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A educação formal indígena no âmbito da Educação Profissional e Tecnológica (EPT)

RC: 105315
479
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DOI: 10.32749/nucleodoconhecimento.com.br/educacao/educacao-formal-indigena

CONTEÚDO

ARTIGO ORIGINAL

PEREIRA, Jamilli Santos Martins [1], OLIVEIRA,  Cleber Macedo de [2], FECURY, Amanda Alves [3], DENDASCK, Carla Viana [4], DIAS, Claudio Alberto Gellis de Mattos [5]

PEREIRA, Jamilli Santos Martins. et al. A educação formal indígena no âmbito da Educação Profissional e Tecnológica (EPT). Revista Científica Multidisciplinar Núcleo do Conhecimento. Ano. 07, Ed. 01, Vol. 05, pp. 47-59. Janeiro de 2022. ISSN: 2448-0959, Link de acesso: https://www.nucleodoconhecimento.com.br/educacao/educacao-formal-indigena, DOI: 10.32749/nucleodoconhecimento.com.br/educacao/educacao-formal-indigena

RESUMO

A educação pode significar o elo entre os não Indígenas e os indígenas. A lei 12.711/2012, versa sobre a obrigatoriedade da reserva de vagas nas universidades e institutos federais, combinando frequência na escola pública com renda e etnia. A construção de cursos de educação profissional integrada à educação escolar indígena deve considerar os impasses, como também as potencialidades, na relação entre conhecimentos e práticas indígenas e os conhecimentos técnico-científicos, bem como a possibilidade de que os povos indígenas venham realmente a neles inscrever a sua própria perspectiva. O objetivo deste trabalho é discorrer sobre a educação formal indígena no âmbito da Educação Profissional e Tecnológica (EPT). Para tanto foi realizada uma pesquisa bibliográfica em língua portuguesa em bases de dados. A educação parece ser o caminho para a integração do indígena e sua formação para benefício próprio e da comunidade. A política de cotas ou de ações afirmativas é uma tentativa de diminuir a distância social quando se fala do acesso a vagas na educação, inclusive técnica. A existência de núcleos de estudos afro-brasileiros e indígenas parece, ainda que timidamente, contribuir com a pesquisa e divulgação sobre identidades e relações étnico-raciais, visando a diminuição da distância socioeducacional e das diferenças dentro das instituições. Apesar do preparo, ainda que em construção, das instituições para atender um público diverso como os indígenas, o acesso destes ainda é considerado pequeno.

Palavras-chave: Ensino, EPT, Educação Indígena, IFAP.

INTRODUÇÃO

A educação pode significar o elo entre os não indígenas e os indígenas numa busca por espaço, não no formato de guerra, mas de garantia de resistência e valorização.

O problema indígena não pode ser compreendido fora dos quadros da sociedade brasileira, mesmo porque só existe onde e quando índio e não-índio entram em contato. É, pois, um problema de interação entre etnias tribais e a sociedade nacional (RIBEIRO, 1989).

Para Darcy Ribeiro a educação é uma grande aliada no processo de formação e reconhecimento do povo indígena, uma educação em que o educando se enxergue e possa mudar o seu contexto, um auxílio, uma participação gradativa para com os demais de sua comunidade indígena.

Em se tratando de povos indígenas no Brasil, observa-se que o contato dos nativos com os colonizadores europeus transformou a forma de esses povos conceberem sua educação. Hoje a educação formal e a educação informal são realizadas paralelamente e quase com igual importância dentro de muitas comunidades indígenas, sobretudo dentro daquelas que mantém maior contato com não-indígenas (QUARESMA e FERREIRA, 2013).

CAMINHOS PERCORRIDOS DA EDUCAÇÃO INDÍGENA NO BRASIL

Muitas guerras e batalhas foram travadas, pois os indígenas apresentavam resistência à escolarização dos jesuítas e assim a educação escolar indígena começou a se concretizar somente a partir de 1945 (MENDES et al., 2017).

Com o advento da Constituição Federal (CF) de 1988, a educação escolar indígena se voltou para objetivos como: preservar a historicidade, a etnia e a cultura dos povos indígenas (BRASIL, 1988). Assim, a União se tornou responsável por oferecer e assegurar educação escolar indígena de qualidade e resguardar sua cultura, organização social, costumes, línguas, crenças, tradições e os direitos originários sobre suas terras, bem como a aplicação de metodologias de aprendizagem específicas para as populações indígenas (MENDES et al., 2017).

Sete anos após a promulgação da Constituição Federal, foi publicada a lei de diretrizes e bases da educação nacional (LDB), utilizando o termo educação escolar indígena, com base em igualdade social, bilinguismo, interculturalidade, historicidade de um povo, na preservação da língua materna, valorização étnica e de suas ciências e garantia a essas comunidades ao acesso à informação e conhecimento técnico-científico da sociedade nacional e internacional, indígena e não indígena (BRASIL, 1996). A LDB ratifica alguns direitos assegurados na Constituição Federal de 1988 como é apresentado na constituição, artigo 210: “§ 2º O ensino fundamental regular será ministrado em língua portuguesa, assegurada às comunidades indígenas também a utilização de suas línguas maternas e processos próprios de aprendizagem” (BRASIL, 1988).

Em 1999, foi instituída as primeiras Diretrizes Curriculares Nacionais da Educação Escolar Indígena que fixaram normas para o funcionamento da educação básica indígena, definição e competência para oferta, tratava ainda sobre a formação de professores indígenas, currículo, flexibilização e liberdade pedagógica e curricular (BRASIL, 1999).

Posteriormente, em 2001, o Plano Nacional de Educação (PNE), com seus objetivos e metas outorgou aos estados a competência pela educação escolar indígena e tinha como objetivos a cooperação dos povos indígenas nas decisões de suas escolas e liberdade na construção do seu projeto político pedagógico, sendo assim, criada a categoria Escola Indígena (BRASIL, 2001).

No ano de 2012, houve a aprovação da Lei nº 12.711/12, uma das políticas públicas utilizadas para a redução e enfrentamento das desigualdades étnicos raciais. A referida lei estabelece ainda medidas para ampliar o acesso dos segmentos mais pobres, dos negros e dos indígenas em universidades ligadas ao Ministério da Educação e instituições federais de ensino técnico de nível médio (BRASIL, 2012).

Ainda em conformidade com a lei de cotas, como é popularmente chamada a Lei n° 12.711/12, as instituições federais de ensino superior deverão em cada seleção para ingresso, reservar no mínimo 50% de suas vagas para alunos que estudaram o ensino médio em escolas públicas e desta porcentagem 50% das vagas deve ser reservadas a alunos com renda familiar per capita até no máximo um salário mínimo e meio. O art. 4° da lei versa que as instituições federais de ensino técnico de nível médio deverão reservar 50% de suas vagas em cada seleção de ingresso a alunos que estudaram o ensino fundamental em escolas públicas. Essas vagas deverão ser preenchidas por autodeclarados pretos, pardos, indígenas e pessoas com deficiência, com um total mínimo de vagas com a mesma proporção da quantidade populacional destas minorias da unidade federativa que a instituição está situada, conforme o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística/IBGE (BRASIL, 2012).

A REDE FEDERAL

A Rede Federal de Educação Profissional, Científica e Tecnológica foi criada em 1909, pelo então presidente da República, Nilo Peçanha, por meio do Decreto nº 7566/1909:

Considerando: que o aumento constante da população das cidades exige que se facilite às classes proletárias os meios de vencer as dificuldades sempre crescentes da luta pela existência: que para isso se torna necessário, não só habilitar os filhos dos desfavorecidos da fortuna com o indispensável preparo técnico e intelectual, como faze-los adquirir hábitos de trabalho profícuo, que os afastara da ociosidade ignorante, escola do vício e do crime; Que é um dos primeiros deveres do Governo da Republica formar cidadãos uteis a Nação:  Decreta: Art. 1º Em cada uma das capitais dos Estados da Republica o Governo Federal manterá, por intermédio do Ministério da Agricultura, Industria e Commercio uma Escola de Aprendizes Artífices, destinada ao ensino profissional primário e gratuito (BRASIL, 2020).

Pelo então referido decreto, foram criadas 19 escolas de Aprendizes e Artífices que, posteriormente, foram os primeiros Centros Federais de Educação Profissional e Tecnológica (CEFETs) (BRASIL, 2020).

Em 29 de dezembro de 2008, foi aprovada a lei nº. 11.892/08, na qual transforma Centros Federais de Educação Tecnológica (CEFETs), Unidades de Ensino Descentralizadas (UNEDs) escolas agrotécnicas e escolas técnicas federais bem como escolas vinculadas às universidades nos Institutos Federais de Educação, Ciência e Tecnologia. Os institutos federais são instituições de educação básica, profissional e tecnológica, pluricurriculares e multicampi. Oferecem educação profissional e tecnológica em várias modalidades de ensino, aliando conhecimentos técnicos e tecnológicos, formando e objetivando o profissional em várias áreas da economia com destaque no desenvolvimento econômico e social, regional e nacional (BRASIL, 2008).

Em 2020, a rede federal alcançou mais de um milhão de estudantes matriculados/as e 80 mil servidores/as. É composta por 38 Institutos Federais de Educação, Ciência e Tecnologia (IFs), Dois Centros Federais de Educação Tecnológica (CEFETs); O Colégio Pedro II; Uma Universidade Tecnológica Federal; e 23 Escolas Técnicas Vinculadas às Universidades Federais. As instituições com seus respectivos campi totalizam 661 campi, distribuídos em todo o território nacional (IFFAR, 2021).

O processo de expansão da Educação Profissional e Tecnológica (EPT), passou e vem passando por transformações, reconfigurações e incorporações institucionais. Compõem um programa que mesmo sofrendo críticas associando-o a ideias economicistas, trouxe consideráveis e visíveis benefícios para a sociedade onde atua. Este crescimento é dependente das políticas públicas para a educação e das fragilidades do cenário político (SOUZA e SILVA, 2016).

OBJETIVO

Discorrer sobre a educação formal indígena no âmbito da Educação Profissional e Tecnológica (EPT).

MÉTODO

Foi realizada uma pesquisa bibliográfica em língua portuguesa em bases de dados de pesquisa como Scientific Electronic Library Online – SciELO; Google Acadêmico; Biblioteca Digital Brasileira de Teses e Dissertações- BDTD; e periódicos CAPES (Portal da CAPES).

RESULTADOS E DISCUSSÕES

A POLÍTICA DE COTAS PARA ACESSO À EDUCAÇÃO

A lei 12.711/2012, versa sobre a obrigatoriedade da reserva de vagas nas universidades e institutos federais, combinando frequência na escola pública com renda e etnia (BRASIL, 2012). Ela tem como objetivo maior promover o acesso à educação de qualidade e gratuita em instituições federais de ensino técnico de nível médio e superior à camadas da sociedade que, no passado, não tinham oportunidades (WANDROSKI e COLEN, 2014).Também definida como política de ações afirmativas, o sistema de cotas é utilizado como estratégia promocional, a fim de incentivar a inclusão de grupos vulneráveis, e proporcionar reparação, justiça distributiva e diversidade. As ações afirmativas podem ser classificadas como políticas públicas e privadas. A primeira decorrente de ações do poder executivo ou judiciário e ações que objetivam o combate à discriminação estabelecida pela iniciativa privada (TORRES et al., 2021).

Em um contexto histórico de políticas afirmativas, usadas como suporte para ações no Brasil, a exemplo do sistema norte americano, justifica-se por histórico semelhante de exploração por colônias europeias e utilização de escravos (WANDROSKI e COLEN, 2014). Na índia, se faz referência ao sistema de vagas para os dalits, os também conhecidos “intocáveis”, o grupo mais discriminado do país. É o maior sistema já formulado, sendo inspiração para muitos países, construindo a igualdade a partir da diferença. Outros países também desenvolveram ações afirmativas, bem como: Malásia, Austrália, Canadá, Nigeria, África do Sul, Argentina, Cuba (MOEHLECKE, 2002).

A sociedade brasileira (multiétnica, com indígenas, brancos, negros e demais etnias) deve se fazer representada na decisão e implantação de políticas públicas educacionais. A participação de movimentos sociais é um elemento importante para a construção dessas políticas, sendo os povos indígenas parte de um dos segmentos que mais exigem do Estado ações que visem a construção dessas políticas. A implantação desse acesso deve considerar as diferenças socioculturais, políticas, demográficas e o mais importante seus processos próprios de educação (BANIWA, 2013).

Neste sentido, é importante referenciarmos que mesmo que a política de cotas tenha sido uma resposta positiva, sua implementação gerou questões polêmicas. A primeira questão é que se refere aos direitos indígenas como coletivos (onde a comunidade é o indivíduo). As instituições de ensino consideram o direito ao ingresso de forma individualizada, o que é considerado um risco ou ameaça aos seus princípios e modos de vida. Esta coletividade é responsável pela escolha dos candidatos e dos cursos de seu interesse, bem como, acompanhamento da formação e o retorno para a comunidade. Entretanto, o que se observa, em sua maioria, são indivíduos indígenas residentes em centros urbanos que não possuem compromisso com a comunidade se beneficiando com a atual política. A situação é agravada pela complexidade de acesso aos vestibulares e exames de acesso. Seria necessário atender, na mesma proporção, os indígenas que vivem nas comunidades, pois estes têm maior possibilidade de manter o compromisso de retornar a ela após finalizar o curso (BANIWA, 2013).

Existem desafios enfrentados pelos alunos indígenas diante da educação formal. É importante considerar a importância do nivelamento de conhecimentos e da sua adaptação ao mundo acadêmico. Isso traz a necessidade da existência de programas de acompanhamento e tutoria que dê lhes assistência desde o acesso até a finalização dos cursos, com o intuito de diminuir a evasão (SOUZA et al., 2020). Disponibilizar cotas não é o suficiente. É também prioritário subsidiar projetos e programas, bem como, viabilizar bolsas de pesquisa que preservem a ligação do indivíduo com a sua comunidade. Torna-se interessante então proporcionar também ações pedagógicas com objetivo de reduzir a discriminação enfrentada por esses alunos (BANIWA, 2013).

A lei de cotas representa uma etapa significativa, ainda que modesta, para inclusão e democratização ao acesso e permanência na educação. Para entendermos a realidade deste processo, é importante apresentar o contexto e os desdobramentos da política de reserva de vagas (KOSTRYCKI, 2020).

A POLÍTICA DE COTAS E O INSTITUTO FEDERAL DO AMAPÁ (IFAP)

O Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Amapá foi criado pela Lei nº 11.892/2008, mesma lei que instituiu a Rede Federal de Educação Profissional, Científica e Tecnológica, a partir da Escola Técnica Federal do Amapá (ETFAP), instituída pela Lei nº 11.534, de 25 de outubro de 2007 (RAMOFLY e MACEDO, 2020). Iniciou suas atividades no ano de 2010, com as unidades Macapá e Laranjal do Jari, com a oferta de cursos técnicos na modalidade Subsequente, disponibilizando 420 vagas (MIRANDA, 2021).

O Plano de Desenvolvimento Institucional (PDI) 2010-2014, norteado pelas ações afirmativas, obedecendo à lei 12.711/2012, sobre a implementação de cotas, teve 10% das vagas destinadas às cotas para negos e indígenas (IFAP, 2012). O gráfico exemplifica a distribuição do perfil do aluno do IFAP, por cor/raça, no ano de 2017.

Gráfico 1: Distribuição do perfil do aluno do IFAP, por cor/raça, no ano de 2017

Distribuição do perfil do aluno do IFAP, por corraça, no ano de 2017.
Fonte: Adaptado de IFAP (2019a).

Em seu PDI 2019, o IFAP tem como compromisso, até 2023, aumentar o percentual de vagas destinadas a alunos de escolas públicas, indígenas e quilombolas em seu processo seletivo (IFAP, 2019a).

Atualmente, o Instituto Federal do Amapá, prevê em seus editais de processo seletivo uma reserva de 50% de suas vagas destinadas às cotas (IFAP, 2021). As vagas estão previstas como reserva de vagas e não garantia. O estudante deve se enquadrar nos requisitos para a vaga e possuir os documentos comprobatórios para se classificar para a vaga (KOSTRYCKI, 2020). O processo seletivo para os cursos integrados, por exemplo, é realizado via análise documental (IFAP, 2021).

Aos candidatos que passam por todas as fases, tem pela frente outro desafio, permanecer na instituição e finalizar o curso, estes representam os demais alunos que não tiveram oportunidade de acesso. A instituição cabe promover condições para permanência e saída exitosa (KOSTRYCKI, 2020).

NÚCLEO DE ESTUDOS AFRO-BRASILEIROS E INDÍGENAS – NEABI/IFAP

O núcleo tem natureza propositiva, consultiva, vinculado à Pró-reitoria de Extensão, Pesquisa, Pós-Graduação e Inovação. Tem a função de auxiliar no direcionamento de estudos, estimular e promover ações de ensino, pesquisa e extensão que promovam a reflexão sobre as temáticas das identidades e das relações étnico-raciais, referente às questões da diversidade na perspectiva dos princípios multiculturais, tendo como escopo o fomento a estudos e desenvolvimento de ações de valorização das identidades afro e indígenas, no âmbito da instituição e em suas relações com a comunidade externa (IFAP, 2019b).

O INDÍGENA NO ÂMBITO DA EDUCAÇÃO PROFISSIONAL E TECNOLÓGICA

A construção de cursos de educação profissional integrada à educação escolar indígena deve considerar os impasses, como também as potencialidades, na relação entre conhecimentos e práticas indígenas e os conhecimentos técnico-científicos, bem como a possibilidade de que os povos indígenas venham realmente a neles inscrever a sua própria perspectiva (BRASIL, 2007).

Para SANTOS e MÜLLING (2019), o problema reside em saber com que relação étnica se está tecnificando a mão de obra, quando o objetivo de dirimir a fome está em uma atitude moderna útil e rentável, econômica e divorciada de uma ética interna e cultural, de um projeto coletivo étnico e sustentável e fortalecido. Visto que, reconhecido o direito constitucional aos processos próprios de existência indígena, é legítima a sua resistência à inserção no mundo capitalista legitimando a sua luta por caminhar na construção de espaços alternativos ao sistema universalista vigente.

Sua reexistência trata-se da reconfiguração da vida indígena em diálogo com o mundo, do movimento do que é mutável e imutável na cultura, sob a perspectiva de seus sujeitos. Além disso, não se trata meramente de pedir acesso às vantagens dos avanços do ocidente mediante acesso à educação, nem de demonstrar que a sabedoria indígena detém também caráter científico, mas de demarcar a vigência das culturas indígenas na vida cotidiana da população latino americana em uma perspectiva descolonial. (SANTOS e MÜLLING, 2019).

As necessidades da educação profissional indígenas são permeadas por políticas institucionais e seu êxito passa por adaptações curriculares como, por exemplo, uso da oralidade em avaliações (ESTEVÃO e BARBOSA, 2021). A pressão para a exploração capitalista dos territórios indígenas hoje é incessante, seja para mineração, para obtenção de recursos naturais, como madeira e pesca, seja para a locação de terras indígenas para o agronegócio. Em todas as regiões do país, os indígenas têm sido assediados, em virtude da falta de alternativas, por agentes do modelo de desenvolvimento econômico predador. Vide a ser necessário, o apoio aos povos indígenas para que eles encontrem alternativas sustentáveis de gerenciamento autônomo de seus territórios (SILVA, 2018).

A população indígena no Brasil é expressiva e precisa-se discutir o acesso à educação desses povos. Garantir não somente o seu acesso, mas também a permanência e êxito dos estudantes. O último censo realizado registra que a parcela da população que se declararam da cor ou raça indígena foi de 896.817 mil pessoas, representando 0,4% da população brasileira no ano da referida pesquisa. Isso demonstra a grande importância de se estudar e discutir a educação indígena (IBGE, 2012).

Em pesquisa feita no banco de dados Capes, o ensino médio técnico indígena constitui temática escassa e recente, visto que sua perspectiva pode ser associada à expansão da Rede Federal de Educação, Ciência e Tecnologia, iniciada em 2008, sendo assim, uma área de amplas demandas políticas e acadêmicas. A disseminação e aprofundamento dos estudos na área se faz importante para a construção e consolidação dos direitos à educação dos povos originários (MULLING e SANTOS, 2016).

BUSCA PELA QUALIFICAÇÃO POR ESSES POVOS

No Brasil, encontramos uma grande diversidade de processos de escolarização vivenciados pelos povos indígenas. Povos que já possuem uma longa experiência com educação formal ofertada por agências governamentais e não-governamentais, outros a iniciaram mais recentemente e outros ainda resistem em aceitar a escola que lhes é oferecida em suas comunidades, temendo o impacto dessa ação sobre a organização tradicional dos processos de aprendizagem e de educação dos sujeitos indígenas (BRASIL, 2007).

Uma qualificação educacional que busque não somente a sua inclusão no mundo dos não-indígenas, mas que o prepare para a sua relação com o mundo externo longínquo da comunidade indígena, uma formação capaz de prepará-lo para dentro e fora do seu contexto local (DOWBOR, 2007).

A ideia da educação para o desenvolvimento local está diretamente vinculada a esta compreensão, e à necessidade de se formar pessoas que amanhã possam participar de forma ativa das iniciativas capazes de transformar o seu entorno, de gerar dinâmicas construtivas. Hoje, quando se tenta promover iniciativas deste tipo, constata-se que não só os jovens, mas inclusive os adultos desconhecem desde a origem do nome da sua própria rua até os potenciais do subsolo da região onde se criaram. Para termos cidadania ativa, temos de ter uma cidadania informada, e isto começa cedo. A educação não deve servir apenas como trampolim para uma pessoa escapar da sua região: deve dar-lhe os conhecimentos necessários para ajudar a transformá-la (DOWBOR, 2007).

Neste sentido, se faz importante a discussão a respeito das metodologias utilizadas com os povos indígenas, as políticas públicas e institucionais de assistência para a inclusão, permanência e êxito do estudante indígena. Uma educação escolar intercultural, considerando a realidade e os saberes construídos historicamente pela comunidade indígena, tornam o processo de ensino e aprendizagem mais significativos, aproximando as disciplinas formais ofertadas com o cotidiano. A interculturalidade deve contribuir para superar divergências quanto à convivência com o diferente, facilitando a relação com a pluralidade social e cultural, sendo fundamentais para a formação de todos os alunos indígenas e não-indígenas. É importante romper com o padrão de ensino imposto e construir estratégias que aproximem a educação escolar que valorize os saberes tradicionais. (SILVA e FELZKE, 2021).

CONCLUSÕES

A educação parece ser o caminho para a integração do indígena e sua formação para benefício próprio e da comunidade. Isso provavelmente faria com que o indígena tivesse oportunidades parecidas com as que têm os não indígenas.

A política de cotas ou de ações afirmativas é uma tentativa de diminuir a distância social quando se fala do acesso a vagas na educação, inclusive técnica. Tratar diferente quem é diferente talvez auxilie, no futuro, a existência de uma sociedade mais igualitária.

A existência de núcleos de estudos afro-brasileiros e indígenas parece, ainda que timidamente, contribuir com a pesquisa e divulgação sobre identidades e relações étnico-raciais, visando a diminuição da distância socioeducacional e das diferenças dentro das instituições.

Apesar do preparo, ainda que em construção, das instituições para atender um público diverso como os indígenas, o acesso destes ainda é considerado pequeno, em um estado como, por exemplo, o Amapá. Para atrair o aluno indígena seria necessária uma divulgação mais ampla e mais próxima da realidade das comunidades indígenas, inclusive respeitando a cultura diferenciada deles, onde a comunidade funciona como se fosse um indivíduo.

REFERÊNCIAS

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[1] Letróloga, Especialista em Educação Especial e Inclusiva, Discente do Programa de Pós-Graduação em Educação Profissional e Tecnológica (PROFEPT IFAP).

[2] Engenheiro Agrônomo, Especialista em Docência na Educação profissional e Tecnológica, Doutor em Entomologia, Professor e pesquisador do Instituto de Ensino Básico, Técnico e Tecnológico do Amapá (IFAP) e do Programa de Pós Graduação em Educação Profissional e Tecnológica (PROFEPT IFAP).

[3] Biomédica, Doutora em Doenças Tropicais, Professora e pesquisadora do Curso de Medicina do Campus Macapá, Universidade Federal do Amapá (UNIFAP).

[4] Doutorado em Psicologia e Psicanálise Clínica. Doutorado em andamento em Comunicação e Semiótica pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC/SP) . Mestrado em Ciências da Religião pela Universidade Presbiteriana Mackenzie. Mestrado em Psicanálise Clínica. Graduação em Ciências Biológicas. Graduação em Teologia. Atua há mais de 15 anos com Metodologia Científica ( Método de Pesquisa) na Orientação de Produção Científica de Mestrandos e Doutorandos. Especialista em Pesquisas de Mercado e Pesquisas voltadas a área da Saúde. ORCID: 0000-0003-2952-4337.

[5] Biólogo, Doutor em Teoria e Pesquisa do Comportamento, Professor e pesquisador do Curso de Licenciatura em Química do Instituto de Ensino Básico, Técnico e Tecnológico do Amapá (IFAP) e do Programa de Pós Graduação em Educação Profissional e Tecnológica (PROFEPT IFAP).

Enviado: Janeiro, 2022.

Aprovado: Janeiro, 2022.

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Carla Dendasck

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