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O controle jurisdicional das dedutibilidades no imposto sobre a renda da pessoa física  

RC: 105376
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CONTEÚDO

ARTIGO ORIGINAL

STAMM, Bruno Barbosa [1], ANECHINNO, Alex Rodolfo Jacot [2]

STAMM, Bruno Barbosa. ANECHINNO, Alex Rodolfo Jacot. O controle jurisdicional das dedutibilidades no imposto sobre a renda da pessoa física. Revista Científica Multidisciplinar Núcleo do Conhecimento. Ano. 07, Ed. 01, Vol. 04, pp. 279-320. Janeiro de 2022. ISSN: 2448-0959, Link de acesso: https://www.nucleodoconhecimento.com.br/lei/controle-jurisdicional

RESUMO

Atualmente, o Supremo Tribunal Federal tem adotado o entendimento de que as regras de dedutibilidade ostentam a natureza jurídica de benefícios fiscais, razão pela qual não se tem declarado a inconstitucionalidade de determinados limites de dedução com despesas da base de cálculo do Imposto de Renda da Pessoa Física estabelecidos pela legislação, sob o pretexto de que, caso assim fizesse, estaria atuando como legislador positivo. Sendo assim, o objetivo do presente trabalho é responder se o referido entendimento está em consonância com os princípios constitucionais que regem a tributação da renda no Direito brasileiro. Para tanto, a metodologia empregada se dará por meio da análise do texto constitucional, da jurisprudência e da doutrina clássica quando do tratamento do assunto, numa abordagem lógico-dedutiva. Demonstrar-se-á que as regras de dedutibilidades, em verdade, são decorrências diretas do conceito constitucional de renda adotado pelo Constituinte de 1988. Ademais, ainda que seja lícita a edição de regras de dedutibilidade, não se pode perder de vista que tais normas são veiculadas por meio de padrões, os quais podem ser questionados à luz do princípio constitucional da isonomia. Afirmar, portanto, que não há como controlar e afastar a aplicabilidade das regras de dedutibilidades diante de certos casos, em razão da teoria do legislador positivo, equivale a tolher de eficácia constitucional os princípios da igualdade e da capacidade contributiva. Com essas considerações, a conclusão a que se chega é de que a premissa empregada pela Suprema Corte está em desacordo com a Constituição Federal

Palavras-chave: imposto de renda da pessoa física, dedutibilidade, benefícios fiscais e isenções, capacidade contributiva, supremo tribunal federal.

1. INTRODUÇÃO

A questão abordada está inserta no campo normativo constitucional, e se refere ao correto entendimento do conceito constitucional de renda para fins de incidência do imposto sobre a renda da pessoa física, analisado a partir das regras de dedutibilidade da base de cálculo desse imposto. Dito de outra forma, a limitação de deduzir despesas da base de cálculo do referido imposto faz com que se considere renda o que de fato não é, simplesmente por estar previsto em uma regra.

Constantemente os tribunais pátrios são instados a definir se determinado rendimento se enquadra ou não no conceito de renda. Trata-se, em verdade, de questão da mais alta relevância que implica a necessidade de averiguar e definir a base de cálculo do imposto sobre a renda. Inúmeras são as teorias acerca do que se pode entender por “renda”. Todas com interesse prático. Afinal, por meio delas se reputa possível identificar se determinado valor deve ou não ser considerado para fins de tributação.

Assumem, desse modo, especial relevância as regras de dedutibilidade. Tais normas indicam quais as despesas e até qual montante se reputará possível o abatimento para fins de conformação do que se entende por renda. Em um país em que se positivou a capacidade contributiva como regra a nortear a tributação em matéria de impostos, imprimindo, sempre que possível, um dever de pessoalidade na tributação, a questão se torna ainda mais importante.

Reputa-se, imprescindível que se analise se determinada despesa é ou não manifestação de capacidade contributiva, pois, em sendo positiva a resposta à indagação, será possível a sua tributação; caso contrário, qualquer cobrança de imposto sobre montante que não revele capacidade contributiva será inconstitucional. Ocorre que a interpretação acerca do que revela ou não aptidão para contribuir com os gastos públicos sem o comprometimento de seu sustento é uma questão complexa, ficando muitas vezes submetida a ampla margem de subjetivismo.

Assim, a fim de eliminar eventual insegurança que poderia vir a surgir, o legislador se antecipa e edita regras que indicam quais as despesas e em que medida não configuram manifestação de riqueza passível de tributação. Cria-se um verdadeiro padrão acerca do quê, como regra, é destinado à satisfação do núcleo essencial de direitos fundamentais, e não poderia ser incluído na base de cálculo do imposto de renda.

Contudo, por vezes, os padrões veiculados não refletem de forma adequada o que normalmente ocorre. Pode ocorrer ainda que, em um primeiro momento, estejam de acordo com a realidade, mas em razão da alteração de condições socioeconômicas, deixem de se coadunar com aquilo que se vivencia. E pode acontecer de, em uma determinada situação específica, em razão de uma particularidade verificada no caso concreto, a regra, caso aplicada, gerar situação que não se coaduna com a sua finalidade. Todas essas ocorrências podem ser verificadas quando da análise das regras de dedutibilidades. Aqui começa a problemática se ser abordada no presente artigo.

Quando as situações acima ocorrem, o Poder Judiciário é chamado a intervir, pois ao Poder Executivo cabe a aplicação da literalidade da lei. Entretanto, observa-se que vigora, atualmente, no âmbito do Poder Judiciário uma compreensão acerca do tema que, ao que tudo indica, não se revela compatível com a Constituição Federal de 1988. Em várias oportunidades, o Supremo Tribunal Federal proferiu decisões no sentido de que, em matéria de dedutibilidades, o Poder Judiciário não pode atuar como legislador positivo, não lhe sendo possível declarar a invalidade das limitações veiculadas pelo Poder Legislativo, sob pena de conceder isenção ou benefício fiscal sem previsão legal, com o que se estaria violando o disposto no artigo 150, §6º, da Constituição Federal. Tal posicionamento tem refletido nos demais tribunais do país que o aplicam, em razão do dever de coerência que deve possuir a jurisprudência.

A partir daí, a principal questão a ser esclarecida é: o Poder Judiciário está observando os princípios constitucionais que regem a tributação da renda no Direito brasileiro? E a resposta vem sendo negativa, uma vez que o entendimento manifestado pela Suprema Corte tem partido de premissas equivocadas, fugindo ao alcance da reflexão necessária, violando, a pretexto de proteger, cada vez mais a Constituição Federal. Afinal, como se verá, há um conceito constitucional de renda utilizado para fins de delimitação de competência tributária que deve ser respeitado.

Todavia, o conceito de renda, critério material para incidência do imposto sobre a renda, é violado quando o Poder Judiciário se exime de controlar as regras de dedução estipuladas pelo Poder Legislativo, quando em desconformidade com os ditames constitucionais. E não só isso: permite-se um alargamento da base de cálculo do imposto sobre a renda pessoa física estabelecido na constituição, criando uma competência que não existe, além de ser conivente com constantes atentados ao princípio constitucional da isonomia.

Como forma de fundamentar a posição adotada neste artigo, discorrer-se-á sobre o conceito constitucional de renda, princípios específicos do imposto sobre a renda, quais sejam: generalidade, universalidade e progressividade, princípio da renda líquida, fundamentos das regras de dedutibilidade e seus limites quantitativos e qualitativos, praticabilidade tributária e a razoabilidade da tributação padronizada frente ao princípio constitucional da isonomia

Percebe-se, portanto, que apesar de antiga, a matéria ainda possui relevância e inequívoco interesse prático. Sobretudo em razão de estar pendente de julgamento a Ação Direta de Inconstitucionalidade n. 4.927, de relatoria da Ministra Rosa Weber, em que se discute a constitucionalidade dos limites quantitativos fixados para fins de abatimento de despesas com instrução do contribuinte e seus dependentes.

Por tais razões, as reflexões trazidas no presente estudo visam demonstrar que à luz da Constituição Federal, a jurisprudência que vem sendo adotada pela Suprema Corte no que diz respeito às regras de dedutibilidade, não se coaduna com as previsões constitucionais tributárias destinadas ao imposto sobre a renda.  Tudo a ser abordado através da análise do texto constitucional, da jurisprudência e da doutrina clássica quando do tratamento do assunto, sob um viés lógico-dedutivo.

2. O IMPOSTO SOBRE A RENDA E SEUS PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS

2.1 CONCEITO CONSTITUCIONAL DE RENDA

A Constituição Federal de 1988 estabeleceu uma rígida repartição de competências tributárias. Atribuiu materialidades diversas a cada ente federativo, de modo que a atribuição de competências tributárias implica, em última análise, a concessão de uma faculdade ao ente federado detentor da competência e, por outro lado, uma proibição de tributação pelas demais pessoas políticas que não foram contempladas com dada materialidade (CARRAZZA, 2010). Assim, conclui-se que a Constituição quando atribuiu competência à União para tributar a renda, permitiu que apenas aquilo que se configure como verdadeira renda fosse objeto de tributação. Diante de tal constatação surge a seguinte indagação: o que é renda? Há um conceito constitucional de renda? A resposta, pelas razões, que se passa a expor só pode ser positiva, bem como no sentido de que renda é acréscimo patrimonial.

Primeiramente, importa fixar que a Constituição Federal é vista como norma de mais alta hierarquia dentro do ordenamento jurídico. Trata-se de fundamento de validade de todas as demais normas que o compõem. Conclui-se que se trata de verdadeiro corpo normativo, razão pela qual utiliza a linguagem em sua função prescritiva. Significa dizer, portanto, que por meio do sistema de signos por ela utilizado, visa a alterar a realidade social à qual se refere (Vilanova, 2005).

Em momento algum possui o condão de descrever a realidade na qual se está diante, característica da utilização da linguagem em função descritiva (CARVALHO, 2011, p. 39). Tal premissa já permite demonstrar que a utilização de tipos para fins de fixação de competência tributária não se reputa adequada. Sabe-se que o tipo é uma das formas de apropriação da realidade pelo ser humano. Por meio dele, seleciona-se propriedades que comumente estão presentes, as quais podem variar no tempo, de modo que a constatação do aparecimento de novas propriedades altera a realidade e, por vezes, desatualiza a figura típica. Consiste em figura que, nas precisas lições de Ávila (2018, p.12), possui propriedades fluídas, ilimitadas e exemplificativas; em última análise descreve propriedades não necessárias e nem suficientes para sua verificação, ao contrário do conceito, que conota propriedades necessárias e suficientes para que se possa concluir estar diante da realidade a que faz referência.

Como se pode perceber, a utilização de tipos é mais consentânea com a função descritiva da linguagem, na medida em que constata realidades que comumente ocorrem. Partindo da premissa, portanto, que a Constituição Federal é um corpo de normas que visa alterar a realidade, não descrevendo-a, não se reputa adequada a conclusão de que as materialidades indicadas pela Constituição para definição de competências encerram tipos. Ao contrário, partindo do pressuposto, inclusive, que o Direito constrói suas próprias realidades, parece que a fixação das competências tributárias se deu mediante a veiculação de conceitos.

Firmada a premissa de que quando a Constituição Federal atribuiu competência à União para a tributação sobre renda e proventos de qualquer natureza, em seu artigo 153, III, fez por meio de um conceito, reputa-se imprescindível que se busque qual o sentido por ela albergado. Para tanto importa fixar mais uma premissa: se o Poder Constituinte Originário não redefiniu um determinado termo, então significa dizer que encampou o significado vigente no ordenamento jurídico à época da promulgação da Constituição Federal de 1988 (ÁVILA, 2018, p. 50).  Sendo assim, cumpre verificar quais os possíveis significados atribuíveis à palavra “renda e proventos de qualquer natureza” que vigiam quando da promulgação de nossa Lei Maior.

Preliminarmente, pode-se dizer que há três principais teorias que buscavam definir o que se entendia por renda ou proventos de qualquer natureza. A primeira delas diz respeito à teoria legalista da renda. Como o próprio nome sugere, para essa teoria, renda seria tudo aquilo que a lei considerasse como tal. Como se vê, a teoria legalista da renda não se coaduna com o sistema constitucional tributário encampado pela Constituição Federal. De plano, já se pode constatar que há um óbice intransponível para a sua adoção: a característica da inalterabilidade. Ora, entender que renda é tudo aquilo que a lei disser que é equivale a dizer que o detentor da competência tributária pode manipulá-la a seu bel prazer, o que não se coaduna com o sistema elencado pela Constituição. Ademais, não se pode olvidar que o artigo 145, §1º positivou o princípio da capacidade contributiva, de modo que permitir que a lei dissesse o que é renda poderia acarretar entendimentos equivocados, tal como aquela apontada por Oliveira (2008), que alerta que, ao fim e ao cabo, a teoria legalista permitiria considerar como renda o fato de alguém andar do lado esquerdo da calçada. Por tais razões, considera-se que não há como aceitar essa teoria.

Há, ainda, as chamadas teoria da renda-produto e da renda acréscimo patrimonial. Pela primeira, renda seria todo fruto periódico de uma fonte permanente. Ao passo que a segunda teoria indicaria que renda, como o próprio nome sugere, seria o acréscimo de elementos positivos no patrimônio. Em uma primeira análise, ambas as teorias guardariam compatibilidade com a Constituição Federal. À tal conclusão chegou Murphy (2020, p. 95).

Do mesmo modo, concluiu Schoueri (2010, p. 243), ao adotar como pressuposto que a Constituição Federal veiculou competências por meio de tipos, cumprindo ao CTN estabelecer o conceito de renda. Assim é que o artigo 43 deste Código encamparia a teoria da renda produto, no seu inciso I, ao passo que o inciso II, encamparia a teoria da renda acréscimo patrimonial.

Partindo da premissa que a Constituição não redefiniu o conceito de renda e, tampouco, explicitou-o, entende-se imprescindível que se observe o disposto no artigo 43, do CTN. Afinal, era o dispositivo vigente ao tempo em que foi promulgada. Nesse viés, observa-se que o inciso I, do artigo 43, do CTN, define renda como “o produto do trabalho, do capital, ou da combinação de ambos”. Por sua vez, o inciso II, dispõe que proventos de qualquer natureza são “os acréscimos patrimoniais, não compreendidos no inciso anterior”.

Destarte, pode-se concluir, da análise do que dispõe o CTN, que para ele renda e proventos de qualquer natureza são acréscimos patrimoniais. Tal conclusão é alcançada quando se observa a parte final do inciso II, do artigo em comento em razão da partícula “não compreendidos no inciso anterior”. Quer parecer, portanto, que renda é, para o Código Tributário, efetivo acréscimo patrimonial. Sendo, portanto, o conceito vigente quando da promulgação da Constituição, cabe verificar se com ela guarda compatibilidade. E a resposta parece ser positiva, conforme se passa a expor.

Ao disciplinar o imposto sobre a renda, o Constituinte de 1988 determinou, em seu artigo 153, §2º, I, que tal exação obedeceria aos critérios da generalidade, universalidade e da progressividade. Apesar da utilização do vocábulo “critérios”, a doutrina converge, de forma majoritária, que se trata de três princípios constitucionais aplicáveis ao Imposto sobre a Renda.

Sabe-se que o princípio da universalidade determina, conforme leciona Ricardo Mariz de Oliveira:

sejam considerados todos os – a universalidade dos – fatores positivos e negativos que compõem o patrimônio no início e no final do período de apuração, bem como a universalidade de todos os fatores que o aumentam ou diminuem dentro desse período de tempo fixado em lei (OLIVEIRA, 2008, p. 55)

Como se pode observar, a universalidade exige um determinado lapso temporal, bem como que fatores negativos sejam levados em consideração para a aferição da existência ou não de renda. Veda, portanto, que apenas fatores positivos sejam considerados, como também impede a tributação se dê de forma isolada em razão do ingresso de um determinado direito no patrimônio do contribuinte. Desse modo, é possível concluir, como fez Castellani (2015, p. 13), que a teoria da renda produto não distingue com exatidão renda de meros rendimentos. Ao menos, não da forma imposta pelo princípio da universalidade.

Desse modo, o conceito de renda, nas precisas lições de Carrazza (2009, p. 40)

o resultado positivo de uma subtração que tem por minuendo os rendimentos brutos auferidos pelo contribuinte entre dois marcos temporais, e por subtraendo o total das deduções e abatimentos que a Constituição e as leis que com ela se afinam permitem fazer.

Por tais razões, verifica-se que a Constituição Federal adotou a teoria da renda acréscimo patrimonial para fins de fixação de competência.

2.2 PRINCÍPIOS ESPECÍFICOS DO IMPOSTO SOBRE A RENDA

2.2.1 CRITÉRIOS DA GENERALIDADE, UNIVERSALIDADE E PROGRESSIVIDADE

A Constituição determina, em seu artigo 153, §2º, III, que o Imposto sobre a Renda será informado pelos critérios da generalidade, da universalidade e da progressividade, na forma da lei. Por progressividade significa dizer que as alíquotas do imposto em comento não poderão ser proporcionais. Uma tributação proporcional é aquela que trata de modo igual diferentes manifestações de capacidade contributiva, mantendo-se a mesma alíquota, ainda que varie a base de cálculo, que, no caso do Imposto em análise, é a renda auferida. Por sua vez, um tributo progressivo é aquele cuja alíquota aumenta à medida em que a sua base de cálculo progride. Portanto, quanto maior a renda percebida, maior será a alíquota que deverá incidir.

Como se pode perceber, a progressividade possui íntima relação com os princípios da igualdade e da capacidade contributiva. O artigo 145, §1º, da Constituição Federal, determina que “sempre que possível, os impostos terão caráter pessoal e serão graduados segundo a capacidade econômica do contribuinte”. Tal dispositivo já indica qual será a medida de comparação apta para que se promova a desigualação exigida pelo princípio da isonomia. Isso porque é cediço que a isonomia impõe que situações diferentes recebam tratamento diverso.

Todavia, para que se repute atendido tal princípio, deve-se verificar se a medida de comparação eleita é apta a atingir uma finalidade constitucionalmente relevante. Em matéria de impostos, pode-se dizer que o Poder Constituinte Originário já fixou tal medida: trata-se da capacidade contributiva (SCHOUERI, 2019, p. 357). Ao menos, quando se trata de tributação com finalidade fiscal.

Dessarte, pode-se concluir que o princípio da isonomia, em matéria tributária, exige que diferentes manifestações de capacidade contributiva sejam tratadas de maneira diferente. Inclusive, reforça tal conclusão, a disposição constitucional do artigo 150, II, que veda o tratamento desigual entre contribuintes que se encontrem em situação equivalente. Logo, para aqueles que não se encontrem em situação similar, o tratamento deverá ser outro. E a medida de comparação a ser utilizada é a manifestação de capacidade contributiva. Em matéria de imposto de renda, parece que a quantidade de renda auferida é que será o índice legítimo para que se efetue a desigualação.

No que diz respeito ao princípio da generalidade, sabe-se que norma geral é aquela que tem aplicação a uma determinada classe de pessoas. Além disso, não é desconhecida a regra do artigo 150, II, da Lei Maior, que veda tratamento desigual para todos aqueles que estejam em situação equivalente, impedindo, ademais, qualquer distinção baseada em ocupação profissional ou função exercida. Foi dito, ainda, que, em matéria de impostos, a medida de comparação eleita pelo Constituinte Originário foi a capacidade contributiva. Logo, todos que auferirem renda, praticando, portanto, a materialidade da hipótese de incidência do imposto previsto no artigo 153, III, da Constituição Federal, deverão ser erigidos a sujeito passivo do imposto. Eis o conteúdo do princípio da generalidade. Como se vê, decorre, outrossim, tanto da isonomia quanto da capacidade contributiva.

Pode-se perceber que a generalidade veda que haja isenção em razão das características unicamente pessoais. Inclusive, há autores como, por exemplo, Ricardo Mariz de Oliveira (2008, p. 253) que entendem que a generalidade impede a extrafiscalidade em matéria de imposto sobre a renda. Para ele, a generalidade é vista sob um enfoque diferenciado. Deixa-se de analisar efetivamente o destinatário da carga tributária e centrar-se a análise nos elementos positivos e negativos auferidos. Por essa razão, é que define a generalidade como uma imposição de que o “imposto deve tratar por igual todo e qualquer aumento patrimonial, independentemente dos tipos de renda ou de proventos que contribuam para sua formação” (OLIVEIRA, 2008, p. 253).  Significa dizer que, havendo quem aufira aumento patrimonial, deverá haver a tributação.

Justamente em razão da forma que Oliveira (2008) enxerga a generalidade, é que aduz que para atender tal princípio o imposto deve contrapor-se à ideia de seletividade. Não cabe ao legislador selecionar qual a espécie de elemento patrimonial positivo será objeto de tributação, mas sim deve fazer incidi-lo sempre que houver manifestação de capacidade contributiva, por meio de aferição de renda. Logo, todos que auferirem renda, independentemente de sua origem, natureza ou denominação deverão figurar no polo passivo da relação jurídica tributária.

Ressalte-se, por sua vez, que assim como entende Carrazza (2009, p. 68), conclui-se que a generalidade não impede que sejam concedidas isenções em matéria de imposto sobre a renda. Apesar de o tributo dever atingir a todos que aufiram renda, não parece correto afirmar que se veda toda e qualquer forma de desoneração no que tange ao imposto em comento. Afinal, pode haver motivos outros, igualmente relevantes para a Constituição Federal, que permitam a concessão de isenções, desonerando determinados contribuintes em razão de certas características, como, por exemplo, determinadas deficiências de que sejam portadores, em razão de certas doenças que possuam. O que não se admite, contudo, é que sejam concedidas isenções sem que sejam aptas à promoção de valores constitucionalmente relevantes, porquanto, aí sim, haveria, em verdade, uma discriminação odiosa, ou, caso queira, verdadeiro privilégio outorgado a determinadas pessoas em detrimento de outras, sem justificativa para tanto (MURPHY, 2020, p. 75).

Avançando na análise dos princípios constitucionais específicos do imposto sobre a renda, chega-se à universalidade. Ao lado dos demais princípios, a universalidade possui papel fundamental na extração do que se entende por renda, bem como para definir a natureza jurídica das regras que versam sobre dedutibilidades no ordenamento jurídico brasileiro. Inicialmente, a universalidade opõe-se à ideia de discriminação de renda. Por meio desse princípio determina-se que todos os fatores positivos e negativos que compõem o patrimônio devem ser levados em consideração no momento de apuração da base de cálculo do imposto sobre a renda.

Por consequência, em razão da função comparativa da base de cálculo, acaba por definir quando há ou não renda. Vê-se que o princípio em análise exerce importância tão elevada em matéria de imposto de renda que, por meio dele, é possível desenhar o conceito constitucional de renda, a qual é entendida como o acréscimo patrimonial e, portanto, o aumento de elementos positivos que se agregam ao patrimônio de forma definitiva dentro de um lapso temporal. Ademais, a universalidade exige que o imposto seja apurado dentro de um dado período razoável de tempo, porquanto impõe sejam levados em consideração também os elementos negativos que adentram o patrimônio. Observa-se, portanto, que em razão da universalidade as deduções das despesas necessárias à aquisição da renda não são meras liberalidades do legislador, mas sim uma imposição decorrente do conceito constitucional de renda albergado pela Constituição Federal de 1988.

Murphy (2020, p. 79), em estudo acerca do imposto sobre a renda, extrai como consequência do princípio ora analisado, a impossibilidade de que determinados elementos positivos venham a ser tributados de forma diversa de outros. Em outras palavras, todos os tipos de renda devem ser tributados de forma isonômica, pouco importando a sua natureza, origem ou denominação. Havendo acréscimo de fator positivo no patrimônio, a tributação deverá ser a mesma. À tal conclusão também se pode chegar ao observar as lições de Ricardo Mariz de Oliveira no sentido de que:

a universalidade significa que todo o patrimônio do contribuinte deve ser considerado na sua integralidade, sem qualquer fracionamento, seja no seu marco inicial de comparação (no momento inicial do período de apuração), seja no seu marco final (no momento final do período de apuração) (OLIVEIRA, 2008, p. 255).

Por fim, ainda no que diz respeito à universalidade, é pertinente salientar que, em face do que dispõe tal princípio, entende-se que o Imposto sobre a Renda adquire foros de extraterritorialidade, alcançando toda e qualquer manifestação de riqueza submetidas a legislação tributária nacional.

2.2.2 PRINCÍPIO DA RENDA LÍQUIDA

Através da análise do princípio da universalidade, percebe-se que para ser possível falar em renda tributável, reputa-se imprescindível, por imposição constitucional, que as despesas necessárias à manutenção da fonte produtora, bem como realizadas a fim de que aquela riqueza nova fosse obtida, sejam consideradas. E, mais: a própria noção de capacidade contributiva tem o condão de permitir que se conclua no mesmo sentido. Sabe-se que apenas há que se falar em capacidade contributiva a partir do momento em que se vislumbra que as despesas necessárias à manutenção da fonte produtora foram adimplidas, havendo, portanto, excedente que seja passível de ser levado à tributação sem que sejam obstados direitos fundamentais do contribuinte.

Em trabalho que é referência nacional no assunto, Costa (2012, p. 108) correlaciona a capacidade contributiva com outro princípio, o qual é implícito na Lei Maior, o chamado princípio da não obstância do exercício de direitos fundamentais por via da tributação. Por meio de tal princípio, a atual Ministra do Superior Tribunal de Justiça leciona que não faria sentido que a Constituição protegesse determinados direitos fundamentais e, de outro lado, permitisse a sua aniquilação por meio da tributação. Tratar-se-ia de um verdadeiro contrassenso. Logo, onde houver despesas realizadas com a finalidade de permitir o exercício de um direito fundamental, não há que se falar em existência de capacidade contributiva, inexistindo espaço para tributação.

Em matéria de imposto sobre a renda, tais considerações implicam concluir que os valores obtidos e destinados à satisfação de gastos relacionados à satisfação de direitos fundamentais devem ser abatidos da base de cálculo do imposto; caso contrário, estar-se-ia obstaculizando, por via transversa, a satisfação de direitos constitucionalmente assegurados. Um exemplo poderá ajudar a visualizar melhor a questão: imagine-se a hipótese de um determinado contribuinte que possua elevados gastos com despesas médicas. Caso o montante de seus rendimentos destinados ao custeio desses dispêndios fosse computado como renda, certamente haveria uma maior dificuldade para que esse contribuinte conseguisse custeá-las. É por essa razão que a doutrina firmou entendimento no sentido de que há, em sede constitucional, o chamado princípio da renda líquida.

Pode-se concluir que o princípio da renda líquida acarreta imposição, nos dizeres de Polizelli (2019, p. 35), de que “o imposto de renda deve recair sobre o acréscimo de patrimônio que se corporificar além da reserva do mínimo existencial, garantida a dedutibilidade de custos e despesas necessárias à obtenção de dito acréscimo de capital”.  Em outras palavras, trata-se de princípio, decorrente da capacidade contributiva e da universalidade, que garante verdadeiro direito aos contribuintes de deduzirem os gastos necessários à obtenção da renda, bem como a sua manutenção.

Percebe-se ainda que a ideia de renda líquida possui correlação com a noção de renda disponível. Vale lembrar, inclusive, que a ideia de disponibilidade da renda é uma exigência do artigo 43, do CTN que prescreve ser o fato gerador do imposto sobre a renda a “aquisição da disponibilidade econômica ou jurídica” de renda ou proventos de qualquer natureza. E renda disponível é aquela passível de ser utilizada para fins de pagamento dos impostos devidos.  Acerca do tema, reputa-se pertinente transcrever as lições de Luis Eduardo Schoueri, que assim se manifesta:

O Princípio da Renda Líquida é corolário da capacidade contributiva. Como bem explica Joachim Hennrichs, a capacidade contributiva pressupõe liquidez, ou pelo menos, liquidez potencial, pois os impostos só podem ser pagos com liquidez. Klaus Tipke lembra que aquilo que é gasto no contexto do negócio ou da profissão não está disponível para a tributação. Esta parece ser a deia central que inspirou também nosso legislador complementar. Não há sentido falar em renda se não estiver disponível. Somente com a liquidez (atual ou potencial) pode o particular contribuir com os gastos da coletividade. Daí o CTN referir-se, em seu art. 43, à aquisição de disponibilidade.

Desse modo, renda disponível é renda líquida. Como o contribuinte pode lançar mão de alguma riqueza sem abater as despesas necessárias à sua obtenção? A determinação do montante renda disponível só pode ser atingida após as deduções de suas despesas. De outra forma, cogitar-se-ia riqueza numa zona de penumbra, sem ser possível verificar sequer a sua existência. (SCHOUERI, 2019, p. 25)

Observa-se, portanto, que os princípios analisados influem na própria configuração do que se entende por renda em nosso ordenamento jurídico. Há verdadeira imposição constitucional para que despesas relacionadas à manutenção da fonte produtora e à obtenção da renda sejam dedutíveis, pois só assim, haverá efetiva renda disponível e, portanto, verdadeira manifestação de capacidade contributiva. Nesse sentido, já é possível perceber, dessarte, que dedutibilidades não são favores fiscais postos à disposição do contribuinte; ao contrário, o conceito constitucional de renda, bem como, mais especificamente, o princípio da renda líquida outorga verdadeiro direito subjetivo à dedução. Passa-se, assim, à análise mais detalhada das dedutibilidades.

3. O IMPOSTO SOBRE A RENDA E AS REGRAS DE DEDUTIBILIDADE

Como visto, há, em nível constitucional, um conceito que foi albergado pelo Poder Constituinte Originário quando da edição da Constituição Federal de 1988. Fixou-se que esse conceito corresponde ao acréscimo patrimonial obtido ao fim de um determinado período. Salientou-se, ainda, que esse acréscimo deveria corresponder a um resultado líquido, um plus, verificado após a subtração das despesas necessárias à aquisição e manutenção da fonte produtora. Diante de tais afirmações, pode-se indagar se as regras legais e infralegais que disciplinam dedutibilidades seriam constitucionais. Afinal, diz-se que o conceito de renda pressupõe a dedutibilidade de despesas necessárias à obtenção da renda e a manutenção da fonte. Por tais razões, considera-se importante que se analisem as regras de dedutibilidade, a fim de que se possa estabelecer quais os limites para sua expedição pelo legislador infraconstitucional.

Não é novidade a afirmação de que a tributação afeta, ainda que legítima, pelo Estado de ao menos dois direitos fundamentais: a liberdade e a propriedade. A isso já alertou Costa (2009) ao extrair da Constituição Federal de 1988 o princípio implícito da não obstrução aos direitos fundamentais por meio da tributação. São suas as lições segundo a qual “uma das maneiras pelas quais, indesejavelmente, pode o exercício de direitos vir a ser amesquinhado é por intermédio da tributação, porquanto o tributo, necessariamente, interfere com o direito de liberdade e o direito de propriedade dos cidadãos (COSTA, 2009, p. 71). Por essa razão, é que a Constituição se preocupou em trazer um capítulo inteiro destinado à proteção da propriedade dos contribuintes, regrando de forma pormenorizada o modo pelo qual o Estado poderá exercer seu poder de tributar. Fez, inicialmente, pela especificação dos princípios aplicáveis à matéria tributária, bem como repartindo competência entre os entes federados.

No caso dos impostos, como visto, indicou quais as materialidades possíveis de serem apropriadas pelos legisladores como pressuposto para a tributação. Ao delimitar as competências tributárias, a Constituição acabou por vedar que os entes federados possam vir a tributar materialidades que não se enquadrem dentro de seu campo de materialidade. Logo, que não se subsumam ao conceito trazido pela Constituição. Desse modo, outorga verdadeiro direito subjetivo aos sujeitos passivos de serem tributados apenas quando praticadas as materialidades previstas na Constituição. Vê-se, inclusive, que em razão da Competência Tributária limitar o poder estatal, protegendo direito fundamental que é o patrimônio, trata-se de verdadeira garantia individual. Significa dizer que quando um ente federado extrapola a competência que lhe foi outorgada, viola, de forma ilegítima, direito fundamental do contribuinte, e, portanto, atua de forma inconstitucional.

Diante dessas considerações, pode-se concluir que o conceito de renda, a partir do momento em que se utiliza para fixar a competência da União para tributar o patrimônio em sua perspectiva dinâmica, assume foro de verdadeiro direito fundamental e garantia do contribuinte contra ingerências indevidas em seu patrimônio. Protege-se, assim, a propriedade. Tal assertiva tanto é verdade, que a doutrina aponta como característica da competência tributária a inalterabilidade, a qual consiste na impossibilidade de que o ente detentor da competência venha a alterá-la por meio de Lei. Discute-se, inclusive, se seria possível falar em mutação constitucional no que diz respeito aos conceitos albergados pela Constituição para fins de fixação de competência. Inclusive, não se pode olvidar, que em mais de uma oportunidade o Supremo Tribunal Federal – STF – já afirmou que não é dado ao legislador infraconstitucional editar lei que contrarie o conceito trazido pela Constituição do que se entende por renda.

3.1 FUNDAMENTOS DAS REGRAS DE DEDUTIBILIDADE

A Constituição Federal estabelece, em seu artigo 1º, os fundamentos da República Federativa do Brasil, bem como os objetivos por ela perseguidos. De plano, chama a atenção o disposto no artigo 1º, III, que estabelece a dignidade da pessoa humana como um de seus fundamentos. Há, ainda, dentre os objetivos fixados, os elencados no artigo 3º, III e IV, que estabelecem, respectivamente, como fins a serem perseguidos “erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir desigualdades sociais e regionais” e “promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação”. Da análise de tais dispositivos, pode-se perceber que a tributação não pode ser vista como um fim em si mesmo; ao contrário, deve servir para atender ao que dispõe o princípio da dignidade da pessoa humana.

É lição corrente nos livros de direito constitucional, embasados nas lições de Kant, que a dignidade da pessoa humana impõe que cada indivíduo seja tratado como um fim em si mesmo. Jamais poderá ser utilizado como um objeto, ou seja, como meio para atingir uma outra finalidade que não lhe traga benefícios. Assim, já se pode perceber que a Constituição Federal desenha um Estado cuja função cabe assegurar e promover direitos fundamentais, pois tais direitos visam garantir a dignidade da pessoa humana, erigida como fundamento da República Federativa do Brasil, de modo que toda a atuação estatal deve ser realizada com o objetivo de lhe dar densidade. Por tais razões, os direitos de propriedade e liberdade devem ser assegurados pelo Estado, não lhe sendo possível a sua aniquilação por meio da tributação. E, é por isso, que a Constituição Federal disciplinou de forma minuciosa a tributação no Brasil, estabelecendo uma série de limites que devem ser respeitados pelo Estado quando de seu exercício (FULGINITI, 2017, p. 45).

Diante de tais considerações, parece correto afirmar que a finalidade da tributação é permitir que o Estado brasileiro angarie os recursos necessários à satisfação de direitos fundamentais, como os estabelecidos no artigo 6º da Constituição Federal, quais sejam: educação, saúde, alimentação, trabalho, moradia, lazer, segurança, previdência, proteção à maternidade e à infância e a assistência aos desamparados. Trata-se de direitos, dentre outros dispostos ao longo do texto constitucional, que devem ser assegurados pelo Estado, a fim de que os indivíduos tenham uma vida digna.

Constata-se, ainda, que, mantendo-se coerente com os direitos elencados no artigo 6º, o Poder Constituinte Originário estabeleceu, no artigo 7º, IV, da Lei Maior, a garantia constitucional ao salário mínimo, o qual deverá fazer frente às despesas necessárias às necessidades vitais básicas do cidadão e de sua família com moradia, alimentação, educação, saúde, lazer, vestuário, higiene, transporte e previdência social. Trata-se de um núcleo mínimo de direitos que correspondem ao chamado mínimo vital, o qual diz respeito, por sua vez, àquela parcela mínima de direitos sem os quais não há que se falar em vida digna.

Com efeito, não se consegue vislumbrar dignidade em alguém que não tenha meios para se vestir, comer, morar etc. A privação desses direitos conduz o indivíduo à situação de verdadeira indignidade, a qual deve ser combatida pela República Federativa do Brasil. Consentir com tal situação significa, ao fim e ao cabo, ampliar desigualdades, aumentar a marginalização e permitir o crescimento da pobreza, indo de encontro, portanto, com os objetivos elencados no artigo 3º, da Constituição Federal.

Não é difícil vislumbrar, frente às considerações formuladas, que todos aqueles que trabalham e recebem salário, deverão ser remunerados de forma que possam satisfazer as necessidades básicas elencadas no artigo 7º. Logo, parece uma decorrência lógica que aqueles valores relacionados à satisfação dessas despesas não estão disponíveis para serem tributados. Afinal, caso fossem objeto de expropriação pelo Estado, impossibilitariam o contribuinte de satisfazê-las, de modo que a tributação estaria obstruindo a satisfação de direitos fundamentais pelo contribuinte. Situação como essa vulneraria o princípio da não obstrução dos direitos fundamentais por meio da tributação, além de colidir com a própria finalidade da cobrança de tributos que, em última análise, se dá para permitir que o Estado obtenha recursos para que possa satisfazer seus misteres, tendentes à realização de direitos fundamentais.

Não se pode olvidar ainda, que a Constituição Federal, em matéria de impostos, exige que o critério de discriminação para fins de graduação da carga tributária, seja a capacidade contributiva, a qual se manifesta tanto em um viés objetivo quanto subjetivo. Analisada sob o prisma objetivo, encerra verdadeira norma dirigida ao legislador para que no momento de descrever a hipótese de incidência dos tributos, erija fatos signos presuntivos de riqueza. Noutro giro verbal, que elenque fatos que sejam passíveis de revelar riqueza e, portanto, aptidão para contribuir com os gastos públicos sem o comprometimento de seu sustento e manutenção. Eis o critério que deve nortear o legislador: a capacidade contributiva, considerada como reveladora de riqueza. E, em matéria de imposto de renda, tal observação já permite concluir que os rendimentos vinculados à satisfação de direitos fundamentais, não revelam índice de riqueza, de modo que a sua tributação acarretaria, em verdade, violação à capacidade contributiva já no seu viés objetivo.

Do mesmo modo, ocorreria quando fosse analisada sob o ponto de vista subjetivo, porquanto estar-se-ia tributando valores que estariam destinados à satisfação de direitos fundamentais. É por essa razão, que Regina Helena Costa (2012) assevera que a capacidade contributiva “implica, também, sejam dedutíveis as despesas necessárias à manutenção do contribuinte seja pessoa física ou jurídica” (COSTA, 2012, p. 73). Como se vê, as dedutibilidades não são favores fiscais concedidos pelo legislador. Ao contrário, são imposições da adoção do princípio da capacidade contributiva, bem como da finalidade da existência da tributação em âmbito nacional. Vale lembrar, ademais, que em matéria de imposto sobre a renda, o princípio da renda líquida, o qual é corolário da Universalidade, também impõe conclusão nesse sentido.

Quer se dizer, com isso, que o reconhecimento do direito de dedução da base de cálculo do Imposto sobre a renda, de despesas indispensáveis à manutenção, das pessoas físicas é verdadeiro direito fundamental, porquanto se manifesta como forma de proteção do patrimônio. É por isso que se considera como equivocados entendimentos exarados, por vezes, no sentido de que determinada despesa não comporta dedução em razão de ausência de previsão legal. Mister ainda ressaltar que, conforme visto no início do presente trabalho, o conceito constitucional de renda, o qual é delineado por meio de todos os princípios elencados no artigo 153, §2º, da Constituição, exige um verdadeiro acréscimo patrimonial, de modo que a base de cálculo leve em consideração todas as despesas necessárias à manutenção da fonte produtora e à aquisição daquele acréscimo.

Tal conclusão, não significa dizer que não possa haver restrições e limitações tanto quantitativas quanto qualitativas em matéria de dedutibilidades. Contudo, ainda assim, há limites para tanto, como se passa a observar.        

3.2 LIMITES QUANTITATIVOS E QUALITATIVOS DAS DEDUÇÕES

Questão bastante polêmica diz respeito ao estabelecimento de regras de dedutibilidade que estabeleçam limites tanto quantitativos quanto qualitativos. No que diz respeito às primeiras, inserem-se os tetos estabelecidos na legislação a título, por exemplo, de despesas com instrução do contribuinte e seus dependentes. Do mesmo modo, observa-se que os gastos com educação também sofrem restrições na medida em que não são todos que autorizam os devidos abatimentos da base de cálculo do Imposto Sobre a Renda. Cite-se como exemplo de despesa com educação não dedutível para fins de Imposto de Renda os gastos com cursos de idiomas.

Além dessas despesas incorridas para fins de instrução do contribuinte e seus familiares há outras que também não possuem autorização de dedutibilidade. Dentre elas podem ser citados os dispêndios com alimentação, vestuário e moradia, todos compreendidos naquilo que se denomina de mínimo vital. Diante dessa constatação fica a dúvida: a imposição de limites, tanto de ordem quantitativa quanto qualitativa, reputa-se constitucional? Além disso, é possível que, mesmo diante da ausência de previsão legal, permita-se a dedução de uma despesa vinculada à satisfação de direitos fundamentais?

Tais indagações já foram e ainda são objetos de debates judiciais. No que tange aos gastos efetuados com instrução, não se pode deixar de tomar em consideração julgamento paradigmático proferido pelo E. Tribunal Regional Federal da 3ª Região, de relatoria do Desembargador Federal Mairan Maia que, no julgamento da Arguição de Inconstitucionalidade n. 0005067-86.403.6100, entendeu que a atribuição de limites quantitativos seria inconstitucional. Para chegar a tal conclusão, o Tribunal, em apertada síntese, consignou que as regras de dedutibilidades não podem ser entendidas como benefícios fiscais, mas sim como imposições do princípio da capacidade contributiva. Além disso, fundamentou que o direito à educação é um direito fundamental e que vedar a dedução integral de tais despesas significaria tributar o mínimo vital e, por consequência, tolher o contribuinte de exercer de forma plena seu direito à educação. Pontuou, ainda, que há um conceito constitucional de renda que limitaria a atividade legiferante, de modo que o Legislador não seria livre para tratar de dedutibilidades em matéria de imposto de renda.

Afora tal julgado, encontra-se pendente de julgamento no Supremo Tribunal Federal, a Ação Direta de Inconstitucionalidade n. 4.927, de relatoria da Ministra Rosa Weber. No caso, trata-se de ação manejada pela Ordem dos Advogados do Brasil em que se sustenta que os limites de dedução com despesas de educação estabelecidos pela legislação não se adequam mais à realidade e, por conseguinte, seriam inconstitucionais por acarretar tributação do mínimo vital. Ressalte-se que não houve arguição de inconstitucionalidade no que tange à existência de limites em si, mas discute-se o montante eleito como teto de dedução.

Como se vê, há várias correntes acerca do tema. De um lado, há aqueles que entendem que a existência de limites quantitativos e qualitativos ensejam violação à Constituição; de outro lado, há quem entenda que, desde que fixados dentro de uma margem de razoabilidade, não haveria problema na fixação de tais limitações. Nesse trabalho, adota-se essa última posição, pelas razões que passam a ser expostas.

Foi dito anteriormente que um dos objetivos da tributação deve consistir em prover os cofres públicos de recursos suficientes para que o Estado possa atingir suas finalidades, pautando sua política com vistas à satisfação dos direitos fundamentais. Logo, não se pode, pela tributação, impossibilitar o exercício e a fruição de tais direitos. A tributação deve ser vista como um meio para possibilitar a promoção e concretização de direitos fundamentais. Ocorre que, por outro lado, o critério eleito constitucionalmente para que se diferencie os contribuintes e se gradue a carga tributária é a capacidade contributiva. Significa dizer que onde houver sua manifestação, estará autorizada a tributação. Tanto é assim que uma das consequências da adoção do princípio da universalidade é que todo e qualquer acréscimo deverá ser tributado, independentemente de sua denominação. Tal constatação torna ainda mais complexa a questão referente às dedutibilidades. Afinal, não se ignora que haverá determinados atos de consumo, traduzidos em certas despesas, que revelarão inequívoca manifestação de capacidade contributiva, ainda que relacionadas à satisfação de direitos fundamentais.

Um exemplo poderá aclarar a questão: as despesas com vestuário são relacionadas ao mínimo existencial, pois não se concebe como alguém possa viver em sociedade sem que possua acesso a vestimentas. Contudo, sabe-se que há determinados bens que ostentam valor muito elevado. Não parece razoável que se permita que alguém que tenha um gasto de R$ 30.000,00 (trinta mil reais) na compra de um vestido possa abater tal valor da base de cálculo do imposto de renda. Há uma despesa relacionada ao vestuário, mas, nesse caso, parece que também há manifestação de elevada capacidade contributiva. Eis o ponto chave: deve-se vislumbrar se o núcleo essencial do direito está sendo preservado. É isso que a capacidade contributiva protege, quando se está diante do mínimo vital.

Nesse sentido, há muito já se manifestou Ricardo Lobo Torres (2009, p. 83) ao afirmar que o mínimo existencial corresponderia à parcela mínima, intocável, irredutível, dos direitos assegurados constitucionalmente. Pode-se dizer, em outras palavras, que corresponderia ao núcleo que, caso atingido, equivaleria à própria aniquilação do direito. Transpondo-se tal conclusão para o âmbito do Direito Tributário, parece ser correto afirmar que o mínimo vital estaria comprometido quando a tributação é de tal monta que impede ao contribuinte satisfazer e adquirir bens necessários ao exercício dos direitos fundamentais que lhe foram conferidos. Quer se dizer, com isso, que há, de fato, uma parcela de gastos referentes a despesas incorridas que dirão respeito a esse núcleo essencial, sem o qual o direito é aniquilado.

Negar a possibilidade de serem fixados limites para as deduções de índole quantitativa, ao que parece, significa fazer letra morta do princípio da progressividade que rege o Imposto Sobre a Renda. A esse respeito, reputa-se pertinente a transcrição das lições de Bruno Capelli Fulginiti, que assim se manifestou:

A situação ora apresentada também evidencia a importância dos limites de dedutibilidade no Imposto de Renda para que não se criem privilégios para contribuintes de maior disponibilidade econômica. Isso porque, se o contribuinte que possui os meios financeiros para buscar a rede privada, ele certamente o fará em busca da maior qualidade oferecida pelo serviço. Em um sistema de deduções amplo (sem restrições), quanto maior a manifestação de capacidade contributiva do contribuinte, maior será a qualidade do serviço adquirido. Ocorre que, se não há limites para a dedutibilidade destes gastos, a redução na arrecadação do Imposto de Renda obtida pelo contribuinte com maior poder aquisitivo poderá ser muito superior ao valor gasto pelo Estado com o oferecimento do respectivo serviço na rede pública. Esta perda de arrecadação acabaria acarretando serviços públicos ainda piores e fazendo com que, nestes casos específicos, o Imposto de Renda se tornasse regressivo, já que contribuintes com maior capacidade contributiva acabariam sendo menos onerados. (FULGINITI, 2017. p. 53)

Como se vê, a capacidade contributiva, ao lado do conceito constitucional de renda e do princípio da universalidade, impõe a existência de um sistema de dedutibilidades. Confere-lhe a natureza de verdadeiro direito constitucional, ostentando característica de direito fundamental, porquanto visa a deixar livre de tributação parcela do patrimônio destinada à satisfação de seu mínimo vital. Por outro lado, o princípio da progressividade, que, como já analisado anteriormente, reflete a isonomia em matéria tributária, impede que se estabeleça um sistema de deduções amplo, sem qualquer espécie de limitação. Caso contrário, apesar de o imposto sobre a renda constar formalmente com alíquotas que variam conforme o aumento da base de cálculo, na prática revelar-se-ia regressivo. Além disso, uma sistemática de deduções amplas afastaria a tributação sobre a renda dos ideais de justiça fiscal, porquanto privilegiaria aqueles que possuíssem maior quantidade de recursos.

Em verdade, parece correto afirmar que a capacidade contributiva atua em um duplo aspecto: de um lado veda que se tribute valores destinados à manutenção do mínimo vital; contudo, determina que haja a tributação de montantes que revelem capacidade de contribuir para os cofres públicos, em razão desse mínimo já ter sido satisfeito. Observe-se que o próprio vocábulo “mínimo vital” já remete à ideia de um núcleo mínimo. Logo, não se pode deixar todo e qualquer montante destinado à satisfação de direitos relacionados a ele livre de tributação; apenas aqueles valores que sirvam para garantir minimamente tais direitos é que deverão passar ao largo da incidência de tributos. Como se vê, ao que parece, a existência de limitações quantitativas em matéria tributária também é uma imposição do princípio da capacidade contributiva.

No entanto, se as limitações quantitativas gozam de justificativa relativamente fácil de se identificar, o mesmo não pode ser dito no que diz respeito às limitações qualitativas. Com efeito, tais limites consistem na indicação pelo Legislador de quais as despesas que podem ser objeto de abatimento (CASTELLANI, 2015, p. 165). Pode-se citar, como exemplo, gastos relativos a vestuário e moradia. É cediço que não há possibilidade de abatê-los quando da apuração da base de cálculo para fins de Imposto de Renda. Entretanto, ninguém nega que são direitos que estão intimamente ligados ao mínimo vital, além de encontrarem previsão expressa no artigo 7º, IV, da Constituição da República Federativa do Brasil. Não é por outra razão que Fernando Castellani afirma que “as despesas com moradia, alimentação, educação, saúde, lazer, vestuário, higiene, transporte e previdência social configuram a tipificação das deduções impostas constitucionalmente.” (CASTELLANI, 2015, p. 172). Portanto, diante da identificação de determinadas despesas que não encontram previsão de deduções surge a indagação: é possível permiti-las à mingua de previsão legal? Entende-se, nesse ponto, que a resposta é negativa. Isso porque há na legislação uma faixa de isenção, o que permite presumir que o montante nela previsto corresponde ao que o legislador considerou como suficiente e adequado para fins de satisfação das despesas relacionadas a direitos fundamentais não previstos no rol de deduções (CASTELLANI, 2015, p. 174). O que se pode questionar é se o padrão eleito e se o limite de isenção é adequado à realidade na qual se está inserido. Contudo, em um primeiro momento, não há como fulminar as limitações tanto quantitativas quanto qualitativas de inconstitucionalidade. Em verdade, trata-se de verdadeiras padronizações decorrentes do princípio da praticabilidade tributária, o que se passa a analisar.

Todavia, cumpre ressaltar que o entendimento exarado no sentido de que não haveria a possibilidade de deduções em razão da existência da faixa de isenção estabelecida na legislação, apenas é adotado em razão da forma que é disposto o regramento do direito brasileiro. É quase improvável o entendimento de que caso inexistissem tais limitações trazidas pelo legislador, isto é, trabalhando com a hipótese de existir vácuo legislativo quanto a limites quantitativos e qualitativos, que seria impossível a dedução de despesas com o mínimo existencial. Certamente, o número de litígios seria bastante grande e soluções díspares seriam adotadas conforme o caso concreto, comprometendo o princípio da segurança jurídica. Contudo, as dedutibilidades são decorrência do conceito constitucional de renda, inexistindo total discricionariedade do legislador na sua disciplina. O que lhe é lícito é identificar limites que entenda como passíveis de garantir uma quantia razoável para que os contribuintes possam fazer frente a suas despesas, nos moldes acima analisados. Estabelecidas tais limitações, caberá ao Judiciário verificar se possuem adequação à finalidade a que se pretende.

3.3 REGRAS DE DEDUTIBILIDADE E PRATICABILIDADE TRIBUTÁRIA

As regras em matéria de dedutibilidades orientam os contribuintes, bem como a Administração acerca de quais as despesas passíveis de dedução da base de cálculo do Imposto sobre a Renda, bem como os seus respectivos limites. Como é possível perceber eliminam eventuais dúvidas que poderiam vir a surgir caso não existissem, pois, do contrário, como bem alerta Bruno Fulginiti (2017), um determinado contribuinte poderia entender como relacionada a sua dignidade os gastos elevados que realizou com uma cirurgia estética de lipoaspiração. Contudo, talvez o aplicador da norma assim não entendesse, de modo a desconsiderar aquela despesa lançada como dedutível. Estar-se-ia diante de um nítido conflito interpretativo. E o pior: poderia ocorrer de a mesma situação vir a ser tratada de forma diversa. Nada impediria, por exemplo, que uma outra autoridade, por sua vez, entendesse que gastos relacionados com cirurgia plástica, de fato, configurariam despesas essenciais e intimamente ligadas à dignidade da pessoa humana, considerando, portanto, legítima a dedução realizada. Constata-se, dessarte, facilmente, que a inexistência de regras de dedutibilidade poderia acarretar, em última análise, risco à isonomia tributária, que é considerada uma exigência de justiça fiscal.

É cediço que a isonomia pode ser vista em dois aspectos: formal e material. No que tange ao primeiro, trata-se da igualdade perante a lei, a qual exige aplicação padronizada da lei, de forma indistinta. Exige-se, portanto, que a mesma situação seja tratada de forma idêntica. A inexistência de regras de dedutibilidades colocaria em xeque tal princípio, conforme demonstrado. Ora, possibilitar que cada caso ficasse sujeito à apreciação subjetiva de cada Autoridade inevitavelmente levaria a soluções diversas para situações muitas vezes idênticas.

Fato é que na análise dos casos que são submetidos ao aplicador da lei, diversos fatores podem influenciar a tomada da decisão, dentre eles as experiências pessoais vivenciadas. Logo a ausência de regras de dedutibilidade implicaria verdadeiro subjetivismo, indo ao desencontro dos ideais impostos pelo princípio da segurança jurídica, sobretudo a calculabilidade e a cognoscibilidade por ele exigidas. Não é por outra razão que Humberto Ávila (2010) afirma que as regras possuem função preliminarmente decisória, consistindo em uma solução prévia a um conflito detectado pelo legislador, de modo que sua edição traz benefícios em termos de redução de discricionariedade e, consequentemente, promove a previsibilidade. Nesse sentido, assim leciona:

Em terceiro lugar, a opção pelas regras tem a finalidade de evitar problemas de coordenação, deliberação e conhecimento. De fato, a falta de regras provocaria uma grande falta de coordenação entre as pessoas, cada qual sustentando ser seu ponto de vista pessoal o prevalente. A ausência de soluções, ainda que elas pudessem ser modificadas por razões extraordinárias, provocaria custos excessivos, pois haveria necessidade de solucionar cada caso individualmente, com uma autoridade específica e uma fundamentação particular. Ainda, inexistindo regras, os cidadãos sentir-se-iam legitimados a criar soluções mesmo em áreas para as quais é necessário um conhecimento técnico especializado, o que colocaria em risco a segurança das pessoas e a eficiência das decisões.

Essas considerações demonstram, em suma, que as regras não devem ser obedecidas somente por serem regras editadas por uma autoridade. Elas devem ser obedecidas, de um lado, porque sua obediência é moralmente boa e, de outro, porque produz efeitos relativos a valores prestigiados pelo próprio ordenamento jurídico, como segurança, paz e igualdade. Ao contrário do que a atua, exaltação dos princípios poderia fazer pensar, as regras não são normas de segunda categoria. Bem ao contrário, elas desempenham uma função importantíssima de solução previsível, eficiente e geralmente equânime de solução de conflitos sociais (ÁVILA, 2010, p. 113)

Quer se dizer com isso que as regras de dedutibilidade se prestam a promover o princípio da segurança jurídica e da isonomia, a eles servindo. Sua finalidade é garantir previsibilidade acerca de quais despesas serão passíveis de dedução, bem como que não haja soluções díspares para situações equivalentes. Ademais, não se pode olvidar que exigir do aparato estatal que cada situação fosse submetida a análise pormenorizada impediria a correta aplicação da lei. Trata-se, em verdade, de situação materialmente impossível em um país de dimensões continentais como o Brasil. Por que razão já se constata que além de ser uma exigência do princípio constitucional da igualdade e da segurança jurídica, as regras de dedutibilidade são verdadeiras manifestações do princípio da praticabilidade tributária.

Em território nacional, Regina Helena Costa (2007), em obra aprofundada sobre o tema, definiu a praticabilidade como sendo a “qualidade ou característica do que é praticável, factível, exequível, realizável” (COSTA, 2007, p. 52). Pode-se dizer que é um verdadeiro pressuposto do Direito. Afinal, como pondera Paulo de Barros Carvalho (2011), o Direito só atua na região ôntica do possível, sendo considerado uma ordem da conduta humana com vistas a regular as relações intersubjetivas. Logo, trata-se um instrumento que se presta a disciplinar relações sociais, necessitando, portanto, de exequibilidade, caso contrário, sua finalidade estaria frustrada. É por essa razão, inclusive, que Misabel Derzi (2018, p. 128) afirma que praticabilidade é implícita no ordenamento jurídico, pois toda lei nasce para ser aplicada e imposta. E complementa o conceito de praticabilidade ao dispor que tal expressão se refere ao “nome que se dá a todos os meios e técnicas utilizáveis com o objetivo de tornar simples e viável a execução das leis”. Assim, todas as manifestações legais ou administrativas realizadas, com a finalidade de tornar mais simples e factível a aplicação da lei, podem ser consideradas manifestações de praticabilidade.

Em matéria de regras de dedutibilidades, foi visto que o legislador em várias hipóteses, vislumbra a existência de um potencial conflito interpretativo acerca do que pode ou não ser considerado como dedutível. Para tanto, observa a realidade social que lhe cerca e, conforme a média geral do que ocorre, extrai uma regra que visa a disciplinar os casos que ordinariamente ocorrem. Como se vê, a edição da norma visa a ser aplicada ao maior número de casos possíveis que se enquadrem na classe de fatos trazidos pela regra posta. Com isso, permite-se, de antemão, que se saiba o que será passível de dedução e em quais montantes, conferindo condições para que a Administração Tributária controle os abatimentos realizados, tornando a legislação acerca do imposto sobre a renda exequível e uniformemente aplicável, reduzindo-lhe complexidades que seriam inerentes à ausência de parâmetros pré-estabelecidos. Para tanto, vale-se o legislador de verdadeiras padronizações, vislumbrando, no corpo social, despesas que geralmente são incorridas com a finalidade de satisfação do núcleo essencial dos direitos fundamentais. Ademais, vale-se de padrões quantitativos, a fim de vislumbrar e conferir orientação ao aplicador da lei, a partir de qual momento, segundo a média geral de casos, os gastos passam a revelar capacidade contributiva.

Contudo, se, de um lado, a praticabilidade impõe a adoção de utilização de padronizações, permitindo-se a aplicação em massa da lei, de modo a abarcar aquilo que efetivamente acontece, não se pode ignorar que a igualdade em seu viés individual acaba por restar, de certa forma, comprometida. É sabido que ao elaborar abstrações generalizantes o legislador deixa de considerar determinados elementos que, por vezes, tornam uma determinada situação peculiar. Não parece ser de difícil constatação, portanto, que a utilização de padrões entra em colisão com a igualdade em seu viés material, pois situações diferentes podem receber tratamento uniforme, indo ao desencontro ao que determina a Constituição. E nesse mesmo sentido já se manifestou Humberto Ávila, lecionando que “na tributação padronizada, opta-se pela efetivação da igualdade geral mediante a consideração de elementos presumidamente presentes na maior parte dos casos concretos” (ÁVILA, 2015, p. 93). Trata-se, em verdade, de tentativa de realizar a capacidade contributiva no que diz respeito ao que normalmente acontece, já que nas padronizações o legislador leva em conta o que ordinariamente ocorre. Diante de tal cenário, surge a indagação: qual deverá ser a postura do Poder Judiciário ao se deparar com situação que fuja do padrão? Poderá deixar de aplicar a regra, a fim de fazer valer a isonomia no campo individual? A tais perguntas, passa-se a responder no capítulo seguinte. Todavia, não se pode deixar de ressaltar que a criação de regras de dedução tem uma evidente finalidade: permitir a identificação da capacidade contributiva e realizar a igualdade em seu aspecto formal. A essa conclusão, Regina Helena Costa há muito já chegou, ao aduzir que “a praticabilidade deve servir à isonomia e à capacidade contribuinte diante da preeminência desses valores no ordenamento jurídico” (COSTA, 2007, p. 124). A praticabilidade e suas manifestações, portanto, são verdadeiros instrumentos para que outros princípios constitucionais sejam atingidos e atendidos. Em hipótese alguma pode servir de pretexto para violar direitos fundamentais.

Com tais considerações, quer-se deixar claro que não basta que a União alegue impossibilidade de fiscalização individualizada e pormenorizada de tudo aquilo que acontece, invocando a praticabilidade como uma fórmula capaz de justificar toda e qualquer espécie de discrepância que seja passível de constatação. Considerando que o Estado deve atuar na promoção e atendimento aos Direitos Fundamentais, parece claro que o Judiciário não só pode como deverá intervir para corrigir eventuais discrepâncias que se vislumbre no caso concreto, de modo que o padrão eleito não viole a própria finalidade pela qual foi criado: servir de parâmetro e atendimento da capacidade contributiva. Passa-se, então à análise dos critérios a serem levados em consideração pelo Poder Judiciário em matéria de dedutibilidades.

4. CONTROLE JURISDICIONAL DAS DEDUTIBILIDADES

4.1 AS REGRAS DE DEDUTIBILIDADE SOB A ÓTICA DO PODER JUDICIÁRIO

No âmbito do Poder Judiciário, há ações, das mais variadas, ajuizadas por contribuintes ou entidades com legitimidade para representação coletiva que visam a afastar os limites de dedução trazidos pela legislação tributária. A título de exemplo, pode-se citar o Agravo Regimental no Agravo de Instrumento n. 724.817/SP, julgado pela Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal, de Relatoria do Ministro Dias Toffoli. Na ocasião, um contribuinte havia interposto Recurso Extraordinário contra acórdão proferido pelo E. Tribunal Regional Federal da 3ª Região que havia inadmitido sua pretensão de afastar a limitação de dedução de despesas com instrução da base de cálculo de seu imposto de renda. O Relator, Ministro Dias Toffoli, afirmou quando do julgamento da questão, que a matéria envolveria violação indireta à Constituição Federal, bem como aduziu que reiterava o “entendimento no sentido da impossibilidade do Poder Judiciário atuar como legislador positivo para estabelecer isenções e reduções de tributos, ou, ainda dedução de despesas da base de cálculo do imposto de renda”. Em sentido idêntico, se deu o julgamento do Agravo Regimental no Recurso Extraordinário n. 603.060, de relatoria da Ministra Carmen Lúcia. Como se vê, a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal tem se baseado nos argumentos relativos à tese do legislador negativo, bem como no sentido de que dedutibilidades são benefícios fiscais.

Não se pode se perder de vista que, atualmente, está pendente de julgamento a Ação Direta de Inconstitucionalidade n. 4.927, de relatoria da Ministra Rosa Weber, ajuizada pela Ordem dos Advogados do Brasil em que se questiona a constitucionalidade dos limites quantitativos com educação estabelecidos pelo artigo 8º, II, b, da Lei 9.250/95, no montante atual de R$ 3.651,50 (três mil, seiscentos e cinquenta e um reais e cinquenta centavos). Nessa ação, não se questiona a possibilidade de limitações, o que se alega é que os limites trazidos pela legislação se reputam irrisórios e dissociados da realidade, razão pela qual deveriam ser considerados inconstitucionais.

Nessa mesma linha, algumas ações constantemente são ajuizadas no âmbito da Justiça Federal. Inclusive, recentemente foi objeto de julgamento uma Ação Popular[3], ajuizada perante da Justiça Federal da 3ª Região, em que se pedia que o Poder Judiciário determinasse à União a atualização da tabela do IRPF. No caso, o Relator, invocando precedentes do Supremo Tribunal Federal, afirmou que já havia sido firmada, no âmbito da Suprema Corte, “a tese de que não cabe ao Poder Judiciário autorizar a correção monetária da tabela progressiva do imposto de renda, na ausência de previsão legal nesse sentido”.  Adotou-se novamente a tese do legislador negativo, conforme orientação do Supremo Tribunal Federal.

Percebe-se, assim, que a questão não é desconhecida do Poder Judiciário. Ao contrário, por diversas vezes já foi questionada e decidida. Ocorre que as premissas em que se pautaram as decisões parecem equivocadas. Todavia, para que se possa analisar a questão, reputa-se necessária uma breve incursão acerca da tributação padronizada em face do princípio constitucional da isonomia, bem como a influência do postulado da razoabilidade na análise de aplicação de padrões veiculados em lei.

4.2 TRIBUTAÇÃO PADRONIZADA E CONTROLE FRENTE AO PRINCÍPIO CONSTITUCIONAL DA ISONOMIA

Conforme analisado anteriormente, a imposição de limites quantitativos, bem como qualitativos, decorre de uma ideia de justiça generalista. Parte-se do pressuposto de que à Administração seria impossível ou extremamente oneroso analisar caso a caso, a fim de identificar se cada situação seria uma hipótese de manifestação ou não de capacidade contributiva. Afinal, em um país de dimensões continentais como o Brasil, exigir que o Fisco tomasse em consideração as características de cada contribuinte, verificando a realidade de cada um, individualmente, tornaria a tributação extremamente onerosa e desigual.

Com relação à desigualdade que tal exigência poderia gerar, Andrei Pitten Velloso (2010, p. 267) há muito já advertiu que exigências de análise individualizada pela Administração Pública da condição particular dos contribuintes apenas teriam o condão de impedir que todos fossem fiscalizados e se submetessem à tributação, aumentando ainda mais o índice de evasão. Seria muito difícil, inclusive, estabelecer um critério objetivo de qual contribuinte estaria ou não sujeito à fiscalização. Como se vê, a inexistência de recursos tendentes à promoção de uma igualdade generalista afronta a própria isonomia. É por essa razão que o referido autor afirma que existe uma relação de apoio recíproco entre a igualdade e a tributação padronizada.

Pode-se perceber que a padronização, portanto, é uma forma de se permitir que a Administração Pública execute a lei tributária de forma efetiva, aplicando em massa a legislação a todos que se encontrem submetidos à legislação tributária nacional. Trata-se de um verdadeiro meio utilizado para fins de tornar a lei tributária exequível. Logo, é uma verdadeira manifestação de praticabilidade tributária, conforme já assinalado. Nada de errado há em sua utilização, desde que não se preste a vulnerar a isonomia.

Tendo em vista que as regras de dedutibilidades, ao imporem limitações de índole quantitativa e qualitativa, configuram verdadeiras padronizações, sendo manifestações de praticabilidade, não podem em hipótese alguma contrariar a igualdade. Vale lembrar que toda regra tem uma finalidade, de modo que as regras de dedutibilidade servem justamente para orientar o aplicador da lei a respeito de quais situações, normalmente, revelam capacidade contributiva. Tamanha é a importância da capacidade contributiva que a doutrina costuma afirmar que ela configura verdadeiro pressuposto da tributação. Vale dizer: onde inexistir capacidade contributiva nem sequer se reputa possível a exigência de impostos. Sabe-se que a igualdade pode ser estruturada em, ao menos, quatro elementos: sujeitos, medida de comparação, elemento indicativo e finalidade. Todos devem estar coordenados de forma a atingir a finalidade que lhe é subjacente. Além disso, deve haver um critério que permita a diferenciação, o qual deve possuir uma relação conjugada e fundada com a finalidade que se pretende alcançar. Em algumas situações, a Constituição nada diz a respeito de qual será a medida de comparação que terá que ser levada em conta. Em outras, ela mesma veda a utilização de um dado fator de discriminação, ao passo que, por vezes, impõe qual deverá ser a medida eleita.

Em matéria tributária, observa-se que a Constituição de 1988 impede que se utilize como fator de diferenciação, em matéria de tributos, a ocupação profissional, conforme se observa do artigo 150, II, da Constituição Federal. Em outras ocasiões, expressamente aponta qual será a medida que deverá ser eleita para a desigualação. No caso dos impostos, o Constituinte de 1988 foi taxativo: impôs que a discriminação se desse em razão da capacidade contributiva. Por tais razões, para fins do presente trabalho, entende-se a capacidade contributiva não como um princípio propriamente dito, mas como um critério que deve ser utilizado para fins de desigualação. Observe-se que a ela a Constituição fez referência expressa, ao dispor no artigo 145, §1º, que sempre possível os impostos terão caráter pessoal e serão graduados segundo a capacidade econômica do contribuinte, facultado à administração tributária, especialmente para conferir efetividade a esses objetivos, identificar, respeitados os direitos individuais e nos termos da lei, o patrimônio, os rendimentos e as atividades econômicas do contribuinte.

Feitas tais considerações já se percebe que as regras referentes às dedutibilidades não conferem discricionariedade total ao legislador. Não se nega que o Poder Legislativo tenha liberdade de configuração de seu conteúdo, todavia, deverá respeitar o princípio da isonomia em matéria tributária. Logo, é lícito ao Poder Judiciário verificar se o padrão eleito é compatível com a Constituição Federal. E, para tanto, Humberto Ávila estabelece como critérios de validade da utilização da tributação padronizada a necessidade, a generalidade, a compatibilidade, a neutralidade, a não excessividade e a ajustabilidade. Sem que a regra editada pelo Poder Legislativo se adeque a cada um desses critérios, não há que se falar em sua constitucionalidade, de modo que deverá ser extirpada por veicular regra que afronta a Constituição.

No que tange à necessidade de utilização do padrão, já se pode constatar que tal exigência impõe que a tributação de forma padronizada não pode ser vista como uma mera opção à Administração Tributária. Ao contrário, deverá ser uma exigência em razão de excessiva onerosidade ou impossibilidade prática de se considerar as características pessoais de cada um dos sujeitos passivos. Observe-se que o requisito em análise é facilmente extraído quando da leitura de forma atenta do disposto no artigo 145, §1º, da Constituição Federal, ao estabelecer que “sempre que possível, os impostos terão caráter pessoal e serão graduados segundo a capacidade econômica do contribuinte”. Tal regra, demonstra uma preferência pelo modelo de igualdade individual, concebido como aquele que leva em consideração as particularidades do caso concreto na graduação da tributação. Em matéria de Imposto sobre Renda, inclusive, a doutrina afirma que se trata de imposto pessoal por excelência. Dessarte, a tributação de forma padronizada apenas será cabível se não houver outro meio para o legislador aplicar a legislação de forma igualitária. E, no caso do Imposto sobre a Renda, como visto, a ausência de utilização de tal recurso impediria a correta aplicação da legislação.

Por sua vez, a generalidade exige que na elaboração do padrão legal, o legislador tome como referência a média dos casos possíveis; ou seja, não deve elaborar a regra com vistas ao que extraordinariamente acontece. Os casos atípicos não devem ser veiculados por meio de uma regra. Apenas o que normalmente ocorre é que deve figurar no antecedente das regras de dedutibilidade. Isso porque as regras são feitas para a maioria. Só assim se garantirá que a maior parte dos acontecimentos receberá tratamento igualitário. Caso contrário, tratar-se-ia igualmente situações discrepantes, vulnerando o princípio constitucional da isonomia (ÁVILA, 2015, p. 99). Justamente por conta do requisito da generalidade é que se costuma dizer que a desigualdade que porventura possa vir a ser verificada em um determinado caso deve ser acidental; não pode ser uma decorrência direta da aplicação do padrão.

Correlato ao requisito da generalidade, está a exigência da compatibilidade. Com efeito, Humberto Ávila (2015), em sua teoria da igualdade tributária, estabelece que toda padronização implica a desconsideração de diferenças que poderiam levar a soluções dispares caso fossem consideradas. Assim, as regras que veiculam padrões passam a ter um dever de vinculação anterior à sua edição, porquanto se exige que sejam editadas com vistas àquilo que ordinariamente acontece; devem refletir a média dos casos possíveis. Além disso, a isonomia impõe um dever de vinculação posterior, o que exige que a padronização continue se reputando consistente; ou seja, que as discrepâncias entre o que restou estabelecido e a realidade subjacente continuem sendo acidentais. Caso contrário, haverá espaço para que se questione a validade do padrão (ÁVILA, 2015, p. 94). Daí se dizer que a padronização deverá guardar compatibilidade com o que normalmente ocorre.

Nesse sentido, Bruno Fulginiti (2017, p. 189), ao diferenciar a generalidade da compatibilidade, esclarece que a primeira “consiste no dever de selecionar e suprimir propriedades presentes na maioria dos casos para a formação do padrão legal” enquanto a “compatibilidade exige que o processo de seleção e supressão dessas propriedades sejam realizados com base em dados concretos colhidos diretamente dos casos que se pretende disciplinar”. É exatamente por isso que o mesmo autor afirma, ao analisar as regras que disciplinam as dedutibilidades de despesas com instrução do contribuinte e seus dependentes, veiculadas pelo artigo 8º, II, b, da Lei n. 9250/95, que tais regras seriam inconstitucionais, por não refletirem aquilo que normalmente acontece, gerando desigualdade em sua aplicação. Além disso, constata-se que, no que tange às despesas com educação, há, em verdade afronta à própria finalidade da padronização utilizada. Com efeito, a finalidade de tais regras é justamente permitir que se verifique com maior segurança e existência ou não de capacidade contributiva. Significa dizer que a superação dos limites quantitativos deveria, em verdade, revelar capacidade de contribuir com os gastos públicos, sem que o contribuinte se visse privado de poder satisfazer as suas necessidades com educação e de seus dependentes. Ocorre que sabidamente o montante fixado não reflete os gastos médios realizados pela população em geral com educação.

A neutralidade é uma exigência de que a lei tributária que veicula o padrão não atinja de modo injustificado a esfera de liberdade dos contribuintes. Vale dizer que, por meio da tributação padronizada, não se tolera que contribuintes possam ter sua situação agravada unicamente em razão de suas escolhas pessoais. Tal conclusão é facilmente extraída quando se analisa de forma atenta os elementos que compõem o princípio da isonomia e a relação que se deve estabelecer entre eles. Com efeito, se a finalidade da tributação por meio de padrões é justamente atender à igualdade, e, em matéria de impostos, o fator de discriminação eleito é a capacidade contributiva, não há razão para que contribuintes sejam taxados de forma mais gravosa em razão de suas escolhas pessoais

Por fim, há dois outros critérios que devem ser observados para fins de aferição da constitucionalidade do padrão editado pelo legislador e que guardam íntima relação entre si. São a não excessividade e a ajustabilidade. Exigir que a tributação padronizada não se dê de forma excessiva significa que não se reputa possível restringir o núcleo essencial dos direitos fundamentais que se visa a resguardar (ÁVILA, 2015, p. 108). Vale dizer: a regra de dedutibilidade não pode ser veiculada de tal forma e com a imposição de um determinado limite quantitativo ou qualitativo que impeça o contribuinte de satisfazer suas necessidades básicas. Nesse sentido, uma regra que impedisse a dedução de determinados medicamentos, poderia ser considerada inconstitucional, porquanto estaria privando um contribuinte de adquirir bens indispensáveis à sua saúde. Ocorre que, por vezes, a regra, por si só, não se reputa inválida, pois preenche todos os demais requisitos acima elencados. Contudo, ao ser aplicada pode vir a gerar uma situação de restrição, contrariando a finalidade do padrão, que, repita-se, no caso do IRPF, se destina a identificar capacidade contributiva, violando a isonomia justamente por tratar da mesma forma um contribuinte que se encontra em situação diferente dos demais. Nessas hipóteses, é que se diz que a regra deve possuir ajustabilidade.

No que tange à ajustabilidade, em verdade, não se trata necessariamente de um requisito para a aferição da validade do padrão. Trata-se de uma cláusula de equidade imposta pela preferência ao modelo de igualdade particularista, o que exige que em determinadas situações, certas características não previstas na lei, possam conduzir à sua inaplicabilidade, pois, caso contrário, sua aplicação conduziria a efeito colidente coma sua finalidade ou com algum princípio que orientasse em sentido diverso.

Em matéria de dedutibilidades, o recurso a cláusulas de equidade, impostas pela exigência de ajustabilidade, que decorre do princípio constitucional da isonomia, serve justamente para evitar que a regra, que visa a identificar gastos que revelem capacidade contributiva, possa ir contra a sua própria finalidade tributando parcela do patrimônio que nitidamente seria destinada à satisfação de direitos fundamentais. Seria o caso do exemplo citado por Humberto Ávila (2015, p. 111), referente à situação de um pai que possua um filho com graves problemas de concentração e aprendizagem. Em hipóteses como essa, os gastos poderiam superar em muito o limite quantitativo estabelecido pela lei. E mais: poderia ser que houvesse necessidade de que se recorresse a aulas particulares. Impedir as deduções relativas a esses gastos, equivaleria a tributar valores que nitidamente não manifestam capacidade contributiva. Nesses casos, a ajustabilidade deve ser vista como forma de correção da distorção que seria causada pela aplicação do padrão, acarretando, dessarte, sua inaplicabilidade.

Tais considerações, visam demonstrar que o legislador não é livre para utilizar e editar regras referentes a dedutibilidades, veiculando padrões na forma como bem lhe aprouver. Ao contrário, o princípio constitucional da isonomia em matéria tributária exige que todos os condicionantes analisados estejam satisfeitos para que se possa reputar a padronização constitucional. Assim, não cabe ao Poder Judiciário deixar de atuar quando instado a se manifestar, sob a justificativa que estaria atuando como legislador positivo, caso derrubasse o padrão eleito pelo legislador. Ao assim proceder, torna destituído de eficácia normativa o princípio constitucional da isonomia e passa a permitir que contribuintes sejam tratados de forma idêntica, ainda que em situações distintas. E, caso assim não fosse, é sabido que o Supremo Tribunal Federal, em diversas oportunidades recorre ao postulado da razoabilidade para a análise dos casos que lhe são submetidos a julgamento. Não há razão, portanto, para que proceda do mesmo modo ao analisar aplicação de regras referentes às dedutibilidades. Antes, porém, de analisar criticamente a forma de atuação da Suprema Corte no que tange às deduções do Imposto sobre a Renda, reputa-se imprescindível algumas breves considerações acerca do postulado da razoabilidade.

4.3 A RAZOABILIDADE COMO FORMA DE GARANTIA DA ISONOMIA NA PERSPECTIVA INDIVIDUAL

Ao analisar o ordenamento jurídico, observa-se que é composto por uma série de normas, as quais podem ser diferenciadas em regras, princípios e postulados. A concepção que se adota acerca do tema, nesse trabalho, diz respeito àquela proposta por Humberto Ávila (2015) em sua Teoria dos Princípios. Com efeito, as regras seriam espécies normativas que teriam o condão de indicar o meio que deverá ser utilizado para que se atinja uma determinada finalidade. Por meio delas, o legislador identifica um determinado conflito ou vislumbra uma dada finalidade que entende como adequada de ser alcançada e define a conduta, portanto o meio, que deverá ser adotado para sua consecução. As regras, assim, dirigem de maneira imediata o comportamento que deverá ser adotado. Diz-se, portanto, que possuem eficácia definitória direta, já que basta a sua análise para que se consiga concluir qual a conduta obrigatória, permitida ou proibida.

Por sua vez, os princípios também são normas jurídicas. Contudo, ao contrário das regras, caracterizam-se por estabelecerem um estado ideal de coisas que deve ser alcançado. Não estabelecem a conduta que deverá ser adotada, deixando de indicar os meios necessários para que sejam alcançados os fins por eles estabelecidos. Há uma necessidade de análise de correlação entre a conduta adotada e o estado ideal fixado pelos princípios, de modo que os comportamentos adotados devem ser aptos a reforçar o estado imposto pelos princípios.

Os postulados, por sua vez, podem ser vistos como metanormas ou normas de segundo grau. Ao contrário das regras e dos princípios que estabelecem, ainda que de forma indireta, condutas a serem adotadas, os postulados disciplinam a interpretação e aplicação das regras e princípios. Por essa razão, costuma-se afirmar que são normas metódicas, na medida em que disciplinam o método de aplicação de outras normas. Dentre os postulados encontrados em nosso ordenamento jurídico, importa analisar a chamada razoabilidade.

Antes, porém, de iniciar sua análise, faz-se necessário advertir que não há consenso na doutrina acerca de sua equivalência ou não com a chamada proporcionalidade. Com efeito, observa-se, por exemplo, que Regina Helena Costa entende a razoabilidade como sinônimo de proporcionalidade (2007, p. 128), no que é acompanhada por Gilmar Ferreira Mendes, Inocêncio Mártires Coelho e Paulo Gustavo Gonet Branco (MENDES, 2008, p. 120). Para fins do presente estudo, adota-se o posicionamento daqueles que diferem o seu conteúdo, como faz Humberto Ávila (2010, p. 161).

Assim, entende-se a razoabilidade como sendo um postulado que orienta a aplicação e a interpretação das normas jurídicas, pouco importando se regras ou princípios. Há ao menos, três acepções que permitem que seja compreendida: pode ser entendida como sinônimo de equidade, congruência ou equivalência. Em razão do objeto de estudo eleito no trabalho que ora se apresenta, concentrar-se-á no estudo da primeira acepção, isto é, da razoabilidade como equidade.

Tomada nesse viés, o postulado em análise determina que a norma geral deverá ser harmonizada com o caso concreto. Dessa imposição, podem ser extraídas, ao menos, duas consequências: uma orientação acerca da interpretação dos fatos subjacentes e uma diretriz acerca da aplicação da norma geral ao caso. A razoabilidade impõe que o intérprete no momento em que vai aplicar o padrão legal ao caso concreto, presuma que os fatos aconteceram de acordo com aquilo que normalmente ocorre. Equivale a dizer, em outros termos, que o extraordinário deve ser comprovado, jamais presumido pelo aplicador da norma. Contudo, uma vez demonstrada a extraordinariedade da situação, deverá ser analisada se a generalização legal é adequada àquele caso de que se está diante. Essa análise de adequação envolverá a necessidade de que se vislumbre qual a razão pela qual a norma foi introduzida no ordenamento, ou seja, qual a sua finalidade. Havendo circunstância excepcional que difira sobremaneira o caso concreto da situação padrão elencada pelo legislador, de modo que a aplicação da norma poderá acarretar colidência com a razão de sua instituição ou com um estado ideal de coisas imposto por um determinado princípio constitucional, deverá o intérprete afastar a sua aplicação (ÁVILA, 2010, p. 154).

Como se percebe, o postulado da razoabilidade guarda íntima relação com a aplicação das normas referentes às dedutibilidades. Foi dito que as regras de dedutibilidade nada mais são do que padrões legais com a finalidade de uniformizar a aplicação da lei tributária, permitindo sua aplicação igualitária. Todavia, pode ocorrer que, em determinados casos, a padronização veiculada pela lei desconsidere determinadas características existentes em um dado caso concreto que possa, caso aplicada, violar a finalidade que motivou a sua instituição. Sabe-se que em matéria de IRPF as regras de dedutibilidade visam a identificar manifestações de capacidade contributiva. A partir do momento que se veiculam limites quantitativos e qualitativos, parte-se do pressuposto, segundo o que ordinariamente ocorre, que determinadas despesas efetuadas revelam capacidade de contribuir para as despesas públicas sem prejuízo da satisfação dos direitos fundamentais do contribuinte e sua família. Tais considerações demonstram que havendo uma situação extraordinária, devidamente comprovada, poderá ser afastada a limitação prevista na regra de dedutibilidade, quando verificada que sua aplicação, em razão da particularidade observada, irá de encontro à finalidade da regra. Como exemplo, cite-se novamente o caso de um pai que possua um filho com graves problemas de atenção. Trata-se de uma situação excepcional, passível, ademais, de ser comprovada pela juntada de laudos médicos, por exemplo. Nesse caso, parece que tal contribuinte terá gastos que ultrapassam em muito o limite previsto na legislação com despesas de educação. Aplicar a norma tal qual veiculada pelo legislador acarretará, em última análise, tributação de valores que seriam revertidos para a satisfação de um direito fundamental. Nessas situações, a razoabilidade emerge, determinando o afastamento da regra e permitindo a dedução dos gastos acima do patamar legalmente estabelecido.

À essa forma de aplicação da razoabilidade, ÁVILA (2010) chama de equidade. Haverá, portanto, a correção da generalização causada pelo padrão, adequando-se a norma às ideias de justiça reclamados pelo caso concreto. Observe-se, inclusive, que o postulado da razoabilidade encontra amparo constitucional. É cediço que a Constituição, em seu artigo 3º, estabelece que dentre os objetivos da República Federativa do Brasil está a construção de uma sociedade justa. Daí deflui, conforme leciona Hugo de Brito Machado (2019, p. 7), o postulado ora em análise, irradiando efeitos na interpretação e aplicação de todas as normas do ordenamento jurídico.

4.4 A ATUAÇÃO DO PODER JUDICIÁRIO NO CONTROLE DAS NORMAS DE DEDUTIBILIDADE NO IMPOSTO SOBRE A RENDA DA PESSOA FÍSICA

Conforme explanado no início da presente seção, o Supremo Tribunal Federal tem rechaçado a possibilidade de controle judicial em sede de matéria de dedutibilidades. Tem entendido que o Poder Judiciário não poderia atuar como legislador positivo, concedendo isenções onde a lei não prevê. Em sua visão, as dedutibilidades seriam verdadeiras isenções, de modo que os artigos 108, §2º e 111, ambos do CTN, impediriam a derrubada de regras de dedutibilidades. Em matéria relacionada a despesas com instrução do contribuinte e seus dependentes, inúmeros são os casos que chegam às cortes do país.

No âmbito do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por exemplo, constata-se uma série de julgados que analisaram essa matéria. Todavia, por conta da orientação que tem se firmado em ambas as turmas do Supremo Tribunal Federal, a conclusão tem sem sido no sentido de impossibilitar a superação dos limites de dedução veiculados pela Lei, ainda que inadequados à realidade que se observa atualmente. A título de exemplo, pode-se observar os seguintes acórdãos:

DIREITO CONSTITUCIONAL. TRIBUTÁRIO. IMPOSTO DE RENDA. PESSOA FÍSICA. LIMITES À DEDUÇÃO DE DESPESAS COM EDUCAÇÃO. ART. 8º, II, B, DA LEI 9.250/1995. INCONSTITUCIONALIDADE AFASTADA PELA SUPREMA CORTE.

      1. Embora acolhida arguição de inconstitucionalidade da limitação imposta à dedução integral de despesas com educação na apuração do IRPF (ArgInc 0005067-86.2002.4.03.6100 (Rel. Des. Fed. MAIRAN MAIA, e-DJF3 de 11/05/2012), encontra-se superada a vinculação dos órgãos da Corte ao precedente, vez que a Suprema Corte decidiu em sentido contrário.
      2. Assentou a Suprema Corte, no exame da controvérsia constitucional, o entendimento de que não cabe ao Poder Judiciário ampliar limites estabelecidos em lei para dedução, na base de cálculo do imposto de renda da pessoa física, de gastos com educação, por não lhe competir estabelecer isenções tributárias, redução de impostos ou deduções não previstas em lei, ante a impossibilidade de atuar como legislador positivo.
      3. Revertida a sucumbência originária, mantido o montante fixado na origem.
      4. Apelo provido.

(TRF 3ª Região, 3ª Turma,ApCiv – APELAÇÃO CÍVEL, 5006592-90.2017.4.03.6100, Rel. Desembargador Federal LUIS CARLOS HIROKI MUTA, julgado em 26/09/2020, Intimação via sistema DATA: 01/10/2020)

TRIBUTÁRIO. IMPOSTO DE RENDA PESSOA FÍSICA. DESPESAS COM INSTRUÇÃO. DEDUÇÃO. LIMITE. ARTIGO 8º, INCISO II, ALÍNEA “b” DA LEI Nº 9.250/95. SEPARAÇÃO DOS PODERES. APELAÇÃO E REMESSA OFICIAL PROVIDAS.

      1. A dedução fiscal é concedida pelo poder tributante como um favor fiscal e, assim sendo, essa dedução deve estar expressamente prevista em lei, o que garante a efetiva concretização da ordem constitucional vigente.
      2. Não cabe ao Poder Judiciário alterar o limite legal de dedução das despesas com instrução na apuração da base de cálculo do IRPF, sob pena de substituir-se ao Legislador. Precedentes do E. STF.
      3. Em que pese o entendimento do Órgão Especial desta Corte, o qual reconheceu a possibilidade de dedução no Imposto de Renda das despesas com educação, é certo que a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal é no sentido de que não compete ao Poder Judiciário instituir isenções tributárias, redução de impostos ou deduções não previstas em lei, ante a impossibilidade de atuar como legislador positivo.
      4. Apelação e remessa oficial providas. (TRF 3ª Região, 4ª Turma, ApelRemNec – APELAÇÃO / REMESSA NECESSÁRIA, 0010814-31.2013.4.03.6100, Rel. Desembargadora Federal MARLI MARQUES FERREIRA, julgado em 22/04/2020, e – DJF3 Judicial 1 DATA: 28/04/2020)

Observa-se, das ementas dos julgados acima citados, que o posicionamento das turmas do Supremo Tribunal Federal tem influenciado sobremaneira no resultado dos julgamentos que são levados ao Poder Judiciário. Acarreta, inclusive, superação do precedente que havia sido formado no âmbito do E. Tribunal Regional Federal da 3ª Região, em seu órgão especial, quando do julgamento da Arguição de Inconstitucionalidade n. 0005067-86.2002.4.03.6100/SP, de relatoria do Desembargador Mairan Maia, no sentido de ser inconstitucional a fixação de limites com educação. Com a devida vênia, entende-se que o posicionamento que vem sendo adotado pelo Supremo Tribunal Federal parte de premissas equivocadas, e não atende aos princípios constitucionais tributários. Todavia, também não se compartilha do entendimento já manifestado pelo E. Tribunal Regional Federal da 3ª Região quando do julgamento da Arguição de Inconstitucionalidade n. 0005067-86.2002.4.03.6100/SP.

Com efeito, não se concebe a impossibilidade de fixação de limites quantitativos para as deduções de despesas para fins de apuração da base de cálculo do IRPF. Como visto ao longo do presente estudo, parte-se da premissa de que as regras de dedutibilidades são imposições de um ideal de praticabilidade tributária, sem o qual a própria isonomia estaria comprometida. Foi visto que o IRPF exige sua aplicação em massa, em um país de dimensões continentais. Exigir que o fisco analisasse caso a caso, a fim de verificar se, naquela situação específica, o montante gasto revelaria capacidade contributiva, importaria impedir a correta fiscalização e aplicação da lei tributária de modo eficiente e isonômico por uma impossibilidade fática para tanto. Ademais, não se pode olvidar que mesmo dispêndios com direitos fundamentais podem revelar capacidade contributiva. Ao que parece, o cidadão que custeie os estudos de seus filhos em universidades situadas no exterior, dispendendo enormes quantias de dinheiro, revela capacidade contributiva, ainda que sejam despesas relacionadas à instrução. Caso contrário, o IRPF correria o risco de se tornar regressivo em vez de progressivo, conforme determina o artigo 153, §2º, III, da Constituição Federal. Por essa razão não se concorda com o entendimento manifestado na Arguição de Inconstitucionalidade em análise no sentido de ser inconstitucional a estipulação de limites quantitativos com despesas relacionadas à educação do contribuinte ou seus dependentes.

Contudo, isso não significa que os padrões veiculados pelo legislador não sejam sindicáveis pelo Poder Judiciário. Ao contrário, o Poder Judiciário deve zelar pela Constituição e pela efetividade dos direitos fundamentais, dentre eles o princípio da isonomia. Viu-se que as regras de dedutibilidade se prestam a atender à igualdade de uma forma generalista. Devem voltar-se à realidade social e, com base naquilo que normalmente acontece, fixar despesas que são relacionadas com a satisfação do núcleo essencial dos direitos fundamentais, bem como estabelecer os limites além dos quais tais gastos passam a revelar capacidade contributiva e, portanto, autorizam a tributação. Ocorre que impedir a análise da adequação e constitucionalidade do padrão editado pelo Poder Legislativo significa destituir de eficácia normativa a Constituição Federal. E mais: corre-se o risco de permitir que a União defina sua própria competência. Tal questão não foi objeto de análise nos julgamentos proferidos acerca da matéria. Partiu a Suprema Corte da premissa de que dedutibilidades são isenções ou benefícios fiscais, quando, em verdade, não guardam nenhuma correspondência com tais institutos.

As isenções decorrem de lei. Nesse ponto, não há qualquer reparo na fundamentação que se observa nos julgamentos do Supremo Tribunal Federal acerca da matéria. Inclusive, a esse respeito, a Constituição Federal é expressa ao disciplinar, nesse sentido, em seu artigo 150, § 6º. No entanto, dedutibilidades nada têm a ver com isenções. Se for para equipará-las a alguma forma de desoneração tributária, o correto, tecnicamente falando, seria que se falasse em imunidades ontológicas. Ora, as isenções nada mais são, na concepção de Paulo de Barros Carvalho (2010), que verdadeiras normas de estrutura que investem contra a regra matriz de incidência tributária, mutilando um de seus critérios e, com isso, impedindo o nascimento da obrigação tributária, por tolher a incidência da própria norma tributária (CARVALHO, 2010). As imunidades, por sua vez, podem ser definidas, nos dizeres de Regina Helena Costa (2015), como:

a exoneração, fixada constitucionalmente, traduzida em norma expressa impeditiva da atribuição de competência tributária ou extraível, necessariamente, de um ou mais princípios constitucionais, que confere direito público subjetivo a certas pessoas, nos termos por ela delimitados, de não se sujeitarem a tributação (COSTA, 2015, p. 58).

Pode-se dizer que a norma imunizante atua na fixação da própria competência, tolhendo o ente federado de tributar determinadas pessoas e situações, ao passo que a norma de isenção é fruto do exercício da competência (SCHOUERI, 2019, p. 245). Assim é que só pode isentar, aquele que tem competência para tributar. Ora, se o conceito constitucional de renda, tal como delineado no início do presente estudo, engloba apenas acréscimos patrimoniais, os quais exigem as deduções dos fatores negativos, consistentes em gastos com a aquisição da renda ou manutenção da fonte produtora, em razão do que dispõe o princípio da universalidade, só há uma conclusão a se chegar: em verdade, inexiste competência tributária para se tributar gastos que não revelam capacidade contributiva. Despesas relacionadas à satisfação de direitos fundamentais servem para manter a fonte produtora da renda, que no caso do IRPF, é a pessoa física que a aufere. Não se trata, portanto, de conceder isenção; trata-se, em verdade, de reconhecer apenas que a União não tem competência tributária para tributar tais valores. O exercício da tributação nessas situações é inconstitucional, por extrapolar as regras de competência fixadas.

Não se pode perder de vista que o atual entendimento da Suprema Corte acaba por tolher qualquer eficácia normativa do direito fundamental à igualdade previsto na Constituição Federal em inúmeros dispositivos. Como visto, as limitações quantitativas e qualitativas previstas nas regras de dedutibilidades fixam padrões, valendo para a média geral dos casos. Evidentemente, pode ocorrer de que, em determinadas ocasiões, haja alguma discrepância entre o que foi previsto e o caso concreto, de modo que a aplicação da regra tal qual prevista vai de encontro à própria razão pela qual foi instituída. Insista-se: normas de dedutibilidade visam a captar manifestações de capacidade contributiva. Apenas estabelecem, após uma ponderação em um momento pré-jurídico, a partir de qual momento um determinado gasto revela aptidão para contribuir com os gastos públicos sem o comprometimento da satisfação de suas necessidades essenciais. Todavia, conforme já analisado, ao se constatar que, no caso concreto, a regra, ao ser aplicada, contraria a razão pela qual foi instituída, o postulado da razoabilidade, bem como o princípio da isonomia, ao estabelecer a necessidade de ajustabilidade do padrão, impõem a inaplicabilidade da norma. Obviamente que a situação extraordinária deverá ser objeto de comprovação.

Por fim, não se pode olvidar que pende de julgamento a ADIN 4927, em que se questiona a constitucionalidade dos limites quantitativos atuais do Imposto sobre a Renda da Pessoa Física, para fins de dedução de despesas com instrução. Imagina-se que, em razão do entendimento que vem sendo reiterado pelo Supremo Tribunal Federal, adotar-se-á, por ocasião de seu julgamento, novamente a tese do legislador negativo. Ocorre que, como visto, ao se derrubar um limite quantitativo que não reflete montante condizente com a manifestação de capacidade contributiva, não se está concedendo isenção.

Não se pode olvidar, ainda, os requisitos impostos pelo princípio constitucional da isonomia, que exige compatibilidade entre o padrão eleito e a realidade social subjacente. Nos dias de hoje, parece que uma limitação de gastos com educação no patamar de R$ 3.651,50 (três mil, seiscentos e cinquenta e um reais e cinquenta centavos), não mais se coaduna com a realidade social e econômica da qual se está diante. Até em razão de uma questão de coerência, imposta, inclusive, pelo novo Código de Processo Civil, em seu artigo 926, não há óbice algum para que a Suprema Corte estabeleça a possibilidade de superação de tal valor, tal como fez quando da análise do requisito estabelecido pela Lei 8.742/93, em seu artigo 20, §3º, que prevê ser considerado como incapaz de prover o seu sustento, para fins de recebimento de benefício de prestação continuada, aquele que esteja inserido em unidade familiar que aufira renda per capita inferior a ¼ (um quarto) do salário mínimo. Por ocasião do julgamento do Recurso Extraordinário n. 567.985, a Suprema Corte entendeu que o parâmetro estabelecido no referido dispositivo havia passado por um processo de inconstitucionalização, porquanto a realidade socioeconômica do país havia se alterado. Logo, o Supremo Tribunal Federal já reconheceu que, em determinadas situações, padrões veiculados pelo Poder Legislativo não mais refletem aquilo que normalmente ocorre. O caso citado é paradigmático. Apesar de não fazer referência expressa à isonomia e dispor acerca do dever de compatibilidade por ela imposto, pode-se concluir que, em última análise, há precedentes do Supremo Tribunal Federal que reconhecem esse dever. Tanto é assim que no caso do benefício de prestação continuada, houve a superação do padrão fixado em razão de não mais se compatibilizar com a realidade vivenciada. Como se vê, raciocínio idêntico poderia ser aplicado no caso do Imposto sobre a Renda. Contudo, enquanto não for revisto o entendimento que atribui às dedutibilidades natureza de benefícios fiscais e isenções, não se acredita que o mesmo raciocínio seja aplicado na ADIN 4927.

Por tais razões, entende-se que o enfoque dado pelo Poder Judiciário acerca das regras de dedutibilidade não se coaduna com os princípios constitucionais tributários. Ao contrário, acaba por negar-lhes normatividade e permitir que a União exerça sua competência fora dos limites que lhe foram outorgados. Pior ainda, faz-se letra morta do princípio da igualdade em matéria tributária, bem como se nega a eficácia adequada à capacidade contributiva.

5. CONCLUSÃO

No presente estudo, procurou-se analisar se o entendimento do Supremo Tribunal Federal – STF de que regras de dedutibilidade da base de cálculo do imposto sobre a renda da pessoa física devem ser estabelecidas pelo Poder Legislativo e aplicadas literalmente pelo Poder Judiciário, sob o fundamento de que este não poderia atuar como legislador positivo, se coaduna com os princípios constitucionais que regem a tributação da renda. E a resposta foi negativa.

Com efeito, cabe ressaltar que a Constituição Federal veicula normas de competência tributária em matéria de impostos, mediante a indicação de materialidades, ao fixar conceitos constitucionais. Logo, há uma ideia pressuposta por traz de cada signo utilizado para tal finalidade. Há, portanto, a indicação de características necessárias e suficientes para que se possa dizer que se está diante da realidade a que cada dispositivo atributivo de competência faz referência. Não é diferente com relação ao conceito de renda.

Com efeito, observou-se que a Constituição de 1988, não redefine o que seria renda, todavia, indica, por meio dos princípios por ela encampados, no artigo 153, §2º, I, qual seria o conceito constitucional de renda adotado. Para tanto, viu-se que o princípio da universalidade goza de significativa importância, pois impõe que sejam levados em consideração na configuração da renda tributável todos os fatores positivos e negativos, o que pressupõe a necessidade de um período de apuração da renda, bem como indica que as despesas necessárias para a sua obtenção e manutenção da fonte produtora são imprescindíveis na configuração do que se entende por renda tributável. A partir daí, ainda é possível extrair outro princípio constitucional que é o princípio da renda líquida, o qual estabelece que todas as despesas incorridas para permitir a aquisição do acréscimo patrimonial e a manutenção da fonte produtora deverão ser objeto de abatimento da base de cálculo do tributo. Duas implicações são extraídas de tais princípios: a primeira é no sentido de que só há renda quando efetivamente se observa um acréscimo patrimonial e a segunda é a que estabelece que as deduções são decorrência do conceito constitucional de renda, integrando, portanto, elemento relevante na sua quantificação. Carece, portanto, o legislador de ampla liberdade na sua configuração.

Demonstrou-se, ainda, que por razões de praticabilidade, a qual deve servir ao princípio constitucional da isonomia, não haveria como se exigir que o Administrador analisasse cada caso, de cada contribuinte, individualmente considerado, na aferição de quais despesas e em que montante revelariam capacidade contributiva. Exigência dessa magnitude geraria insegurança jurídica, além de forte risco à igualdade imposta na Constituição Federal, na medida em que parcela bastante restrita da população estaria submetida de forma efetiva à fiscalização, ampliando-se, inclusive, o risco de evasão fiscal. Por tais razões, considerou-se que as regras de dedutibilidade são exigências do princípio constitucional da isonomia e da segurança jurídica. São veiculadas com a finalidade de conferir racionalidade ao sistema e permitir que situações que se enquadrem dentro da normalidade sejam tratadas da mesma maneira. Afinal, o normal é aquilo que comumente se repete, de modo que a aplicação de um padrão acaba por abarcar a maior parte das situações existentes. Isso não retira, contudo, a possibilidade de o Poder Judiciário controlar a efetiva aplicação de tais regras. Desse modo, constatada a hipótese que possua característica peculiar que lhe diferencie do que normalmente ocorre, o princípio constitucional da isonomia exige o afastamento da regra, tendo em vista a preferência dada pela Constituição Federal pelo modelo particularista de igualdade. Do mesmo modo, a isonomia permite que o Poder Judiciário, responsável pela efetividade dos direitos fundamentais, controle a validade do padrão eleito quando ele deixa de refletir aquilo que normalmente acontece. Isso porque, nessas hipóteses, o padrão passa a refletir não mais o que comumente ocorre, mas sim situações atípicas, perdendo, portanto, sua finalidade e gerando desigualdade quando da sua aplicação.

Diante de tais considerações, constatou-se que a atuação do Poder Judiciário no enfrentamento do tema, tem partido de premissas equivocadas, e não obedece aos preceitos constitucionais do Direito brasileiro, porquanto entende que a superação de uma regra de dedutibilidade importa em atuação como legislador positivo, bem como em concessão de isenções ou benefícios fiscais. Ora, sendo as dedutibilidades uma decorrência do conceito constitucional de renda, bem como devendo servir à igualdade, não há que se falar em concessão de isenções ou benefícios fiscais. No caso, o que há é inexistência de poder para que a União tribute situações que não configuram renda. Neste sentido, a atuação do judiciário tem tolhido a eficácia dos princípios constitucionais que regem a tributação da renda no Direito brasileiro, ao ampliar a base de cálculo de incidência do IRPF, para além de seus limites constitucionais e ignorar o que dispõe o princípio da universalidade. Assim, uma reflexão e reanálise do tema pelo Supremo Tribunal Federal reputa-se imprescindível, a fim de que se devolva a força normativa aos dispositivos constitucionais que limitam o poder de tributar e se coadune com o sistema constitucional tributário do Estado brasileiro.

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[1] Mestrando em Direito no núcleo de pesquisa em Direito Constitucional e Processual Tributário da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. Bacharel em Direito pela Unicuritiba. ORCID: 0000-0003-4253-6420

[2] Mestrando em Direito no núcleo de pesquisa em Direito Constitucional e Processual Tributário da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, Especialista em Direito Fiscal pela PUC-Rio e Bacharel em Direito e Ciências Contábeis pela UNESA. ORCID: 0000-0003-1604-2021

APÊNDICE – REFERÊNCIA NOTA DE RODAPÉ

3. TRF 3ª Região, 3ª Turma, ApelRemNec – APELAÇÃO / REMESSA NECESSÁRIA – 5000297-32.2020.4.03.6100, Rel. Desembargador Federal ANTONIO CARLOS CEDENHO, julgado em 04/09/2020

Enviado: Outubro, 2021.

Aprovado: Janeiro, 2022.

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Alex Rodolfo Jacot Anechinno

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