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A violação positiva do contrato de seguro no âmbito da regulação de sinistro

RC: 148338
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DOI: 10.32749/nucleodoconhecimento.com.br/lei/violacao-positiva-do-contrato

CONTEÚDO

ARTIGO ORIGINAL

ADÃES, Matheus de Mello [1]

ADÃES, Matheus de Mello. A violação positiva do contrato de seguro no âmbito da regulação de sinistro. Revista Científica Multidisciplinar Núcleo do Conhecimento. Ano. 08, Ed. 09, Vol. 01, pp. 146-168. Setembro de 2023. ISSN: 2448-0959, Link de acesso: https://www.nucleodoconhecimento.com.br/lei/violacao-positiva-do-contrato, DOI: 10.32749/nucleodoconhecimento.com.br/lei/violacao-positiva-do-contrato

RESUMO

A concepção da obrigação como processo enseja o reconhecimento de que os contraentes devem cooperar entre si para o adimplemento satisfatório. O vínculo obrigacional é permeado pela boa-fé que, em sua função jurígena, possui o condão de criar deveres aos contraentes. No contrato de seguro, a situação não destoa. Antes o oposto: trata-se de contrato marcado pela necessidade de observância da estrita boa-fé em todas as suas fases, com expressa determinação legal nesse sentido. Ocorre que, em que pese a falta de boa-fé ser expressamente sancionada em determinadas etapas contratuais, o Código Civil não alude a eventuais condutas carentes de boa-fé em sede de regulação de sinistro. Há, portanto, uma aparente lacuna quanto à possibilidade de resolução do contrato de seguro por inadimplemento em sede de regulação de sinistro, diante da ausência de boa-fé de um dos contratantes. Para enfrentar esse problema, o artigo objetiva se debruçar sobre as nuances do contrato de seguro e da complexidade da relação obrigacional, bem assim aferir a boa-fé como dever lateral e suas funções. Ao final, concluir-se-á que o descumprimento do dever de observar a boa-fé estrita também em fase de regulação de sinistro enseja inadimplemento contratual, por meio da violação positiva do contrato, facultando-se a resolução da avença e a indenização da parte prejudicada.

Palavras-chave: Obrigação complexa, Contrato de seguro, Boa-fé, Violação positiva e Regulação de sinistro.

1. INTRODUÇÃO

Não são raras as controvérsias envolvendo contratos de Seguro nos tribunais pátrios. Para ilustrar tal assertiva, pesquisa conduzida até maio de 2023 pelo Conselho Nacional de Justiça sinaliza a existência de 6.656.469 processos pendentes nos Tribunais Pátrios envolvendo, no polo passivo da demanda, empresas de “Atividades Financeiras, de Seguros e Serviços Relacionados”, ocupando tal segmento o segundo lugar dentre os maiores litigantes; já no polo ativo, o mesmo segmento ocupa o terceiro lugar, com a pendência de 3.441.016 processos[2].

O número de demandas decorre não só das nuances técnicas do contrato de seguro – o que pode ser retratado pelos termos pouco acessíveis empregados no negócio –, mas também pelas características de sua comercialização, que geram discussões de ordem prática e jurídica, demandando, em alguns casos, intervenção judicial a fim de pacificar as possíveis controvérsias.

Não bastasse isso, há uma multiplicidade de interesses e de relações jurídicas que a operação securitária pode envolver, pois o segurador, apesar de ser responsável pelo seu segurado individualmente considerado, não pode descurar dos interesses coletivos de toda a carteira por ele gerida, o que desautoriza o pagamento da indenização securitária em determinados casos, dos quais emergem conflitos.

Há ainda que se considerar a possibilidade de o segurador se voltar em face do causador do dano, por força da sub-rogação legal decorrente do pagamento da indenização ao seu segurado, ou ter de realizar o pagamento a terceiro, com quem não tem vínculo jurídico, por exemplo. Multiplicadas as interações do segurador, naturalmente, crescem as chances de ocorrência de litígios.

No que tange à relação do segurador com seu próprio segurado, há ainda um elemento deveras relevante e que, a despeito de parecer simples e intuitivo ao homem médio, constitui, na prática, verdadeira celeuma nos tribunais: a aplicação da boa-fé.

Realmente, são muitos os precedentes jurisprudenciais em que é desprezado o padrão de conduta exigido do segurado ou do segurador, chancelando-se, ao final, abusos de ambas as partes.

Noutras contendas, há invocação do princípio da boa-fé por ambos os litigantes: de um lado, a título de exemplo, o segurado acusa ausência de boa-fé da seguradora que aceitou o risco, recolheu o prêmio e, quando verificado o sinistro, recusou o pagamento da indenização securitária com fundamento em declarações inexatas. De outro lado, o segurador defende que faltou boa-fé ao segurado quando da submissão da proposta e do questionário para avaliação do risco, que omitiu circunstância relevante e que, tivesse tomado conhecimento de tal circunstância, não aceitaria prosseguir com a contratação.

O Código Civil, em seu art. 766, prevê que se o segurado, por si ou por seu representante, fizer declarações inexatas ou omitir circunstâncias que possam influir na aceitação da proposta ou na taxa do prêmio, perderá o direito à garantia, além de ficar obrigado ao prêmio vencido.

Em sentido semelhante, dispõe o art. 771 do Código Civil que, sob pena de perder o direito à indenização, o segurado participará o sinistro ao segurador, logo que o saiba, e tomará as providências imediatas para minorar suas consequências.

Como se nota, há específica consequência para as condutas tidas pela própria lei como atentatórias à boa-fé, nas etapas de declaração do risco a ser transferido à seguradora e quando da ocorrência do sinistro.

Acontece que a aferição da boa-fé no caso prático, para que se legitime a recusa ao pagamento da indenização securitária, é tormentosa, dependente do caso concreto e do acervo fático-probatório lá produzido. De igual forma, também não aparenta possível uma delimitação, ex ante, de circunstâncias e atos possíveis de ser adotados pelo segurador, no intuito de protelar a liquidação do sinistro. Uma tentativa apriorística de estabelecer quais condutas adotadas pelo segurado e segurador seriam passíveis de evidenciar sua ausência de boa-fé em sede de regulação de sinistro, certamente, falharia.

Nesse sentido, o presente trabalho pretende dar um passo atrás. À míngua de disposição legal específica no Código Civil acerca da boa-fé na etapa de regulação de sinistro, ou seja, quando dos procedimentos para apuração das causas e efeitos do sinistro, a atuação de uma das partes contratantes em contrariedade à boa-fé constituiria inadimplemento contratual? É do que se passa a tratar.

2. OBRIGAÇÃO COMO PROCESSO E SUA NATUREZA COMPLEXA

A evolução da doutrina despertou novos olhares para o vínculo obrigacional, seja em relação à sua essência, seja em relação à sua dinamicidade. Por tal razão, há muito se abandonou a concepção clássica, de origem romana, no sentido de que a obrigação consistiria no dever de prestar, de um lado, e na possibilidade de exigir a prestação, de outro lado.

De acordo com Almeida Costa (1999), a orientação moderna aponta para o sentido de que obrigação possui natureza complexa, pois ao lado dos deveres de prestação – principais e secundários –, tem-se os deveres anexos, laterais, direitos potestativos, sujeições, ônus jurídicos, expectativas jurídicas etc[3].

Diante da inegável divergência terminológica entre a doutrina especializada, um parêntese deve ser aberto, apenas com o intuito de esclarecer os conceitos das expressões ora utilizadas.

Por prestações principais, entendem-se aquelas que, sejam de facere (positiva ou negativa), dare ou pati, operam o núcleo da obrigação considerada. É o caso, por exemplo, das prestações de pagar o valor e de entregar o respectivo bem num contrato de compra e venda. Consoante leciona Cordeiro (2012), às prestações principais funcionam como ponto de vista unitário, em torno das quais gravitarão as demais prestações.

As aludidas “demais prestações” são nominadas prestações secundárias, que a despeito de integrarem o vínculo obrigacional e terem seu cumprimento exigido e esperado das partes, não possuem uma relação direta de interdependência com a relação estabelecida. Sua retirada ou supressão não desnatura a relação obrigacional como tal. Seguindo-se no mesmo exemplo acima utilizado, menciona-se a disposição que atribui ao comprador ou vendedor o dever de custear os ônus tributário decorrentes da transação, sem a qual o contrato não deixará de assumir os contornos de uma compra e venda.

Acerca dos deveres anexos e laterais, opta-se por adotar a segregação conceitual bem exposta por Martins-Costa (2018), no sentido de que os primeiros (também ditos instrumentais), decorrentes da lei ou da vontade das partes – ou, ainda, da boa-fé, em caráter supletivo –, guardariam relação com os deveres de prestação, notadamente orientando como prestar; os segundos, por sua vez, decorrentes do sistema e da boa-fé, referir-se-iam a deveres de proteção, “para que, da relação obrigacional, e independentemente da realização da prestação, não resultem danos injustos para a contraparte”.

A natureza complexa da obrigação pode ser bem evidenciada pelo esquema proposto por Menezes Cordeiro (2012), segundo o qual

a obrigação tem um núcleo e um halo, subdividido em halo central e halo periférico. O núcleo é justamente formado pelo direito à prestação principal ou, melhor, pela relação complexa que envolve o direito à prestação e o correspondente dever de prestar, ambos principais. O halo central comporta deveres secundários ou instrumentais, destinados a reforçar o dever principal e que derivam da lei ou do contrato. O halo periférico abrange outros vínculos que, historicamente, se foram desenvolvendo a propósito do núcleo mas, que, estruturalmente, já com ele não têm a ver (CORDEIRO, 2012).

A obrigação, assim, pode ser definida como um emaranhado organizado de direitos e deveres de prestação, correspondentes e interrelacionados, quer atinentes ao núcleo duro da obrigação, quer relativos a prestações secundárias, deveres anexos e deveres laterais. Dimensionada tal complexidade, parece pouco provável que não se chegue à conclusão pelo caráter dinâmico da obrigação.

Como se sabe, o estabelecimento de um vínculo obrigacional pressupõe ato de vontade dos contratantes de se comprometer a determinados deveres. A rigor, tem-se no encontro de vontades o marco inicial do vínculo obrigacional. Também há que se ressaltar que o estabelecimento da obrigação se dá com vistas à vantagem que dela se pretende extrair, gerada a partir do adimplemento satisfatório da obrigação – marco esperado de seu encerramento.

Tendo a relação obrigacional, via de regra, início e fim, há inegavelmente um meio, correspondente aos atos praticados pelo credor e devedor, a partir do estabelecimento do vínculo obrigacional e com vistas ao desfazimento da avença – que, se tudo ocorrer nos conformes, será mesmo o adimplemento.

A dinamicidade e a sua polarização por um fim levam a obrigação a ser considerada como um processo[4]. Nas palavras de Couto e Silva (2006),

os atos praticados pelo devedor, assim como os realizados pelo credor, repercutem no mundo jurídico, nele ingressam e são dispostos e classificados segundo uma ordem, atendendo-se aos conceitos elaborados pela teoria do direito. Esses atos, evidentemente, tendem a um fim. E é precisamente a finalidade que determina a concepção da obrigação como processo (COUTO; SILVA, 2006).

A partir dessa noção, conclui-se que credor e devedor não mais ocupam posições antagônicas no liame obrigacional; antes o oposto, ocupam assentos conexos e complementares, que por meio de uma relação dialética, colaborativa[5], dinâmica e, sobretudo, atenta aos standards impostos pelo ordenamento jurídico, praticam atos tendentes ao adimplemento satisfatório.

3. BOA-FÉ OBJETIVA E SEUS REFLEXOS NOS DEVERES LATERAIS

O princípio da boa-fé é basilar e ínsito ao direito obrigacional. Não há como se cogitar da vinculação a determinadas prestações em benefício de outrem, sem que se presuma que a contraparte, em relação às prestações que lhe incumbem, procederá ao seu exato adimplemento, nos standards[6]comumente adotados em transações semelhantes.

Prosperasse, de antemão, a desconfiança de que a contraparte pudesse abusar de sua posição jurídica para voluntariamente deixar de adimplir, adimplir de forma defeituosa ou, ainda, adimplir em inobservância a deveres laterais, o estudo do direito obrigacional seria de todo em vão. Na melhor das hipóteses – se é que se pode assim afirmar –, as partes contratariam e, no afã de não se tornarem vítimas de abuso alheio, omitiriam informações, buscariam conduzir unilateralmente procedimentos etc.. A relação obrigacional, nesse caso, tornar-se-ia espécie de contenda velada, fadada ao insucesso, porquanto carente de cooperação e confiança a conduzir a obrigação ao seu fim. No pior dos cenários, nenhum contrato seria celebrado.

Naturalmente, a boa-fé a que ora se alude não guarda relação com o estado anímico do sujeito que contrata. Trata-se aqui de boa-fé em sua vertente objetiva, consistente na imposição de um padrão ideal de conduta social, em que as partes contratantes não apenas agem de acordo com seus interesses particulares, mas também em observância aos interesses alheios. Como bem explicita Miragem (2017), tal princípio “implica a exigência, nas relações jurídicas, do respeito e da lealdade com o outro sujeito da relação, impondo um dever de correção e fidelidade, assim como o respeito às expectativas legítimas geradas no outro”.

Leitão (2017), por sua vez, atribui ao princípio da boa-fé finalidade dúplice, notadamente a viabilização do integral aproveitamento da prestação pelo credor, analisando-se sob a perspectiva da satisfação de seus interesses, bem assim a constituição de um óbice à provocação de danos, isolados ou recíprocos, pelo cumprimento das prestações.

Ao se aprofundar sobre o tema, Miragem (2017) conclui que seriam três as funções da boa-fé: a primeira, função jurígena, diria respeito à boa-fé como fonte autônoma de deveres jurídicos; a segunda, função limitativa, consistiria na boa-fé como limite ao exercício de direitos subjetivos; e, por fim, a terceira, função hermenêutica, servindo-se de critério para interpretação e integração de negócios jurídicos. Em sentido semelhante, ainda, Martins-Costa (2018) subdivide sua obra dedicada ao tema nos capítulos: a função hermenêutica da boa-fé, a colmatação de lacunas e a criação de deveres e função corretora: a boa-fé e o exercício jurídico.

No ordenamento jurídico brasileiro, o art. 422 do Código Civil prevê que os contratantes são obrigados a guardar, assim na conclusão do contrato, como em sua execução, os princípios de probidade e boa-fé. Na lição de Martins-Costa[7] (2018), referido dispositivo consiste em cláusula geral que promove remissão a um valor, afigurando-se, ao mesmo tempo, como um princípio jurídico.

Na relação obrigacional, a boa-fé faz surgir deveres, quais sejam, os anexos aos deveres de prestação e os deveres de proteção. Para fins do presente artigo, importa analisar a boa-fé como elemento deflagrador do dever de proteção para com a contraparte e terceiros que com o contrato venham a ter alguma relação.

Por fim, apenas uma ressalva deve ser feita. No curso dos próximos tópicos, o presente artigo exporá a necessidade de observância do dever informativo a ser observado no contrato de seguro, o que aparenta se apresentar, prima facie, contraditório com o recorte feito imediatamente acima. Convém salientar, no entanto, que quando se referir ao dever de informar, estar-se-á aludindo a tal imposição como decorrência dos deveres de proteção, diante da inegável sobreposição entre os interesses em debate[8].

4. BOA-FÉ E O CONTRATO DE SEGURO.

Em matéria securitária, enquanto o Decreto-Lei nº 73 de 1966 disciplina o Sistema Nacional de Seguros Privados e a operação de seguros e resseguros no Brasil, o Código Civil de 2002 estipula normas atinentes ao contrato de seguro, seja em matéria geral, seja específica, em suas vertentes “dano” e “pessoa”.

Em seu artigo 765[9], o Código Civil de 2002 prevê a obrigatoriedade de o segurado e o segurador guardarem a mais estrita boa-fé e veracidade, tanto no objeto, quanto nas circunstâncias e declarações atinentes ao contrato de seguro. Referido dispositivo ainda ressalta que tal obrigação é aplicável à conclusão do negócio e à execução contratual.

Com exceção das etapas contratuais em que deve incidir, o aludido dispositivo encontra correspondência expressa no artigo 1.443 do Código Civil de 1916[10], que já normatizava a boa-fé no âmbito dos contratos de seguro. A opção do legislador desperta atenção.

Como já mencionado anteriormente, a incidência da boa-fé objetiva na relação obrigacional – incluindo-se nela a ideia de confiança – desenvolve uma eficácia que se inicia com os primeiros contatos negociais entre as partes, passa pelo desenvolvimento do vínculo e sua interpretação e atinge os deveres posteriores à sua conclusão, sempre tendo a ética como seu fundamento. O que seria, então, a aplicação da estrita boa-fé na conclusão e execução do contrato de seguro?

Em linhas gerais, trata-se de imposição legal de um padrão de boa-fé qualificado e maximizado – dito uberrima fidei[11] –, mais rígido que o padrão do homem médio previsto no art. 422 do Código Civil de 2002. Segundo Bevilaqua (1943),

diz-se que o seguro é um contracto de boa-fé. Aliás, todos os contractos devem ser de boa-fé. No seguro, porém, este requisito se exige com maior energia, porque é indispensável que as partes confiem nos dizeres uma da outra. Pela mesma razão, o é posto, em relevo, no seguro, o dever comum de dizer-se a verdade (BEVILAQUA, 1943)

De fato, para que o risco seja dimensionado e, consequentemente, precificado, revela-se imperiosa a prestação de informações verídicas e precisas sobre as circunstâncias em que se inserem o interesse cuja garantia se tem, ou se pretende obter.

Convém pontuar que o Código Civil exige que o contrato de seguro seja precedido de proposta escrita discriminando tais circunstâncias – mesmo porque, em sua quase totalidade as circunstâncias são conhecidas pelo segurado, e não pelo segurador –, além de obrigar o segurado a comunicar à seguradora todo incidente suscetível de agravar consideravelmente o risco coberto, sob pena de perder a garantia.

Ao comentar sobre a necessária correspondência entre risco e prêmio, com especial atenção para a execução do contrato de seguro, Pereira (2011) é categórico ao afirmar que a boa-fé objetiva se interliga com a natureza aleatória da avença, “tendo em vista sempre haver a possibilidade de agravamento da álea do contrato durante a sua execução, por fato que possa ou não ser imputável ao segurado”.

Mas não é só. Enquanto tomador de riscos alheios, assume o segurador um relevante papel social, que, segundo Gomes (2008), é o de amparar outrem, na hipótese de um dano potencial a pessoa ou seu patrimônio se transformar em um dano efetivo, por força de um evento infeliz.

É essa natureza social do contrato de seguro que justifica a intervenção estatal no seu conteúdo, ao disciplinar regras básicas a serem observadas pelo segurador na confecção de seus produtos[12], e na sua direção, com a fiscalização da condução dos negócios das entidades, numa conjuntura própria de um mercado regulado.

Também não se deve perder de vista que a expansão das atividades securitárias está diretamente relacionada ao desenvolvimento social do respectivo país[13], haja vista o mister do segurador de assumir riscos alheios. Com esse anteparo, há uma inegável tomada de riscos mais acentuados pelos particulares, em especial empresários, para desenvolvimento de atividades que normalmente não desempenhariam, caso apenas o seu patrimônio individual respondesse pela hipótese de insucesso.

Para além do aspecto social, ainda, desenvolve o segurador igualmente atividade de natureza coletiva, transindividual, circunscrita ao grupo de segurados a ele vinculado. Isso porque, concretizando-se o risco, os valores a serem despendidos nas indenizações terão origem num fundo comum, composto pela reunião dos prêmios arrecadados dos demais segurados. Tem-se, aqui, elemento fundamental da operação securitária, que é o mutualismo. Nesse sentido, Alvim (2001) afirma que;

o contrato de seguro é uma operação isolada entre segurado e segurador, mas a multiplicação desses contratos, dando a mesma garantia sobre o mesmo tipo de risco para muitas pessoas, constitui sua base técnica. A contribuição dessas pessoas formará o fundo comum de onde sairão os recursos para pagamentos dos sinistros. O segurador funciona como gerente do negócio: recebe de todos e paga as indenizações. O mutualismo constitui, portanto, a base do seguro (ALVIM, 2001).

O contrato de seguro, assim, consiste “[n]um ‘contrato comunitário’ em que devem ser protegidos – num equilíbrio dificultoso – tanto a comunidade segurada quanto o segurado individualmente considerado” (MARTINS-COSTA, 2018).

Assim sendo, quer pela dimensão social, quer pela coletiva, em que o contrato de seguro se insere, depreende-se o intuito da lei ao impor a observância da boa-fé estrita no que a ele concerne[14].

Como já visto, o Código Civil de 2002 por vezes menciona a necessidade de observância da boa-fé no contrato de seguro, inclusive especificando as etapas contratuais em que referido princípio incidirá – repita-se, na sua vertente estrita. É o caso do momento das declarações que precedem a assunção do risco (art. 766), bem assim da necessária comunicação feita pelo segurado ao segurador e das ações para minoração do dano, quando da ocorrência do sinistro (art. 771). E, por força de referidos artigos, o desrespeito à boa-fé é necessariamente apenado com a perda do direito à indenização[15].

Diferentemente das situações acima narradas, o Código Civil de 2002 não dedica artigo específico para ressaltar a importância e a necessidade de segurador e segurado agirem segundo a boa-fé estrita no momento da regulação do sinistro[16].

Diz-se regulação do sinistro, nos termos da Circular SUSPEP Nº 321/06, o conjunto de procedimentos realizados na ocorrência de um sinistro para apuração de suas causas, circunstâncias e valores envolvidos, com vistas à caracterização do risco ocorrido e seu enquadramento no seguro.

Seja como for, quer porque tal procedimento integra a etapa de “execução contratual” contratual a que alude o art. 765 do Código Civil de 2002, quer por força da previsão constante da cláusula geral de boa-fé existente no art. 422 do mesmo texto legal, entende- se, sem maiores celeumas, pela extensão da boa-fé à etapa de regulação do sinistro. Nesse sentido, leciona Costa (2018) que:

desenvolvendo-se a obrigação como um processo, em vista do adimplemento, a fase da execução abarca, naturalmente, a regulação do sinistro. Infelizmente, pouca importância se tem dado, em âmbito doutrinário, a essa fase, sendo ainda escassos, embora valiosos, os estudos sobre suas especificidades – talvez pelo fato de que o Código Civil não conter uma disciplina específica à regulação, diversamente do que se verifica no Projeto de Lei Geral do Seguro, que contém um Capítulo inteiramente dedicado à regulamentação específica dessa fase do processo obrigacional securitário (COSTA, 2018).

A questão que se indaga é: assumindo o segurado postura contrária à boa-fé objetiva durante o procedimento de regulação de sinistro, à míngua de previsão legal específica, é possível sustentar pela perda do direito à indenização? De outro lado, havendo violação da boa-fé estrita por parte do segurador, como pode ser ele apenado? É o que se tentará responder no próximo tópico.

5. VIOLAÇÃO POSITIVA DO CONTRATO DE SEGURO NO ÂMBITO DA REGULAÇÃO DE SINISTRO

A perda do direito à indenização em decorrência de eventual conduta é, sem dúvida, a mais gravosa consequência para o segurado, quer pelos reflexos patrimoniais, ou mesmo extrapatrimoniais (inocorrência do adimplemento satisfatório esperado). Por tal razão, imperioso que qualquer estudo a respeito do tema se dê a partir de uma ótica restritiva, em situações excepcionais, com vistas a não fomentar a adoção de posturas arbitrárias.

Inicialmente, vale consignar que mesmo com a ocorrência do sinistro, o procedimento de regulação demanda participação ativa dos envolvidos. De um lado, o segurador deve, proativamente, requisitar documentos, proceder às vistorias necessárias, realizar entrevistas, enfim, tudo com a finalidade de interpretar os fatos ocorridos e verificar sua correspondência com as coberturas contratadas. Nesse sentido, Miranda (1972) afirma que:

se ocorre o sinistro, tem o interessado de dar aviso ao segurador, ou a quem tenha podêres para receber o aviso. O aviso supõe o conhecimento por parte do interessado, porque se trata, por definição, de comunicação de conhecimento. A finalidade do aviso é pôr o segurador a par do ocorrido, para que tome conhecimento das circunstâncias, verifique se o sinistro está incluso na cláusula contratual e investigar quanto às causas do sinistro e do importe dos danos, antes de se tornarem impossíveis ou difíceis pelas mudanças e alterações regulares ou culposas ou dolosas (MIRANDA, 1972).

De outro lado, ao segurado não apenas incumbe a comunicação – exata e assertiva – do evento danoso e das circunstâncias a ele atinentes, mas também a adoção de igual proatividade para atender às solicitações da seguradora, tais como disponibilizar documentos e informações, franquear acesso às suas dependências etc[17]. A contrario sensu, não age de acordo com a boa-fé o segurado que protela o curso da regulação de sinistro, recusa-se ou omite-se em atender as solicitações da seguradora, presta declarações contraditórias e/ou inverídicas, por exemplo.

De outro lado, o mesmo se pode afirmar do segurador que protela indefinidamente o desfecho da regulação de sinistro, por exemplo, ao formular reiteradas solicitações de documentos cuja existência e/ou pertinência ao desfecho da regulação já se tinha conhecimento, retarda a adoção de diligências indispensáveis à validação do ocorrido, toma tempo desarrazoado para analisar o acervo probatório disponibilizado pelo segurado etc.

Até aqui, nada de novo se tratou, mesmo porque, como já assinalado, segurado e segurador não ocupam posições antagônicas na relação jurídica, devendo cooperar para o atingimento do adimplemento.

Pois bem. Sob a perspectiva da função jurígena, é inegável que a boa-fé enseja a criação de deveres laterais para os contratantes. Deveres esses que, como já se mencionou anteriormente, voltam-se à proteção da esfera jurídica dos contratantes e de terceiros.

Com isso em mente, parece ser possível afirmar que ao agir em descompasso com a boa-fé que deles se espera, segurado e segurador atentam contra dever lateral – e de suma importância – do contrato de seguro, descumprindo-o.

E diz-se dever lateral – e não anexo –, aqui, porque se está a resguardar a esfera jurídica de terceiros, que são os demais segurados, por força do mutualismo.

Realmente, no curso da regulação de sinistro, a seguradora age no seu mister de gestora de recursos alheios, de modo a verificar se o evento danoso encontra respaldo contratual. Mesmo porque o pagamento indevido de determinada indenização securitária atenta contra as bases do seguro e representa, por certo, um decréscimo no fundo comum por ela gerido. Logo, eventual desequilíbrio na sinistralidade não apenas impacta o segurador, como todos os que a ele estão vinculados.

A atuação do segurado no procedimento de regulação de sinistro em contrariedade à boa-fé, obsta a seguradora de exercer a sua função de fiscalização da alocação de recursos de terceiros. O embaraço à regulação, assim, possui efeitos potencialmente danosos à toda massa segurada.

Por outro lado, a perpetuação de um procedimento de regulação de sinistro por prazo irrazoável é igualmente custosa e danosa à massa segurada. Aqueles que se aderem a determinado segurador para garantia de seus riscos nele depositam não só a crença de que seu compromisso individualmente considerado será respeitado – é dizer, concretizando-se um risco coberto à luz da apólice, o pagamento de sua indenização será realizado –, como também o de que esse será o standard em relação a todos os demais segurados que se encontrarem em situações semelhantes. Mais do que isso, a capacidade do segurador de honrar seus compromissos está intimamente ligada à eficiência na alocação de seus custos, arcados direta ou indiretamente com os recursos do fundo comum, não sendo eficiente a prorrogação indefinida da regulação.

Nessa linha de raciocínio, é forçoso concluir que a conduta do segurado e do segurador, nas circunstâncias antes descritas, caracterizaria descumprimento de obrigação lateral, ou seja, inadimplemento. O desafio, então, consiste em conceituar juridicamente os aludidos descumprimentos, para extrair suas consequências práticas.

Na esteira do Código Civil, tem-se como primeira alternativa de inadimplemento a mora. Nos termos do art. 394 de referido texto legal, considera-se em mora o devedor que não efetuar o pagamento e o credor que não quiser recebê-lo no tempo, lugar e forma que a lei ou a convenção estabelecer.

De acordo com Silva (2002), em que pese a alusão legal a “tempo”, “lugar” e “forma”, a mora guarda intrínseca relação com o tempo. Isso porque “a mora é, conceitualmente, necessariamente temporária. O que distingue a mora do inadimplemento absoluto é, exatamente, a possibilidade de adimplemento”.

Nesse passo, afigura-se mesmo desarrazoado cogitar mora, por exemplo, nos casos em que o segurado se furta a prestar determinada informação ou apresentar certo documento indispensável ao desfecho da investigação. Em caso de recusa deliberada, a mora seria eterna? Em caso de sucessivas demoras, por quanto tempo deveria a seguradora manter ativa a investigação até que se pudesse concluir pela existência ou não do dever de indenizar?

No mesmo sentido, o segurador, quando é dele que parte os atos (ou omissões) que resultam na inconclusão da regulação de sinistro. Por quanto tempo deveria o segurado esperar, até que se pudesse ter um parecer conclusivo acerca da cobertura?

De outro lado, também não há como se sustentar pelo inadimplemento absoluto. Nos termos do art. 757 do Código Civil, pelo contrato de seguro, o segurador se obriga, mediante o pagamento do prêmio, a garantir interesse legítimo do segurado, relativo a pessoa ou a coisa, contra riscos predeterminados. A prestação principal do segurado, à luz do contrato de seguro, é efetuar o pagamento do prêmio. A do segurador, por sua vez, consiste em garantir os interesses legítimos do segurado. As prestações secundárias, como visto, relacionam-se à forma de prestar e jamais conseguirão exemplificar todas as condutas exigidas de boa-fé das partes.

Não se cogitando de mora, tampouco de inadimplemento absoluto, compreende-se que a ausência de boa-fé do segurado ou do segurador, quando da regulação de sinistro, consiste em inadimplemento na modalidade de violação positiva do contrato. Em lição sobre o tema, Silva (2002) afirma que:

por todos esses fatores, chega-se à conclusão de que a violação positiva do contrato, no direito brasileiro, corresponde ao inadimplemento decorrente do descumprimento de dever lateral, quando este dever não tenha uma vinculação direta com os interesses do credor na prestação. Este elemento objetivo, porém, não abrange todo o conceito, que deve, além dele, também abordar o elemento subjetivo desta espécie de inadimplemento, ou seja, a necessidade de culpa daquele que descumpre o dever (SILVA, 2002).

A boa-fé permeia todo o negócio, logo, se o segurado faltar com a verdade na contratação do sinistro ou no decorrer da relação contratual, nos termos da legislação, haverá a perda do direito à indenização. No momento da regulação não pode ser diferente, sob pena de esvaziamento do conteúdo impositivo do princípio da boa-fé, que visa à orientação, na esteira da probidade, das relações contatuais desde a contratação até a conclusão, como também em sua execução.

De outro lado, deve o segurador respeitar os prazos de regulação e liquidação estipulados em contrato e em consonância com a regulamentação da matéria[18], podendo vir a ser compelido não só a indenizar o sinistro – com os devidos acréscimos legais –, como, de forma autônoma e independente, a indenizar o segurado pelos danos causados em virtude da demora excessiva e injustificada do procedimento de regulação.

Admitir que a fase de regulação não estaria protegida pelos ditames do art. 422 do Código Civil é sujeitar as partes a um vale-tudo, impróprio ao Estado de Direito, negando o fim último da legislação, qual seja, de inspiração de confiança mútua entre as partes em todas as etapas da relação jurídica, de proteção contra atos contrários à probidade esperada, e de que a obrigação, enquanto processo, precisa ter assento na boa-fé em todos os procedimentos.

6. CONCLUSÕES

A relação obrigacional possui natureza complexa e é definida como um emaranhado organizado de direitos e deveres de prestação, correspondentes e interrelacionados, envolvendo um núcleo relativo à prestação principal, além das prestações secundárias, deveres anexos e deveres laterais.

Em virtude da natureza complexa e da concepção da obrigação como processo, forçoso reconhecer que as partes contratantes não mais se afiguram em polos opostos e adversos, mas sim, ocupam posições complementares, que a partir da cooperação mútua poderão atingir o fim esperado do vínculo obrigacional, qual seja, o adimplemento satisfatório.

Para que se atinja o adimplemento satisfatório, faz-se necessário que as partes atuem em conformidade com o princípio da boa-fé, isso porque possibilita a viabilização do integral aproveitamento da prestação pelo credor, analisando-se sob a perspectiva da satisfação de seus interesses, bem assim a constituição de um óbice à provocação de danos isolados ou recíprocos.

O ordenamento jurídico, à luz do princípio da boa-fé objetiva, tem regras expressas que exigem dos sujeitos, nas relações jurídicas, o dever de lealdade, correção e respeito às expectativas legítimas geradas diante do negócio firmado. No contrato de seguro não poderia ser diferente, a teor do art. 765 do Código Civil.

No contrato de seguro, a boa-fé assume contornos de dever lateral, cuja inobservância tem o condão de ensejar danos à coletividade de pessoas que contribuem para o fundo comum (mutualismo). Como tal, a violação à boa-fé no contrato de seguro, especificamente durante o procedimento de regulação de sinistro, constitui inadimplemento, na modalidade de violação positiva do contrato.

À míngua de disposição legal específica no Código Civil acerca da boa-fé na etapa de regulação de sinistro, ou seja, quando dos procedimentos para apuração do sinistro, quando o segurado age em total contrariedade à boa-fé, ou seja, omitindo informações essenciais, faltando com a verdade ou qualquer outra conduta que influencie negativamente na conclusão da etapa de regulação, defende-se a aplicação da pena de perda do direito à indenização.

Diz-se isso porque, quando da ocorrência do sinistro, o procedimento de regulação demanda participação ativa dos envolvidos e o segurador deve, proativamente, requisitar documentos, proceder às vistorias necessárias, realizar entrevistas, enfim, tudo com a finalidade de interpretar os fatos ocorridos e verificar sua correspondência com as coberturas contratadas, cabendo ao segurado, por sua vez, prestar informações verdadeiras e fornecer documentos, entre outros.

As informações e documentos essenciais para a seguradora servem para o atingimento do seu mister de gestora de recursos alheios, de modo a verificar se o evento danoso encontra respaldo contratual, até porque do pagamento indevido de determinada indenização securitária decorrerá o decréscimo no fundo comum.  Logo, eventual desequilíbrio na sinistralidade não apenas impacta o segurador, como todos os demais vinculados.

A atuação do segurado no procedimento de regulação de sinistro em contrariedade à boa-fé, obsta também a seguradora de exercer a sua função de fiscalização da alocação de recursos de terceiros. O embaraço à regulação, assim, possui efeitos potencialmente danosos à toda massa segurada. O segurado assim agindo atua em descumprimento de obrigação lateral.

De outro lado, também não se pode perder de vista que uma regulação de sinistro ineficiente e despropositadamente morosa, de igual forma, afeta os recursos oriundos do fundo comum e constitui inadimplemento do segurador. Nesse caso, também por violação positiva do contrato, entende-se que o segurador deverá indenizar o segurado pelos danos que a injustificadamente morosa regulação de sinistro o acarretou (o que não se confunde com o dever de indenizar o sinistro).

Admitir que a fase de regulação não estaria protegida pelos ditames do art. 422 do Código Civil é sujeitar às partes a um vale-tudo, impróprio ao Estado de direito, negando o fim último da legislação, qual seja, de inspiração de confiança mútua entre as partes, de proteção contra atos contrários à probidade e de que a obrigação, enquanto processo, precisa ter assento na boa-fé.

Conclui-se, portanto, que a conduta contrária à boa-fé pelas partes vinculadas por um contrato de seguro, em sede de regulação de sinistro, à luz da teoria da violação positiva do contrato, constitui inadimplemento da avença, ensejando, de um lado, a perda do direito à indenização pelo segurado e, de outro lado, o dever de indenizar pela demora excessiva e injustificada da regulação de sinistro por parte do segurador (que não se confunde com o pagamento da indenização securitária em si).

REFERÊNCIAS

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BEVILAQUA, Clovis. Código Civil dos Estados Unidos do Brasil Comentado. Rio de Janeiro: Imprenta, v. 5, 1943.

BRASIL. Decreto-Lei 73, de 21 de novembro de 1966. Dispõe sôbre o Sistema Nacional de Seguros Privados, regula as operações de seguros e resseguros e dá outras providências. Disponível em <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/del0073.htm>. Acesso em: 9 dez. 2021.

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CORDEIRO, António Menezes. Tratado de direito civil: direito das obrigações: introdução: sistemas e direito europeu: dogmática geral. 2. ed. Coimbra: Almedina, v. 6, 2012.

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NANNI, Giovanni Ettore. O dever de cooperação nas relações obrigacionais à luz do princípio constitucional da solidariedade. In:                        (Coord.). Temas relevantes do direito civil contemporâneo: reflexões sobre os 5 anos do Código Civil. Estudos em homenagem ao Professor Renan Lotufo. São Paulo: Atlas, 2008.

NEGREIROS, Teresa. Teoria do Contrato: Novos paradigmas. Rio de Janeiro: Renovar, 2002.

PEREIRA, Caio Mario da Silva. Instituições de Direito Civil, contratos: declaração unilateral de vontade; responsabilidade civil. 15. ed. Rio de Janeiro: Forense, v. 3, 2011.

SILVA, Clóvis do Couto e. A obrigação como processo. Rio de Janeiro: Editora FGV, 2006.

SILVA, Jorge Cesa Ferreira da. A boa-fé e a violação positiva do contrato. Rio de Janeiro: Renovar, 2002.

VARELA, João de Matos Antunes. Das obrigações em geral. 9. ed. Coimbra: Almedina, v. 1, 1996.

APÊNDICE – REFERÊNCIA NOTA DE RODAPÉ

2. Dados extraídos de ferramenta Microsoft Power BI disponibilizada pelo Conselho Nacional de Justiça (disponível em https://grandes-litigantes.stg.cloud.cnj.jus.br/, acesso em 7 de agosto de 2023, 16h06min). Números atualizados até 18 de julho de 2023.

3. João de Matos Antunes Varela, por sua vez, distingue o que viriam a ser relações obrigacionais “simples” e “complexas”. No primeiro caso, exemplifica a situação de A que empresta um livro a B, com obrigação de restituição em quinze dias (VARELA, 1996). Com o devido respeito, discorda-se de tal exemplo, na medida em que ao lado da obrigação de restituição do livro, há necessariamente que se cogitar a forma de devolução e, sobretudo, o dever de proteção do comodatário em relação ao bem emprestado. Aqui, não há como dissociar a análise do exemplo da existência de deveres anexos e laterais, o que já caracterizaria a obrigação como complexa.

4. Um dos pioneiros no assunto, em 1958 já se posicionava Karl Larenz “Ahora bien, por el hecho mismo de que em toda relación de obligación late el fiu de la satisfacción del interés em la prestación del acreedor, puede y debe considearse la relación de obligación como um proceso” (LARENZ, 1958).

5. Judith Martins-Costa difere a relação de cooperação que deve nortear o vínculo obrigacional e a concepção de que seria imposto às partes o dever de “cuidar” dos interesses alheios. Para referida doutrinadora, “O que se afirma é que, para o adimplemento – fim da relação obrigacional – operar-se com a satisfação dos interesses do credor, é preciso que ambas as partes colaborem (em medidas diversas de intensidade, conforme o tipo de contrato e a natureza da relação) para que o contrato seja cumprido” (MARTINS-COSTA, 2018). Giovanni Ettore Nanni, por sua vez, baliza princípios constitucionais aplicáveis à relação obrigacional, para concluir que “se o princípio da solidariedade determina um digno relacionamento social, inclusive o jurídico, voltado para o coletivo, é imperioso que as partes busquem, na proporção dos esforços que lhes cabem, em cooperação, o adimplemento da obrigação assumida” (NANNI, 2008).

6. Para Teresa Negreiros, “a boa-fé objetiva atua como eixo comum de diversas teorias que se vêm difundindo seja na formação de critérios de interpretação-integração do contrato, seja para impor a criação de deveres no contexto da relação contratual, ou para limitar o exercício de direitos. Em comum, as diversas ramificações da boa-fé têm um sentido e um fim éticos, segundo os quais a relação contratual deve ser compreendida como uma relação de cooperação impondo- se um dever de recíproca colaboração entre os contratantes em vista da realização do programa econômico estabelecido no contrato” (NEGREIROS, 2002).

7. De acordo com referida autora, “quando uma cláusula geral promove o reenvio a um valor, haverá superposição entre a cláusula geral e o princípio jurídico. É exatamente o caso do art. 422 do Código Civil, que expressa, concomitantemente, um princípio, um standard comportamental e uma cláusula geral: trata-se de um princípio porque os contraentes deverão adotar um comportamento probo (segundo o standard comportamental da probidade), porque este comportamento é necessário à promoção de um tráfico jurídico adequado, fundado na seriedade das declarações negociais, na confiança na mútua conduta e na consideração às legítimas expectativas dos contraentes. Os contraentes são, portanto, direcionados a uma ação valiosa (leal, proba, útil, correspondente à legítima confiança investida) em vista do adimplemento satisfativo, fim que polariza toda e qualquer relação contratual” (MARTINS-COSTA, 2018).

8. Nesse sentido, leciona Judith Martins-Costa: “Frequentemente há sobreposição entre os interesses de prestação e os de proteção no que tange ao dever de informar. Pode a informação se apresentar como faceta da colaboração para com o adimplemento satisfatório e pode também exprimir dever de proteção contra danos que poderiam advir do próprio contrato considerado como fato social” (MARTINS-COSTA, 2018). Afirma ainda a autora que os deveres informativos consistem em grupo polimorfo, eis que a (i) obrigação pode consistir na prestação principal da obrigação; (ii) num dever anexo, (iii) num dever lateral, (iv) num dever legal, ou mesmo (v) num ônus ou encargo material.

9. Art. 765. O segurado e o segurador são obrigados a guardar na conclusão e na execução do contrato, a mais estrita boa-fé e veracidade, tanto a respeito do objeto como das circunstâncias e declarações a ele concernentes.

10. Art. 1443. O segurado e o segurador são obrigados a guardar no contrato a mais estrita boa fé e veracidade, assim a respeito do objeto, como das circunstâncias e declarações a ele concernentes.

11. Tradução livre: “a máxima boa-fé”.

12. Não se desconsidera o movimento regulatório atual no sentido de simplificar o estoque regulatório para flexibilizar a criação de novos produtos e o favorecimento da concorrência no mercado securitário – cite-se, a título de exemplo, a recente Circular SUSEP n.º 621, que inovou ao flexibilizar as regras de funcionamento e os critérios para operação das coberturas de seguros de danos. Em que pese seja louvável o esforço, dado o estágio incipiente de tais medidas – e que não abrangem todos os produtos existentes –, não parece que já se possa desvincular a atividade seguradora da figura de um mercado deveras regulado, com inúmeras restrições e constantemente monitorado e sancionado pelo Estado pelas mais comezinhas – e, de certa forma, irrelevantes – infrações.

13. “Tanto internamente como no panorama internacional, as atividades das empresas de seguros se expandem também quanto ao aspecto de diferenciação de seus produtos, no contexto do que vem sendo chamado de indústria de serviços financeiros. […] Os produtos de seguros podem ser considerados bens superiores, pois sua aquisição cresce mais que proporcionalmente aos acréscimos na renda. Quanto aos seguros destinados à preservação patrimonial, naturalmente, seus valores refletem os próprios valores dos bens e equipamentos segurados, cujo montante é proporcional à renda e ao produto dos diferentes países. Quanto aos seguros de vida, seu componente de instrumento de poupança funciona como seria previsível teoricamente, considerando-se a propensão a poupar função do nível da renda nacional” (D’OLIVEIRA, 2006).

14. “O contrato de seguro é baseado no risco, na mutualidade e na boa-fé, que constituem seus elementos essenciais. Além disso, nesta espécie de contrato, a boa-fé assume maior relevo, pois tanto o risco quanto o mutualismo são dependentes das afirmações das próprias partes contratantes […] Retirar a penalidade de perda da garantia securitária nas fraudes tarifárias (inexatidão ou omissão dolosas em informação que possa influenciar na taxa do prêmio) serviria de estímulo à prática desse comportamento desleal pelo segurado, agravando, de modo sistêmico, ainda mais, o problema em seguros de automóveis, em prejuízo da mutualidade e do grupo de exposição que iria subsidiar esse risco individual por meio do fundo comum” (STJ, Recurso Especial n.º 1.340.100/GO, 3ª Turma, rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, j. 21.08.14 – www.stj.jus.br/).

15. Considerando que a perda da garantia enseja a perda da indenização, utiliza-se como sinônimas tais expressões no presente trabalho.

16. Circular SUSEP n.º 321/06.

17. Sobre o tema, Judith Martins-Costa alerta que “o dever de veracidade liga-se aos deveres informativos. Como já se observou acima, a boa-fé incide na disciplina informativa do contrato de seguro como um todo, impactando em todos os sujeitos dessa relação contratual complexa. No que tange de modo particular à fase de regulação, deve o segurado não apenas iniciar o procedimento, com o aviso de sinistro, mas também deve colaborar com o envio de dados, informações e proceder a esclarecimentos, se e quando necessário. Seguradora e regulador devem não apenas fazer perguntas e investigações, mas fornecer ao segurado informações e esclarecimentos sobre o objeto da investigação, critérios utilizados e conclusões alcançadas” (MARTINS-COSTA, 2018).

18. A esse respeito, no caso dos seguros de danos massificados, destaca-se a norma contida no art. 41 da Circular SUSEP n.º 621/21, segundo o qual “deverá ser estabelecido prazo para a liquidação dos sinistros, limitado a trinta dias, contados a partir da entrega de todos os documentos básicos previstos no art. 41”. De se notar, no entanto, que o art. 41 assegura a faculdade de o segurador, “no caso de dúvida fundada e justificável expressamente informada ao segurado, [solicitar] outros documentos”. Como se nota, a solicitação deve ter como pano de fundo uma dúvida fundada e justificável pelo segurador, a qual deve ser expressamente informada ao segurado, a fim de possibilitar o esclarecimento de questões controvertidas pelo segurado e evidenciar que eventual demora na liquidação se deve a tal dúvida.

[1] Mestrando em Direito na PUC-SP. Graduado em Direito na PUC-SP. ORCID: 0009-0009-1831-9419. Currículo Lattes: http://lattes.cnpq.br/7085559040979888.

Enviado: 24 de julho, 2023.

Aprovado: 09 de agosto, 2023.

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Matheus de Mello Adães

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