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Arte e cultura Kaimbé: A EJA enquanto agente influenciador da produção de artesanato

RC: 63762
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CONTEÚDO

ARTIGO ORIGINAL

ALTMICKS, Alfons Heinrich [1], CANTON, Anayme Aparecida [2]

ALTMICKS, Alfons Heinrich. CANTON, Anayme Aparecida. Arte e cultura Kaimbé: A EJA enquanto agente influenciador da produção de artesanato. Revista Científica Multidisciplinar Núcleo do Conhecimento. Ano 05, Ed. 10, Vol. 10, pp. 181-200. Outubro de 2020. ISSN: 2448-0959, Link de acesso: https://www.nucleodoconhecimento.com.br/educacao/producao-de-artesanato

RESUMO

A Educação de Jovens e Adultos (EJA), etnicamente diferenciada, é condição para que a mulher indígena Kaimbé reconheça o seu potencial, enquanto agente transformador da sua comunidade, afirmando a sua identidade cultural, frente às exclusões que a colocam à margem da sociedade. Nesse sentido, essas mulheres utilizam o cabedal cultural do artesanato indígena, para estabelecer elos entre Educação, Cultura e saberes tradicionais. Assim, o problema que norteia essa investigação se circunscreve à seguinte questão: de que forma a EJA contribui para que a mulher indígena Kaimbé reconheça o seu potencial, agindo como um agente transformador, na sociedade e na sua família, possibilitando as mudanças de comportamento, frente às situações de exclusão social, que a marginalizam? No escopo dessa pergunta, o objetivo primaz, que se impõe a essa investigação, foi o de analisar a maneira como a EJA auxilia a consecução da afirmação étnica feminina Kaimbé, trazendo a compreensão sobre o papel da mulher indígena, como agente transformador, na sua sociedade e na sua família. O percurso metodológico adotado foi o estudo de caso de viés etnográfico, caracterizado pela compreensão do fenômeno no seu campo normativo e cultural. Ao findar esta investigação, constatou-se a relevância da EJA, como elemento mantenedor da identidade étnica e do pertencimento feminino Kaimbé, sobretudo, a partir da sua proposta de trabalhar os elementos da cultura Kaimbé, inseridos no artesanato indígena, produzido no Território do Massacará.

Palavras-chave: Educação, Educação de Jovens e Adultos (EJA), artesanato indígena Kaimbé, histórias de vida.

INTRODUÇÃO

Mostrar o trabalho das mulheres Kaimbé significa, no tocante aos objetivos desta investigação, reconhecer os contextos que constroem os sujeitos, no campo da Educação de Jovens e Adultos (EJA), especificamente, no que diz respeito à Educação indígena e ao resgate de uma cultura que corre o risco de desaparecer – uma vez que se trata de um povo de etnia rara e praticamente desconhecida. Além do resgate cultural, outro fator importante, nesse sentido, é a propagação dessa cultura em âmbito acadêmico, como registro para futuras pesquisas – além de deixar, para a própria comunidade indígena Kaimbé, o registro de sua cultura para as novas gerações. Dito isto, é necessário, neste ínterim, pontuar o papel da mulher indígena Kaimbé enquanto pertencente a uma sociedade que ainda insiste em constringir aqueles que têm lutado para alcançar o seu lugar; deste modo, destacar as histórias de vida dessas mulheres, no decorrer deste trabalho, possibilitará a consciência sobre os fatores que contribuíram para o abandono dos seus estudos – sobretudo, pelas demandas sociais, mais corriqueiras ao universo feminino.

Em tempo, destaca-se o elemento norteador desta pesquisa, o qual pretende perceber a influência da EJA na formação étnica e no pertencimento da mulher indígena Kaimbé. Intentou-se, ainda, responder a seguinte questão: de que forma a EJA contribui para que a mulher indígena Kaimbé perceba e reconheça o seu potencial, agindo como um agente transformador, na sociedade e dentro da sua família, possibilitando a mudança nos perfis de comportamento, frente às situações de exclusão social, que as colocam à margem da sociedade?

A EJA, oferecida no Território Indígena do Massacará, dentro das atividades letivas convencionais, do Colégio Estadual Indígena Dom Jackson Berenguer Prado, é essencial para a legitimação étnica da mulher Kaimbé, dotando-a de conhecimentos, que permitem expressar, no artesanato local, as características da sua etnia, além de constituir um nicho importante de subsistência para a comunidade Kaimbé. A esse respeito, destaca-se que a orientação didático-pedagógica, da supracitada instituição de ensino, é consonante com as propostas da Educação Indígena contemporânea, no sentido de desenvolver elementos de valorização cultural e étnica, além de subsidiar a territorialidade e o pertencimento Kaimbé. Para tanto, o artesanato indígena é usado como um dos recursos metodológicos desta modalidade de ensino, no Colégio Estadual Indígena Dom Jackson Berenguer Prado; além de possibilitar o desempenho de uma atividade laboral, em um território escasso de oportunidades de trabalho, tal mecanismo permite a difusão e, consequentemente, a legitimação, da cultura Kaimbé, uma vez que os produtos de artesanato, confeccionados pelas mulheres indígenas Kaimbé, são direcionados a várias partes do estado da Bahia.

Nesse sentido, objetivo geral deste artigo é o de analisar a maneira como a EJA, ofertada no Colégio Estadual Indígena Dom Jackson Berenguer Prado, auxilia a consecução da afirmação étnica feminina Kaimbé, trazendo a compreensão sobre o papel da mulher indígena Kaimbé, enquanto agente transformador, em sua sociedade e na sua família. À guisa de objetivos específicos, tem-se: apontar a consonância entre com as atividades desenvolvidas na EJA do Colégio Estadual Indígena Dom Jackson Berenguer Prado e as propostas da Educação Indígena contemporânea; demonstrar que o artesanato indígena Kaimbé, usado como recurso metodológico na EJA do Colégio Estadual Indígena Dom Jackson Berenguer Prado, representa uma importante atividade laboral, em um território escasso de oportunidades de trabalho, e possibilita a difusão e a legitimação da cultura Kaimbé.

Por fim, a relevância desta investigação reside na necessidade de se compreender a EJA, dentro de uma perspectiva étnica, como uma instância educacional, que, além de instrumentalizar e potencializar a força de trabalho, dos seus alunos, auxilia-os a compreender, a si mesmos, como seres dotados de identidade étnica e de cultura particular. Diante da escassez de literatura sobre o tema, a investigação ganha urgência, no ambiente acadêmico. Com efeito, é necessário que pesquisadores da Educação, especialmente, em nível de stricto sensu, despertem a atenção para as especificidades e idiossincrasias da Educação Indígena. Nesse sentido, nutre-se a esperança de que este artigo possa, ao menos, provocar interesse nos pesquisadores do campo educacional, para que novas investigações sejam confeccionadas.

O TERRITÓRIO KAIMBÉ

O Território Indígena do Massacará ocupa 8.020 hectares, demarcados pela Fundação Nacional do Índio (FUNAI), no chamado “Polígono da Seca da Bahia”, sito ao município de Euclides da Cunha, Mesorregião Geográfica do Nordeste baiano. No interior da sua demarcação, vivem algo em torno de 1.150 indígenas Kaimbé, distribuídos em oito núcleos povoados: Massacará, que concentra a maior parte da população, Saco das Covas, Lagoa Seca, Baixa da Ovelha, Icó, Várzea e Outra Banda.

A etnia Kaimbé teve o seu reconhecimento na incipiência da emergência étnica[3], no ano de 1945, quando foram oficializados, enquanto indígenas, junto com remanescentes de alguns outros grupos étnicos, considerados já desaparecidos (ARRUTI, 1995). Esse reconhecimento trouxe, ao povo Kaimbé, apenas vagas promessas de demarcação de um futuro território. Como fruto do reconhecimento, instalou-se, na região, o primeiro posto do Serviço de Proteção ao Índio (SPI) (ALTMICKS, 2018). Nos anos de 1970, os Kaimbé retomaram a luta pela demarcação das suas terras, constringindo o Governo Federal, em 1982, a designar uma comissão da FUNAI, para estudar a possibilidade de consecução de um território próprio (SOUZA, 1996).

Em 1992, o Território Indígena do Massacará foi, finalmente, criado, por meio do Decreto N° 395, de 24 de dezembro de 1991 (BRASIL, 1991). A demarcação, em sim, foi conflituosa, especialmente, por haver discordâncias importantes, a respeito das reais dimensões do Território, tendo como parâmetro as metragens, originalmente, supostas no Alvará Régio de 1700, que previu “[…] uma légua em quadra a partir da Igreja da Santíssima Trindade” para os Kaimbé – cerca de 12.300 hectares. Assim, no ano de 1985, foi produzido o levantamento fundiário do Território, o qual suprimiu cerca de 4.000 hectares das terras Kaimbé, acirrando os ânimos entre indígenas e não-indígenas. Quatorze anos depois, sem ter como conciliar as tensões, a FUNAI, finalmente, promoveu o processo de desintrusão dos não-indígenas do Território Indígena do Massacará (REESINK, 1984; OLIVEIRA, 1993; BRASIL, 2013).

Ainda que, na atualidade, a população Kaimbé tenha o seu próprio território, encontra-se, também, espalhada por povoados e distritos não-indígenas da região, além de muitos indígenas viverem na sede do município. Igualmente, é possível encontrar famílias Kaimbé habitando metrópoles, como Salvador e São Paulo. O êxodo, acrescido à dificuldade de se determinar critérios objetivos para atestar a sua condição étnica, gerou o não reconhecimento oficial de parte dos indígenas Kaimbé, por parte da FUNAI. Muitos indígenas que habitavam povoados distantes do núcleo de Massacará, além daqueles que viviam longe da região, foram excluídos do processo. Essas pessoas, atualmente, embora comunguem, com efeito, da matriz étnica Kaimbé, não constam como tal perante o Estado.

A ubiquação do Território Indígena Kaimbé, em relação ao município de Euclides da Cunha, e a distribuição dos núcleos de povoamento Kaimbé, dentro do Massacará, estão dispostos, abaixo, nos Mapas 1 e 2:

Mapa 1 – Localização do Território Indígena Kaimbé no Município de Euclides da Cunha, Bahia, 2016

Fonte: BAHIA, SEI, 2016, adaptado por ALTMICKS, 2018.

Mapa 2 – Distribuição dos núcleos de povoamento Kaimbé no Território Indígena do Massacará, 2018

Fonte: GOOGLE MAPS, 2018, adaptado por ALTMICKS, 2018.

O povoamento do Massacará comporta as principais instituições indígenas, não-indígenas e indigenistas do território, como o Posto da FUNAI, o Posto de Saúde da Secretaria Especial de Saúde Indígena (SESAI), o posto dos Correios, o Centro Cultural Kaimbé, a casa de farinha da Associação Indígena Kaimbé e o Colégio Estadual Dom Jackson Berenguer Prado (CÔRTES, 2010; QUEIROZ, 2013). Possui boa infraestrutura, mas há somente o básico, ainda que a população do entorno imagine e expresse que os Kaimbé sejam portadores de direitos e benefícios sofisticados (CANTON, 2018).

DOS MEANDROS DA PESQUISA

Este trabalho constitui uma pesquisa de viés tendente à Etnografia (embora não constitua, a rigor, uma Etnografia), com caráter qualitativo. Como metodologia de procedimento, utilizou-se a triangulação crítica de informações, advindas da análise documental, da consulta aos autores que se debruçam sobre o tema e da observação participante na Comunidade Indígena Kaimbé, no Território Indígena do Massacará, sito à Cidade de Euclides da Cunha, Bahia. O escopo da investigação é o de analisar as relações entre trabalho, EJA e identidade étnica das mulheres Kaimbé, portanto, a pesquisa, assume, desde a sua gênese, a perspectiva de uma análise do fenômeno em retrospecção, de onde se infere, portanto, tratar-se de um estudo de caso.

Merrian (2005) entende que a mais importante característica do estudo de caso seja a sua concretude, pois se trata de um mergulho, uma imersão, na realidade fenomênica. Da sua perspectiva, o estudo de caso comportaria quatro horizontes fundamentais: 1) o horizonte da especificidade, pois se refere a uma situação singular; 2) o horizonte do detalhamento, porquanto necessite da descrição pormenorizada dos fenômenos componentes do caso; 3) o horizonte da heurística, posto que o estudo de caso se debruça sobre informações que não podem ser obtivas de abordagens metodológicas generalistas; e 4) o horizonte da indução, uma vez que o pesquisador deva inferir sobre as particularidades do caso, para atingir o seu entendimento mais amplo.

Destaca-se, em tempo, que os estudos de caso são categorizados, via de regra, como pesquisas de campo. De acordo com Gonçalves (2001, p.67): “A pesquisa de campo é o tipo de pesquisa que pretende buscar a informação diretamente com a população pesquisada. Ela exige do pesquisador um encontro mais direto”. Em outros termos, segundo o autor ”[…] o pesquisador precisa ir ao espaço onde o fenômeno ocorre, ou ocorreu e reunir um conjunto de informações a serem documentadas” (2001, p.67).

Fraga (2008) adverte para o fato de que a pesquisa de campo assume tipologia diversa: pesquisa ex-post-facto, pesquisa-ação, pesquisa participante, pesquisa etnográfica, etc. Esta investigação, conquanto, esteja situada em nicho étnico, assume caráter de pesquisa de campo etnográfica, configurada em estudo de caso. De acordo com Lüdke e André (1986), a pesquisa etnográfica é sustentada em duas concepções do comportamento humano: 1) concepção naturalista, segundo a qual o comportamento humano é determinado – ou pelo menos influenciado – pelo contexto sociocultural a que pertence. Por esta razão, os indivíduos pesquisados não podem ser retirados do seu ambiente, sob pena de se perder as delicadas conexões entre os seus comportamentos e as dinâmicas que os cercam; e 2) concepção fenomenológica, que supõe ser o comportamento humano sempre dependente de referências culturais pessoais, fruto da vivência dos sujeitos.

Em tempo, avulta-se a contribuição de Lüdke e André (1986), quanto ao caráter de uma pesquisa, estas atribuem uma natureza híbrida à pesquisa qualitativa: por um lado, ela é feita de idiossincrasias, de forma que uma pesquisa qualitativa difere de quaisquer outras que já tenham sido feitas; por outro lado, há certos traços comuns nos seus procedimentos, que habilita a sua configuração como uma categoria específica de pesquisa. A pesquisa qualitativa demanda a construção de hipóteses flexíveis e apriorísticas, que não precisam ser empiricamente verificadas, ou seja, essa categoria de investigação é, essencialmente, aberta a alterações nas suas hipóteses, o que não significa, no entanto, que este tipo de pesquisa não tenha objetivos definidos e rígidos.

Isto posto, foram utilizadas atividades de intervenção junto à turma de alunos da EJA, a qual utilizaria o artesanato indígena Kaimbé, como recurso metodológico, em sala de aula, para que durante a exposição e confecção do mesmo se pudessem abordar as histórias de vida das mulheres da comunidade e, na sequência, a aplicação do questionário de pesquisa. Entretanto, numa pesquisa desse nível, por vezes, o trabalho pode-se esbarar em certas implicações que limitam a coleta de dados de forma esperada, conduzindo a pesquisa, para outros caminhos, como no caso das visitas à comunidade.

Nesse sentido, os sujeitos esperados da pesquisa (que seriam as mulheres do povo Kaimbé) passam às funcionárias, aos professores e à direção da escola que, em conversas informais, trouxeram os conteúdos que fundamentaram a análise proposta pela investigação. Além delas, um dos caciques – visto que o território é de direção de três caciques – de igual modo, colaborou, na feitura deste trabalho, com informações preciosas, obtidas por entrevistas não estruturadas. O referido cacique é o mais idoso da aldeia e tem se empenhado em colaborar com informações aos pesquisadores, para que se mantenha e se propague a cultura Kaimbé, alcançando, assim, outras comunidades indígenas e mais pesquisadores.

Para a realização dos momentos de intervenção e aplicação dos instrumentos de pesquisa em uma comunidade indígena, faz-se necessário ter o consentimento por escrito, mediante apresentação do projeto ao cacicado do Território. No caso desta investigação, por sugestão do cacique mais idoso, foi agendado um encontro com os três caciques da etnia, para apresentação e avaliação da proposta investigativa, a ser realizada. Conquanto o sobrecitado encontro ainda não se tenha concretizado, até este estágio da investigação, houve apenas o consentimento para as visitas e as conversas informais com os sujeitos da investigação, quais sejam, à priori, a direção, os professores e os funcionários do Colégio Estadual Indígena Dom Jackson Berenguer Prado.

Dito isto, enquanto resultado dessas visitas preliminares ao Território Indígena do Massacará, foi possível conhecer as instalações do Colégio e um pouco da história de sua fundação. Ademais, aconteceram conversas, com o governo da instituição, sobre o currículo indígena e as dinâmicas letivas. Outrossim, através do contato com os professores, foi possível conhecer as disciplinas e as adequações de conteúdos, inseridas no currículo, viando a manutenção da cultura desta comunidade.

Em tempo, ainda a respeito das conversas com o cacique mais idoso, pôde-se destacar o conhecimento compartilhado quanto às lendas e à cosmogonia Kaimbé, que fazem parte do universo literário dessa etnia. Além disso, foi possível saber sobre as histórias de demarcação e posse das terras atuais. Foi-nos permitida a entrada à escola, ocasião em que a direção, gentilmente, apresentou as instalações, recentemente, equipadas e reformadas. O olhar para a mulher indígena e seu artesanato ocorreu por meio das visitas à Semana Cultural Indígena Kaimbé, na qual travou-se contato com o trabalho dessas mulheres.

Assim, esta investigação propõe um estudo realizado no Território Indígena do Massacará, comunidade Kaimbé. O locus da pesquisa é a turma de EJA do Colégio Estadual Indígena Dom Jackson Berenguer Prado. Os sujeitos da pesquisa são mulheres indígenas Kaimbé, estudantes da EJA, manufaturadoras do artesanato Kaimbé. A técnica utilizada, nesta investigação, foi a observação sistemática neutra, desenvolvida entre os meses de agosto e novembro, de 2018.

EJA, TRABALHO E IDENTIDADE INDÍGENA FEMININA KAIMBÉ

Foi por meio de muitas lutas que se chegou a atual Legislação Indígena, a qual garante o direito dos povos indígenas a uma educação diferenciada, que respeite as suas origens étnicas e a sua cultura. Nesse sentido, as suas demandas deram origem a programas conduzidos tanto por ações dos estados e municípios quanto por ações não-governamentais de apoio aos indígenas, sendo norteadoras dos novos paradigmas para educação indígena Brasileira (COLLET; PALADINO; RUSSO, 2014). Outrossim, os povos indígenas têm direito à diferença cultural, isto é, o direito de serem indígenas e de permanecerem como tais (BRASIL, 2011), rompendo com uma tradição integracionista, que enxergava os povos indígenas como membros de uma suposta homogeneidade nacional, portadores de uma brasilidade comum, e, portanto, passíveis de serem incorporados às dinâmicas sociais brasileiras, o que caberia à União promover, além de protegê-los e tutelá-los (GRUPIONI, 2002; 2006).

Em outros termos, os povos indígenas têm seus direitos garantidos pela Constituição, que lhes reconhecem território, habitação, formas de produção, preservação do meio ambiente e etnodesenvolvimento, além do uso de suas línguas originais e de mecanismos próprios de aprendizagem, sendo atribuído ao Estado o dever de proteger as suas manifestações culturais (BRASIL, 2011). Esses direitos oportunizaram a possibilidade para que as escolas indígenas constituíssem instrumento de valorização das línguas, dos saberes e das tradições indígenas, deixando de se restringir a uma imposição dos valores culturais da sociedade do entorno. Nesse processo, as culturas indígenas, devidamente valorizadas, devem ser a base para o conhecimento dos valores e das normas de outras culturas.

Após a promulgação da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB) (BRASIL, 1996) as escolas indígenas, puderam exercer a função de facilitadoras da autonomia cultural, favorecendo a autodeterminação indígena. Inúmeras mudanças ocorreram no processo de estruturação do ensino indígena, a LDB, por exemplo, preconiza que sejam articulados sistemas de ensino, bem como de programas integrados de ensino e pesquisa, que tenham como público-alvo as populações indígenas, com o objetivo de desenvolver currículos específicos, cujos conteúdos incluam toda a bagagem cultural, característica de cada comunidade indígena.

O Plano Nacional de Educação (PNE) (BRASIL, 2014) apresentou diretrizes para a Educação Indígena, em um de seus capítulos, para serem atingidos a curto e longo prazo, no que se refere aos objetivos e metas. Além disso, criou programas específicos para atender as escolas, em áreas indígenas, implementando linhas de financiamento para a educação. Em colaboração com os Estados a União se incumbiu de equipar as escolas com suporte pedagógico e didático adequado, equipamentos e adequações físicas, além de outros, adequar os programas, já existentes no Ministério da educação, em termos de auxílio ao desenvolvimento da educação, nos sistemas estaduais de ensino, cuja responsabilidade legal pela educação indígena se designa.

Ainda a esse respeito, tocante a língua, o que se observa é que ainda existem escolas monolíngues, que não possuem em seu currículo características nativas para serem trabalhadas no âmbito escolar, sem estruturas físicas, pedagógicas e com poucos recursos didáticos, impossibilitando que as realidades apresentadas, nos livros didáticos, possam ser reinterpretadas com base na realidade vivenciada culturalmente, mesmo em meio às lutas para que se tenha o direito a uma educação bilíngue e intercultural.

Grupioni (2002) chama a atenção para uma questão importante: no tocante às mudanças reivindicadas pelos povos indígenas, os órgãos governamentais, nas mais variadas esferas, têm-se mostrado pouco permeáveis. Entretanto, os povos indígenas continuam sua caminhada em meio a muita luta para deixar claro que, só mediante a uma educação que assuma a cultura, apropriando-se dela, com a participação da gestão e professores, que comunguem deste mesmo ideal, e envolvendo, também, a comunidade é que se poderá garantir a autonomia dos povos dos quais foi tirada a característica original por tanto tempo. Os povos indígenas vêm ressignificando sua Educação, garantindo, assim, a valorização de seus conhecimentos históricos, desconstruindo os velhos padrões que lhes foram impostos durante muito tempo. É preciso, contudo, reconhecer as diferenças e necessidades de cada povo, garantindo, assim, o direito em ter seus saberes reconhecidos respeitando as diferenças étnicas (SOUZA, 2016).

Por meio dessas mudanças compreende-se a educação formal como mecanismo facilitador de comunicação com as comunidades não indígenas, atendendo as demandas dos povos indígenas apresentadas, dando início, desta forma, a projetos específicos para atender essas realidades, tendo como base o respeito à cultura, à história, à interculturalidade e à variedade de línguas, bem como ao princípio da diversidade étnica (BATISTA, 2011; SANTANA, 2011). Nesse sentido foi fundamental que a comunidade do Colégio Estadual Indígena Dom Jackson Berenguer Prado trouxesse, ao âmbito escolar, uma visão de práticas que estimulassem e desenvolvessem o sentimento de pertencimento à sua etnia Kaimbé de maneira que se pudessem preparar os mais jovens para assumir, com plenitude, sua condição indígena.

Tal iniciativa foi fundamental para devolver aos mais velhos, da aldeia, a confiança e autoestima, para se sentirem encorajados a retomar seus estudos e se posicionarem em sua comunidade enquanto sujeitos pertencentes a ela; aos professores, a incumbência de manifestar essa topofilia e territoriedade, inseridas no cotidiano da escola, em suas atividades diárias. Neste ínterim, faz-se necessário ressaltar o fato de que os Kaimbé foram integrados à sociedade de entorno tendo seus aspectos diluídos no que tange aos aspectos materiais e simbólicos da sua cultura, ou seja, a sua indianeidade tem passado por um processo de reconstrução étnica, em que a sua identidade indígena é reconstituída a partir do sentimento de pertencimento. Dito isto, os Kaimbé afirmam o seu pertencimento étnico não mais como índios Kaimbé originais – pré-colombianos –, mas como índios nordestinos contemporâneos, que convivem com a sociedade ao entorno, interagindo e trocando experiências culturais, materiais e simbólicas.

No tocante às práticas pedagógicas, percebe-se que são holísticos, ou seja, não se restringem aos saberes e buscam, de forma coletiva, a sua elaboração, sempre intercalando ensino e aprendizagem com características vivenciais, em sua escola na qual os espaços e os tempos pedagógicos não possuem fronteiras, nitidamente, definidas. Assim, o espaço da escola indígena não se esgota nas paredes das salas de aula, o tempo da escola indígena não se situa no intervalo entre as sirenes de entrada e de saída, dos alunos, do prédio da unidade escolar, tudo acontecendo em perfeita harmonia, unindo escola e comunidade. Portanto, analisar os aspectos socioculturais, dos sujeitos da EJA, é de fundamental importância para compreender e relacionar os fenômenos estudados, bem como sua ligação com os processos cotidianos, da comunidade pesquisada.

Acrescem-se, ao debate, as contribuições de Barcelos (2012), em sua perspectiva a educação foi construída em meio a um cenário de cruzamentos, encontros e confrontos culturais e étnicos, chamando atenção para o fato de que nem sempre as alterações e adequações ao Currículo acontecem de forma pacífica. O MEC quando confere legitimidade a uma Educação que acolha e defenda as diversidades culturais soa contraditório quando estabelece Parâmetros Curriculares sem levar em conta as especificidades de cada região e povo. A própria Educação de Jovens e Adultos, neste sentido, não pode ser vista meramente como facilitadora da inserção do Jovem e Adulto no mercado de trabalho, visto que existe uma dicotomia histórica, já estudada por Freire, em formar este sujeito para o trabalho e formar seu caráter geral este inerente ao âmbito escolar. Essa é uma discussão antiga, porém pode ser percebida hoje em dia no comportamento meramente tecnicista o qual Freire (1997) chamava atenção. Na atualidade, Soares (2005) afirma que seja influência para a elaboração e planejamento das políticas públicas para a Educação de Jovens e Adultos nos dias de hoje.

Quanto ao contexto da Educação Indígena de Jovens e Adultos, o seu caráter formador carrega, em seu escopo, fatores socioculturais extremamente emancipatórios, para culturas cuja história foi de negação e nivelamento étnico.  Sabe-se que os povos indígenas não têm conseguido alcançar emancipação e apropriação de seus direitos, sem luta e resistência. No âmbito escolar, essa realidade não tem sido diferente, pois as lutas pelo reconhecimento étnico se perpetuam nas instituições educacionais. O espaço escolar indígena tem sido utilizado como campo de atuação cultural e de legitimação étnica, tal como ocorre no Território Indígena do Massacará, no Colégio Estadual Indígena Dom Jackson Berenguer Prado.

Dito isto, um dos objetivos, deste trabalho diz respeito a descrever as vivências de mulheres indígenas Kaimbé, no sertão da Bahia, frente às inúmeras dificuldades e situações de exclusão que experimentam, bem como sua determinação em construir e manter suas famílias, mesmo com implicações de ordem social, que fizeram com que elas abandonassem a escola muito cedo para poder prover o sustento e a manutenção de suas famílias. As mulheres Kaimbé têm lutado para manter sua subsistência. Uma das maneiras pelas quais elas conseguem manter suas famílias é o artesanato indígena, um conhecimento ancestral que vem sendo passado por gerações. As mulheres indígenas têm conquistado espaço, também, em suas comunidades, ocupando lugares como o cacicado e o magistério, além de outras atividades de destaque.

A esse respeito, no Território Indígena do Massacará, o Cacicado é triplo, ou seja, existem três caciques na comunidade, os quais exercem suas atividades de acordo com cada necessidade apresentada. A escola indígena, no entanto, tem, em sua maioria, funcionárias mulheres (entre gestão, corpo técnico e professoras indígenas com formação específica para educação indígena e nível superior). Esse é um fator relevante, pois foi observado que, além de serem mulheres, em sua maioria percebe-se que a juventude da comunidade tem buscado conhecimento e se posicionado dentro do seu contexto, exercendo atividades que contribuem para o crescimento intelectual e desenvolvimento social.

Destaca-se que as mulheres indígenas não se reconhecem dentro de um conceito feminista, pois as pautas e os moldes do feminismo ocidental não condizem com os seus ideais de luta. Elas preferem afirmar que a luta das mulheres indígenas é voltada para o bem-estar da comunidade, em geral, e não apenas para as mulheres. Uma expressão utilizada, entre elas, é que se “reconhecem” como feminino indígena atuante, que busca melhoria nas condições de saúde, educação e demarcação territorial.

Avulta-se, também, outra característica, em Massacará: os mais jovens têm se empenhado em manter e divulgar a cultura Kaimbé para que ela não se torne esquecida pelas futuras gerações. As principais atividades econômicas desenvolvidas no Território Indígena do Massacará são a agricultura familiar tradicional, Estado, e a criação de aves e caprinos. De acordo com Queiroz (2013), os Kaimbé mais recentemente iniciaram um processo de organização para lidar com as dificuldades econômicas e sociopolíticas pelas quais passaram; o povo Kaimbé, de Massacará, que deu origem a Associação Massacará-Kaimbé (AMK) (hortas coletivas); Associação Kaimbé Várzea (AKAVA) (apicultura); e Associação da Lagoa Seca (ALS) (agricultura de subsistência). Abreu (2013) e Altmicks (2018) também identificaram iniciativas econômicas nos campos do artesanato e das manifestações culturais.

As mulheres Kaimbé produzem peças de vestuário e de decoração, manufaturadas com sementes da região e com palha de crauá. O núcleo da produção de artesanato é configurado nas aulas das disciplinas “Língua Indígena” e “Identidade/Cultura”, ministradas no Colégio Estadual Dom Jackson Berenger Prado. O artesanato, feito por essas mulheres, no contexto da pesquisa, é utilizado em sala de aula enquanto mecanismo facilitador do saber, que permite conhecer as histórias das mulheres sujeitos da Educação de Jovens e Adultos, no território Kaimbé em Euclides da Cunha, Bahia, Brasil. O trabalho, nesse sentido, consiste em observar, nas aulas noturnas, na disciplina Artes, o artesanato Kaimbé e promover o debate com o auxílio de entrevistas e apresentações para registrar as histórias dessas mulheres com o objetivo de realizar o registro dessa cultura[4].

RESULTADOS DA INVESTIGAÇÃO

Como primeiro resultado da investigação, realizada no Colégio Estadual Indígena Dom Jackson Berenguer Prado, destaca-se o conhecimento mais atilado acerca da história da referida unidade educacional, seu corpo docente e seu quadro funcional. Consta que foi fundado em 1968 com o nome de “Colégio Cenesista de Massacará”. As suas atividades aconteciam em um telheiro, com três salas improvisadas, que acomodavam as turmas do 1º ao 9º ano. Na sua origem, o colégio não era vocacionado ao segmento da educação étnica, uma vez que o povoado do Massacará ainda não havia sido reconhecido como território indígena. Com esse reconhecimento, a unidade educacional passou a ser chamada de “Centro Educacional Municipal Indígena Dom Jackson Berenguer Prado”, em homenagem ao bispo católico homônimo, muito influente na região, no início do Século XX (UFBA, 2012). A instituição permaneceu municipalizada até o ano de 2012, quando foi ampliada e estadualizada, passando a comportar as etapas do Ensino Médio e da Educação de Jovens e Adultos (EJA), além do Programa Todos Pela Alfabetização (TOPA). Desde essa época, o Colégio Estadual Indígena Dom Jackson Berenguer Prado é subscrito à Diretoria Regional de Educação (DIREC) 12 – Serrinha, respondendo, diretamente, à Secretaria da Educação do Estado da Bahia (SEC) (ALTMICKS, 2018).

O Colégio Estadual Indígena Dom Jackson Berenguer Prado conta com um Projeto Político Pedagógico Escolar Indígena (PPPEI), atualizado, em 2015. A confecção e a atualização do PPPEI tiveram a participação intensa de toda a comunidade Kaimbé, o que o configurou aos valores interculturais, propostos no projeto formativo para a Educação Indígena. Na prática, o PPPEI do Colégio elencou objetivos importantes, no que se refere à integração cultural Kaimbé, promovendo a valorização da identidade étnica dos membros da comunidade (ALTMICKS, 2018).

No escopo desses objetivos, surgiram as disciplinas “Língua Indígena” e “Identidade/Cultura”, articuladoras das propostas culturais do Colégio e eixo central das suas atividades pedagógicas. Essas disciplinas subsidiam a maior parte dos projetos desenvolvidos no Colégio Estadual Dom Jackson Berenguer Prado, traduzindo as dinâmicas culturais e territoriais do povo Kaimbé. O zênite dessa articulação acontece nos meses de outubro, em que professores e estudantes Kaimbé efetivam as atividades da Feira de Cultura Indígena Kaimbé[5] (ALTMICKS, 2018).

Foi possível perceber a agudeza do papel da mulher Kaimbé, na Educação Indígena, uma vez que constituem maioria, na supracitada instituição. Nesse sentido, notou-se, por meio de conversas com a gestão da instituição, que existe concordância entre a proposta para Educação Indígena e os mecanismos didáticos pedagógicos, que direcionam as atividades do Colégio, no sentido de valorização da cultura dessa etnia.

Em tempo, destaca-se outro relevante resultado da pesquisa, o contato com as histórias do Território, por intermédio do cacique mais idoso, o qual falou da luta do seu povo pela posse das terras que, atualmente, ocupam, bem como de sua trajetória de lutas e negação dos direitos indígenas. Ademais, a escolha em se trabalhar o feminino indígena Kaimbé se fortaleceu à medida que se observou o quanto as mulheres, dessa etnia, vêm conseguindo se destacar dentro e fora da comunidade, tendo o artesanato como mecanismo de propagação da cultura ancestral, sendo incluído, também, no contexto curricular, enquanto componente de estudo da cultura indígena[6]. Na Educação de Jovens e Adultos, observou-se, ainda, que muitas mulheres, as mais velhas da aldeia, tiveram seus estudos abortados (ou nunca puderam estar em uma escola), pelo fato de permanecerem boa parte de sua infância e adolescência sem um local fixo de residência, por causa dos conflitos por demarcação de terras.

A Educação de Jovens e Adultos Indígenas contribui, sobremaneira, para que a mulher indígena se “empodere” de sua cultura, atuando enquanto agente de multiplicação de saberes e preservação de seus valores e cultura, posicionando-se, na sociedade, enquanto sujeito munido de pertencimento, saindo de uma condição marginalizada (comumente enfrentada pelo sujeito iletrado), podendo não só atuar em sua comunidade, mas, também, em seu contexto familiar, agindo de forma incentivadora aos mais jovens.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A Educação de Jovens e Adultos supõe sujeitos que, por algum motivo, tiveram negados seus direitos, sendo, portanto, importante entender e conhecer as suas histórias. As mulheres indígenas Kaimbé, por anos, sofreram ainda mais em suas realidades pelo fato de pertencerem a uma etnia marginalizada. Em meio a lutas, conseguiram manter os seus valores e a sua cultura, protegendo suas famílias com árduo trabalho e resistência. São mulheres que valorizam e tentam manter sua cultura e sua história, ganhando cada vez mais destaque dentro de suas comunidades, atuando de maneira significativa e conquistando seu lugar, nas instituições, nas  universidades e no comando hierárquico da sua etnia, afinal, pode-se ver, hoje, mulheres indígenas Kaimbé, conquistando respeito graças a muito trabalho e dedicação. Os saberes, passados de maneira ancestral e que trazem toda bagagem étnica, notadamente, nas produções artesanais, revelam toda a trajetória de vida dos sujeitos pertencentes à EJA. Logo, faz-se imperioso que sejam agregados ao currículo para Educação Indígena.

Mesmo com todas as dificuldades apresentadas, as mulheres indígenas Kaimbé têm caminhado com persistência e determinação, deixando claro que, à medida em que assumem a sua cultura e o seu artesanato, experimentam o empoderamento e a afirmação étnica. Nesse sentido, faz-se necessário que, não apenas os professores e estudantes da EJA, do Colégio Estadual Indígena Dom Jackson Berenguer Prado, façam parte dessa luta, mas que toda a comunidade seja envolvida, com olhares e práticas voltados à necessidade de responder às suas necessidades, contribuindo coletivamente para a formação da autonomia de um povo, que foi descaracterizado por longo tempo.

Muitas conquistas podem ser enumeradas, no cenário contemporâneo da Educação de Jovens e Adultos indígenas, sobretudo, quanto à proposição de novos paradigmas, que possam consubstanciar uma significativa mudança de um modelo educacional “para índios”, em direção a um modelo educacional indígena (BERGAMASCHI, 2008). Se, por um lado, a educação para índios apresentava, historicamente, um manancial de valores inculcados às populações nativas; atualmente, a educação indígena vem sendo realizada, de maneira a ressignificar as suas realidades, universalizando o ensino e garantindo-lhes o direito à valorização de seus saberes, possibilitando no campo da Educação Indígena um novo olhar para as necessidades educacionais étnicas.

Contudo, muito ainda precisa ser feito para que de fato os povos indígenas consigam garantir seus direitos sem não mais passar por situações de exclusão e preconceito. A violência é constante e ainda uma cruel realidade. A educação, nesse contexto, empodera o indígena de saberes que contribuem para que ele tenha o entendimento de seus direitos e possa lutar de forma consciente por eles; a escola, neste processo, precisa encorajar estes sujeitos da EJA no empossamento, de fato, dos direitos que lhe competem.

REFERÊNCIAS

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ALTMICKS, Heinrich Alfons, Etnoepistemologia indígena: território e identidade na pesquisa docente Kaimbé. Euclides da Cunha: Farol do Conhecimento, 2018.

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APÊNDICE – REFERÊNCIAS DE NOTA DE RODAPÉ

3. No século XIX, o Estado iniciou uma política de “apagamento” das etnias indígenas do Nordeste, cujo intuito era declará-los completamente integrados às populações não-indígenas ou mesmo extintos. No século XX, avocou-se o interesse acadêmico pela questão indígena, o que confluiu para a “descoberta” de grupos remanescentes das etnias Fulni-ô, Kambiwá e Pankararu, Kariri-Xocó e Xukuru·Kariri, no Nordeste brasileiro. Alçados à condição de “remanescentes”, essas etnias incitaram os movimentos pela legitimação das suas indianeidades, acarretando, nas décadas de 1970 e 1980, a adesão de outras etnias indígenas, no processo da “Emergência Étnica”.

4. Cabe ressaltar, neste ínterim, que no tocante à pesquisa de campo, numa localidade indígena, existem algumas especificidades que impossibilitaram a aplicação das entrevistas na primeira etapa, tendo sido realizadas apenas visitas de observação, sem intervenção no espaço indígena, o que só poderá acontecer por meio de apresentação do projeto de mestrado ao cacicado e liberação do mesmo para realização da pesquisa, por este motivo este trabalho baseia-se apenas em dados provenientes dessas observações sem interação com os sujeitos da EJA de forma direta.

5. A Feira de Cultura Indígena Kaimbé tem sido realizada sem colaboração externa e é fundamental para a propagação da cultura Kaimbé, bem como para discutir as questões urgentes, que brotam da comunidade do Massacará. No evento, são apresentados os trabalhos resultantes das atividades realizadas pelos estudantes e professores do Colégio Estadual Indígena Dom Jackson Berenguer Prado: música, teatro, poesia, dança, artesanato, ritos e degustações da culinária indígena.

6. Existe uma falsa crença de que as comunidades indígenas são machistas, em seu comportamento, no entanto, a comunidade Kaimbé, mostrou um comportamento completamente diferenciado. A mulher indígena tem se apoderado de seu lugar na comunidade e fora dela, lutando pelos seus direitos, buscando aperfeiçoamento e capacitação para atuar nas mais variadas áreas.

[1] Graduado em Comunicação Social (UCSal) e em Pedagogia (FAZAG). Especialista em Metodologia e Didática do Ensino Superior (UCSal), em Educação e Novas Tecnologias (ESAB), em Ludopedagogia (FETREMIS), em Educação Especial e Neuropsicopedagogia Institucional e Clínica (FACELI), em Educação e Direitos Humanos (UFBA) e em Educação Aberta e Digital (UFRB). Mestre em Ciências da Educação (USC). Mestre em Planejamento Territorial e Desenvolvimento Social (UCSal). Doutorando em Educação e Contemporaneidade (UNEB).

[2] Graduada em Pedagogia (FAZAG). Especialista em Psicopedagogia Clínica, Institucional e Hospitalar (FVC). Mestranda em Educação de Jovens e Adultos (UNEB).

Enviado: Março, 2020.

Aprovado: Outubro, 2020.

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Alfons Heinrich Altmicks

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