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A espetacularização do Ensino de Língua Portuguesa

RC: 42808
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CONTEÚDO

ARTIGO ORIGINAL

SCHULTZ, Bruna Silveira [1], ESTEVES, Ivana Passos [2]

SCHULTZ, Bruna Silveira. ESTEVES, Ivana Passos. A espetacularização do Ensino de Língua Portuguesa. Revista Científica Multidisciplinar Núcleo do Conhecimento. Ano 04, Ed. 12, Vol. 06, pp. 82-104. Dezembro de 2019. ISSN: 2448-0959, Link de acesso: https://www.nucleodoconhecimento.com.br/educacao/espetacularizacao-do-ensino

RESUMO

Com a metodologia autoetnográfica observamos o ensino da Língua Portuguesa no segmento do Ensino Fundamental (11 a 15 anos), tanto em escolas públicas como particulares, e ficou evidente a dificuldade relacionada ao ensino da gramática normativa, mais especificamente a compreensão dos elementos morfossintáticos da Língua Portuguesa. Essa dificuldade de aprendizagem e a desmotivação dos alunos com os estudos de modo geral foram o  ponto inicial para buscar soluções, a fim de gerar comprometimento e envolvimento no processo de ensino. Com base em estudos de Guy Debord (2003), sobre a sociedade do espetáculo, nasceu uma personagem ficção (objeto de estudo para o presente trabalho), capaz de sensibilizar e motivar os alunos por meio do espetáculo e convocá-los para uma aprendizagem ativa. Inspirada  pelas ideias dialógicas de Paulo Freire, a Professora Maluquinha estabelece uma conexão imediata com seus alunos e cria uma ferramenta de códigos espetaculares para ensinar  gramática. Com seu Show, suas músicas, de uma forma irreverente e caricata, ela consegue transportá-los para um mundo ficcional e fazê-los compreender não somente a morfossintaxe, mas estimular a criatividade para os estudos e motivá-los para uma educação cooperativa. Na fronteira entre o ficcional e o real está a espetacularização como ferramenta que se mostra eficaz para ensinar Língua Portuguesa no século XXI. O resultado é  aprendizagem interativa e criativa, com melhoras significativas. Nessa perspectiva, os resultados alcançados vão além do ensino da Língua Portuguesa, eles perpassam por uma mudança de conduta na escola e tornam os alunos protagonistas de seu aprendizado. Nesse jogo entre verdade e ficção, os alunos, sujeitos ativos da sociedade espetacular, sentem-se capazes de participar do processo de ensino-aprendizagem. A conexão entre personagem e alunos extrapola o tradicional e se lança em uma forma de aprendizagem diferenciada e interacional.

Palavras chave: Espetacularização, ensino-aprendizagem, ferramenta pedagógica, ficção, gramática.

1. INTRODUÇÃO

“Os próprios jovens costumam pedir para serem constantemente motivados e estimulados.”

Gilles Deleuze

No início da carreira docente alguns professores manifestam o desejo de influenciar mudanças comportamentais e intelectuais sem seus alunos. Há claramente um anseio de utilizar a educação como processo fundamental para a ascensão social e psicológica do alunado, inserindo valores considerados importantes para a sociedade, além de incentivá-los intensamente de que a educação é o melhor caminho para o crescimento. No entanto, ao se deparar com a realidade da sala de aula, todos esses objetivos e essa utopia acadêmica parecem difíceis de ser alcançados.

No ambiente escolar existem diversas realidades: alunos em situação de vulnerabilidade social, abandono, pobreza, falta de acompanhamento familiar, de estrutura emocional e psicológica, de autoestima e, algumas vezes, há escolas que carecem de recursos para melhorar a aprendizagem dos estudantes. E nesse ambiente, falar da educação como ferramenta de crescimento e ascensão social fica cada vez mais distante.

No caso da Língua Portuguesa, alcançar esses alunos para a gramática normativa, a língua culta e de prestígio fica ainda mais distante. O que é o ensino da gramática diante desses enormes problemas? Além de tudo isso, quando os iniciantes no processo da docência vão conversar com os colegas de trabalho encontram uma total desmotivação com a carreira, com o processo pedagógico e com a crença de que é possível fazer diferente.

Nesse cenário, esse professor cheio de desejos e vontades vê-se sem perspectivas, sendo que, de um lado, se depara com a desmotivação dos alunos em aprender e, do outro, com a indiferença de alguns professores diante dessa realidade. No entanto, é necessário cumprir um cronograma de habilidades e competências, que o aluno precisa aprender em cada série, é exigida uma avaliação para aprovar esse aluno, e também cumprir rigorosamente as imposições do sistema educacional, independentemente de qualquer outra situação que o aluno esteja vivenciando. Então, diante de tudo isso, surge a criatividade no fazer diferente, a utopia de mostrar que a aprendizagem pode ocorrer de diferentes formas e que é possível transformar por meio da educação.

Assim, após observar tanto em escolas públicas quanto em particulares o baixo rendimento, a dificuldade dos alunos para estudar a gramática e a barreira criada por eles, justificada por uma dificuldade com a Língua Portuguesa, emergiu uma grande inquietação e decidimos buscar uma solução que se configurava um problema latente. Surgiu, então, a ideia de criar  um personagem de ficção, capaz de estimular um enlace do aluno com o saber a ser adquirido. Para tanto, tem-se como alicerce as reflexões de Guy Debord sobre uma sociedade do Espetáculo, visto  que poderia ser um mecanismo capaz de convocá-los para a aprendizagem, para a transcendência entre o real e o ficcional nos moldes midiáticos, contexto no qual eles estão imbricados.

Isso porque os alunos encontram-se em um espaço da espetacularização: espetaculariza-se a vida, a religião, a política e, até mesmo, a violência. O espetáculo constitui o modelo presente da vida socialmente dominante (DERBORD, 2003). O que nos une é a imagem. Frequentemente surge um convite para assistir imagens espetaculares, o homem virou uma imagem, da sua própria vida. Essas imagens irreais materializam-se por meio do espetáculo e contemplá-la torna-se  realidade e verdade.

Diante dessa constatação, um personagem ficção poderia atrair a atenção dos alunos e auxiliá-los no processo de ensino-aprendizagem. Mas quem seria esse personagem? Como ele se travestiria? Qual seria a diferença dele para a professora regente da turma? E seu nome, como ele seria chamado? Tais questões delinearam nossas reflexões e nos impeliram a configurá-lo no contexto da escola, contudo, relacionando-o com os elementos espetaculares da cultura Pop. Nasceu, então, a Professora Maluquinha.

Uma professora com óculos engraçados, atitudes exageradas, uma professora cantora Pop. É importante ressaltar  que a personagem foi batizada pelos alunos: Maluquinha, fazendo uma referência à Professora Maluquinha, de Ziraldo, denotando as inferências da mídia sobre esses alunos, inclusive em seus processos criativos.

A Professora Maluquinha, criação de Ziraldo Alves Pinto, foi um apelo dos educadores brasileiros a Ziraldo para criar um personagem que incentivasse os alunos à leitura e que demonstrasse como um professor pode se tornar inesquecível e ser um divisor de águas na vida de um estudante.

Ziraldo, apesar de não possuir formação docente nem grandes conhecimentos pedagógicos, criou uma personagem tipicamente no modelo construtivista, no qual a professora construía com seus alunos as respostas para as questões, tornando a aula participativa e acolhedora.

Assim, os alunos, ao identificarem os traços da professora regente e sua maneira de conduzir a aula, sob influência da mídia, transformaram-na em uma pessoa real, em um personagem ficção, capaz de, assim como os alunos da história da Professora Maluquinha, do escritor Ziraldo, aprender de forma lúdica e atraente. Essa ação dos alunos, no processo de criar o nome do personagem ficção, inseriu-os na posição de sujeitos ativos e coparticipantes da interação da sala de aula e, mais, demonstrou claramente como a mídia tem um poder avassalador na vida das pessoas em geral e em seus processos de criatividade.

Como Paula Sibilia (2008) afirma em seu livro, estamos tão conectados com os meios de comunicação atuais que, até mesmo, os processos subjetivos já não podem ser considerados algo próprio, inédito, pois já estão “contaminados” por essas influências externas.

Dessa forma, os alunos criadores do nome do personagem ficção Professora Maluquinha também se consideraram participantes desse mundo imaginário e se travestiram de público, ansiosos para que sua personagem iniciasse o próprio “Show”.

Com isso os alunos envolvidos nessa aula interagiam como se estivessem em uma brincadeira, sem perceberem, de fato, que a forma lúdica de a desenvolver  era, na verdade, a construção de uma ferramenta pedagógica de aprendizagem.

Era perceptível que a professora regente não possuía o domínio do canto, não conhecia as notas, ou tocava qualquer instrumento, mas, por meio da simplicidade, do ambiente criado e projetado pelos alunos, como uma história em quadrinhos, ela era capaz de unificar as pessoas de diferentes contextos: faixas etárias, classes sociais, raça, religião etc. Estava nítido o poder transformador e unificador da música; tem-se, portanto, uma característica importante dessa personagem: o Show, a música.

Nesse contexto, a partir daí, foi importante utilizar papel e criatividade, pois  a ideia era transformar a gramática normativa em música para alcançar os alunos e motivá-los aos estudos. No entanto, deveria ser algo simples e fácil de memorizar. Logo, a solução foi parodiar. Buscamos as cantigas folclóricas como base para a criação e inserimos a gramática. Desse modo, em qualquer local que fossemos ensinar as músicas, elas seriam aceitas e rapidamente absolvidas.

Primeiramente, as músicas foram criadas com preposições e, em seguida, com pronomes, figuras de linguagem etc…  A personagem virou uma celebridade na escola em que foi criada, uma escola privada na cidade de Cariacica-Sede, e passou a ser solicitada pelos alunos. Sua aparição não dependia mais do nosso planejamento, mas do desejo da “plateia” em assistir ao “show da Maluquinha”, consequentemente, esse desejo dos alunos pelo show foi para a professora uma oportunidade de aprendizagem, “celeiro fértil” de conhecimento, motivação de aprendizagem. Como dizia Debord, “Onde o mundo real se converte em simples imagens, estas simples imagens tornam-se seres reais e motivações eficientes típicas de um comportamento hipnótico. (DEBORD, 2003).

Os alunos, sujeitos ativos da sociedade espetacular do século XXI, perceberam por meio desse personagem a possibilidade de fugir do ensino tradicional e linear e de ter uma forma de aprendizagem diferenciada. A Professora Maluquinha pôde estabelecer uma conexão com esses jovens educandos e ensinar gramática, conteúdo importante da Língua Portuguesa, mas considerado enfadonho, em algo divertido, atrativo e singular.

Paula Sibília (2008) destaca justamente isso em seus textos: o homem moderno tem dificuldade de ouvir uma narrativa explicativa de conteúdos por horas e horas, no caso dos nossos alunos, por aulas e aulas. A vida contemporânea é mais ávida por rapidez e agilidade, logo, os alunos, sujeitos ativos desse processo necessitam de uma nova forma de trabalho didático, capaz de acompanhar o contexto atual.

Com as ideias de Paula Sibília (2008) sobre a dificuldade de o homem pós-moderno ouvir passivamente por muito tempo e da leitura do livro de Guy Debord (2003) “A Sociedade do Espetáculo” elaboramos um método de trabalho que pode ser considerado uma ferramenta eficaz de atração para ensinar os alunos do século XXI. Esse modelo imaginário de show possibilitou criar um elo entre os alunos e a professora, e outros enlaces pedagógicos foram sendo construídos e recriados para melhorar o processo de aprendizagem.

Com o vínculo afetivo criado, o respeito e a amorosidade dos alunos, novos espaços de construção surgiram dentro dessa perspectiva de aula show e os desafios para ensinar esses “alunos do século XXI” foram reduzidos. Vários projetos e infinitas possibilidades de trabalho também apareceram: Café literário homenageando diversos autores, Bulliyng, Ciranda da Leitura, Dengue, Copa do Mundo e Copa das Confederações (trabalho interdisciplinar), Festival de Teatro, e, o mais recente, Violência contra a mulher. A princípio esses projetos foram trabalhados apenas na disciplina de Português, porém com o engajamento dos alunos, outros professores entraram e participaram.

Convém destacar que o trabalho com projeto cria uma rede de possibilidades, além de ser uma forma diferente de trabalho com os alunos. Todos os projetos têm um ponto inicial norteador que, geralmente, é baseado em uma necessidade imediata detectada e uma culminância.

A Maluquinha foi o primeiro passo para a espetacularização do ensino da Língua Portuguesa, foi uma iniciativa própria, demandando uma proatividade da minha metodologia de ensino. Ela não “nasceu” de uma solicitação institucional, de performance para despertar a atenção dos alunos como ocorre em pré-vestibulares ou em plataformas digitais de EaD (Educação a Distância). O código audiovisual foi criação própria, nascido do desejo de mostrar aos alunos que a escola pode ser um ambiente divertido.

“A arte da conversão está morta”, Derbord (2003) vaticinou isso em seu livro “A sociedade do Espetáculo” para justificar que a imagem e o espetáculo são os opostos do diálogo, as pessoas do século XXI não dialogam mais nem mesmo escutam umas às outras. Nesse contexto incluem-se nossos alunos, também, eu e você, como diria Paula Sibília.

Os alunos do século XXI já não querem mais ouvir um professor horas e horas explicando conteúdos, nem fazer tarefas e atividades fixativas. Eles compõem uma geração pautada pelo espetáculo: tudo foi espetacularizado, a religião, a violência, a urbanização, a vida privada, a política, entre outros seguimentos.

O espetáculo dilacera o homem e o homem deixa-se levar pelo espetáculo de forma passiva e afetiva. As aulas de Língua Portuguesa, nesse cenário espetacular, não eram diferentes. O ensino tradicional, conteudista, marcado de frases sem significação para o aluno, sem contexto histórico e totalmente fora da sua realidade linguística, pouco os atraía, já que estamos falando de uma geração marcada pelo Show, pelo espetáculo midiático e agressivo das redes de computador e da televisão. Sibília (2008) expressa esta ideia “Mais que um conjunto de imagens, o espetáculo se transformou em nosso modo de vida e em nossa visão de mundo, na forma como nos relacionamos uns com os outros e na maneira como o mundo se organiza”.

Fez-se necessário, portanto, criar mecanismos para convocar essa geração de “ouvintes preguiçosos”, impregnados na sociedade espetacular de Guy Debord, e utilizar o mecanismo da espetacularização como ferramenta pedagógica, capaz de vinculá-los ao processo de ensino aprendizagem e torná-los seres ativos nesse processo.

O personagem ficção, criado para a sociedade do espetáculo compromete o aluno com a aprendizagem, impõe a ele sua participação no processo estudantil e colabora para que o ensino pareça mais simples, mais sutil, mas não por isso, menos eficaz.

A personagem ficção é solicitada por eles, pois por meio desse personagem eles se direcionam para um mundo irreal, fantasioso e divertido, diferente do contexto da sala de aula em que estão acostumados, e nesse mundo show, os alunos se transformam em fãs ao vivenciarem uma experiência de aprendizagem diferenciada.

“Ô, Maluquinha, cadê você, eu vim aqui só para te ver” (chamado da turma para a Professora Maluquinha).

Percebemos nessa invocação do personagem ficção outro indicativo do efeito da espetacularização sobre o ser humano e como esse efeito influencia as atitudes da sociedade em geral. Ao analisarmos essa expressão, é possível observar claramente outro indício de que o homem vive da irrealidade e faz dela sua realidade para viver.

Ao ouvir esse chamamento da turma, a personagem consegue aproximar-se deles e envolvê-los com a espetacularização a que estão acostumados. Os “ouvintes preguiçosos” com a aprendizagem mecanizada e tradicional demonstram vínculo, afeto e se tornam sujeitos ativos no processo de ensino aprendizagem; o professor personagem, agente ficcional, passa a alcançar o aluno em todas as suas possibilidades socioemocionais.

Segundo Debord (2003), a sociedade atual vive um processo de espetacularização, nesse caso, o professor ficcional é capaz de entrar em conversa com o aluno, compreendê-lo e motivá-lo no processo de ensino aprendizagem. Sua aula torna-se um “Show do Eu”, como corrobora Paula Sibília, e, por consequência, um ambiente favorável à aprendizagem.

Assim sendo, com base no exposto, apresentaremos uma forma diferenciada de ensinar a Língua Portuguesa, tendo como enfoque ensinar de forma lúdica e prazerosa, buscando despertar a afetividade e a aproximação com os alunos, bem como mostrando para eles que é possível aprender de forma lúdica.

A intenção não é descartar métodos antigos, já comprovados que são eficazes, mas aprimorá-los para que o aluno do Ensino Fundamental II ainda tenha prazer em aprender, assim como tinha quando cursava a Educação Infantil e o Ensino Fundamental I.

A ideia central é perceber o aluno como sujeito agente no processo educacional, um sujeito que já possui conhecimento de mundo, o qual deve ser valorizado no ambiente escolar como instrumento de trabalho prazeroso. Por isso a proposta é ensinar Língua Portuguesa de forma contextualizada, utilizando a música, a ludicidade e a encenação, que tanto encanta e diverte o ser humano, como uma ferramenta transformadora no ensino da gramática normativa, capaz de gerar saber e interação.

O show ou espetáculo será utilizado como fonte de inspiração para essa proposta didática no ensino da Língua Portuguesa, não descartando a variedade linguística, o contexto histórico social e as formas de interação desses alunos, pois os métodos não podem ser engessados, mas aprimorados de acordo com a realidade em que eles estão inseridos.

O ensino, nesse caso, além de estimular a aprendizagem do aluno e motivá-lo aos estudos, em especial da Língua Portuguesa, também será um propulsor para ele perceber que a educação pode ser estimulante e que, por meio dela, é possível fazer diferente, ser diferente. Além de, quem sabe, também pode estimulá-lo a seguir a carreira docente.

Muitos estudiosos já mencionaram em seus trabalhos a importância de os professores utilizarem metodologias diferenciadas para atrair a atenção dos alunos e convocá-los a uma aprendizagem efetiva. No entanto, de acordo com a revisão literária feita, não observamos a ficção, ainda, como recurso pedagógico, tampouco sua eficácia para comprovar que a espetacularização pode ser uma ferramenta pedagógica.

Certamente, a afetividade e a relação emocional já são consideradas um diferencial para propiciar o ensino, pois alunos que possuem uma relação mais próxima do professor conseguem assimilar o conteúdo com mais facilidade. Vygotsky (2003) em seus trabalhos já citava a importância da relação professor X aluno no campo da aprendizagem e impulsionava os docentes a trabalhar a afetividade e o estabelecimento de vínculo, para obter resultados mais efetivos “As reações emocionais exercem uma influência essencial e absoluta em todas as formas de nosso comportamento e em todos os momentos do processo educativo”.

A personagem ficção Maluquinha, analisada, pôde estabelecer esse vínculo afetivo e emocional com os alunos. Ao aproximá-los do conteúdo e criar um ambiente propicio para a aprendizagem é possível observar que a alegria e a motivação estiveram presentes durante o trabalho com Show da Maluquinha. Todavia, é necessário nos aprofundar nesse recurso pedagógico e investigar como a espetacularização e a autoficção podem promover sujeitos ativos no processo ensino-aprendizagem?

Esse problema tentará comprovar como a espetacularização pode se tornar, efetivamente, um recurso pedagógico a ser trabalhado com uma geração considerada, segundo Debord, a sociedade do espetáculo.

Apesar de a Língua Portuguesa ser a língua oficial do Brasil, ela ainda é vista por muitos como uma disciplina difícil de ser aprendida. Alguns alunos, inclusive, dizem que não gostam e que nunca a aprenderão. Trata-se de uma disciplina repleta de regras e exceções que, muitas vezes, confundem o aprendiz da língua portuguesa.

A língua padrão culta, a ensinada nas escolas, não se aproxima do dialeto dos alunos, que tendem a falar informalmente, utilizando falas com gírias, frases curtas, proclíticas. Logo, a regra gramatical, o padrão culto, encontra-se distante do falante nativo, e isso faz com que os professores que lecionam a disciplina de Língua Portuguesa também se tornem enfadonhos e cansativos, já que utilizam uma linguagem mais culta, distante dos alunos.

Outra questão que deve ser considerada é que o falante já possui uma gramática internalizada, que julga ser correta. Assim, ao se deparar com o ensino da língua normativa, ele percebe uma lacuna do que achava correto e do que é considerado certo.

Tudo isso faz com que a Língua Portuguesa fique distante do aluno e pareça muito abstrata, sendo necessário, portanto, analisar como aproximá-la dos alunos, motivá-los à aprendizagem e concretizá-la em sua realidade.

Por isso a necessidade de criar alternativas na prática docente. Nesse sentido, a personagem fictícia criada para ensinar LP (Língua Portuguesa) trabalha o imaginário dos alunos, transporta-os para um mundo irreal, é capaz de atraí-los e torna ficcional o ambiente de aprendizagem, a escola, que até então era enfadonha e desgastante, em um local de interesse e desejo de aprendizagem.

Esse processo de comunicação entre o real e o imaginário desperta o aluno para a aprendizagem e, por consequência, motiva-o a aprender. Portanto, o objetivo central deste trabalho é evidenciar os processos dessa incomunicação no mundo real e a necessidade de criar códigos espetaculares e ficcionais em sala de aula como recurso para efetivar o processo ensino-aprendizagem.

A comprovação de que esses códigos espetaculares podem afetar o aluno de forma direta, ou mesmo o corpo docente, produzirá todo um movimento educacional diferenciado. É uma forma de trabalho que pode atrair os alunos do século XXI e modernizar o ensino, não só da Língua Portuguesa, mas de outras disciplinas também.

Isso porque o personagem ficção tende a despertar os talentos pessoais dos professores e torná-lo por si só uma ferramenta pedagógica, dentro de sua disciplina.

Segundo Gobbo (2013),  cresce a necessidade, um anseio, de se destacar, se diferenciar, ser reconhecido, ser alguém no meio da multidão, é justamente a necessidade de fazer diferente, de buscar a inesquecibilidade para alunos. Porque não dizer, ser esse show, dentro da sala de aula.

A geração espetacularizada, que, para a maioria, parece preguiçosa e desmotivada para a prática educativa, seria, na verdade, uma geração que demonstra mais fielmente o retrato de uma geração que necessita de determinadas mudanças no processo ensino-aprendizagem. Cabe aos educadores avaliar as próprias práticas e rever seus métodos de ensino. O primeiro passo para ter novas iniciativas de mudanças das práticas é se debruçar sobre a realidade e avaliar o que ocorre no meio educacional acadêmico acerca das novas formas de trabalhar a Língua Portuguesa dentro do ambiente escolar.

2. APAREÇO, LOGO EXISTO – A METODOLOGIA / ESPETÁCULO NA PRÁTICA

“Criar para sobreviver em espaços de ruínas”

Leonora Werfuck

Inicialmente, a professora regente, com seu personagem ficção, utilizou a música como recurso pedagógico para ensinar gramática de forma mais interativa e dinâmica. A classe gramatical dos pronomes foi transformada em paródias ou ganhou uma roupagem musical para ser ensinada. O universo fictício transformou todos em personagens: alunos em plateia, professora em cantora e gramática em música, coreografada e encenada pela professora regente.  Cada classificação de pronome recebeu uma musicalidade diferente, de forma a envolver o aluno, em diversos estilos. No apêndice F é possível ouvir as músicas sendo cantadas pelos alunos, por meio do QR-code, e visualizar como a aula foi conduzida.

  • Pronomes pessoais do caso reto

Essa é a nova dança que eu vou te ensinar…

Eu, tu, ele, nós, vós, eles, vem, vamos dançar… (2x)

  • Pronomes Oblíquos

Pronomes oblíquos nós vamos aprender: Me, mim, me, mim comigo( 2x)

Pronomes oblíquos nós vamos aprender: te, ti, te, ti contigo (2x)

Pronomes oblíquos nós vamos aprender: nos, conosco, vos convosco (2x)

Pronomes oblíquos nós vamos aprender: o, a, lhe, (2x)

  • Pronomes demonstrativos

Samba Lelê tá doente, tá com a cabeça quebrada, Samba Lelê precisava é de uma boa estudada:

Este, esta, estes, estas, isto

Esse, essa, esses, essas, isso

Aquele, aquela, aqueles, aquelas, aquilo ( 2x)

  • Pronomes Possessivos

POS-SE-SI-VO

Meu, minha, meus minhas,

Teu, tua, teus, tuas

POS-SE-SI-VO

Nosso, nossa, nossos, nossas,

Vosso, vossa, vossos, vossas

POS-SE-SI-VO

  • Pronomes interrogativos

Que, qual, quanto, como, por quê?

Que?

Qual?

Quanto?

Como?

Por quê?

Que, qual, quanto, como, por quê?(2x)

Todo este transformismo promoveu mudanças na rotina da professora regente, na qual criar e recriar tornaram-se ações comuns. Não era mais possível voltar a ser uma professora tradicional e linear em seu processo de ensino. Era cada vez mais perceptível e necessário transformar o modelo tradicional em algo mais prazeroso e interessante para a geração atual de seus alunos.

A personagem ficção, Professora Maluquinha, originada das observações e inquietações da professora regente, a qual, motivada pelo desejo de invocar seus alunos a uma aprendizagem mais divertida e inusitada, transcendeu seu controle e foi além das músicas.

Suas características irreverentes, caricatas e exageradas “contaminaram” os alunos, criando um elo de afetividade, confiança, admiração e carinho. Os estudos dirigidos pela professora tornaram-se mais dinâmicos e espontâneos e novas formas de ensinar a gramática foram repensadas e postas em prática, tudo dentro de um universo de fantasia e imaginação e, às vezes, com uma pitada de ambiguidade para animá-los.

Ensinar a classificação dos substantivos foi além de nomeá-los e explicar suas características principais. Eles se transformaram em um grande reino de palavras, cujas palavras viviam soltas e em eternas discussões. Contudo, um grande mágico apareceu e resolveu dividi-las de acordo com suas características e, a partir daí, cada uma foi viver em seu reino, podendo visitar outros reinos que não fossem inimigos…

“Cuidado com algumas palavras do reino dos compostos, elas possuem espiãs, que se parecem com palavras do reino simples!” (trecho da história, contada pela Professora Maluquinha).

“O espetáculo surge devido ao fato do homem moderno ser demasiado espectador”, (DERBORD, 2003). Assim, na história dos substantivos, é possível observar os elementos fantasiosos e ficcionais que tornam os alunos expectadores da aula-show da professora regente, demonstrando como o espetáculo é capaz de atrair essa geração líquida.

Com essa postura, ao ensinar os verbos, a simples ação virava pulos, correria e danças na sala de aula. Para que os alunos compreendessem qual a pessoa verbal e a quem o verbo se referia ela havia um quadrado mágico, que anteposto ao verbo informava qual era a pessoa.

“Mete o quadrado” (alusão ao quadrado mágico, fala da Professora Maluquinha).

Acompanhado de um enorme quadrado anteposto ao verbo soavam as risadas e a malícia dos alunos em referência ao verbo meter!

Para identificar o modo verbal dos verbos, a brincadeira “morto e vivo” foi adaptada, mas agora com três modalidades: Indicativo, imperativo e afirmativo.

Desse modo, quando o verbo estava no modo indicativo, os alunos deviam ficar de pé e fazer o sinal do “jóia”, pois esse modo indica a certeza; para o modo subjuntivo, deviam ficar meio abaixados, tipo flexão, e fazer o sinal de dúvida com os ombros e braços; para indicar o modo imperativo, deviam se abaixar de cócoras e apontar o dedo em sinal de comando e ordem. A irreverência e a simplicidade nas ideias criavam uma atmosfera de alegria, e a brincadeira favorecia a aprendizagem.

O brincar está sendo cada vez mais utilizado na educação construindo-se numa peça importantíssima nos domínios da inteligência, na evolução do pensamento e de todas as funções superiores, transformando-se num meio viável para a construção do conhecimento. (SANTOS, 1999, p.115).

Como corrobora Santos (1999), brincando, as crianças aprendem e ainda se sentem motivadas com a aula, pois o ambiente é transformado pela alegria e pela irreverência. Contudo, convém mencionar que as aulas não eram frequentemente direcionadas ao personagem ou as suas ações. A professora também demonstrava autoridade diante das situações de indisciplina e falta de compromisso na execução das tarefas. Era perceptível também o laço afetivo entre ela e seus alunos, o qual a auxiliava em seu trabalho, pois muitas vezes os próprios alunos solicitavam a atenção dos demais durante a explicação e a explanação dos conteúdos. O ambiente da sala de aula, normalmente conflituoso, ficou mais “leve”, contribuindo para a aprendizagem.

Ao continuar trabalhando os conteúdos na perspectiva da Professora Maluquinha, da interdisciplinaridade, para ensinar as orações subordinadas substantivas foram criadas fórmulas matemáticas e isso facilitou identificá-las:

Oração subordinada substantiva objetiva direta: verbo (aceita perguntar o que) + que ou se + complemento do verbo (restante da frase).

Oração subordinada substantiva objetiva indireta: verbo + preposição + que ou se + complemento do verbo (restante da frase).

Oração subordinada substantiva objetiva subjetiva: É necessário, é possível, é importante + que ou se + sujeito (restante da frase).

Oração subordinada substantiva objetiva apositiva: verbo + que ou se +: (dois pontos).

Oração subordinada substantiva objetiva predicativa: verbo de ligação + que ou se + restante da frase.

Oração subordinada substantiva completiva nominal: substantivo abstrato + que ou se + complemento da frase.

É importante ressaltar que as fórmulas criadas têm como base as observações feitas pela professora regente, e elas somente eram divulgadas para os alunos após todas as explicações de cada parte da sintaxe que envolve as orações subordinadas substantivas. Foram utilizadas como complementos e facilitadoras da aprendizagem.

Ao explicar os conteúdos, a criatividade adquiriu extrema importância porque para os alunos aprenderem foi preciso criar novas estratégias de ensino. Pesquisas também fundamentaram algumas de suas criações ou mesmo memórias da sua época de estudante. Por exemplo, ao ensinar os pronomes oblíquos átonos, a professora “apropriou-se” de uma fórmula que aprendeu em seu tempo de escola:

Me te se lhe nos vos se (os pronomes eram lidos da seguinte forma para destacar a ambiguidade: mete-se o lhe nos vos se).

Essa maneira de ensinar foi acompanhada por muitas risadas dos alunos, que repetiam em coro os pronomes e não se esqueciam deles na aplicação de diversos conteúdos.

Assim, a personagem ficção transcendeu sua irrealidade e se tornou parte das aulas e dos métodos de trabalho da professora. Nesse sentido, segundo Sibília (2008), essa nova geração espetacularizada valoriza o espetáculo em si, a obra às vezes pouco importa, no caso da professora ficção, o que destacava era a forma de abordar o conteúdo, criando um protagonismo do ato de ensinar.

Paula Sibília (2008) exemplifica bem essa geração do espetáculo:

A enorme engrenagem que hoje comanda a indústria cultural e, acima de tudo, uma máquina de mostrar que já faz longo tempo é mais poderosa que qualquer outra obra individual a ser exposta. Esse gigantesco mecanismo de fabricação de exposições e festivais, com seu combustível mercantil e suas turbinas midiáticas, tornou-se autônomo: agora funciona por si só e precisa de alimentação constante, embora pouco importe quais são os nutrientes que lhes são ministrados a cada temporada. O que interessa é tornar visível __ e, sobretudo, tornar-se visível. (SIBÍLIA, 2008. p.158).

Ao contextualizar a fala de Paula Sibília e os métodos da personagem ficção é possível perceber que essa geração valorizadora do espetáculo é ávida por novidades e métodos variados, pois a mesmice, a rotina e as formas engessadas de ensinar não mais atraem ou chamam suas atenções. Eles precisam se “alimentar” de inovações; o engessamento de algo faz com que percam o interesse e a vontade de aprender, bem como implica na falta de concentração e motivação na aula.

É importante destacar a última fala do trecho citado, “O que interessa é tornar-se visível”, para caracterizar a estratégia utilizada pela personagem; a visibilidade constante, a irreverência e a criatividade faz com que ela esteja sempre visível aos olhos de seus expectadores e, por meio dessa visibilidade, a professora se conecta aos seus alunos e consolida o vínculo para efetivar o ensino e a aprendizagem.

Além disso, mesmo diante de outros conteúdos da gramática, mesmo sem repertório musical, ela foi solicitada como forma de fuga da realidade tradicional para a diversão do show, do movimento e do caricato.

O engajamento na criação de um personagem foi uma estratégia pedagógica para conseguir transmitir os conteúdos curriculares exigidos pela grade curricular. O sucesso pode ser atribuído ao aparecimento contínuo desse personagem, que trazia consigo novas habilidades e ações. Foi preciso, então, aparecer cada vez mais para nutrir esses expectadores, como menciona Paula Sibília (2008), cada vez mais é preciso aparecer, e quanto mais criações eram elaboradas e visibilizadas, mais espetacular a personagem tornava-se e mais “seguida” era.

O trabalho com projetos envolvendo criações gigantescas colocavam em evidência os alunos, os quais também se transportavam para a irrealidade da fama e do espetáculo. Tudo era feito para ser visto e admirado, tanto pelos alunos quanto pelos seus pais.

Nessa realidade, o espetáculo impulsionava a geração liquida a criar, pois ela queria aparecer. Com essa gênese do espetáculo, surgiram performances, show de teatro, danças, apresentações musicais, tudo o que envolvia movimento e fazer artístico. E, na premissa de aparecer, tudo era fotografado ou filmado e postado nas redes sociais, como troféu ou contemplação do espetáculo criado no ambiente escolar.

Entretanto, ainda não é possível afirmar até que ponto essa relação da educação com o espetáculo pode ser positiva, mas ela foi uma ferramenta para captar os alunos da geração da tecnologia, da internet. Todavia, é possível analisar dentro de outra visão a respeito do que a educação tem se transformado, ou até que ponto os professores precisam ir para atrair os alunos e motivá-los a aprender.

Ao fazer uma comparação entre os alunos atuais e os alunos de 30 anos atrás, observa-se diversas e inúmeras mudanças.  Os alunos de antigamente não precisavam ser agradados pelos professores para aprender, não havia a preocupação com a afetividade e com a motivação educacional. A escola existia para quem quisesse ou pudesse frequentá-la. O professor, detentor do saber, estava naquele ambiente para ensinar e ensinar da forma que lhe convinha, cabendo aos alunos prestar atenção, ouvir com cuidado, poucas vezes questionar, ou quase nunca, e procurar entender.

Não havia a preocupação de tentar ser diferente, ou melhor, o professor não precisava se reinventar, se recriar, para que os alunos pudessem aprender. Pode-se, inclusive, afirmar que os professores não precisavam se submeter a espetáculos didáticos para obter a atenção dos alunos para os estudos, ele se posicionava de forma vertical, colocando-se no centro, hierarquicamente superior, e aos alunos competia a inferioridade e a aceitação do que estava sendo trabalhado.

No século XXI, essa geração espetacularizada e diversa não atende a esses padrões tradicionais de educação, é preciso recriar as formas de trabalho educativo, romper com paradigmas tradicionais e preconceitos, que colocam o sistema educacional em julgamento. Desse modo, para desenvolver um trabalho condizente com a realidade atual dessa geração e se tornar professores inesquecíveis, responsáveis pela educação e pela formação cidadã de seus alunos, é preciso fazer diferente, e a criatividade ou o estímulo dela pode ser uma ferramenta eficaz para a educação do século XXI.

Nesse sentido, conforme menciona Morin:

A educação deve favorecer a aptidão natural da mente em formular e resolver problemas essenciais e, de forma correlata, estimular o uso total da inteligência geral. Este uso total pede o livre exercício da curiosidade, a faculdade mais expandida e a mais viva durante a infância e a adolescência, que com frequência a instrução extingue e que, ao contrário se trata de estimular ou, caso esteja adormecida, de despertar. (MORIN, 2000, p. 39).

A prática pedagógica deve ser utilizada para despertar os alunos e estimulá-los à aprendizagem ativa, seja por meio da curiosidade, do espetáculo e do show, das ferramentas pedagógicas, da música, dos projetos, da história, ou, simplesmente, da afetividade.  Urge fazer diferente e ser um professor diferente para ser ouvido e para conseguir alcançar os objetivos docentes com mais competência e eficiência.

A Professora Maluquinha precisou existir para que pudesse sobreviver nos espaços em ruínas que as escolas se tornaram. Foi preciso criar para sobreviver e aparecer no mundo tomado pela mídia e pelos computadores. Foi preciso transformar a sala de aula em um palco, a aula em show, o pincel em microfone, e a gramática em música para despertar os alunos para a aprendizagem. Foi preciso pensar para existir!

3. METODOLOGIA

Esta pesquisa utiliza como metodologia o modelo autoetnográfico, no qual o pesquisador, ao observar o objeto de pesquisa, coloca-se como parte integrante da sua observação, dividindo-se em sujeito de pesquisa e pesquisador. Segundo Santos:

[…] podemos dizer que a autoetnografia é um método que se sustenta e se equilibra em um modelo triádico baseado em três orientações: a primeira seria uma orientação metodológica – cuja base é etnográfica e analí­tica; a segunda, por uma orientação cultural – cuja base é a interpretação: a) dos fatores vividos (a partir da memória), b) do aspecto relacional entre o pesquisador e os sujeitos (e objetos) da pesquisa e c) dos fenômenos sociais investigados; e por último, a orientação do conteúdo – cuja base é a autobiografia aliada a um caráter reflexivo. (SANTOS, 2017, p.218).

A pesquisa, portanto, emana das experiências do autor, que na busca incessante por repostas para suas inquietações lançou-se no campo científico para compreender melhor suas práticas pedagógicas e as dos demais sujeitos que o cercam. Nesse caso, esta pesquisa pauta-se no processo criacional da professora regente, que, em busca de soluções para motivar e transformar suas aulas em algo atrativo criou um personagem ficção, que se apresentou como real aos seus alunos, sujeitos integrantes da pesquisa.

4. RESULTADOS E DISCUSSÃO

A criação da personagem ficção foi uma estratégia usada pela professora regente que, ao se deparar com alunos muitas vezes desmotivados com o ensino da Língua Portuguesa, em especial da gramática normativa, necessitava de um modelo de ensino que os motivassem e os fidelizassem nos estudos. O conteúdo curricular exigido atualmente nas escolas, em especial, em que a professora lecionava, ainda é um currículo de ensino tradicional e normativo, no qual a gramática padrão é exigida em sua totalidade de conhecimento e execução.

Muitos estudos, hoje, apontam que o ensino da gramática tradicional deve ser repensado nas escolas porque deprecia a forma de falar dos falantes de língua portuguesa em relação a outros grupos sociais, gerando um preconceito linguístico.

Segundo Possenti (1996):

A tese de natureza político-cultural diz basicamente que é uma violência, ou uma injustiça, impor a um grupo social os valores de outro grupo. Ela valeria tanto para guiar as relações entre brancos e índios quanto para guiar as relações entre ­­__ para simplificar um pouco­­__ pobres e ricos, privilegiados e “descamisados”. Dado que a chamada língua padrão é de fato um dialeto dos grupos sociais mais favorecidos, tornar seu ensino obrigatório para os grupos sociais menos favorecidos, como se fosse o único dialeto válido, seria uma violência cultural. ( POSSENTI,1996, p.18).

Conforme afirma Possenti (1996), não se deve impor a língua padrão de uma determinada classe social a todos os falantes da Língua Portuguesa ou mesmo afirmar que existe um falar certo ou errado, pois o Brasil tem uma diversidade latente, e a variação da Língua Portuguesa é uma característica dessa diversidade. No entanto, os professores de língua portuguesa devem ter a sensibilidade ou mesmo a sensatez de adaptar o currículo oficial, que parece ser engessado, em uma forma mais prática e significativa para o aluno. O ensino da gramática não precisa ser abolido dos currículos escolares, mas pode ser explorado de outra forma, de maneira que o aluno possa aprendê-lo, sem ter obrigação de decorar nomenclaturas, classificar frases, fazer análises sintáticas ou morfológicas, e ser reprovado por isso, caso não obtenha êxito.

O professor precisa se reinventar para ensinar gramática e não a tornar uma ferramenta de preconceito linguístico e de divisão de classes sociais. Possenti (1996) afirma que a Língua Portuguesa é uma língua tão fácil que qualquer criança que nasce no Brasil (e em alguns outros lugares) a aprende em dois ou três anos, ou seja, os alunos já possuem um conhecimento gramatical internalizado desde seu nascimento, não é necessário focar em nomenclaturas e regras gramaticais, mas no aprimoramento da língua, nas possibilidades que ela oferece e na variedade linguística.

[…] observa-se que a nossa sociedade tem uma longa tradição em considerar a variação numa escala valorativa, às vezes até moral, que leva a tachar os usos característicos  de cada variedade como certos ou errados, aceitáveis ou inaceitáveis, pitorescos, cômicos, etc. Todavia se se acredita  que e diferentes tipos de situação tem-se ou deve-se usar a língua de modos variados, não há por que, ao realizar as atividades de ensino/aprendizagem da língua materna, insistir no trabalho apenas com uma das variedades, a norma culta, discutindo apenas suas características e buscando apenas o seu domínio em detrimento das outras formas de uso da língua que podem ser mais adequadas a determinadas situações. (TRAVAGLIA, 2006, p.41).

Como contribuição para a discussão sobre o ensino da gramática, Travaglia (2006) fala sobre a importância de o professor ensinar Língua Portuguesa não somente privilegiando o ensino da gramática normativa, mas abrangendo as variações linguísticas do idioma e suas diversas possibilidades, de acordo com situação e o ambiente em que o falante se encontra.

Nesse sentido,  o importante é ensinar com práticas significativas: com leitura, interpretação, emoção, prazer, motivação. A aprendizagem com prática e com desejo ocorre de forma natural. A professora Maluquinha não surgiu para condicionar os alunos a uma aprendizagem tradicional da gramática normativa, mesmo porque ela é um personagem criado pela influência da mídia, da dinamização de uma geração líquida, que necessita de um ensino mais fluído e menos engessado.

Apesar de a professora regente, por meio de sua personagem ficção  utilizar em suas aulas músicas com letras gramaticais, inventar histórias sobre as classes de palavras e criar fórmulas para ensinar os períodos compostos, não é possível afirmar que as aulas sejam totalmente pautadas no ensino padrão da gramática, pois elas descontroem o ensino tradicional e recriam uma forma de trabalho, no qual desenvolver a competência comunicativa é o mais importante.

A angústia para ensinar gramática foi apenas uma ferramenta precursora de transformação na forma de ensinar, mas que, ao longo dos anos, tornou-se secundária. A prioridade estava em conduzir uma aula atrativa, motivada e criativa, em que os alunos se tornaram  sujeitos ativos do processo de ensino, cujo objetivo principal passou a ser a interação, a fidelização do ensino e o aprendizado.

A professora Maluquinha foi a base para a criação de diversas formas de trabalho na escola. A dinamização de uma educação mais divertida e interativa inspirou alunos a uma aprendizagem mais prazerosa e demais professores a repensar suas práticas e buscar recursos para despertar o aluno em seu processo de ensino. A criação desse personagem gerou diversas possibilidades e ganhou dimensões maiores do que apenas o ensino restrito da gramática, tais como projetos envolvendo a disciplina de Língua Portuguesa, o incentivo à leitura e à literatura, a interdisciplinaridade, as aulas de campo, os debates, entre outros.

A concretização do trabalho ficcional e envolvedor entre a professora Maluquinha e seus alunos vão além das notas e evidências gramaticais em avaliações ou atividades fixativas, ele ultrapassa um ensino engessado e convoca os alunos para o saber ativo.

Os resultados não se encontram pautados em tabelas, gráficos e avaliações exatas de pesquisa. Eles resultaram de demonstrações de participação, da criatividade, do avanço, da autoestima, da superação e da emoção presente em cada ato, cada passo dado.

A professora Maluquinha/ professora regente, talvez, não tenha conseguido tabular tantas emoções, talvez porque ainda não é possível materializar sensações com fórmulas matemáticas. No entanto, conseguiu se tornar uma professora inesquecível, como propôs Alexandre Gobbo, ser um show, como brada Paula Sibilia, e tornou suas aulas e sua forma de trabalho um espetáculo, como propôs Guy Debord, e, mais do que isso, muito mais do que isso: a professora Maluquinha conseguiu fazer diferente uma educação que ainda parece engessada nos moldes de séculos passados.

Conforme afirma Sibilia (2008):

É assim como se encena, todos os dias, o show do eu. Fazendo da própria personalidade um espetáculo; isto é, uma criatura orientada aos olhares dos outros como se estes construíssem a audiência de um espetáculo. (SIBILIA.2008, p.258).

Que o show acontença todos os dias e que a capacidade do homem de se reinventar profissionalmente contribua para aumentar a audiência das aulas e motivar os alunos.

5. CONSIDERAÇÕES FINAIS

A pesquisa demonstrou em todas as suas intenções o quanto é importante reavaliar os métodos de trabalho para lecionar para a geração do século XXI. O objetivo não é influenciar os professores a transformar suas aulas em show e seu papel como profissional da educação em personagem ficção, mas demonstrar o quão importante e significativo é para o aluno o fazer diferente.

A finalidade desta pesquisa é fazer os profissionais da educação repensarem suas aulas, suas formas de lecionar, aplicar seus conteúdos e também se preocupar mais com seu aluno e com o que, de fato, pode ser importante para ele. Não se pretende desmerecer os currículos oficiais, nem as avaliações que precisam ser aplicadas como quantificadoras de aprendizado, mas certamente existe muito mais a ser ensinado, existe muitas formas de ensinar, uma gama de possibilidades; é preciso, sim, que cada um se autoavalie e tente fazer diferente.

A pesquisa traz em sua totalidade uma série de desafios para uma educação melhor, para a transformação do professor e para impulsionar mudanças e possibilidades que essas mudanças têm a oferecer e facilitar o trabalho docente.

A conclusão deste trabalho tem fundamento nos aprendizados obtidos por meio dos estudos realizados por Paula Sibilia (2008), fonte maior de inspiração. Isso permitiu eternizar tudo o que a professora Maluquinha, por meio da criatividade da professora regente, conseguiu fazer com os alunos e continuará fazendo, pois, para ela, ser inesquecível pela educação dada é o local mais alto que se pode chegar. Que a audiência da educação esteja em picos excessivos do IBOPE, e que os alunos sejam os protagonistas deste show, que é a vida!

REFERÊNCIAS

BRASIL. Secretaria de Educação Fundamental. Parâmetros Curriculares Nacionais: Meio Ambiente e Saúdes- temas transversais. Brasília: Mec. /SEF, 1997. V 9.

__________. Ministério da Educação – MEC, Secretaria da Educação Básica. Orientações Curriculares para o Ensino Médio: ciência da natureza, matemática e suas tecnologias. Brasília, 2002.

BECHARA, Evanildo. Ensino da gramática: Opressão? Liberdade? 9ª ed. São Paulo: Ática, Série Princípios, 1997.

DEBORD, Guy (1931-1994). A sociedade do espetáculo. Digitalização da edição em pdf originária de www.geocities.com/projetoperiferia 2003 – Guy Debord Disponível em: <https://www.marxists.org/portugues/debord/1967/11/sociedade.pdf> Acesso em: 5 mar. 2019.

FREIRE, Paulo. Pedagogia da Autonomia. Saberes necessários à prática educativa. 51ªed. Rio de Janeiro: Paz e terra, 2015.

GOBBO, Alexandre. Marketing educacional: desperte seus talentos e torne-se um professor inesquecível. Rio de Janeiro: Wak Editora,2013.

MORÁN, José. Mudando a educação com metodologias ativas. In: SOUZA, Carlos Alberto de; MORALES, Ofelia Elisa Torres (Orgs.). Coleção Mídias Contemporâneas. Convergências Midiáticas, Educação e Cidadania: aproximações jovens. Vol. II. PG: Foca Foto-PROEX/UEPG, 2015. Disponível em: <http://www2.eca.usp.br/moran/wp-content/uploads/2013/12/mudando_moran>.  Acesso em: 29 jul. 2019.

MORIN, Edgar. Jornadas Temáticas A religação dos saberes: o desafio do século XXI.Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2004.

MORIN, Edgar. Os sete saberes necessários à educação do futuro. Tradução de Catarina Eleonora F. da Silva e Jeanne Sawaya. São Paulo: Cortez; Brasília, DF: Unesco, 2000. Título original: Lesseptsavoirs nécessaires à l’éducationdu futur.

NUNES.  José de Arimateas de Sousa: Ensino da Língua Portuguesa no Ensino Fundamental: Limites e Desafios, 2013,156 f. Dissertação (Mestrado em Educação) – Programa de Pós-Graduação em Educação, Universidade Lusófona de Humanidades e Tecnologias, 2013.  Disponível em: < http://recil.grupolusofona.pt/handle/10437/6325 > Acesso em: 5 mar. 2019.

POSSENTI, S. Por que (não) ensinar gramática na escola. Campinas: Mercado de Letras, 1996.

SANTOS, S. M.O método da autoetnografia na pesquisa sociológica: atores, perspectivas e desafios. PLURAL, Revista do Programa de Pós‑Graduação em Sociologia da USP, São Paulo, v.24.1, 2017, p.214-241. Disponível em: <https://doi.org/10.11606/issn.2176-8099.pcso.2017.113972> Acesso em: 27 de ago. 2019.

SIBÍLIA, Paula. O show do eu: a intimidade como espetáculo. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2008.

TRAVAGLIA, L. C. Gramática e interação: uma proposta para o ensino de gramática/ Luiz Carlos Travaglia. ed. São Paulo: Cortez, 2006.

VYGOTSKY, Lev Semynovich. Psicologia Pedagógica: edição comentada. Porto Alegre: Artmed, 2003. 311 p.

[1] Mestranda pela faculdade Vale do Cricaré em Ciência, Tecnologia e Educação, Graduada em Língua Portuguesa e respectivas Literaturas pelo Centro de Ensino Superior de Vitória, Graduada pela Multivix em pedagogia e pós-graduada em Psicopedagogia e Alfabetização pela CESAP.

[2] Doutorado em Letras. Mestrado em Mestrado em Estudos Literários. Especialização em Marketing.  Graduação em Comunicação Social.

Enviado: Outubro, 2019.

Aprovado: Dezembro, 2019.

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Bruna Silveira Schultz

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