminação e a universalização da educação escolar de qualidade como um direito da cidadania são o pressuposto civil de uma cidadania universal e parte daquilo que um dia Kant considerou como uma das condições “da paz perpétua”: o caráter verdadeiramente republicano dos Estados que garantem este direito de liberdade e de igualdade para todos, entre outros (CURY, 2002, p. 261-262).

O Estado passaria a atuar para diminuir as desigualdades por meio de garantias educacionais. Acreditava-se segundo o autor que dessa forma as desigualdades existentes não viriam a tornar-se como aconteceu no período absolutista, em um privilégio de poucos.

Cury (2002) esclarece que o acesso à educação caracterizado como direito público subjetivo passou por várias fases, inicialmente o reconhecimento como direito ao ensino fundamental em 1934, após isso houve, na Constituição outorgada de 1967, a passagem de quatro para oito anos a obrigatoriedade de frequência escolar e finalmente com a redemocratização tem-se a Constituição Cidadã de 1988 a garantia à todos do direito público subjetivo à educação.

Com a pandemia causada pelo Coronavírus (COVID-19) o direito à educação encontrou-se ameaçado pela falta de ação de Estado. Cabe ressaltar que a população mais vulnerável socialmente sofre o maior impacto frente a essas crises, falta de emprego, de moradia e até mesmo de acesso a água energia elétrica são apenas alguns exemplos das dificuldades encontradas.

Nesse sentido, o artigo buscou em diversos documentos produzidos, por exemplo, pelo Conselho Nacional de Educação, Banco Mundial, Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO), Constituição Federal de 1988, Estatuto da Criança e do Adolescente, Lei Diretrizes e Bases da Educação, além de diversos autores que escrevem a respeito do direito à educação.

A primeira parte do artigo está concentrada na educação como um direito público subjetivo e como o Estado é responsável por dar garantias para que todo cidadão possa ter acesso à educação de qualidade. Na segunda parte procurou-se levantar as recomendações feitas por instituições no sentido de amenizar a visível precariedade no atendimento às demandas educacionais no período de pandemia, visando à garantia do direito fundamental à educação prevista na Constituição Federal de 1988 e nas normas infraconstitucionais.

Foram realizadas análise de documentos oficiais e revisão bibliográfica referente à temática, e amparada em experiências práticas dos autores envolvidos. Finalizamos o trabalho tecendo nossas considerações sobre o tema pesquisado e suas contribuições para o meio acadêmico.

2. DO DIREITO SUBJETIVO À EDUCAÇÃO

A educação é um direito social elencado no artigo 6o da Constituição Federal de 1988, dessa forma, cabe ao Estado o dever de prestar condições para sua execução. Diferentemente dos direitos de primeira geração que exigiam a abstenção do Estado na vida privada do cidadão, os direitos sociais exigem a prestação positiva por parte do Estado sob pena de punição do agente estatal.

A constitucionalização e principalmente a garantia desse direito foi e é uma dificuldade especialmente para os mais pobres. Somente em 1988 as forças populares e os interesses do capital se convergiram para a necessidade de uma população mais instruída. Segundo Maria Abádia Silva (2005), o Consenso de Washington nos anos 1980 teve um papel fundamental, pois definiu políticas mínimas que os países periféricos deveriam desenvolver para garantir o desenvolvimento do capitalismo possibilitando a esses países pagarem suas dívidas contratadas com as potências.

A educação fazia parte das medidas a serem melhoradas pelos países periféricos incluindo, a flexibilização das leis trabalhistas, diminuição dos gastos públicos, controle inflacionário, desregulação econômica e regulação sob novas óticas de setores financeiros, incentivo ao setor privado e obtenção de superávit primário.

A Constituição de 1988 além de estabelecer a educação como um direito de todos, determina valores mínimos a ser investido por cada ente da federação com vista a cumprir o preceito social, assim o artigo 212 obriga a União a aplicar na educação pelo menos 18% da arrecadação, os Estados, municípios e Distrito Federal devem aplicar pelo menos 25% para manter e desenvolver o ensino país. Sendo os valores o mínimo, os movimentos sociais em defesa da educação buscam vincular o investimento na educação ao Produto Interno Bruto (PIB), fixando o valor mínimo em pelo menos 10% do PIB garantindo mais recursos e atraindo pessoas mais qualificadas e para melhorar a estrutura de atendimento educacional (BRASIL, 1988).

Além disso, a Constituição também definiu a educação como um direito público subjetivo no artigo 208, parágrafo 1o, sendo replicadas em outras normas infraconstitucionais como a Lei Diretrizes e Bases da Educação (LDB) e o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA). Como um direito subjetivo, não cabe ao Estado buscar culpados ou transferir sua responsabilidade como executor das políticas educacionais e garantidor de acesso e permanência de todos os brasileiros e estrangeiros residentes na escola, bem como dos jovens e adultos que não tiveram oportunidade há seu tempo, apenas deve cumprir a lei, sofrendo as penalidades previstas em lei pela não oferta.

Art. 208. O dever do Estado com a educação será efetivado mediante a garantia de:

§1º O acesso ao ensino obrigatório e gratuito é direito público subjetivo.

§2º O não-oferecimento do ensino obrigatório pelo Poder Público, ou sua oferta irregular, importa responsabilidade da autoridade competente.

§3º Compete ao Poder Público recensear os educandos no ensino fundamental, fazer-lhes a chamada e zelar, junto aos pais ou responsáveis, pela frequência à escola (BRASIL, 1988).

Assim a lei tutela um interesse individual oponível ao Estado que deve ser respeitado não cabendo a este negar-se, pois está expresso na Constituição. Cabe apenas ao poder público oferecer a quantidade de vagas necessárias ao cumprimento do caput do artigo sob pena de responsabilidade, tanto da autoridade competente conforme a distribuição de competências quanto aos pais que não matricularem seus filhos.

Para Duarte (2004) o direito subjetivo é a capacidade do indivíduo de transformar uma norma geral e abstrata em algo próprio. Para a autora trata-se da busca de uma satisfação pessoal e o Estado tutela para dar condições ao indivíduo de exercer sua liberdade dentro da sociedade. Para que consiga, o Estado deve possibilitar um patamar mínimo de igualdade material, dando condições concretas ao indivíduo de prosseguir com sua vida de forma digna, preceito máximo da Constituição de 1988.

Entretanto, a busca por um patamar mínimo de igualdade, não apenas jurídica, mas também material e efetiva – grande bandeira dos direitos sociais –, exige uma posição ativa do Estado no que se refere à proteção de direitos, pois o que se pretende é criar, por parte dos Poderes Públicos, condições concretas de vida digna (DUARTE, 2004, p. 114).

Duarte (2004) argumenta que o Estado passa de uma fase em que deve abster-se de interferir na vida privada, para um momento em que deve estar voltado a cumprir os objetivos delineados constitucionalmente. Quando esses objetivos não são perseguidos pelo Poder Executivo as demandas acabam caindo no judiciário e a autora alerta para o perigo da interferência do judiciário nas execuções das políticas públicas, causando atrito entre os poderes.

Ainda segundo Duarte (2004) é importante entender a educação como um fator de múltiplas dimensões, não se esgotando o direito à educação pelo simples acesso aos bancos escolares. Deve-se ter em mente a educação como instrumento não só de empregabilidade futura, mas como condição para o desenvolvimento intelectual, físico, espiritual, moral e criativo. Assim o indivíduo pode participar dos bens da coletividade de forma democrática constituindo uma das bases do Estado Democrático de Direito.

Para Hidalgo (2009) o direito subjetivo à educação carrega duas obrigações em si. Por um lado, a exigibilidade por parte do sujeito perante o Estado, mas por outro Estado perante o sujeito. Ao indivíduo também recai o dever de acessar esse serviço para o seu bem e da comunidade.

A autora considera a Constituição de 1988 um grande avanço perante as outras Constituições que Brasil já teve no tocante a obrigatoriedade e o acesso ao ensino. Apenas em 1930 a instrução primária passa a ser obrigatória e reafirmada em 1946, mas não um direito subjetivo. Posteriormente passa a ser um direito com tempo determinado, ou seja, dos 07 aos 14 anos de idade e finalmente em 1988 passa a ser um direito subjetivo de todos.

Para Hidalgo (2009) essa transformação só foi possível pela luta dos movimentos sociais ligados a educação que conseguiram assumir um papel de protagonismo na elaboração da Constituição de 1988 fazendo com que o Estado ampliasse a obrigatoriedade da educação e fosse incorporando outros níveis de forma progressiva e ainda um patamar mínimo de investimento.

Os movimentos de educadores assumiram um papel importante na elaboração da Constituição de 1988, que incorporou os seguintes avanços: definição dos percentuais da arrecadação a serem aplicados na educação; progressiva extensão da obrigatoriedade e gratuidade do ensino médio; incorporação da creche à educação; e, por fim, a explicitação do Estado como responsável pela efetivação da educação como direito público subjetivo, definindo a responsabilidade da autoridade competente caso sua oferta não seja garantida, conforme artigo 208 da Constituição Federal de 1988 (HIDALGO, 2009, p. 11).

Santana (2019) fundamenta o direito à educação como necessário para possibilitar ao indivíduo participar das relações sociais e posicionar-se diante da realidade social. Trata-se de uma prática emancipatória visando à justiça social e a inclusão. O autor esclarece que o direito à educação não se finda com o acesso, motivo pelo qual devem ser dadas condições de permanência. O Estado não pode criar apenas as vagas, mas também deve garantir que a educação seja de qualidade, neste sentido:

O direito à educação envolve uma gama de iniciativas e concretizações de ações o que não é suficiente simplesmente propiciar acesso, “criar depósitos de alunos”. Faz-se necessário a presença de escola que se destaque pela sua qualidade cujos métodos orientam o aluno a ocupar o centro do conhecimento buscando formar cidadãos críticos e atuantes para atuarem no seio social (SANTANA, 2019, p. 289).

O autor afirma que a partir da educação é possível fruir de todos os outros direitos, uma vez que por meio dela o sujeito tem conhecimento de seus direitos e seus deveres dentro da sociedade. Santana argumenta que o legislador considera somente o ensino fundamental com caráter público subjetivo, no entanto muitos autores já entendem que a educação infantil também se enquadra, como fica claro na decisão do Ministro Luiz Fux que determinou ao município de Santo André em São Paulo a abertura de mais vagas para atender crianças menores de 6 anos em creches (BRASIL, Superior Tribunal de Justiça, 2005).

A LDB, Lei 9.394 de 1996, reproduz em seu artigo 5o a lei maior e explica a quem cabe exigir o direito à educação e os meios que podem utilizar para fazer este ser prestado pelo ente federativo competente. Assim, qualquer pessoa ou instituição elencado na lei, pode acionar o Ministério Público para que obrigue a consecução desse direito.

Art. 5º O acesso à educação básica obrigatória é direito público subjetivo, podendo qualquer cidadão, grupo de cidadãos, associação comunitária, organização sindical, entidade de classe ou outra legalmente constituída e, ainda, o Ministério Público, acionar o poder público para exigi-lo (BRASIL, 1996).

O Estatuto da Criança e do Adolescente manifesta especial atenção a escola como parte do sistema de proteção à criança e ao adolescente, além de copiar os preceitos constitucionais no tocante ao direito subjetivo e a obrigação de oferta de estudo. Acrescenta ainda no artigo 55 a obrigação dos pais de matricular seus filhos menores e no artigo 56 aos dirigentes de estabelecimentos escolares a comunicação ao conselho tutelar em casos de maus-tratos, reiteradas faltas, evasão escolar e elevada repetência. O entendimento é que a escola, mais que uma instituição de ensino, aprendizagem, socialização, cumpre também um papel importante na proteção, alimentação e saúde das crianças e adolescentes.

A escola acaba por se constituir em um braço do Estado, funcionando como rede de proteção em concordância com o artigo 227 da Constituição Federal, o qual estabelece a necessidade da sociedade, do Estado e da família de proteger os menores, dando formação e mantendo sua integridade física e intelectual.

Art. 227. É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão (BRASIL, 1988).

Dessa forma, entende-se apascentado perante os tribunais e a sociedade que a educação é uma obrigação do Estado e o seu oferecimento deve atender os princípios do artigo 3o da LDB tais como: igualdade de condições de acesso e permanência e garantia de padrão de qualidade e a necessidade dos pais ou responsáveis de matricular seus filhos, sob pena de sofrer sanções penais.

Assim o legislador incluiu no Código Penal o artigo 246 possibilitando a prisão de 15 dias a um mês ou multa, aos pais por abandono intelectual se deixarem de matricular os filhos. O artigo fala de instrução primária, no entanto, entende-se que a obrigatoriedade se estende por todo o período determinado em lei como educação obrigatória, ou seja, dos 04 aos 17 anos. O entendimento se deve ao fato de o Código Penal ser ainda de 1940 quando somente a educação primária era obrigatória.

A Constituição Federal e normas infraconstitucionais garantem o acesso à educação como um elemento essencial para o desenvolvimento e manutenção da democracia. No entanto, com o surgimento do Coronavírus em 2019 e a inércia do Estado em tomar decisões para garantir a todos o atendimento educacional, especialistas apontam que esse direito vem sendo violado.

3. A AMEAÇA AO DIREITO SUBJETIVO DA EDUCAÇÃO EM TEMPOS DE PANDEMIA

Em tempos de pandemia, garantir o direito à educação tornou-se um desafio ainda maior, tanto para as famílias que não conseguem dar atenção aos filhos quanto para o Estado que não alcança a todos da mesma maneira pela desigual distribuição de renda. Se antes dessa crise sanitária, as pessoas já enfrentavam dificuldades para acessar e se manter na escola, agora muitos se veem sem condições mínimas de subsistência, tornando o acesso aos meios de ensino praticamente impossíveis.

Levantamentos feitos por instituições do Brasil e do mundo como a Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO), Banco Mundial (BM), Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), movimento pelo direito à educação, dentre outros, tentam enfrentar, junto as famílias e as escolas, as dificuldades de manter o processo de ensino e aprendizagem e garantir o direito constitucional à educação.

Segundo dados do Banco Mundial (2020) o setor educacional de quase todo o mundo foi afetado chegando a um bilhão e quatrocentos milhões de estudantes fora da escola em mais de 156 países. A atenção para o Banco Mundial deve estar focada na saúde e as autoridades sanitárias recomendam que todas as crianças, adolescentes e jovens permaneçam em casa para não fazer com que o vírus circule.

O Banco Mundial (2020) manifesta preocupação com o possível nível de abandono escolar, com a queda no capital humano, com relação à segurança alimentar das crianças, as quais têm na merenda escolar a única fonte de alimentação saudável e com as mulheres que estarão mais sobrecarregadas.

Para amenizar a situação o Banco Mundial (2020) aponta diversas alternativas que estão sendo adotadas no mundo todo para garantir o direito à educação. No entanto, esclarece que qualquer iniciativa dos Estados deve ser tomada levando em consideração as condições materiais das famílias e das escolas. Por isso, é importante que se tenha uma boa infraestrutura e familiaridade com a tecnologia, para que seja implementado modalidades de ensino à distância, como está sendo a estratégia adotada pela maioria dos países.

O documento afirma ainda que é esperado uma queda na aprendizagem e aponta caminhos a serem seguidos durante e após a pandemia, como a utilização de aplicativos específicos de celulares, parcerias com empresas de tecnologias e formação contínua dos professores para que saibam usar os recursos.

Uma alternativa seria concentrar na criação ou uso de aplicativos já existentes para celulares e incentivar o compartilhamento de informações. Para haver uma ação focalizada, é importante selecionar um número específico de aplicativos e plataformas que melhor se adequem ao contexto educacional e social de cada região. Da mesma forma, é importante a criação de parcerias com provedores de internet locais para reduzir custos de disseminação dos materiais pedagógicos. Outro elemento fundamental é a promoção de ciclos de formação continuada para professores, coordenadores pedagógicos e diretores para estruturar aulas que promovam o engajamento dos estudantes nas aulas à distância (BANCO MUNDIAL, 2020, p. 3).

A saída adotada pela maioria das nações foi o uso de meios tecnológicos para superar a defasagem educacional e garantir o acesso à educação. No Brasil cada sistema de ensino tem buscado uma forma de minimizar os efeitos negativos da pandemia na educação, mas as estratégias têm servido para demonstrar a grande disparidade de acesso aos bens materiais.

As principais orientações envolvem disseminação de videoaulas, atividades em plataformas online e materiais impressos. Medidas que encontram barreiras, seja pela falta de acesso à tecnologia para assistir as aulas (internet inacessível, falta de computador, muitas casas as famílias têm mais que um filho estudando) ou mesmo pela falta de entendimento dos pais para auxiliar os filhos nas tarefas impressas.

O acesso à internet melhorou nos últimos anos segundo os dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE, 2019), mas ainda não atinge a todos os brasileiros especialmente os das classes mais C e D que mais dependem das instituições públicas de ensino. O movimento empresarial Todos Pela Educação publicou uma nota técnica informando que enquanto entre as classes A e B o nível de acesso à internet passa dos 94%, entre as classes D e E chega a apenas 40% das famílias (TODOS PELA EDUCAÇÃO, 2020).

Nesse sentido a nota esclarece a importância de se criar estratégias para que não se amplie a desigualdade, pois os alunos em melhores condições econômicas possivelmente terão condições de manter o aprendizado, enquanto os alunos das classes C, D e E terão mais dificuldades.

Para enfrentar o risco da ampliação de desigualdades, ao lançar mão de estratégias de ensino a distância, é preciso entender que a disposição de recursos tecnológicos é heterogênea entre os alunos e que aqueles que já têm desempenho acadêmico melhor tendem a se beneficiar mais das soluções tecnológicas (TODOS PELA EDUCAÇÃO, 2020, p. 5).

A nota afirma ainda a necessidade da criação de alternativas, como por exemplo a formação dos professores para melhorar as experiências dos alunos com as mídias. Aponta ainda que as experiências em situações de guerra e conflito, a educação a distância nunca poderá substituir as experiências em sala de aula, principalmente na educação básica. Mesmo as melhores atividades necessitam da interação com os professores para que de fato haja aproveitamento escolar e garantia da educação (TODOS PELA EDUCAÇÃO, 2020)

Por fim, a nota argumenta a necessidade de se criar um ambiente de estudos de qualidade em casa, o qual é praticamente inviável nas famílias mais pobres, onde muitas vezes habitam mais de quatro pessoas em dois ou três cômodos.

A nota técnica da Campanha Nacional Pelo Direito à Educação (2020) reconhece as dificuldades em se atender a todos em tempos de pandemia. Nenhum governo no mundo estava preparado, mas demonstra preocupação com as medidas adotadas e a demora na organização de estratégias. A nota destaca a necessidade redobrada na busca pela garantia de igualdade de acesso e não discriminação e cobra dos agentes públicos a transparência na concretização das propostas.

Tal contexto nos leva a redobrar as atenções em relação à garantia do direito à educação, notadamente nas suas dimensões de igualdade de condições e não discriminação, transparência pública e gestão democrática, padrão de qualidade, prioridade absoluta à proteção integral dos direitos de crianças e adolescentes (dada a centralidade que a escola representa nessa dimensão) e as condições de trabalho dos profissionais da educação. (CAMPANHA NACIONAL PELO DIREITO À EDUCAÇÃO, 2020, p. 4).

Para a Campanha Nacional Pelo Direito à Educação (2020) o Estado deve se preocupar em atingir especialmente as famílias mais vulneráveis socialmente e economicamente, com maior dificuldade de acesso a outros meios de estudo para garantir seus direitos, principalmente quando se fala de acesso à tecnologia. Desse modo, faz-se necessário o atendimento às famílias que não possuem acesso à internet, onde os familiares apresentam baixo nível de escolaridade, onde há sobrecarga do trabalho feminino e dificuldades relacionadas à precariedade do ambiente doméstico como a violência e fatores psicológicos.

A nota manifesta diversos pontos que o gestor deve levar em consideração na elaboração de medidas para garantir o acesso à educação tais como: garantia de acesso à banda larga, energia elétrica, proteção da criança contra efeitos nocivos do uso precoce de tecnologias, avaliação, desrespeito a concepções pedagógicas, falta de proteção alimentar, dificuldades relacionas ao estresse pelo confinamento e por falta de recursos financeiros, o distanciamento do profissionais de educação das tomadas de decisão, entre outros fatores.

Assim como a nota do Banco Mundial, a Campanha manifesta preocupação com o alto índice de possível evasão escolar entre os mais vulneráveis. Outra preocupação é com medidas experimentais que precisam ser monitoradas para não aumentar as desigualdades, cabendo ao Estado ampliar a transparência quanto aos objetivos e resultados alcançados.

A necessidade de monitorar eventuais violações ao direito à educação ganha especial relevo no contexto da Covid-19, em vista da ausência de precedentes nas estratégias de ensino não presencial adotadas por algumas redes públicas e escolas privadas e dos graves indícios de exclusão educacional percebidos até aqui, e que vêm sendo sistematicamente documentados pela imprensa. O experimentalismo e a diversidade de estratégias orientadas ao uso de atividades não presenciais para o cumprimento da carga horária obrigatória podem resultar, como temos visto, na exacerbação das desigualdades educacionais ou na exclusão educacional pura e simples (CAMPANHA PELO DIREITO À EDUCAÇÃO, 2020, p. 11).

Tratando-se de uma política experimental, entende-se que o dever do Estado se amplia. A proteção precisa atender ao grande número de pessoas em situação de vulnerabilidade, tanto no contexto educacional, quanto de saúde, trabalho e segurança, conforme determina o artigo 6o da Constituição como direito social e função primordial do Estado.

Para a Campanha é essencial ouvir aqueles que trabalham diretamente com os estudantes, pois o que se tem visto são ideias partindo de grupos empresariais sem vínculo com a escola pública e com interesses divergentes. Essa também é uma das preocupações da Campanha Nacional Pelo Direito à Educação (2020), a crescente influência dos empresários da educação no desenvolvimento das políticas públicas visando vender cursos, plataformas, apostilas, livros, equipamentos, dentre outros utensílios, aproveitando-se de um momento de vulnerabilidade para ampliar sua influência na captação de mais clientes.

Outra preocupação levantada no documento é em relação ao retorno das atividades. O governo ainda não possui uma estratégia clara de como serão os trabalhos de combate ao abandono escolar e as estratégias para diminuir as disparidades agravadas no período de pandemia.

No sentido de sanar algumas dúvidas das escolas e da sociedade em geral, o Conselho Nacional de Educação publicou o parecer número 5/2020 onde argumenta que a volta as atividades e a melhor forma de incluir as atividades realizadas no cômputo da carga horária vai depender de cada sistema de ensino, haja visto a Medida Provisória nº 934/2020 onde dispensa a exigibilidade de número mínimo de dias letivos, sendo no entanto, exigido o mínimo de horas que poderão ser distribuídos em diferentes dias com a ampliação do horário, contra turno, aulas aos sábados, atividades não presenciais, uso de possíveis recessos e o avanço do ano letivo 2020 para 2021.

No entanto, para os estudantes do último ano do ensino fundamental e médio o parecer não recomenda a possibilidade de avançar com o ano letivo de 2020 para 2021, relatando a necessidade de medidas específicas. Entende-se a necessidade nesse momento de todos os sistemas de ensino atuarem em conjunto, possibilitando a flexibilização do calendário de forma a todos se adequarem para que os calendários do ensino fundamental, médio e superior estejam alinhados, assim os estudantes não seriam prejudicados ao terminar um ciclo e entrar no próximo.

O parecer prevê ainda a possibilidade de contar as atividades realizadas em casa como integrante das 800 horas mínimas previstas na LDB, atividades realizadas concomitantemente com o calendário de reposição com a mediação ou não de meios tecnológicos.

1. reposição da carga horária de forma presencial ao final do período de emergência; 2 cômputo da carga horária de atividades pedagógicas não presenciais realizadas enquanto persistirem restrições sanitárias para presença de estudantes nos ambientes escolares coordenado com o calendário escolar de aulas presenciais; e 3 cômputo da carga horária de atividades pedagógicas não presenciais (mediadas ou não por tecnologias digitais de informação e comunicação), realizadas de forma concomitante ao período das aulas presenciais, quando do retorno às atividades (CONSELHO NACIONAL DE EDUCAÇÃO, 2020, p. 21).

Esse é um dos pontos onde se percebe uma das violações ao direito à educação, pois se os sistemas de ensino passam a contar horas de estudos em casa como horas letivas, muitos alunos serão prejudicados pela falta de acesso às atividades, ampliando ainda mais as desigualdades. O Conselho esclarece o que seriam essas atividades: “Por atividades não presenciais entende-se, neste parecer, aquelas a serem realizadas pela instituição de ensino com os estudantes quando não for possível a presença física destes no ambiente escolar” (CONSELHO NACIONAL DE EDUCAÇÃO, 2020, p. 6). Nesse sentido a nota é contraditória, ao mesmo tempo em que reconhece as dificuldades nos lares brasileiros devido à falta de estrutura, violência, analfabetismo e diferença no acesso a tecnologia, estabelece como uma das soluções justamente o uso da tecnologia e a ajuda dos pais aos filhos na realização das atividades.

As notas elaboradas pelo Conselho servem de base para todos os sistemas de ensino do Brasil, mas não são obrigatórias, ou seja, os próprios sistemas têm a autonomia de seguir as orientações ou não. A importância do Conselho é dar garantia jurídica aos sistemas.

O documento manifesta ainda a preocupação com retrocessos no processo educacional dos estudantes devido a fatores como o longo isolamento sem atividades regulares, os danos sociais às famílias, o estresse, o aumento da violência dentro de casa e o abandono escolar. Argumenta ser necessário aos sistemas de ensino a utilização de meios tecnológicos como rádio, televisão, internet e ainda orientações e utilização do material didático (livros) com orientações aos pais de leitura e pesquisa para superar as dificuldades.

Neste período de afastamento presencial, recomenda-se que as escolas orientem alunos e famílias a fazer um planejamento de estudos, com o acompanhamento do cumprimento das atividades pedagógicas não presenciais por mediadores familiares. O planejamento de estudos é também importante como registro e instrumento de constituição da memória de estudos, como um portfólio de atividades realizadas que podem contribuir na reconstituição de um fluxo sequenciado de trabalhos realizados pelos estudantes (CONSELHO NACIONAL DE EDUCAÇÃO, 2020, p. 9).

Por fim, a nota pede a comunidade para auxiliar na elaboração de propostas com vistas a atingir os objetivos de aprendizagem presentes na Base Nacional Comum Curricular (BNCC), devido à excepcionalidade da situação, ideias de estudante, professores e da sociedade que podem contribuir para que as competências e habilidades sejam alcançadas.

Percebe-se na condução governamental da pandemia o fracasso em liderar e garantir a população escolar, meios mínimos de acesso à educação. Fica para a comunidade escolar a certeza que os alunos não aprenderão, os estudantes sentirão na pele as dificuldades pela defasagem nos próximos ciclos, sem contar aqueles que ficarão para trás seja pela reprovação ou pela evasão, no entanto o sistema educacional vai dizer que cumpriu seu papel terminando o calendário letivo.

A nota do Conselho Nacional de Educação propõe educação à distância para o ensino básico, apesar de não falar claramente sobre isso. Percebe-se nesse discurso dois graves problemas, o primeiro relacionado à legalidade, onde a Lei Diretrizes e Bases da Educação não permite a modalidade de Ensino à Distância (EaD) para o ensino básico e a segunda questão está relacionado a própria lei que regulamenta o ensino a distância.

O artigo 32 parágrafo 4 da LDB é clara no sentido de aprovar a utilização de sistema de ensino a distância para o ensino fundamental apenas em situações emergenciais para o estudante e não indiscriminadamente como uma regra para todo o país. O artigo 80 da LDB regulamenta o ensino a distância sendo oferecido por instituições credenciadas para essa finalidade, com normas específicas para veiculação de matérias e vídeos, além, obviamente, da iniciativa por parte dos alunos adultos em matricular-se nessa modalidade.

Para a Campanha Nacional Pelo Direito à Educação as escolas já preveem as dificuldades na volta dos alunos, tanto pela questão de defasagem, onde há uma dificuldade no desenvolvimento das atividades, quanto pelo fator psicológico, o qual também deve ser um complicador.

4. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Garantir os direitos educacionais presentes na Constituição Federal e nas normas infraconstitucionais tornou-se um desafio para a sociedade brasileira frente a crise sanitária causada pelo coronavírus. Nenhum país estava preparado para enfrentar uma doença que se alastrou de maneira tão rápida.

No contexto que se apresenta, as políticas voltadas ao setor educacional não atendem as necessidades estabelecidas na Constituição Federal. O risco de ampliar as desigualdades é latente e muitas famílias não têm acesso ao mínimo existencial, muito menos a internet, meios tecnológicos e conteúdos produzidos pelos professores na nova modalidade de ensino remoto proposta durante a pandemia.

A educação é um direito social pertencente a todos e é um dever do Estado o seu oferecimento para diminuir as desigualdades, por esse motivo não se pode permitir que medidas experimentais aumentem o abismo entre os que possuem melhor acesso aos bens materiais e os despojados desses bens. Constitui-se nas palavras de Duarte um dos fundamentos do Estado possibilitar a maior participação nos bens. (DUARTE, 2004).

Assim, entende-se que o Estado frente aos direitos sociais tem a obrigação de proporcionar maneiras diante da pandemia para que nenhum cidadão tenha seus direitos violados. Importante ressaltar que casa não é escola e os pais ou a internet não são professores, por outro lado os formatos de educação online podem funcionar em algumas situações específicas, mas não de maneira universal para todo o sistema educacional do Brasil.

A pandemia afetou as escolas de maneira diferente dependendo da região, do contexto social da criança, das diferenças entre classes sociais. Dessa forma o ensino remoto disponibilizado pelas escolas municipais e estaduais como uma medida para combater a evasão escolar e manter o calendário não chega a todas as pessoas, causando mais uma exclusão daqueles que não tem acesso aos meios eletrônicos e aprofundando a desigualdade.

Retomando a questão norteadora: como o direito subjetivo à educação está sendo garantido frente à nova realidade e dificuldades dos estudantes ao acesso de tecnologia e consequentemente às aulas remotas? Conclui-se que, apesar de expresso claramente o direito fundamental à educação na atual Constituição Federal do Brasil, percebeu-se uma grande dificuldade na implementação de estratégias capazes de suprir as necessidades dos alunos e efetivar esse direito. Em partes, esses problemas têm a ver com os percalços no incentivo a políticas educacionais eficazes, falta de planejamento de aulas adequadas a essa nova modalidade de ensino e do aumento de recurso destinados à educação, mas principalmente no que tange o acesso dos estudantes às ferramentas exigidas pelas aulas online.

O direito à educação duramente conquistada vê-se em uma encruzilhada onde a falta de efetividade dos governos municipais, estaduais e federal podem ampliar substancialmente o abismo educacional. Ao analisar os documentos produzidos pelo Conselho Nacional de Educação, foi possível perceber a distância entre as necessidades educacionais e, especialmente, à garantia dos direitos conquistados sem a efetiva prestação estatal.

Durante a pandemia foram priorizados meios remotos, no entanto, como foi observado, muitas famílias não tinham acesso à internet ou outros meios que as possibilitassem manter seus filhos estudando.

Por fim, a concretização do direito à educação só será efetivada se o Estado assumir seu protagonismo constitucionalmente estabelecido e implantar políticas públicas que possam atender a todos no momento de retorno das atividades, tratando todos na medida de suas de desigualdades a fim de que nenhuma pessoa seja prejudicada. Uma vez que o país já é marcado pela precarização e desigualdade no âmbito escolar, a qual pode se agravar com a volta das atividades presenciais.

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[1] Mestre em ciências sociais pela Universidade Estadual do Oeste do Paraná (UNIOESTE), bacharel em Direito pela UNIOESTE e licenciado em História pela Faculdade União das Américas.

[2] Mestranda em Sociedade, Cultura e Fronteiras pela Universidade Estadual do Oeste do Paraná (UNIOESTE), Advogada, especializada em Direito do Trabalho.

[3] Graduanda em Direito pela Universidade Estadual do Oeste do Paraná (UNIOESTE).

Enviado: Dezembro, 2021.

Aprovado: Dezembro, 2021.

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