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Os materiais didáticos de língua inglesa e a prática excludente

RC: 18992
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CONTEÚDO

SOUZA, Neila Barros Lopez [1]

SOUZA, Neila Barros Lopez. Os materiais didáticos de língua inglesa e a prática excludente. Revista Científica Multidisciplinar Núcleo do Conhecimento. Ano 03, Ed. 08, Vol. 09, pp. 74-81, Agosto de 2018. ISSN:2448-0959

Resumo

O presente artigo tem como objetivo descrever as principais concepções ideológicas que sustentam a formulação dos materiais didáticos utilizados para o ensino de língua inglesa. Por meio de uma revisão narrativa, são descritas as abordagens presentes no contexto da prática educativa, tendo em vista o atendimento às necessidades e visão das classes dominantes.

Palavras-chave: Língua Inglesa, Material didático, Ensino e aprendizagem.

INTRODUÇÃO

Um aspecto que gera bastante embates no que tange ao ensino de uma língua estrangeira refere-se à produção de materiais didáticos, os quais atuam de modo singular no processo de ensino e aprendizagem. Primeiramente, é necessário relembrar que durante o transcorrer da história mundial tais materiais serviram (e ainda servem) como irradiador de ideológicas. Segundo Kroskrity (2000, p.8) as “[…] ideologias linguísticas representam as percepções da linguagem e do discurso construídas no interesse de um grupo social ou cultural específico”.

Nesse artigo serão apresentadas as principais concepções ideológicas que refletem, de forma similar, três concepções de línguas diferentes, as quais perpassam as abordagens e metodologias do ensino de língua estrangeira em materiais didáticos.

AS CONCEPÇÕES IDEOLÓGICAS

A primeira concepção é chamada de “mito da mimese” ou “mito do colonizador”. Os materiais didáticos apresentam um mundo ideal, por meio da cultura alvo, onde tal mundo é intitulado de White Anglo Saxon Protestant (WASP). Sob essa perspectiva apresentam-se um mundo branco, protestante, anglosaxônico, com padrões linguísticos rígidos e normatizados e extrema preocupação com a pronúncia nativa, visando, assim, que o aluno aproprie uma nova identidade.

Adota-se, aqui, uma visão tradicional de língua como um sistema de signos (Método de Gramática e Tradução e Método de Leitura), quanto a crença do aprendizado, dissemina-se a noção estrutural-behaviorista, onde o aprendizado de uma língua estaria ligado à manipulação do comportamento e da percepção como forma de adquiri-la (Métodos Áudio-oral ou Áudio-lingual; Estrutural situacional; Estrutural-global audiovisual (SGAV) e Audiovisual-lingual) (MOTA, 2010; SCHEYERL, 2012).

Tal perspectiva faz com que o aluno rejeite a sua própria identidade e crie o desejo de ser o outro. Nesse sentido, os materiais didáticos apenas figuram traços culturais, literários e artísticos anglo-saxônicos, que desconsideram um trabalho de trocas culturais, ou seja, de enriquecimento cultural. Segundo Scheyerl (2012)

A metodologia de ensino baseada no treinamento da rejeição da própria identidade e na ideia de se criar no aprendiz o desejo de ser o outro está ancorada numa “Pedagogia da Assimilação”, em nome da qual os aspectos culturais envolvidos nos materiais instrucionais, tais como manifestações literárias e artísticas, são puramente anglo-saxônicos. Materiais didáticos elaborados sob essa ótica são como um passaporte para se viajar pelos vários (pedaços de) países estudados. E os professores, porta-vozes dessa pedagogia, seriam, desse modo, veículos de manipulação ideológica das culturas estrangeiras, desconhecendo a possibilidade de um trabalho de enriquecimento cultural […] (SCHEYERL, 2012, p.42).

A partir da década de 70, os livros didáticos começam a apresentar traços culturais universais como textos suplementares – não como textos-base – fornecendo aos estudantes a oportunidade de ter noções dos exotismos manifestados pelo falante da língua alvo. Tal mudança foi provocada pela pressão dos movimentos sociais em prol dos direitos civis das minorias norte-americanas, o que promoveu a revisão das ideologias e premissas da Pedagogia da assimilação (MOTA, 2010).

Assim, emergiu a segunda visão de livros didáticos pautada num falso movimento de multiculturalismo. Tal movimento sustentava a ideia de que a formação cultural do país seria decorrência de um “caldeirão de misturas”, o famoso melting pot, esse falseamento seria materializado em um ideal democrático de nação (MOTA, 2010). Segundo Ryoo e Mclaren (2010), esse modelo de ensino continuava a perpetuar uma violência epistêmica mediante a exploração de classes e práticas sexistas, racistas e heterossexistas, o que marcava uma falsa noção de multiculturalismo.

Da mesma forma, Giroux (1997) diz que o multiculturalismo, por um viés de falso liberalismo, põe a baila problemas como o racismo branco, a justiça social, ao poder sem limites, principalmente, pois estes podem ser retratados como parte de um conjunto mais ampliado de políticas e preocupações pedagógicas. Assim, os sujeitos que sofrem alguma forma de discriminação, exploração ou racismo são silenciados por essa pseudo-educação multicultural, cuja premissa também é a assimilação, pois não analisa criticamente as experiências vividas por segmentos abastados e socialmente privilegiados da sociedade. Scheyerl (2012) define essa concepção afirmando que:

[…] mesmo que os materiais didáticos nessa perspectiva apresentem uma certa tolerância com a diversidade entre os povos, esta é tratada apenas como algo interessante, sendo o componente cultural, por um lado, expresso, por exemplo, através do folclore ou da culinária, visto como objeto de admiração e contemplação por parte dos alunos. Por outro lado, vemos nesses materiais o reflexo de uma corrente linguística que se baseia numa concepção articulada de língua, preocupando-se, ao mesmo tempo, com o desenvolvimento das competências linguística e comunicativa (SHEYERL, 2012, p.43).

E, por fim, surge a terceira concepção baseada no “mito do consumismo”, a qual se encontra imersa numa “Pedagogia Bancária” postulada por Freire (1970). Esse terceiro mito funcionaria como instrumento de opressão, sob o qual o educador seria considerado como aquele que tudo sabe, enquanto os educandos seriam considerados como meros recipientes de saber a serem assimilados sem reflexão.

Sob essa visão as coisas são vendidas como belas imagens e por pessoas bem-sucedidas, por famílias felizes e harmônicas e por estereótipos que os professores não deveriam mais difundir. O livro didático promove a celebração de um “mundo de plástico”, o qual não se assemelha ao cotidiano tão diverso e cultural, restringindo-se, apenas, a elucubrações utópicas apresentadas em sala de aula com personagens fictícios, como nas imagens a seguir (SIQUEIRA, 2012).

Família feliz

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Fonte: site de fotos livres www.inmagine.com

Por outro lado, em 2001, a estudiosa Paula Alman propôs um termo chamado “Pedagogia Crítica Revolucionária”, no qual os educadores comprometidos com o seu papel e críticos propõem a transformação da escola, adotando essa abordagem a fim de combater as diversas violências epistêmicas em âmbito pedagógico. Tal pedagogia pode ser compreendida a partir da conscientização crítica coletiva, a partir do reconhecimento de outros meios tradicionais de pensamento, que contempla o que Santos (2008) classificou como epistemologia do Sul como, por exemplo, teologias da libertação na América Latina, pedagogias feministas, pedagogias indígenas, culturas queer, diáspora africana, ou seja, movimentos oriundos da periferia de todo o mundo.

A pedagogia crítica revolucionária enxerga a vida humana por meio dos seus aspectos sociais e históricos, isto é, percebe que a racionalização dos espaços (rurais ou urbanos) e as distinções de gêneros decorrem fundamentalmente das relações de poder. Esta pedagogia preconiza uma educação menos racista ou sexista e mais “descentralizadora da brancura”, requerendo mudanças para a promoção de uma educação autor reflexiva e sensível à solidariedade entre os sujeitos (RYOO; MCLAREN 2010).

Para tanto, faz necessário que os educadores se tornem críticos, examinando esses livros didáticos, assim como revendo os seus discursos pedagógicos e suas práticas, as quais, na maioria das vezes, discriminam os indivíduos não brancos, distanciando-os do aprendizado de LE.

Sob o prisma multicultural da pedagógica crítica revolucionária, caberia ao professor o papel de questionar, debater e contestar os valores e crenças implantadas pelas grandes editoras, cuja premissa funda-se na disseminação dos três mitos já mencionados. Assim, tanto os docentes, quanto os discentes devem desconstruir as ideologias que as editoras propagam, não só por elas apresentarem discursos, imagens e slogans estigmatizados, mas, sobretudo, por espalharem uma falsa experiência cotidiana, as quais são apropriadas pelas escolas e pelas famílias, definindo identidades e comportamentos que não fazem parte daquela realidade (KELLNER, 1995).

No entanto, torna-se emergencial a utilização de materiais autênticos nativos, não nativos, nativizados, escritos ou gravados, que explorem a função sociointerativa e simbólica da língua, de acordo com as dinâmicas de relações de poder que detém hierarquia social e poder político. Além disso, a utilização de materiais “de dentro” devem trazer situações reais do cotidiano para o contexto de sala de aula, problematizando os aspectos culturais, assim como a diversidade linguística e cultural seja respeitada e que, sobretudo, as visões etnocêntricas de livros didáticos sejam derrubadas (SCHYERL, 2012).

Por mais incrível que se pareça, a trajetória do inglês como idioma de contato entre os povos (nacionais e internacionais) é relativamente recente. Conforme palavras de Siqueira (2012):

Foi somente a partir do século XVI, em especial pela enorme difusão da obra de William Shakespeare (1564-1611) – expoente literário da era elisabetana, para muitos o maior dramaturgo de todos os tempos, e pela significativa expansão colonialista do período que, dentre outros lugares do planeta, chegou às Américas, no Ocidente, a à Ásia, no Oriente – que se começou a enxergar o potencial do inglês de um dia vir a se tornar uma das línguas naturais mais influentes da humanidade (SIQUEIRA, 2012, p.313).

Antes disso, Philipson (1992) aponta que o inglês era considerado como uma língua de alcance limitado e de pouca relevância. Em contrapartida, o poderio do império britânico foi se firmando ao transcorrer dos séculos, levando o inglês nas conquistas territoriais, militares, econômicas e políticas. Foi apropriada e difundida por inúmeros povos, transformando-se em língua oficial em muitas localidades.

Apesar do declínio do império da Inglaterra como potência mundial na época vigente, segundo Philipson (1992) o império britânico abriu portas para o crescimento e para a disseminação do império inglês, o que transformou tal língua num famoso “novo ouro negro do Mar do Norte” (GRADDOL, 2006). Já que se consolidou por uma indústria transnacional, produzindo a cifra de bilhões de libras esterlinas por ano.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Com o processo de globalização, as fronteiras foram reduzidas por uma cultura global equacionada com termos como americanização, ocidentalização ou macdonaldização. Sob essa perspectiva, o inglês se fortalece e se legitima como a língua de comunicação nos tempos atuais, alcançando o patamar de mercadoria de alto valor, especialmente em países periféricos, onde as práticas de ensinar e aprender o inglês tornou-se extremamente lucrativo.

Diante desse cenário, forçosamente, o mundo se sente obrigado a falar inglês. Consolidando-se em inúmeras promessas relacionadas ao prestigio de se comunicar por uma língua global, hoje, ancorada a visão de status social, assim como forma de passaporte para o sucesso profissional. Ademais, tanto as escolas como os centros de idiomas vêm solidificando uma imagem, que segundo a ótica crítica de Gimenez (2001, p.296), “o inglês não é apenas uma língua internacional, mas a língua da galáxia, e caso ignoremo-no, poderemos nos sentires como seres de outro planeta”.

Nesse sentido, a tentativa de “esperantizar” o inglês, transformando-o na língua franca da atualidade, de forma neutra e idealizada, apenas mascara a premissa de que tal língua se disseminou por conta do mundo globalizado, mas sim por que os países anglófonos, principalmente os Estados Unidos, passaram a gozar do poder hegemônico no mundo pós-Segunda Guerra Mundial (RAJAGOPALAN, 2005).

Matsuda (2003) afirma, que sob uma ótica neocolonialista, o inglês ainda é insistentemente ensinado como uma língua do “círculo central”, espelhando-se, quase que exclusivamente, nas variantes britânicas ou americanas, as quais são impostas pelos Materiais Didáticos (MD), repletos de personagens fictícios, com tópicos dessas culturas privilegiadas.

Portanto, ensinar inglês não pode ser visto apenas como ensinar uma outra língua. Tal idioma como língua global deve ser visto considerando seus cruzamentos diários entre as diferentes culturas, cabendo, assim, novas abordagens de ensino, que preconizem os contextos locais desses aprendizes, legitimando as línguas envolvidas nos processos de aprender e ensinar.

Entende-se, desse modo, que os Livros Didáticos (LD) devam promover o desenvolvimento da competência intercultural, bem como da inserção de temáticas que fazem parte do mundo real. Só assim, será possível a desconstrução do “mundo de plástico do livro didático”, o qual discrimina e cria uma realidade que não compactua com a realidade do alunado.

REFERÊNCIAS

FREIRE, P. Pedagogia do oprimido. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1970.

GIMENEZ, T. ETS and ELT: teaching a world language. ELT Journal, Oxford University Press, Oxford, v.55, n. 3, p.296-297, jul. 2001.

GIROUX, H. A. Pedagogy and the politics of hope: theory, culture, and schooling. Boulder, CO: Westview Press, 1997.

GRADDOL, D. English next: why global English many mean the end of English as a foreign language. The British Council. London: The English Company (UK), 2006.

 

KELLNER, D. Media culture: cultural studies, identity and politics between the modern and the postmodern. New York: Routledge, 1995.

 

KROSKRITY, P. V. Regimenting Languages: Language Ideological Perspectives. In: KROSKRITY, P. V. (Org.). Regimes of language. Santa Fe, NM: School of American Research Press, 2000. p. 1-34.

MATSUDA, A. Incorporating World Englishes in teaching English as na international language. TESOL Quarterly, Alexandria, Virginia, v. 37, n. 4, p. 719-729, 2003.

MOTA, K. Incluindo as diferenças, resgatando o coletivo: novas perspectivas multiculturais no ensino de línguas estrangeiras. In: MOTA, K.; SCHEYERL, D.

(Orgs.). Recortes interculturais na sala de aula de línguas estrangeiras. 2. Ed. Salvador: EDUFBA, 2010, p. 37-62.

PHILLIPSON, R. Linguistic imperialism. Hong Kong: Oxford University, 1992

RAJAGOPALAN, K. A geopolítica da língua inglesa e seus reflexos no Brasil: por uma política prudente e propositiva. In: LACOSTE, Y.; RAJAGOPALAN, K. (Org.). A geopolítica do inglês. São Paulo: Parábola, 2005. p. 134-159.

RYOO, J. J.; MCLAREN, P. Revolucionando a educação multicultural. Revista da FAEEBA – Educação e Contemporaneidade. Salvador, v. 19. n. 34, jul./dez. 2010, p.207-225.

 

SANTOS, B. de SOUSA. A filosofia à venda, a douta ignorância e a aposta de Pascal. Revista Crítica de Ciências Sociais, Coimbra, PT, v.80, p.11-43, mar. 2008.

 

SCHEYERL, D. Práticas ideológicas na elaboração de materiais didáticos para a educação linguística. In: SCHEYERL, D.; SIQUEIRA, S. Materiais didáticos para o ensino de línguas na contemporaneidade: contestações e proposições. Salvador: EDUFBA, 2012. p.37-56.

 

SIQUEIRA, S. Se o inglês está no mundo, onde está o mundo nos materiais didáticos de inglês? In: SCHEYERL, D.; SIQUEIRA, S. Materiais didáticos para o ensino de línguas na contemporaneidade: contestações e proposições. Salvador: EDUFBA, p.311-353, 2012.

[1] Graduada em Letras com Inglês. Especialista em Metodologia do Ensino Superior, Psicopedagogia, Educação Especial, LIBRAS (Língua Brasileira de Sinais), Mídias na Educação e Metodologia da Investigação Científica.Mestra Educação. Doutoranda em Educação (Universidad Interamericana).

 

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Neila Barros Lopez Souza

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