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Implicações hermenêuticas no ensino de leitura: Problematizando o passado e refletindo o presente

RC: 78318
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DOI: 10.32749/nucleodoconhecimento.com.br/educacao/implicacoes-hermeneuticas

CONTEÚDO

ARTIGO ORIGINAL

RIBEIRO, Renata Alessandra dos Santos [1], OLIVEIRA, Bruna Carla Rodrigues de [2], BODART, Raquel Oliveira [3]

RIBEIRO, Renata Alessandra dos Santos. OLIVEIRA, Bruna Carla Rodrigues de. BODART, Raquel Oliveira. Implicações hermenêuticas no ensino de leitura: Problematizando o passado e refletindo o presente. Revista Científica Multidisciplinar Núcleo do Conhecimento. Ano 06, Ed. 03, Vol. 06, pp. 142-154. Março de 2021. ISSN: 2448-0959, Link de acesso: https://www.nucleodoconhecimento.com.br/educacao/implicacoes-hermeneuticas, DOI: 10.32749/nucleodoconhecimento.com.br/educacao/implicacoes-hermeneuticas

RESUMO

No ensino da leitura na contemporaneidade, a hermenêutica é uma prática que diz respeito a interpretação do discurso em diferentes contextos de produção de sentidos. Compreender e interpretar são processos indissociáveis nesta prática. Originando-se de tempos em que havia a necessidade de uma técnica que esclarecesse os escritos sagrados, e as leis jurídicas, a leitura hermenêutica passa por uma longa trajetória que a consolida em tempos contemporâneos como uma prática universal. Visto a necessidade de incentivar o aluno à leitura, este artigo tem por objetivo apresentar os diferentes aspectos conceituais da hermenêutica, centrada na questão da produção de sentidos e na intersubjetividade no ensino da leitura. Em seus aspectos metrológicos, a pesquisa sobre hermenêutica tem por finalidade evidenciar o valor da interpretação criativa (que dá liberdade ao aluno para argumentar sobre o texto), a fim de que a mediação do ensino da leitura seja diferenciada. Este trabalho foi realizado através de uma metodologia baseada na pesquisa teórica, que se propôs a apresentar os diferentes pensamentos sobre a leitura, a interpretação e a hermenêutica. Com base nos autores referenciados, a prática hermenêutica oferece à educação, orientações que promovem um entendimento de como o intérprete pode chegar a real compreensão do texto lido, identificando gêneros e relacionando suas semelhanças e diferenças, no que diz respeito  a sua linguagem, a sua estrutura e o seu funcionamento social. A aplicação da leitura hermenêutica em sala de aula estimula a presença e o envolvimento dos alunos na busca pelo desvendamento dos segredos presentes no texto, segundo a visão do outro (escritor). Desta forma, o aluno é incentivado a identificar e a divulgar a sua interpretação sobre o texto e os sentidos atribuídos a ele durante a leitura, de modo a compreender este cenário, não como a própria realidade, mas como mais uma dimensão da realidade.

Palavras-chave: Hermenêutica, ensino da leitura, aprendizagem, produção de sentidos.

1. INTRODUÇÃO

O homem, ser dotado de inteligência, faz uso da comunicação ao interagir em sociedade. Esse processo acontece envolvendo um todo de significações e sentidos. Os interlocutores têm por objetivo enviar uma mensagem enquanto que o enunciatário, em um processo dialético, além de assimilar, necessitará interpretá-la. Os seres humanos produzem sentidos no processo comunicativo e mais especificamente no fluxo da leitura, em suas vivências de leitor, oscilando entre os papéis de enunciador e enunciatário.

Segundo Carvalho (2003, p. 284): “(…) num certo horizonte de significação são colocados em risco na ação, tanto pela conjuntura histórico-cultural presente quanto pelo valor intencional subjetivo de seu uso pelos sujeitos ativos”. Assim, o processo de comunicação configura um todo mergulhado no valor subjetivo que a mensagem tem para cada um dos sujeitos ao se comunicarem (falante/ouvinte ou autor/leitor).

Estudos a partir da década de 1960, tiveram por enfoque a discussão sobre o papel do leitor/ouvinte e segundo Sodré (2012) resultaram no entendimento de que o produtor de sentidos se trata de um sujeito mergulhado na ideologia, sendo que, nesse processo, o sujeito não é uma figura passiva. Para realizar a intepretação, o interlocutor necessita desenvolver habilidades que o possibilitem alcançar a real compreensão dos discursos que permeiam sua vida.

Nas escolas o trabalho com leitura assume extrema relevância para a formação de cidadãos reflexivos, críticos e capacitados a se posicionarem diante de fatos e acontecimentos, fazendo uma leitura de mundo, por meio de suas interpretações dos muitos discursos com os quais se depara. Em tempos contemporâneos a hermenêutica surge para o trabalho nas escolas, com leitura, como uma ferramenta capaz de auxiliar docentes e discentes aprimorar as habilidades com a interpretação, desvendando os sentidos do discurso textual.

Derivada do verbo grego “hermeneuein”, a hermenêutica, tem por significado:  expressar em voz alta, explicar ou interpretar e traduzir.   Esse termo era etimologicamente relacionado ao deus Hermes, figura mitológica, encarregado de levar a expressão dos desejos dos deuses para a humanidade. O recurso heurístico para a palavra hermenêutica, é atualmente questionado em sua conexão etimológica. A língua latina traduz a palavra grega como interpretativo, que significa interpretação (ALBERTI, 1996), este é o mais amplo significado da palavra hermenêutica que tem por tarefa confrontar diferentes usos de duplo sentido e funções da interpretação por disciplinas tão distintas como a semântica, a linguística, a psicanálise, a fenomenologia e a história comparada das religiões, a crítica literária, entre outras.

Feitas as considerações iniciais e apresentado o estado da arte, investiga-se: quais as contribuições da hermenêutica no ensino da leitura na Educação Básica, para além da interpretação de textos? Nesse sentido, a hermenêutica e suas diferentes concepções possibilita ao professor de leitura a expansão dos sentidos da leitura, construindo a formação social do leitor em uma visão crítica e argumentativa.

Nessa perspectiva, este artigo tem por objetivo apresentar os diferentes aspectos conceituais da hermenêutica, centrada na questão da produção de sentidos e na intersubjetividade no ensino da leitura. Para tanto foi realizada uma pesquisa de natureza qualitativa e bibliográfica, desenvolvida pelo método da revisão de literatura, com base em livros didáticos e artigos acadêmico-científicos.

2. O SENTIDO DA LEITURA: A HERMENÊUTICA NA FORMAÇÃO DO LEITOR

Na leitura hermenêutica pode haver a distinção entre compreensão gramatical, a partir do conhecimento da totalidade da língua, do texto e da materialidade linguística, bem como da compreensão discursiva, pelos diferentes efeitos de sentido que um mesmo texto encerra em seu contexto. Reconstruir o processo criativo do autor, descobrir o significado intencionado e, talvez compreender o autor melhor do que ele próprio, tornou-se um dos caminhos e novas concepções no processo de produção sentidos no ensino da leitura.

De acordo com Possenti (2009) a interpretação gramatical entendida como compreensão da linguagem empregada por um autor, por meio dos fatores de textualidade e semânticos, confere múltiplas significações às palavras, juntamente com a abordagem psicológica, a qual busca o pensar do autor, de como o autor desenvolve seu raciocínio, sua expressividade. Essas interpretações dependem uma da outra para a ampla compreensão dos mais diversos textos.

Importante ressaltar que na apresentação das diferentes concepções da hermenêutica, sua divisão didática, como apresentada a seguir, servirá de base para revisitar os hermeneutas clássicos, com a postura de que suas teorias se interdependem e complementam.

2.1 A HERMENÊUTICA EM FRIEDRICH SCHLEIERMACHER

Para muitos estudiosos, foi Friedrich Daniel Ernst Schleiermacher (1768-1834), quem deu o início à consolidação da hermenêutica moderna. Esse estudioso foi um dos primeiros eruditos a questionar a interpretação sobre os evangelhos, apresentados pela tradição da igreja. Segundo o autor, a tarefa da hermenêutica é entender além dos discursos textuais, os sentidos das escrituras sagradas.  Schleiermacher adicionou à teoria tradicional da interpretação uma característica psicológica. Do mesmo modo, buscava as razões das regras e do procedimento, para se chegar a compreensão.

Sua contribuição filosófica leva ao esclarecimento a relação do sujeito e do ser histórico na dinâmica da própria história e do horizonte linguístico, acrescentando que a compreensão é alcançada entre as partes e o todo. Na visão de Schleiermacher (2000): “Todos os problemas da interpretação são na realidade problemas da compreensão” (apud GADAMER, 2002, p. 188).

Schleiermacher (2000) esclarece que toda linguagem é fonte de relatividade e historicidade, não há um saber absoluto uma vez que não existe uma linguagem universal que construa a unificação do pensamento. Cada pessoa traz as suas verdades, porém na interpretação torna-se preciso abstrair a essência do texto, ou seja, a intencionalidade dos sentidos emanados do autor, não apenas o que o leitor abstraiu da significação, uma vez que todo texto traz múltiplos sentidos e o autor é o polo intencional. Em seu intento hermenêutico se referenciou a uma arte que não visa o saber teórico, mas sim nas práxis, ou seja, a técnica de interpretação ideal e idealizada de um texto falado ou escrito.

A primeira aquisição da hermenêutica moderna constituiu-se em estabelecer métodos interpretativos, ou seja, proceder do todo à parte e aos detalhes, tratar, por exemplo, uma carta bíblica, como parte destacada de um contexto (mas também como pertencente ao um todo, a própria Bíblia), esta pode ser analisada e estudada em separado, como um encadeamento, e ainda conforme, com base na visão de Schleiermacher (2000), como a relação entre uma forma interior e uma forma exterior.

Ao trazer a visão de Schleiermacher para a aprendizagem da leitura,  a interpretação gramatical com base nos caracteres comuns do discurso de uma determinada cultura, que  independe do autor e indica limites de compreensão,  juntamente com uma interpretação chamada de positiva, e voltada para a singularidade da mensagem do autor são possibilidades de ensino, embora práticas distintas, que a princípio caminham juntas. Tais posturas revelam significações diferentes e  mesmo que uma acabe por excluir a outra, essas distinções apontam aspectos de uma  compreensão superior que se dá pela sua integração.

2.2 VISÃO HERMENÊUTICA DE WILHELM DILTHEY

Conhecido como o pensador da teoria da compreensão com base na história, Wilhelm Dilthey Wilhelm (1833 – 1911), foi o primeiro filósofo a formular a dualidade de “ciências da natureza e ciências do espírito”, que se diferem por meio de um método analítico esclarecedor e um procedimento de compreensão descritiva. Nessa conceituação, a hermenêutica se torna além de gramatical, histórica e alcança status de uma metodologia das ciências humanas. No seu pensamento, deve haver a explicação dos eventos da natureza, ao passo que na história, os eventos factuais, os valores e a cultura necessitam ser compreendidos (ALBERTI, 1996).

Segundo Dilthey compreender é para um ser finito transportar-se para um campo além de sua vivência indo ao encontro de outra vida: ao mundo de um emissor. No estudo dos produtos humanos, a história nasce e torna-se a base para a compreensão e não parte propriamente de uma introspecção subjetiva ou de uma especulação filosófica.

Dilthey (1957) aprofunda a visão de que qualquer manifestação objetiva do ser humano tem um sentido maior que se encontra no campo do espírito. Sua hermenêutica elimina a abordagem alegórica sustentada por Roma, portanto dogmática, com enormes implicações políticas, epistemológicas e hermenêuticas.

Nas palavras de Dilthey (1957, p. 12):

Trata-se de uma questão da maior relevância. Em qualquer situação nossa ação pressupõe a compreensão de outras pessoas; uma grande parcela da felicidade humana surge da percepção empática (Nachfühlen) de configurações psíquicas alheias; toda a ciência filológica e histórica está fundamentada no pressuposto de que esta compreensão empática do singular possa ser elevada à objetividade.

A dimensão histórica elaborada, com base nessa visão, viabiliza ao aprendiz de leitura, constituído em processo histórico-cultural, interpretar e produzir sentidos para além dos limites de seu próprio tempo, pois é na sua constituição histórica que os sujeitos do discurso se apropriam dos sentidos múltiplos que cada texto lhe oferece.

Considerando as contribuições de Dilthey no ensino da leitura, ao analisar o homem e o comportamento humano, dentro de uma ciência do espírito é possível alcançar a compreensão interior por meio das ações e motivações que regem o ser humano em seu contexto e pelas relações sociais na vivência humana. Em outras palavras, ao observar o comportamento do aprendiz-leitor, chega-se aos meios necessários à compreensão da humanidade e do mundo histórico-social.

2.3 FENOMENOLOGIA E HERMENÊUTICA NO PENSAMENTO DE MARTIN HEIDEGGER

O fenomenólogo Martin Heidegger (1889-1976) elaborou uma filosofia da existência, marcada pela possibilidade de vir a ser, a qual conduz a refletir sobre a problemática do ser. Nessa visão, a compreensão de si próprio ocorre quando se descobre o que se pode ser, do mesmo modo que ao descobrir para que as coisas servem e sua utilização o ser humano está compreendendo, essencialmente, o ser em si, o dasein que Heidegger define de ser-aí, o homem enquanto um ente que existe imediatamente no mundo, existe compreendendo, uma das grandes contribuições para o campo da hermenêutica (STEIN, 2011).

Tem-se um campo onde a priori acontece a questão mais filosófica do que na interpretação em si mesma, fundamentando que o ato da compreensão está ligado à descrição do que é “está a fazer ontologia e não metodologia”. Heidegger chama a atenção para a hermenêutica da facticidade, ou seja, a autocompreensão interpretativa do Dasein em sua vida efetiva. Na busca do significado do ser, torna-se necessário descobrir o significado do ser de Dasein. Seu método de análise é a hermenêutica fenomenológica, uma autocompreensão interpretativa de Dasein enquanto este se mostra a partir de si mesmo.

Para Heidegger, por meio da compreensão do discurso, tomando o leitor enquanto ser-no-mundo na vivência com outros, dasein revela o aí (STEIN, 2011). Inicialmente em sua pesquisa Heidegger se fundamentou na ontologia e na hermenêutica de Dasein, passando mais à frente a direcionar seus passos na vereda essencial sobre a verdade do Ser e a linguagem. Escolhendo, uma direção voltada a percorrer esse caminho com uma visão mais poética, entendendo a poesia como pensamento do sentido que enquanto tal precisa ser escutada.

O filósofo também mostra caminhos de compreensão voltados para a linguagem, ao identificar esse ser como sendo um ser que utiliza a linguagem para fazer se comunicar, sendo a linguagem o pronunciamento da fala, ele esclarece que: “A fala é a articulação em significações da compreensibilidade inserida na disposição do ser-no-mundo seus momentos constitutivos são os seguintes: o referencial da fala (Beredete) aquilo sobre que se fala como tal (Geredete), a comunicação e o anuncio. Estes não são propriedades que só se possam reunir empiricamente na linguagem (HEIDEGGER, 2006, p. 225).

Toda fala é um pronunciamento que manifesta a presença de alguém. Há que se tentar apreender, segundo Heidegger, a “essência da linguagem”, ao compreender a linguagem alicerçada na concepção de “expressão”. O que leva o ser a percorrer o caminho da linguagem buscando e produzindo sentido ao seu mundo. Aqui tem-se uma colocação fundamental mesmo no afastamento para Heidegger, de que o ser por meio da linguagem se expressa e essa expressão é averiguável para tornar conhecido aquele que fala (DUTRA, 2002).

No ensino da leitura, a proposta inicial sobre a analítica do Dasein, passa a ter uma ligação dentro de um círculo hermenêutico com a filosofia da linguagem. Sendo as questões que antes se referiam ao si do dasein, agora direcionada as questões linguísticas, introduzindo o ser na compreensão de múltiplas linguagens. Nesse caso, a essência do leitor-aprendiz não é verdadeiramente determinada pela oposição sujeito-objeto, mas sim que esta pressupõe uma abertura prévia, na qual a existência como ser no mundo histórico e linguístico se experimenta e se compreende a si mesma.

2.4 A HERMENÊUTICA NA TEORIA FENOMENOLÓGICA DE EDMUND HUSSERL

Manifesta-se uma abordagem hermenêutica, baseada em uma nova  metodologia fenomenológica, que se vize com seriedade,  objeto e sentido, questões de ser, de possibilidades, de origem e de legitimação. Buscando descortinar potencialidades, evidenciando multiplicidades de novas vivências  para assim revelar o sentido intencional, ou seja, o que implicitamente se visava.

Husserl (1859-1938) promoveu a mudança da atenção dos fatos contingentes para o seu sentido originário intrínseco de uma vivência intencional.

Portanto, teremos que afirmar: esse “exprimir” uma apercepção (ou numa maneira objetiva de falar: o percebido, como tal) não compete às palavras pronunciadas, mas a certos atos expressivos; expressão significa, nesse contexto, uma expressão vivificada por seu sentido total, posta aqui numa certa relação com a percepção, que, por sua vez, é dita expressa justamente em virtude dessa relação. Isso implica, ao mesmo tempo, que entre a percepção e as palavras pronunciadas está inserido ainda um ato (ou, conforme o caso, um complexo de ato); digo um ato: pois a vivência da expressão, seja ou não acompanhada de percepção, tem uma relação intencional com algo objetal. É esse ato mediador que deverá servir propriamente de ato doador de sentido, ele é próprio à expressão que atua com pleno sentido, a título de seu componente essencial, fazendo com que o sentido seja sempre idêntico, quer a ele se assine uma percepção comprovante ou não. (HUSSERL, 1990, p. 25)

Propõe através da prática hermenêutica, passar de um olhar ingênuo do mundo para uma visão mais apurada que leve em consideração as coisas, no qual o mundo se revela em sua totalidade como “fenômeno”.

Segundo Husserl: “A fenomenologia procede elucidando visualmente, determinando e distinguindo o sentido…, mas tudo no puro ver” (HUSSERL, [1907] 1992, p. 87). Na sua visão é a  experiência fonte de todo o conhecimento e  a noção de intencionalidade que define a forma primordial  dos processos mentais.

Husserl (1992) recusa o psicologismo e faz oposição entre a historicidade e cientificidade. A fenomenologia, compreendida como filosofia científica, tem valor próprio e sendo autônoma, independe e evita relativismos históricos, na qual verdade e falsidade se camuflam desapercebidas em uma postura de cepticismo. O foco está na explicação do objeto, da intencionalidade individual do ser, sendo que esta intencionalidade contamina no sentido de impregnar traços, posicionamentos que estão registrados nas entrelinhas dos textos. Há que se ler essas entrelinhas para se chegar a compreensão do que é fenomenologicamente explicável.

Para Husserl (1990), a consciência do homem é a ciência que precisa ser estudada, a totalidade das vivências de uma pessoa, são desenvolvidas no interior, fazem parte de uma sucessão de acontecimentos, amadurecidos no interior tanto do mundo como da natureza. A realidade no espaço e no tempo, ao qual o ser pertence, manifesta-se frente ao ser e a toda humanidade presente e nas interações correntes.

Em se tratando das possibilidades da hermenêutica no ensino da leitura, o ser é dessa forma, condicionado pelo mundo, enquanto possui uma realidade psicofísica, uma consciência própria e psíquica, em uma constante relação com o mundo natural. Trata-se de um estudo da consciência, como necessário àquele que está fazendo a interpretação textual, sendo que por meio desse estudo o hermeneuta realizará sua atividade se expressando e dialogando com o autor. Na aquisição de habilidade para a leitura, há uma diferença entre o psicologismo e o estudo da consciência de um indivíduo, ao lado de um objeto visado, surgem perspectivas deste objeto que são reenviadas umas às outras formando uma indissociável unidade de significados.

2.5 GADAMER E CONTEXTO HISTÓRICO E LINGUÍSTICO DA HERMENÊUTICA

Outro filósofo decisivo no desenvolvimento da hermenêutica no século XX é Hans-Georg Gadamer (1900-2002). O ponto cerne da teoria de Gadamer é que a natureza da compreensão humana, em que a linguagem passa a ser vista, após a virada linguística, como meio para a compreensão do indivíduo no mundo, de forma a ser observada como processo de aprendizagem intersubjetivo. Para Gadamer (2002), não há um método único que leve a verdade, porém há o direcionamento de um horizonte que se chegue a ela, que é entendimento dos fundamentos linguísticos. Gadamer (2002) expõe que a compreensão do sentido não parte semanticamente da abertura linguística ao mundo, mas pragmaticamente da busca por entendimento mútuo entre autor e intérprete.

Gadamer traz um enfoque no diálogo que o intérprete estabelece como o texto como abertura para se chegar a compreensão.

Nós nos aproximamos mais da linguagem quando pensamos no diálogo. Para que um diálogo aconteça, tudo precisa se afinar. Quando o companheiro de diálogo não nos acompanha e não vai além de sua resposta, mas só tem em vista, por exemplo, com que meios de contra argumentação ele pode limitar o que foi dito ou mesmo com que argumentações lógicas ele pode estabelecer a refutação, não há diálogo algum – um diálogo frutífero é um diálogo no qual oferecer e acolher, acolher e oferecer conduzem, por fim, a algo que se mostra como um sítio comum com o qual estamos familiarizados e no qual podemos movimentar uns com os outros (GADAMER, 2002, p. 46).

Nessa perspectiva, a compreensão do aprendiz de leitura acontece pelo diálogo sobre um tópico onde o objetivo é chegar a um acordo sobre este mesmo tópico. Da mesma forma, a abertura para esse diálogo é a pergunta, em que a própria pergunta aponta na direção daquilo que está sendo perguntado. Desta forma, aquilo que é perguntado passa a uma perspectiva particular.

Com base nas teorias de Gadamer (2002), aquele que quer compreender, fazer uma interpretação correta, adota um comportamento reflexivo diante da tradição, tem que se proteger da arbitrariedade de impressões repentinas e da estreiteza dos hábitos de pensar imperceptíveis e voltar seu olhar para as coisas elas mesmas.

Diante do texto, ao se perguntar o que o autor intencionava, em vez de o que o texto significa, para o filósofo, seria uma pergunta enviesada, ou seja uma pergunta onde já se pressupõe algo erroneamente. O que irá impedir que a pergunta seja realmente respondida. Ao ser formulada a pergunta deve estar no horizonte correto, expondo a indeterminação daquilo que está sendo perguntado.

O ato de fazer e responder perguntas concretiza o diálogo.

O intérprete entra em um diálogo com o texto, fazendo o próprio texto falar, como se fosse outra pessoa em diálogo consigo. Utilizando-se a concepção previa da completude, o leitor desenvolve os argumentos do texto, que podem questionar sua própria posição.  A compreensão, ou seja, a fusão de horizontes, ocorre por meio desse diálogo, unindo então as partes e o todo em uma unidade de significado, pela fusão de horizontes que ocorre na realização da linguagem.

No método hermenêutico não há uma verdade absoluta, de acordo com suas palavras:

experiência do mundo sócio histórico não se eleva ao nível de ciência pelo processo indutivo das ciências naturais. O que quer que signifique ciência aqui, e mesmo que em todo conhecimento histórico esteja incluído o emprego da experiência genérica no respectivo objetivo de pesquisa, o conhecimento histórico não aspira tomar o fenômeno concreto como caso de uma regra geral. O caso individual não se limita a confirmar uma legalidade, a partir da qual, em sentido prático, se poderia fazer previsões. Seu ideal é, antes, compreender o próprio fenômeno na sua concreção singular e histórica. Por mais que a experiência geral possa operar aqui, o objetivo não é confirmar nem ampliar essas experiências gerais, para se chegar ao conhecimento de uma lei – por exemplo, como se desenvolve os homens, os povos, os estados –, mas compreender como este homem, este povo, este estado é o que veio a ser; dito genericamente, como pode acontecer que agora é assim (GADAMER, 2002, p. 38).

Nessa visão,  a linguagem é a porta para a compreensão. E a relação entre um texto e sua história efetiva e interpretações diferente, mas corretas, é especulativa porque cada interpretação apresenta um aspecto daquilo que o texto diz, ou seja, não há um segundo texto sendo criado na interpretação correta.

Como a fusão de horizontes envolve o horizonte expandido do intérprete, e como intérpretes diferentes em tempos históricos diferentes terão horizontes expandidos diferentes, a compreensão correta do que o texto tem a dizer será afirmada diferentemente em situações hermenêuticas diferentes (SCHMIDT, 2012, p. 170).

Esse pensamento evidencia que não se poderá chegar a uma interpretação particular que seja classificada por si mesma correta.

Quanto as contribuições de sua teoria no ensino de leitura, pode-se refletir que a compreensão se inicia com o preconceito do intérprete, a linguagem herdada, e palavras apropriadas são usadas para revelar o assunto dentro de uma compreensão explícita. Mas o ser humano possui um intelecto imperfeito, tido através da construção de uma consciência histórica, o que impossibilita ao indivíduo chegar a um ponto de vista objetivo ou uma verdade absoluta. Ademais, o mundo é retratado pela visão de mundo que o ser adquire em sua vivência, no ambiente a sua volta. Não existe uma linguagem classificada como perfeita para revelar o mundo em si, uma vez que a formação social do leitor e os acontecimentos não são estáticos, pois o ensino da leitura volta-se para uma linguagem que apresenta uma expressão ampliada do texto.

2.6 CONCEPÇÕES SOBRE A HERMENÊUTICA DE PAUL RICOEUR

Paul Ricouer (1913-2005), na busca do entendimento do homem, revela um ser que se constitui a partir do outro. Suas concepções constantemente abordavam temas sobre linguística, psicanálise, estruturalismo e hermenêutica, demonstrou em suas pesquisas, interesse particular pelos textos sagrados do cristianismo. Estabeleceu uma ligação entre fenomenologia e a análise contemporânea da linguagem, através da teoria da metáfora, do mito e do modelo científico. Seus estudos e escritos revelam sobre o modo como a realidade de uma pessoa passa a ser configurada por sua percepção dos eventos no mundo por quais ela passa.

Uma vez que na interpretação a consciência precisa ser reapropriada, a reflexão para Ricoeur (2006) acontece na reapropriação do sentido que a coisa convoca para ir além de uma leitura ingênua ou supostamente neutra da realidade.

Ultrapassar os limites da consciência ingênua, é proposto por Ricoeur, por meio de um trabalho voltado para a leitura hermenêutica. A partir dos textos de Ricoeur se abre uma hermenêutica que se define como “teoria das operações da compreensão em sua relação com a interpretação de textos”. Fundamental, visto que toda linguagem pressupõe a interpretação.

Do próprio modo de ser do texto surgirão as bases para Paul Ricouer (1989) colocar as condições de possibilidades da efetivação de seu intento:

O texto é, para mim, muito mais que um caso particular de comunicação inter-humana: é o paradigma do distanciamento na comunicação. Por esta razão revela um caráter fundamental da própria historicidade da experiência humana, a saber, que ela é uma comunicação na e pela distância.

Caminhos para a dissolução de fatos, de ideias, de intenções transcritas nos mais diversos gêneros textuais é o que a hermenêutica oferece, assim enfatiza Ricoeur (2006):

Mais precisamente, se um texto pode ter vários sentidos, por exemplo, um sentido histórico e um sentido espiritual, deve-se recorrer a uma noção de significação muito mais complexa que a dos signos ditos unívocos, exigida por uma lógica da argumentação. Enfim, o próprio trabalho da interpretação revela um desígnio profundo:  o de superar uma distância, um afastamento cultural, o de equiparar o leitor a um texto que se tornou estranho e, assim, incorporar seu sentido à compreensão presente que um homem pode obter dele mesmo.

O filósofo, fundamentado na concretude do texto, elaborou uma teoria da interpretação apoiada em uma espécie de ontologia da escritura. A compreensão deixa de ser considerada como uma modalidade do conhecimento, passando a ser reconhecida como o modo essencial do ser no mundo.

Importante frisar que no ensino da leitura, quando o discurso se torna escrito, surge a necessidade de se lhe antepor uma teoria das operações das possibilidades de compreensão. É nesse sentido que a hermenêutica se efetivará como uma teoria do texto. Se a base é o texto, o ponto de chegada continua sendo a intencionalidade que subjaz ao texto. Neste contexto, a interpretação visa propriamente o que diz o texto, mas também quem é o locutor da mensagem textual.

3. CONCLUSÃO

Diante das teorias hermenêuticas apresentadas, percebe-se que a prática hermenêutica na educação é vantajosa e impulsionadora além de ser formativa, por propiciar uma visão consciente, e criticidade que contribuíram para a formação dos indivíduos capazes argumentar na pratica de mundo comunicativo diverso. Nessa perspectiva, a demanda da educação é ensinar para a vida, a educação acontece somente quando é capaz de propiciar aos aprendizes, faculdades intelectuais que o possibilitem a fazer mudanças conscientes.

Essa integração é uma alteração apropriada para os tempos contemporâneos, período este em que as informações chegam a todo o momento por diferentes canais de comunicação. Fazer inteligível a comunicação, por meio do discurso é uma necessidade atual de mudanças para práticas de leituras fundamentadas em uma concepção, o caso desta pesquisa a hermenêutica.

A presente pesquisa esclareceu que a hermenêutica pode ser aplicada a diferentes situações comunicativas em que a leitura é a prática central. Na escola, o interprete-aluno constroem no cotidiano da sala de aula princípios fundamentais de ser no mundo pela compreensão das leituras dos diferentes discursos que veiculam na escola. A hermenêutica traz em sua fundamentação uma proposta enriquecedora para o trabalho com interpretação de texto e escrita argumentativa nas escolas.

Importante ressaltar que a pratica hermenêutica, nesta pesquisa, propiciou à hermeneuta-pesquisadora uma reflexão sobre os mecanismos, particularidades, especificidades, linguagens, entre outros elementos da superfície textual, os elementos linguísticos. Por uma educação significativa e transformadora, a leitura hermenêutica é um exercício de pertença a um mundo em que a comunicação e a veiculação de informação escrita são enunciadas a todo momento, sobretudo na cultura digital, alcançando cada vez mais crianças e jovens para o mundo textual cibernético.

REFERÊNCIAS

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DILTHEY. Wilhelm, O Surgimento da hermenêutica (1900), in: Gesammelte Schriften, v. 5, 2. Aufl., Stuttgart : B. G. Teubner; Gotlingen : Vandenhoeck & Ruprecht, 1957, p. 317-338, Tradução Eduardo Gross.

DUTRA, Elza. A narrativa como técnica de pesquisa fenomenológica. Estudos de Psicologia, v. 7, n. 2, p. 371-378, 2002.

GADAMER. H. G.  Verdade e método II: complementos e índice. Petrópolis:  Vozes, 2002.

HEIDEGGER, Martin. Ser e tempo. Petrópolis: Vozes, 2006.

HUSSERL, Edmund. A ideia da fenomenologia. Lisboa: Edições 70, 1990.

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RICOEUR, Paul. A hermenêutica bíblica. São Paulo: Loyola, 2006.

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SODRÉ, Muniz. Comunicação: um campo em apuros teóricos. Matrizes, v. 5, n. 2, p. 11-27, 2012.

STEIN, Ernildo. Introdução ao pensamento de Martin Heidegger. Porto Alegre: Edipucrs, 2011.

[1] Mestre em Educação, Especialista em Ensino de Artes Visuais, Graduada em Letras Port/Inglês.

[2] Mestre em Educação, Especialização em Psicopedagogia, Graduada em Pedagogia.

[3] Mestre em Matemática, Especialista em Matemática e Estatística, Graduada em Licenciatura Plena em Matemática.

Enviado: Dezembro, 2020.

Aprovado: Março, 2021.

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Renata Alessandra dos Santos Ribeiro

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