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Chomsky, Hernstein e os limites da pesquisa científica

RC: 103578
241
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DOI: 10.32749/nucleodoconhecimento.com.br/filosofia/chomsky-hernstein

CONTEÚDO

ARTIGO ORIGINAL

BRITO, Fernando Vidal [1]

BRITO, Fernando Vidal. Chomsky, Hernstein e os limites da pesquisa científica. Revista Científica Multidisciplinar Núcleo do Conhecimento. Ano 06, Ed. 12, Vol. 08, pp. 19-29. Dezembro de 2021. ISSN: 2448-0959, Link de acesso: https://www.nucleodoconhecimento.com.br/filosofia/chomsky-hernstein, DOI: 10.32749/nucleodoconhecimento.com.br/filosofia/chomsky-hernstein

RESUMO

O presente artigo foi elaborado a partir do debate entre Noam Chomsky e Richard Herstein sobre os limites da pesquisa científica e as questões éticas inerentes à atividade de pesquisa científica. A questão norteadora que permeia o presente artigo busca responder: A atuação do pesquisador deveria ser ilimitada mesmo em pesquisas no qual a conclusão irá causar impacto social negativo que supera os benefícios da pesquisa? A partir da análise textual e a leitura comparada dos dois autores, o presente artigo responde a problemática que se propõe com a conclusão de que a pesquisa científica, mesmo quando potencialmente danosa, não deve ser controlada ou limitada por autoridade externa, mas sim, cabe ao próprio autor decidir sobre a publicação ou não da pesquisa, valorizando enquanto pesquisador a ética profissional e social de sua atividade.

Palavras-Chave: Filosofia, ética, Chomsky, Hernsein.

1. INTRODUÇÃO

A ética científica é um tema amplamente debatido ao longo dos séculos e certamente é um tema que sempre gerará intensos debates, questionamentos e pesquisas acadêmicas. As consequências de uma pesquisa científica podem ser catastróficas e não faltam exemplos na história que corroboram essa afirmação. Porém, a ciência também trouxe inúmeros avanços e melhorias na qualidade de vida humana ao ponto de ser capaz de alavancar as condições e a qualidade de vida para condições (pelo menos em termos materiais), nunca experienciadas pela sociedade humana.

Portanto, com certa frequência, surgem temas e pesquisas que levam ao surgimento de dois lados que debatem a possibilidade ou não de limitação da pesquisa científica, o debate tradicional sobre até onde pode a ciência ir. Neste contexto, o presente artigo busca respostas a pergunta: A atuação do pesquisador deveria ser ilimitada mesmo em pesquisas no qual a conclusão irá causar impacto social negativo que supera os benefícios da pesquisa? Essa pergunta será respondida a partir do debate entre Richard Hernstein (1973) e Noam Chomsky (1972) sobre os limites da pesquisa científica. De um lado, estão aqueles que acreditam que a busca pela “verdade” deve ser irrestrita (alguns apontam até mesmo que a busca pela “verdade” é um direito humano) enquanto do outro lado estão aqueles que apontam que a cautela é necessária e que questões éticas devem ser levadas em consideração.

Esse artigo é justamente o desdobramento e uma tentativa de analisar mais um desses debates. O debate analisado nesse presente artigo ocorreu na década de 70 do século XX entre o psicólogo e sociólogo estadunidense Richard Hernstein e o pensador Noam Chomsky, também estadunidense.

Portanto, o método será o de análise textual de artigos de autoria dos dois pesquisadores, assim como pela utilização do método filosófico. O debate parte do ponto inicial que é a hereditariedade ou não do quociente de inteligência, passa pelas pesquisas que buscam demonstrar diferenças genéticas entre o quociente de inteligência entre brancos e negros e finalmente se desdobra nos limites da pesquisa científica.

Dessa forma, o objetivo do presente artigo é demonstrar a importância do elemento ético em qualquer debate sobre os limites da ciência.

2. HERNSTEIN, QUOCIENTE DE INTELIGÊNCIA E A IMPOSSIBILIDADE DE IMPOSIÇÃO AOS LIMITES DA PESQUISA CIENTÍFICA

Encontra-se a correlação entre filosofia e ciência desde os tempos mais primordiais. Ambos os campos se pautam em uma tentativa de compreender a realidade, ainda que de formas distintas (apesar de em alguns momentos se coincidirem nos métodos). Essa relação é ainda mais claramente demonstrada quando observamos como a ciência vem a complementar e demonstrar por métodos das ciências exatas e naturais, sistemas e conceitos já teorizados pela filosofia.

Ainda quando teorias são demonstradas por meio dos métodos científicos como procedentes ou improcedentes, essas mesmas descobertas das ciências (no sentido de ciências naturais e exatas) podem ser questionadas e reanalisadas, gerando novas teorizações por parte da filosofia. Isso pode ser comprovado com exemplos práticos, como o objeto de estudo que é debatido nesse presente artigo.

Questões relativas à capacidade de aprendizado, métodos de educação, como o homem desenvolveu a linguagem, relação entre inteligência e posição social, dentre tantas outras questões sempre foram fartamente discutidas e teorizadas por inúmeros pensadores. Esse intenso debate criou mecanismos e sistemas teóricos que serviram de base para estudos científicos, em alguns casos comprovando ou não. Como anteriormente exposto, as descobertas cientificas não encerram o debate filosófico, mas podem sim gerar ainda outros debates e novas teorias, ao ponto de que até mesmo o alcance que seria permitido a ciência chegar, ou seja, se a busca de compreender a realidade por meio da ciência pode ser irrestrita ou se deveriam existir padrões limitadores a tal?

Essa primeira parte do presente artigo busca justamente demonstrar a resposta de Richard Hernstein (1973) para essa questão e isso se dará demonstrando a defesa desse sobre a correlação entre quociente eleitoral e a posição econômica social de status mais elevados. O próprio autor escreve que “Ao contrário de centímetros, libras ou segundos, o Q.I. é inteiramente uma medida da posição relativa em um determinado grupo. Esse relativismo não é tolerado para as medidas convencionais “ (HERNSTEIN, 1973, tradução nossa)

Hernstein (1973) alega que o Q.I possui um relativismo tolerado pela inexistência de outra medida melhor, mas que isso não retira a estabilidade possível que essa medida dá como comparação, pois o grupo analisado pela medida é muito grande, daí vindo a estabilidade de comparação que a meida do Q.I fornece.

Estabelecer o ponto de que o Q.I. (quociente de inteligência) é relativo, possui grande importância para o debate, pois serve como um dos argumentos contra a ampla pesquisa nesse campo e esse ponto será debatido mais à frente.

Estabelecido o caráter de relatividade do Q.I., faz-se necessário que se entre na questão problemática do artigo I.Q. de Hernstein, no qual o autor debate a relação entre

Q.I. e a questão racial. Usando dados de pesquisa do Professor Arthur R Jensen (que busca demonstrar a hereditariedade do Q.I.), Hernstein (1973) afirma que as descobertas desse demonstraram que há uma correlação hereditária de 80% a 85% de forma hereditária. Porém, Hernstein (1973) afirma que esse número se deu com pesquisas realizadas com pessoas brancas (caucasianas) e por isso não dá para saber a percentagem entre pessoas negras.

Como não havia dados concretos sobre a suposta hereditariedade do Q.I. entre pessoas negras, Hernstein (1973) propôs assumir a mesma percentagem que a aferida nos testes do Professor Jensen com pessoas majoritariamente caucasianas. Assumindo o mesmo caráter de relação hereditária, Hernstein (1973) afirma sobre a diferença de Q.I. entre as raças:

Embora existam resquícios de evidência de um componente genético na diferença entre preto e branco, o argumento principal é acreditar que os negros americanos estão em desvantagem ambiental. Na medida em que as variações no ambiente social americano podem promover ou retardar a I.Q., os negros provavelmente foram contidos. (HERNSTEIN, 1973, tradução nossa)

Hernstein (1973) alega que pode haver diferença genética que resulta em diferença de Q.I. entre negros e brancos, afirmando também que essa diferença pode se dar por questões de ambiente (condições sociais). Entretanto, nesse mesmo artigo, Hernstein (1973) rejeita que Q.I. seja uma questão primária de ambiente, ou seja, ele defende que é uma questão hereditária, defendendo que a hereditariedade seria de 80-85%, afirmando ainda que se o ambiente e as condições sociais fossem relevantes a tal ponto, como se explicaria a manutenção do mesmo nível de Q.I. durante a maior parte da vida? Citando Richard Hernstein (1973):

Os defensores do ambiente – a clara maioria daqueles que se expressam publicamente sobre o assunto – devem explicar os motivos pelo qual o Q.I. geralmente permanecem quase o mesmo durante a vida da maioria das pessoas e também os motivos pelo qual o Q.I. alto ou baixo tendem a serem percebidos nas famílias . Esses fatos poderiam ser facilmente construídos como sinais de uma base genética para o Q.I. (HERNSTEIN, 1973, tradução nossa)

Logo, percebe-se que ao afirmar que o ambiente tem pouca ou nenhuma relação com o Q.I., mas sendo o Q.I. decorrente da hereditariedade, Hernstein (1973) está inclinado a uma defesa da questão hereditária. O debate central do presente artigo é na relevância de uma pesquisa para determinar se a diferença entre Q.I., aferida por essas pesquisas é realmente necessária e a discussão da ética científica e até onde é permitido em nome da busca pela “verdade” se pesquisar. A discussão é se a ciência e os estudos deveriam ser livres e desimpedidos, sem consideração dos potenciais impactos negativos que podem ser causados por esses estudos.

Hernstein (1973) faz o questionamento se seria melhor encerrar os estudos nesse sentido em nome de que a sociedade estaria melhor deixada em ignorância. Uma certeza, entretanto, Hernstein (1972) expressamente afirma não defender uma visão eugênica como a de Galton e afirma não ser razoável deixar nas mãos dos Estado uma política de reprodução baseando-se em critérios de Q.I. e hereditariedade. (HERNSTEIN, 1972)

Porém, o ponto de debate do presente artigo é sobre qual o limite da pesquisa e da ciência, se apenas por ser possível é aceitável que se prossiga com pesquisas descartando os impactos sociais e as implicações morais e éticas. Esse é o debate que será tratado e cujo Chomsky se contrapõe ao posicionamento de Hernstein (1972; 1973). A pesquisa sobre a suposta diferença entre o Q.I. de brancos e negros estaria sob a tutela de uma impossibilidade de intervir na ciência e em seus limites ou pesquisas não conclusivas que só trarão problemas sociais.

3. CHOMSKY, HEREDITARIEDADE DO Q.I. E OS LIMITES DA PESQUISA

Chomsky (1972) debate inicialmente a questão da hereditariedade genética do quociente de inteligência alegando que essa tese requer premissas tácitas que incorporam elementos básicos da ideologia predominante e outros requerimentos ligados a questões ideológicas6. Chomsky (1972) na resposta ao artigo original debate principalmente sobre a questão da hereditariedade de Q.I. e sobre o debate se o trabalho nesse contexto se dá por riquezas em potencial ou outras questões. Nenhum desses pontos interessa ao presente artigo, tendo em vista que desejamos debater as noções sobre a ética na pesquisa científica e a possibilidade de limites em relação a atividade científica.

O que interessa é o debate sobre os potenciais limites da pesquisa e a questão racial é importante para tal debate, tendo em vista que o catalisador desse ponto foi a pesquisa sobre hereditariedade genética de Q.I. entre negros. Por isso, faz-se necessário apresentar a sustentação de Chomsky (1972) seguida da resposta de Hernstein (1973) sobre o tema e finalmente a conclusão de Chomsky (1972), enquanto tecemos comentários e nos posicionamos sobre tal debate. Chomsky (1972) critica a tese de menor Q.I. em geral de negros quando comparadas aos brancos, mas não o faz alegando que Hernstein é racista, mas sim pelos perigos de tal tese e como essa poderia gerar consequências sociais, incluindo a justificação de racismo por grupos discriminatórios. Hernstein (1972) discorda desse argumento, mas agradece a Chomsky por não o ter taxado como racista.

Primeiro, devemos explicar qual o argumento inicial de Chomsky (1972) para condenar a pesquisa de Hernstein. Chomsky (1972) argumenta que se tivessem sido realizadas pesquisas na época do nazismo na Alemanha que buscasse demonstrar que os judeus possuíam tendências à usura e tendências gananciosas, essa pesquisa por si só, ainda no início, já serviria como justificação e causaria consequências sociais, incluindo a justificação de ações estatais e paraestatais violentas contra os judeus.

Essa parte da argumentação de Chomsky (1972) é coerente e demonstra impactos potenciais que a pesquisa científica pode causar, apesar da analogia ruim utilizada, tendo em vista que ele usa o exemplo de um pesquisador alemão na Alemanha nazista tentando provar características depreciativas dos judeus, o que por si só já mostraria um comprometimento moral muito claro do pesquisador e da pesquisa desde o princípio. Sendo assim, por estar tão explícito o comprometimento moral do pesquisado na analogia usada, a analogia não cumpre seu papel e parece insuficiente para corroborar com o ponto do pesquisador, tendo em vista concordar em parte com o argumento de Chomsky (1972) que não se sabe o resultado da pesquisa antes dessa ser realizada, o que seria irrelevante na analogia usada por Chomsky (1972), pois em primeiro lugar, não haveria independência para uma pesquisa real no estudo devido ao contexto social da analogia usada e segundo que o próprio psicólogo responsável pela pesquisa estaria profundamente comprometido em obter resultados que corroborem a sua tese que visaria reforçar estereótipos contra judeus.

Porém, apesar de uma analogia infeliz e não muito inspirada, alguns pontos apontados por Chomsky (1972) são bem convincentes e devem ser debatidos e apontados. Porém, precisamos apontar qual a conclusão de Hernstein (1972) e o posicionamento desse sobre os limites da pesquisa, motivos pelo qual abro vênia:

A analogia do professor Chomsky prova ser bastante reveladora, embora tenha pouca relação com meu artigo e dificilmente prova que meu argumento será “explorado por racistas”. Contrariamente, estou certo, à sua intenção, extraio a lição de que devemos encorajar mais pesquisa sobre pessoas, não menos. E tudo que for de qualidade aceitável deve ser publicado, não censurado por sintomas de apostasia. Confio em que, como sempre antes, a verdade acabará sendo mais complexa e sutil do que a exigida pela ortodoxia de qualquer pessoa. Uma vez que a sociedade deve lidar com o que as pessoas realmente são, e não com as ficções incorporadas em uma filosofia política ou outra, faríamos bem em aprender o máximo que pudermos em todas as oportunidades, limitadas, é claro, pelos direitos dos indivíduos à sua privacidade. (HERNSTEIN, 1972, tradução nossa)

Esse ponto é importante, pois demonstra como para Hernstein (1972) a pesquisa não apenas deveria ser permitida como encorajada, pois o confronto entre as pesquisas naturalmente serviria como filtro e a verdade prevaleceria. Concluindo, para Hernstein (1972), quanto mais informações e conhecimento possível sobre indivíduos e a sociedade, melhor, motivo pelo qual ele defende a liberdade de pesquisa.

Chomsky (1972) se contrapõe a tal posicionamento de Hernstein (1972) em relação aos limites da pesquisa, argumentando para uma tese um pouco mais inclinada a imposição de limites a pesquisa por questões éticas e sociais.

Como anteriormente mencionado, Chomsky (1972) apontou que o argumento de Hernstein (1972) sobre a pesquisa de Q.I. com critério racial, seria utilizada por grupos racistas para justificar suas atitudes e que seria utilizada pelos privilegiados para justificar os seus próprios privilégios.

Hernstein (1972) se defendeu de tal ponto alegando não ter clamado por uma pesquisa visando uma “falha genética” e sobre isso Chomsky (1972) acredita que a alegação de Hernstein é no mínimo insincera.

Sobre esse ponto da insinceridade de Hernstein (1972), é compreensível e lógico o argumento utilizado por Chomsky (1972), tendo em vista que se para Hernstein, o Q.I. é herdado de forma hereditária e segundo ele pessoas negras possuem um diferencial de Q.I. menor ao dos brancos, logo, na lógica apresentada e construída pelo próprio Hernstein, os negros possuem Q.I. menor por uma questão genética e hereditária. Portanto, seja por insinceridade ou por contradição, Hernstein não percebe que o seu argumento aponta uma suposta “falha genética” em pessoas negras e que mesmo que não o perceba, essa construção de sua tese geraria sim uma justificação a ser utilizada por grupos racistas.

Chomksy (1972) deixa isso ainda mais claro, motivo pelo qual abro vênia:

Hernstein responde que não vê por que seu argumento “teria consequência prejudicial” (de ser explorado pelo racista) e alega que “não estava se propondo a estudar. . . uma falha genética em qualquer raça” . Isso parece bastante falso. Ele começa sua discussão de sete parágrafos sobre QI e raça observando que “é a relação entre hereditariedade e diferenças raciais que causa a desigualdade” e então pergunta se “a bem estabelecida diferença entre preto e branco de cerca de quinze pontos em Q.I. surge do ambiente ou dos genes “, concluindo finalmente que “um comentarista neutro teria que dizer que o caso simplesmente não está resolvido” e que a questão fundamental é se a investigação deve (novamente) ser descontinuada porque alguém pensa que a sociedade é melhor deixada na ignorância. (CHOMSKY, 1972, tradução nossa)

Resta claro, que Chomsky (1972) aponta para a inconsistência da argumentação de que a pesquisa proposta por Hernstein não é a pesquisa de uma “falha genética”, sendo esse o primeiro ponto de sustentação contra essa pesquisa realizada por Chomsky (1972) nos comentários a resposta de Hernstein.

Como apontado por Chomsky (1972), apesar de Hernstein (1972) explicitar que a suposta inferioridade dos negros em relação aos brancos não estar “determinada” (Hernstein utiliza a palavra “settled”), ainda assim, geraria implicações sociais, tendo em vista que em uma sociedade racista, não haveria imparcialidade (Chomsky utiliza a palavra “neutral”, mas imparcialidade me parece mais correta para expressar o ponto do que a neutralidade) para não se tomar tais conclusões contra o grupo alvo do racismo. (CHOMSKY, 1972)

Outro ponto apontado por Chomsky (1972) é de que para ele, o cientista é responsável pelos potenciais consequências de seus atos e que sendo assim, algumas pesquisas nem sequer deveriam ser iniciadas. Citando diretamente:

E certamente há uma “questão fundamental” muito mais importante do que aquela que ele identifica, ou seja, que o cientista, como qualquer outra pessoa, é responsável pelas consequências previsíveis de seus atos. Suponho que mesmo abrir certas questões para investigação possa ter consequências sociais maliciosas (como no exemplo em questão). Então, o cientista tem a clara responsabilidade moral de mostrar que a importância de sua investigação supera essas consequências maliciosas. Seria necessário um certo grau de imbecilidade moral para deixar de perceber que existe um conflito de valores. (CHOMSKY, 1972, tradução nossa)

Essa é a questão central do presente artigo, pois qual seria a responsabilidade e a possibilidade de um cientista pesquisar? Deveria esse ser responsabilizado pelos seus atos? Deveria esse ter a capacidade de pesquisar livremente em busca da “verdade”? O diploma e outros certificados da área de sua qualificação lhe dão automaticamente uma autorização para realizar qualquer pesquisa independendo dos potenciais consequências?

Há fortes indícios para acreditar e defender que Chomsky acredita que a resposta para a maioria dessas perguntas é não. Como o próprio autor demonstra em seu texto, não há motivo para pesquisar tais temas que não possuem uma aplicação prática positiva ou até mesmo uma relevância acadêmica que justifica. Os pontos positivos de um potencial pesquisa como essa (ou qualquer outra pesquisa que pode causar consequências) devem ultrapassar os pontos negativos que podem causar para só assim prosseguir.

Porém, outra questão se levanta. Cabe ao próprio cientista se regular e ele mesmo pesar e medir as consequências sociais em potencial da pesquisa? Esse é certamente um problema, pois um diploma em psiquiatria, biologia, criminologia ou qualquer outra área do saber não indicam uma capacidade de lidar com questões éticas relevantes.

Isso é de extrema importância, pois quando se debate os limites da ciência e da pesquisa, o que realmente está se debatendo é ética na atividade científica. A ciência é capaz por si só de decidir os rumos da humanidade? Pois, certamente, inúmeras pesquisas podem causar um impacto tremendo tanto negativamente quanto positivamente e por isso, deve-se haver extrema cautela e ponderação na pesquisa científica.

Dessa perspectiva, o argumento de Chomsky (1972) é lógico e compreensível que pesquisas falaciosas ou perigosas que não levam em conta questões éticas, não devem ser continuadas, o que, porém, não significa uma censura ou um impedimento de se realizar pesquisa científica. Como o próprio Chomsky (1972) concorda e afirma nesse ponto com Hernstein, as pesquisas científicas devem certamente ser encorajadas, mas Chomsky realiza a objeção das pesquisas que não são relevantes (como anteriormente mencionado aquelas que são falaciosas ou irrelevantes pelo próprio objeto de estudo).

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Portanto, retomando a questão norteadora: A atuação do pesquisador deveria ser ilimitada mesmo em pesquisas no qual a conclusão irá causar impacto social negativo que supera os benefícios da pesquisa? Concluímos que é inevitável chegar à conclusão de um meio termo entre o posicionamento de Noam Chomsky e Hernstein. Indubitavelmente, deve-se haver a preocupação com as consequências sociais de uma pesquisa, mas isso por si só não pode ser causa para limitação ou descontinuação de pesquisas. Seja quem for a instituição ou autoridade que decidir se tornar responsável por esse controle, o que se observará é um poder autoritário capaz de exercer censura prévia, ou seja, capaz de descontinuar uma censura antes mesmo da obtenção de resultados. Entretanto, a liberdade científica não pode ser descabida ao ponto de ter a possibilidade de gerar consequências gravíssimas ao tecido social. Porém, se não pode haver nenhuma forma de controle externo sobre a atividade científica, qual seria a forma de evitar o uso indevido da atividade de pesquisa? A ética científica. É no debate da ética e na construção de uma ética científica coletiva e responsável que se pode obstaculizar a utilização da pesquisa com potencial calamitoso. Por isso, a valorização das matérias de ciências humanas e sociais é de extrema importância para todas as categorias profissionais, incluindo aos cientistas e pesquisadores, não se limitando àqueles das áreas sociais e humanas, mas também se estendendo aos pesquisadores das áreas biológicas e exatas. Noções de ética profissional, filosofia, direito e moral são fundamentais para qualificar os pesquisadores não apenas na sua atividade específica, mas também para capacitar os pesquisadores no tocante há como utilizar as ferramentas de pesquisa de forma a pensar no bem comum e em evitar pesquisas cujo benefícios são ultrapassados pelo impacto social danoso que causam. Por isso, em relação a questão norteadora do presente artigo, a resposta só pode ser que em última instância, o próprio pesquisador é responsável por sua pesquisa e cabe a ele e sua consciência decidir sobre sua continuidade e publicação.

REFERÊNCIAS

CHOMSKY, Noam. Comments on Herrnstein’s response. 1972

CHOMSKY, Noam. “Psychology and ideology.” Cognition 1.1, 1972.

HERNSTEIN, Richard. Firing line with With William Buckley Jr. Entrevista realizada com Richard Hernstein. Outubro de 1973, Stanford/CA, EUA.

HERSTEIN, Richard. “I.Q”. The Atlantic Monthly, 228. Boston/MA, 1973

HERNSTEIN, Richard. Whatever happened to vaudeville? A reply to Professor Chomsky. Página, 309. 1972.

[1] Graduado em Direito pela Universidade Federal Fluminense, Pós-graduado em Direito aplicado pela Faculdade de Direito de Cachoeiro de Itapemirim, Mestre em Filosofia pela Universidade Federal do Espírito Santo. ORCID: 0000-0001-5626-2307.

Enviado: Novembro, 2021.

Aprovado: Dezembro, 2021.

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Fernando Vidal Brito

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