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Ser policial militar do estado do Rio de Janeiro:  ingresso, preparação e dificuldades encontradas no desempenho da função

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CONTEÚDO

ARTIGO ORIGINAL 

SILVA, Victor César Rosario e [1]

SILVA, Victor César Rosario e. Ser policial militar do estado do Rio de Janeiro:  ingresso, preparação e dificuldades encontradas no desempenho da função. Revista Científica Multidisciplinar Núcleo do Conhecimento. Ano. 07, Ed. 07, Vol. 06, pp. 156-171. Julho de 2022. ISSN: 2448-0959, Link de acesso: https://www.nucleodoconhecimento.com.br/administracao/policial-militar

RESUMO

Ser um Policial Militar faz parte da percepção do senso de se fazer justiça, tornando-se o objetivo de carreira de muitas pessoas. No entanto, os desafios enfrentados no exercício da função são pouco explorados pela literatura acadêmica, ficando a cargo dos noticiários e jornais abordar a maioria dos assuntos relacionados a esta temática. Desta feita este artigo busca investigar: Como é construída a carreira de policial militar no Estado do Rio de Janeiro, e quais os desafios encontrados no desempenho da função? Para isso realizou-se uma pesquisa baseada em revisão bibliográfica, e uma pesquisa documental descritiva em reportagens, noticiários, documentários e filmes institucionais. Na conclusão observou-se que o ingresso na corporação passa por um processo sistemático que busca qualificar os profissionais, no entanto, os desafios no exercício profissional têm ocasionado o aumento de policiais vitimizados tanto pela violência, quanto na saúde física e mental. Estima-se que com o levantamento de informações esse o estudo possa contribuir para que medidas venham ser tomadas no intuito de amenizar o quadro de baixas na corporação, auxiliando na elaboração de medidas que preparem melhor os profissionais e cooperar para que sejam formulados dispositivos para que policiais se sintam valorizados.

Palavras-chave: Polícia Militar Do Estado Do Rio De Janeiro, Polícia Militar, Policial Militar.

1. INTRODUÇÃO

Criada em 1809 por D. João VI para atender os anseios da província portuguesa na reorganização da colônia Brasil e hoje chamada de Polícia Militar Do Estado Do Rio De Janeiro (PMERJ), inicialmente tinha a nomenclatura de Divisão Militar da Guarda Real da Polícia da Corte, desde sua fundação sofreu diversas mudanças ao longo da sua história não só em suas nomenclaturas, mas também em seus ofícios, metamorfoseando por inúmeras vezes para atender as políticas de segurança implantadas.

A PMERJ tem em seu objetivo institucional a garantia de exercícios dos direitos individuais e coletivos estabelecidos legalmente, proteção de pessoas e de patrimônio público ou privado e a prevenção e o controle de ações criminosas, porém ao decorrer das décadas esse braço armado do Estado foi ganhando cada vez mais atribuições, fossem elas nos conflitos políticos ou sociais.

Hoje, essa tropa se encontra num território conflagrado, em uma guerra não declarada em que as estatísticas mostram essa realidade, onde os números se assemelham por exemplo com a Síria, um país em guerra há décadas e que teve em seus índices nos três primeiros meses de 2017 mais de 2100 civis mortos pelos bombardeios, o Rio de Janeiro não está muito longe da Síria, fato esse pode ser confirmado com o registro do total de 1.867 homicídios no mesmo período (G1, 2017).

Os métodos de trabalho dos policiais no RJ são para enfrentamentos de guerrilha, a indumentária usada por esses agentes é composta pelos mesmos requisitos dos militares em situação de enfrentamento direto, além de fuzis de emprego coletivo (modelos FAL.762 e AK-47) entre outros armamentos usados em guerras, como a por exemplo, usados no Afeganistão. Também fazem parte do dia a dia desses profissionais além do colete balístico nível A3, carros blindados (caveirões), entre outros dispositivos usados por forças especiais em combate contra ações terroristas. A diferença é que esse enfrentamento é travado em solo completamente povoado e com isso os resultados são questionáveis tanto para o lado policial quanto para a sociedade.

Tanto a PMERJ quanto qualquer outra força policial não têm em seu ofício que enfrentar conflitos com dimensões de guerra como ocorre diuturnamente no Estado do Rio de Janeiro.

No documentário “Heróis do Rio de Janeiro (2018)”, dirigido por Mia Carvalho e André Nunes, o Tenente Coronel Fernando Derenusson, chefe da psicologia da PMERJ relata que esses fatores atrelados a outros, principalmente a falta de condições de trabalho levam esses profissionais ao quadro de distúrbios mentais, transtornos por estresse, desmotivação, insegurança, depressão, agravos físicos e quando estão psicologicamente abalados se tornam muita das vezes incapazes de desempenhar seu papel.

Dessa forma, a presente pesquisa procurará responder a seguinte pergunta problema: Como é construída a carreira de policial militar no Estado do Rio de Janeiro, e quais os desafios encontrados no desempenho da função?

O objetivo é fazer uma construção desde o ingresso, perpassando pela preparação e culminando nos desafios evidenciados através de análise documental descritiva. Buscando assim, identificar os principais impactos na vida profissional e pessoal de policiais militares do Estado do Rio de Janeiro em consequência das dificuldades no desempenho de sua função.

Espera-se que estudos como este possam impulsionar um diagnóstico que venha contribuir com a redução do número de policiais no Estado do Rio de Janeiro mortos, feridos e afastados por problemas físicos e mentais. Dados do Instituto de Segurança Pública (ISP, 2022) dão conta que do ano de 2017 a 2018 foram 716 policiais mortos em serviço ou de folga, já o número de suicídios foi de 177 policiais.

O Coronel Fábio Cajueiro (PMERJ) durante o congresso de segurança em São Paulo em 2021, apontou que  a chance de um policial militar do Estado do Rio de Janeiro ser atingido é 725 vezes maior do que um soldado americano em combate na guerra do Golfo, diante de todas essas estatísticas rotineiras esses profissionais são levados aos mais altos níveis de estresse, pois lidam com o limite entre a vida e a morte, sendo assim esse levantamento poderá ilustrar e compreender essas dificuldades por um ângulo ainda não visto e com isso de alguma forma colaborar para que medidas possam ser construídas (HERÓIS DO RIO DE JANEIRO, 2018).

2. FORMAÇÃO DE OFICIAIS E PRAÇAS

O policial militar do Estado do Rio de Janeiro até sua formação passa por diversos processos até a conclusão do curso que o habilita a ser um profissional de segurança pública, sendo duas escolas de formação: a academia de polícia militar D. JOÃO VI (APM) no caso para cadetes oficiais e, o centro de formação e aperfeiçoamento de praças (CFAP), no que diz respeito aos alunos praças (soldado) (SENASP, 2014).

Esse processo começa após o candidato concorrer em concurso público, obtendo a aprovação o candidato assim chamado até então, é convocado para testes psicológicos, físicos, pesquisa documental e social para ambas as carreiras, tanto para oficial quanto para soldado (SENASP, 2014).

A responsável por elaborar a grade pedagógica de ambas as carreiras é a Diretoria Geral de Ensino e Instrução (DGEI), o órgão baseia-se em preceitos internacionais e atuais para poder formular a grade de ensino, com o quadro de docentes mesclados entre profissionais militares da própria corporação e civis convocados através de seleção curricular (SENASP, 2014).

Hoje a DGEI possui um programa chamado banco de talentos, esse programa é responsável por selecionar e mapear docentes qualificados para atuação nas diversas áreas de educação destinada a formação do policial militar, as seleções desses profissionais são feitas por meio de editais de chamada pública, esses profissionais podem ser militares da corporação ou não militares (civis) (SENASP, 2014).

No caso dos docentes militares podem participar independente da sua patente, basta comprovar através de análise curricular que seja apto e tenha experiência. Já os docentes não militares podem participar, desde que sua área de atuação não seja específica da função policial militar, lecionando matérias como na área do direito, ciências sociais, etc.

A titulação desse quadro de docentes tem como requisito mínimo a graduação em qualquer área e conforme a especialização são agregadas maiores bonificações.

Para formação no caso dos alunos cadetes oficiais, a grade é dividida em 3 anos de formação, num total de 3199 horas de ensino, dividido em 330 horas no primeiro ano. Dessas horas, 190 tem foco na disciplina direito. O segundo ano de formação é composto de 550 horas, dessas 230 horas são destinadas às disciplinas jurídicas.  O terceiro e último ano de formação são de 320 horas de aulas, contendo 190 horas de disciplinas jurídicas, testes de aptidões físicas feitos periodicamente. Após esse processo de formação, sendo aprovado, o cadete se torna aspirante a oficial da PMERJ (SENASP, 2014).

Os candidatos ao curso para soldado, após passar por todos os exames citados, se torna habilitado a iniciar o curso de formação de soldados (CFSD), ingressando para o curso de formação de aproximadamente 12 meses, que podem ser entendidos, contabilizando o total de 1437 horas de aulas, divididas em 32 disciplinas contendo quatro módulos, sendo eles: módulo básico, profissional, jurídico e complementar (SENASP, 2014).

3. O COTIDIANO DO SER POLICIAL

Por ser o braço armado do Estado a PMERJ, é considerado como a “ponta da lança” para a manutenção da lei e da ordem, tendo como objetivos resguardar os direitos e deveres de todos, sendo a guardiã imediata das garantias constitucionais. Sendo assim, após aprovados em seus cursos de formação respectivos, oficiais e praças estão aptos a desenvolverem seus papéis para os quais foram designados dentro da corporação.

Os  oficiais passam a desempenhar o papel de aspirantes a oficial com funções limitadas só para auxílio na administração, quando passam por esse estágio probatório são imbuídos de funções como comando, direção e chefia, nesse contexto estão as seguintes atribuições: comandar  o efetivo, executar o serviço de supervisão da tropa, participar do planejamento de ações e operações gerenciar recursos humanos e logísticos, condução de processos administrativos disciplinares, condução de inquéritos policiais militares e de procedimentos administrativos entre outros (PMERJ, 2004).

No tocante aos praças, seu início de carreira tem como regra estar sempre ao lado de um policial com maior tempo de experiência na função, limitando-se aos serviços de menor complexidade. Diferentemente do quadro de oficiais, o praça não tem um tempo específico de estágio depois de formado, sendo assim, o mesmo após adquirir conhecimento já pode executar os serviços pertinente a profissão (PMERJ, 2004).

A PMERJ tem em seu cotidiano o patrulhamento da cidade (podendo ser terrestre, aéreo ou marítimo), tem como ofício a prevenção de crimes e manutenção da ordem. Nesse cumprimento de dever, o policial militar deve estar preparado para os mais variados tipos de desdobramentos de ocorrências como: intervenções em conflitos armados, organização de tráfego, controle de distúrbios de grandes proporções, mediação de conflitos sociais, cumprimento de ordens judiciais, podendo ser acionada para qualquer eventualidade que fuja da normalidade.

Por esses e outros motivos o trabalho do policial militar é tratado como complexo, segundo Bayley (2002, p. 118) “a definição do trabalho policial militar não é tão simples, por envolver motivos intelectuais com modificações cotidianas e difícil acesso ao trabalho desenvolvido”.

Assim, o cotidiano do policial tem suas peculiaridades como: Lidar com situações aos quais outras pessoas teriam um comportamento totalmente distinto como sentimento de raiva, medo ou repugnância, “o trabalho policial distingue, pois no lugar impulsividade para reação dos casos de adversidades os agentes lidam de forma metódica e consciente, sendo assim diferenciando a profissão de qualquer outra” (BITTNER, 2003, p. 270).

Existem autores que se contrapõem à ideia de que o policial tem autonomia para realizar julgamentos necessários para a tomada de decisão em certas circunstâncias. De acordo com Monjardet (2003, p. 21-22), “a polícia é um martelo” pois não tem vontade própria e se resume na vontade daquele que a maneja, sendo usada como um instrumento que só realiza o que é determinado por quem a manuseia, atendendo diversos comandos, podendo muitas vezes atender objetivos opostos como a manutenção da democracia ou até à opressão de um regime totalitário e ditatorial.

Atualmente, esses profissionais são distribuídos e classificados por batalhões em todo o Estado, podendo ser batalhões de áreas (responsáveis por atendimentos de chamadas do 190 e, também, o patrulhamento ostensivo e preventivo), batalhões especiais (responsáveis por grandes operações e intervenções mais complexas), batalhões administrativos (burocráticos) e unidades de polícia pacificadoras (UPPS, responsáveis por ocupações permanentes em comunidades).

O dia a dia desses profissionais é de grande volatilidade. “Diante desse universo repleto de situações tão peculiares, o risco profissional torna-se uma característica constitutiva do trabalho policial militar” (MINAYO; SOUZA; CONSTANTINO, 2007).

4. PRINCIPAIS PROBLEMAS ENFRENTADOS

Existe a cultura de se esperar tudo do policial militar, para Bittner (2003, p. 314- 315) numa cidade contemporânea o trabalho policial se resume em três expectativas diante das circunstâncias:

Primeiro, espera-se que a polícia vá fazer algo a respeito de qualquer problema que seja solicitada a tratar; segundo, espera-se que vá atacar os problemas em qualquer lugar e hora em que ocorram; e terceiro, espera-se que prevaleçam em qualquer coisa que façam e que não recuem ao enfrentar oposição.

Essa expectativa contrapõe muitas vezes com a preparação e função do policial militar, que se vê de certa forma, impotente para lidar com algumas situações.

Segundo o chefe da seção de psicologia da PMERJ, o Ten Cel. Fernando Derenusson, em fala no documentário “Heróis do Rio de Janeiro (2018)”, aponta que o tema central de problemas de ordem psicológica do agente policial da contemporaneidade está intrinsecamente ligado às perdas de colegas e condições de trabalho.

O Instituto Fogo Cruzado, organização não governamental que tem como objetivo produzir dados ligados a violência no Rio de Janeiro, apontam que a violência armada entre os meses de janeiro de 2021 até setembro do mesmo ano, levou a morte de 60 agentes, 79 agentes feridos.  Aponta ainda que, entre os meses de janeiro a outubro de 2021, na região metropolitana do Rio de Janeiro houve 4122 casos de tiroteios, dos quais em 1305 houve a presença dos agentes, aumento de 4% em relação ao mesmo período de 2020. Nota-se ainda, que houve uma alta de 90% no mês de outubro no caso de policiais baleados em comparação a outubro de 2020 (INSTITUTO FOGO CRUZADO, 2022).

O levantamento feito pelo Instituto de Segurança Pública (ISP, 2022), entre o ano de 1998 e 2020 foram registrados a vitimização de 17.435 policiais militares, destes 2657 foram casos de mortes e 14778 situações que levaram a ferimentos.

Outro fato preponderante para o desenvolvimento de agravos de natureza psíquica é a desmotivação do agente em relação às condições de trabalho, podendo destacar a alimentação que hoje é fornecida de maneira precária, fato esse que pode ser comprovado na justificativa do parlamentar Dep. Estadual Marcelo Dino (2021) na elaboração do anteprojeto de lei na indicação legislativa 411/2021, que visa acabar com os ranchos (locais onde militares fazem a refeição) na PMERJ, na proposta evidencia-se a necessidade de ao invés desses locais para refeições onde logisticamente é um prejuízo enorme, pois os que produzem a alimentação são os próprios militares, sendo assim além de diminuir o efetivo nas ruas muitos desses militares não tem a expertise para manipular os alimentos, pois não são profissionais da culinária, para o Deputado essa modalidade poderia ser substituída por um vale-refeição, sendo assim possibilitaria o agente se alimentar a hora e o local que bem desejasse (DINO, 2021).

Além desses pontos, o parlamentar Marcelo Dino (2021) ressalta alguns fatores que se torna inviável a continuação desse serviço: locais desses ranchos são inapropriados se tornando muitas das vezes insalubres com a presença de roedores e insetos, o agente não tem opção de escolha sendo obrigado a comer o que estiver disponível,  alimentação  fria, pois o policial não tem como se programar para a refeição porque muitas das vezes se envolvem em operações e ocorrências que demandam várias horas e o serviço do rancho trabalha com horários reduzidos, policiais que exercem serviços em cabines, interdições e outras modalidades que impossibilita o militar ir até sua unidade recebem uma “quentinha”, segundo o Deputado essa alimentação sempre chega inapropriada para o consumo sendo muitas vezes entregues frias e azedas.

Além de todas essas adversidades os agentes ainda se deparam com uma sociedade desconfiada e de comentários depreciativos, dados foram colhidos pelo jornal Datafolha no ano de 2016, onde uma pesquisa com 3625 brasileiros maiores de 16 anos distribuídos por 217 municípios em todo país, deram conta que 70% dos entrevistados afirmam que os agentes de segurança cometem excessos de violência no exercício da função, 59% temem ser agredidos por policiais militares (REVISTA CONSULTOR JURÍDICO, 2016).

4.1  AFASTAMENTOS

A Diretoria Geral De Saúde (DGS), conforme mencionado no Documentário Heróis do Rio de Janeiro (2018), é responsável por todo quadro médico hospitalar de qualquer natureza do efetivo policial militar, ela regula as atividades preventivas, corretivas e emergenciais da corporação sendo praças ou oficiais, os agentes têm descontados em seus contracheques um valor para o fundo de saúde que mantém o hospital central da polícia militar (HCPM) e suas policlínicas espalhadas pelo Estado.

O policial militar que é afastado do serviço por ordem médica, pode ser interditado parcialmente nesse caso é deslocado para serviços administrativos ou a interdição pode ser total, nesse grau de interdição se for por causas psiquiátricas são recolhidos sua carteira e arma.

4.1.1  AFASTAMENTOS POR CAUSAS FÍSICAS

O policial militar comumente não consegue perceber que entre a vida e a morte existe o percalço inerente a profissão, onde o mesmo quando se encontra nessa realidade de ferido ou incapacitado para o trabalho tende a desenvolver uma nova identidade. Dados mostram que até o ano de 2019 estavam sendo atendidos 93 deficientes físicos, 18 eram o número de amputados, quase 60 policiais fazendo uso da cadeira de rodas e somando-se a esse número inclui-se mais dois novos tetraplégicos (HERÓIS DO RIO DE JANEIRO, 2018).

No ano de 2019, houve uma crescente no número de policiais feridos, segundo o Instituto de Segurança Pública (2022), 325 agentes foram feridos, índice 46 % maior que o mesmo período do ano anterior. Nesse contexto, o policial é afastado se tornando momentaneamente incapacitado para desenvolver a atividade policial.

De acordo com o Jornal Extra (2020), entre os meses de janeiro a outubro de 2019, 339 agentes sofreram algum tipo de lesão durante seus turnos de trabalho, esse número relata uma média de que a cada 21 horas um agente é ferido.

Para Muniz e Soares (2020), esse aumento do número de policiais feridos se dá por conta da mudança do perfil das ações cotidianas, onde o policiamento ostensivo foi substituído por operações em comunidades aumentando assim a exposição do agente e consequentemente o número de feridos e na maioria das vezes essas operações foram realizadas por “conta própria” do agente, sem um planejamento e ordem legal superior.

4.1.2 AFASTAMENTOS POR CAUSAS PSIQUIÁTRICAS

De acordo com o Instituto de Segurança Pública (2022), entre os anos de 2016 e 2020, foram notificados 31 suicídio de policiais. Esse número impulsiona uma série de discussões sobre o cenário e atuação desses policiais.  Para Miranda e Guimarães (2016, p. 1), os agentes que atuam na segurança pública, em especial os policiais, são apontados como um “grupo de alto riscos de morte por suicídio”

Entre os anos de 2013 a 2016, os afastamentos psiquiátricos coincidiram com o aumento de confrontos armados principalmente em UPPs, foi constatado ainda que a baixa física tem relação com as baixas psicológicas ((HERÓIS DO RIO DE JANEIRO, 2018).

Esse quadro de adoecimento não tem só se aplicado na PMERJ, como exemplo existe o departamento de Justiça Norte Americano, que diante dos agravos psicológicos  dos seus agentes formulou um programa para o acompanhamento dos seus profissionais logo após sofrerem  traumas de qualquer natureza vivenciados em seu trabalho ou na vida pessoal, esse programa teve como parâmetro a prevenção e gerenciamento do transtorno de estresse pós-traumático (PTSD), ao decorrer do atendimento aos seus agentes, dados mostraram de como esse transtorno pode progredir ao ponto de mudar a vida não só do agente como de toda sua família e também as pessoas que o rodeiam, esse programa foi baseado no livro choque policial: sobrevivendo ao PTSD, do autor americano Kates (2008), afirma que “um em cada três policiais pode sofrer de PTSD, uma condição que pode levar à depressão, pensamentos de suicídio e tentativas de suicídio, vícios e transtornos alimentares, bem como conflitos no trabalho e com familiares”.

Trazendo para a realidade dos policiais do Rio de Janeiro, diante de números maiores do que dos agentes norte-americanos no que se diz respeito a enfrentamentos ao crime e outros embates no exercer da profissão, compreende-se a inclinação para o desenvolvimento de Transtornos Psicológicos.

Cruz e Miranda (2020), investigaram sobre o tema suicídio na PMERJ, aplicando 224 questionários, sendo respondidos 211. Os resultados foram separados em 3 grupos: os que haviam tentado o suicídio (10% dos casos válidos), os que haviam pensado em suicídio (22 % dos casos válidos) e o grupo de controle, aqueles que nem havia tentado e nem pensado em suicídio (68% dos casos válidos), além desses agentes entrevistados, foi incluído também nessa pesquisa familiares daqueles agentes que cometeram o suicídio.

No estudo de Cruz e Miranda (2020), alguns aspectos importantes devem ser destacados:  como a volatilidade encontrada por esses profissionais numa série de situações que demandam ação rápida e assertiva, ações essas nem sempre planejadas e que requer uma solução  de forma eficiente, a satisfação no desempenho do trabalho é outro tema que mereceu destaque ,já que dos participantes das entrevistas realizadas sobre suicídio foi comprovado que daqueles que nunca tentaram e nem pensaram em suicídio 52% estariam satisfeito ou muito satisfeito com a corporação, esse número cairia para 24 % de satisfação para aqueles que já haviam pensado e 18%  para agentes que já haviam tentado, sendo assim comprovado que a(in)satisfação com a corporação foi de alta  relevância para o desenvolvimento do quadro suicida.  Esse estudo demonstrou que esse número de policiais que cometeram suicídios pode ser ainda maior, para as autoras a corporação não tem um trabalho de coleta sistemática, por isso acredita-se na subnotificação desses dados.

De acordo com o mapeamento feito por Cruz e Miranda (2020), muitos agentes que tentaram o suicídio relataram que entraram em favelas sem coletes para não ter sua morte registrada como suicídio, devido a esses e outros casos para a especialista torna-se dificultoso dar de forma assertiva essas estatísticas.

Outro ponto que mereceu destaque na pesquisa de Cruz e Miranda (2020), é a prática vista constantemente na corporação, são as punições informais praticada por superiores hierárquicos a seus subordinados, foi identificado que como forma de penalidade pelo não cumprimento de metas ou qualquer outro ato que venha transgredir o regulamento militar, comandantes de unidades  transferem policiais  de unidades sem a concordância ou aviso prévio, essa prática se camufla como um ato administrativo de remanejamento estratégico, essas transferências podem implicar numa série de problemas como de ordem financeira, pois o novo posto de trabalho não possibilita ao agente conciliar com trabalhos extras para complementar a renda e quando na maioria das vezes são colocados em batalhões mais distantes possíveis de sua residência se tornando custoso seu deslocamento, com uma maior distância de sua residência o policial se vê  afastado cada vez mais do convívio de sua família e uma maior privação do sono, fatos esses que são preponderantes para o agravamento de um quadro psíquico de instabilidade emocional. Esse quadro tem como motivos a insatisfação profissional, corroborando para o aumento de suicídio entre esse grupo de profissionais.

5. APOIO

A corporação hoje conta com a Diretoria de Assistência Social (DAS), responsável por todo e qualquer apoio para aqueles agentes que foram vitimados, sendo assim considerados incapacitados para o trabalho, para os inativos, pensionistas e para os familiares, no caso de falecimento do agente.

Voltada a acompanhar esses policiais e familiares dos falecidos até o fim da vida, a diretoria hoje se encontra limitada, pois com a crise desencadeada no Estado fica escasso o apoio necessário ao agente, não sendo possível por exemplo a disponibilização de viaturas para acompanhamento em sessões fisioterápicas, terapêuticas e de qualquer natureza que necessite locomoção e conta ainda com a falta de suporte humano devido ao efetivo reduzido, o policial tem que se locomover por meios próprios e muita das vezes pedir ajuda a familiares.

Outro apoio que vem sendo motivo de grande repercussão negativa na corporação é a falta de profissionais de saúde na especialidade da psicologia, dados revelado pela matéria do jornal R7 (2019) aponta para o quadro de 77 profissionais que cuidam da saúde mental dos agentes, se levar em consideração que o efetivo policial naquele ano era de aproximadamente 44.500 agentes ativos cada psicólogo ficava responsável por uma média de 577 policiais, para o responsável  da área de psicologia o Ten Cel. Fernando Derenusson esse quadro de servidores para o atendimento se torna ainda mais ineficiente quando se leva em consideração os atendimentos que são realizados aos inativos, militares da reserva e aos familiares dos policiais, com as inclusões dessas categorias se chega ao assustador número de aproximadamente 200 mil beneficiados, com uma média aproximada de 2597 pessoas para cada psicólogo.

Na PMERJ está sendo estruturado pelo departamento de psicologia um trabalho para dar apoio para todo agente que participar de confrontos armados sejam eles com morte de colegas de farda ou oponentes e até mesmo com a vitimização de civis.

Até o momento na corporação não se trabalha numa perspectiva de prevenção e saúde do trabalhador, em diversos segmentos da sociedade é muito comum essa iniciativa, a PMERJ não atrela às doenças aos reflexos do cotidiano, a corporação não tem uma análise onde se associa as doenças que mais afetam seu efetivo com o exercício da função, com essa análise poderia se estudar onde prevenir quadros desenvolvidos comumente entre os agentes.

Algumas iniciativas estão sendo propostas para que a vitimização do policial seja atenuada, uma que merece destaque é no âmbito parlamentar onde se formulam leis para que venham diminuir os números da letalidade de agentes de segurança em geral, como pode ter o exemplo do projeto de lei criado pelo Dep. Federal Sgt Gurgel (RJ), que diz a respeito do ataque a vida dos agentes públicos, o projeto tipificaria esse atentado como ato terrorista, para o parlamentar “o ataque ao agente de segurança é um atentado ao Estado e toda a sociedade e deve ser considerado ato terrorista”, para o Deputado a crescente vitimização dos agentes não pode ser encarado de maneira natural (JORNAL O DIA, 2021).

Concorda-se então que, não é que a vida do policial valha mais do que as outras, mas sim por sempre estarem na linha de frente na defesa da sociedade são mais expostos a essa fatalidade.

6. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Os reflexos de todos esses quadros de violência que assolam o Estado do Rio de Janeiro causam uma grande pressão na corporação e pelo fato dessa instituição ser pressionada ela pressiona seus membros nas mais absurdas práticas, sejam elas com o aumento da carga de trabalho, exposição a condições sem estruturas básicas e fundamentais para desempenho de suas funções, cobrança por resultados imediatos e outros dispositivos de cobrança que tem levado a tropa ao esgotamento físico e mental, na corporação a cobrança é no sentido de que o agente nunca poderá falhar .

Lidar com o risco de vida não só nas horas de trabalho, mas também na sua folga traz um risco preponderante para seu estado de saúde mental, pois diferentemente da sociedade num todo o policial se submete não só a seus problemas de cunho pessoais, mas também a iminência de qualquer hora ser surpreendido por um ataque seja no cumprimento de seu trabalho como também na sua folga.

Dados levantados pelo ISP podem confirmar a realidade em que o policial militar mesmo de folga se mantém sob grande tensão, foi constatado que do ano de 2016 a 2020 a cada dez mortes de policiais sete foram assassinados, do total de 506 agentes que morreram, 364 (72%) foram vítimas de homicídios ou latrocínio (roubo seguido de morte), desses vitimados 253 estavam de folga, quase 70 % do total.

Este estudo buscou então demonstrar o cenário do ser Policial Militar no Estado do Rio de Janeiro e seus principais desafios no exercício da função, com isso, espera-se que ações possam ser impulsionadas, a fim de promover melhores condições e apoio aos profissionais, levantando questões e reflexões que perpassem também pelas discussões acadêmicas, sociais e políticas.

REFERÊNCIAS

BAYLEY, D. H. Padrões de policiamento: uma análise internacional comparativa. Tradução de René Alexandre Belmonte. – 2. ed. – São Paulo: Universidade de São Paulo, 2002.

BITTNER, E. Aspectos do trabalho policial. Tradução Ana Luísa Amêndola Pinheiro. São Paulo: Universidade de São Paulo, 2003.

CRUZ, F.; MIRANDA, D. O Suicídio e os Profissionais de Segurança Pública. Com ciência, Campinas, 06 fev. 2020. Disponível em: https://www.comciencia.br/o-suicidio-e-os-profissionais-de-segurancapublica  Acesso em: 14 out. 2021.

DINO, M. Indicação legislativa nº 411/2021. Dispõe sobre a criação do auxílio alimentação destinado aos policiais militares do estado do rio de janeiro e dá outras providências. Proposições, 2021. Disponível em: http://alerjln1.alerj.rj.gov.br/scpro1923.nsf/b6d41cbe40ad05e2832566ec0018d81b/5d329041bde39f34032587030047f90c?OpenDocument. Acesso em: 14 dez. 2021.

G1. Números da violência no Rio se assemelham aos de países em guerra, G1, Rio de Janeiro, 9 mai. 2017. Disponível em: http://g1.globo.com/jornal-nacional/noticia/2017/05/numeros-da-violencia-no-rio-se-assemelham-aos-de-paises-em-guerra.html. Acesso em: 23 nov. 2021.

HERÓIS DO RIO DE JANEIRO. Direção de Mia Carvalho e André Nunes. Documentário, Youtube, 2018. Disponível em: https://youtu.be/3BAqgahyFoY. Acesso em: 27 de julho de 2022.

INSTITUTO FOGO CRUZADO. Instituto Fogo Cruzado, 2022. Disponível em: https://fogocruzado.org.br/. Acesso em: 22 nov. 2021.

INSTITUTO DE SEGURANÇA PÚBLICA – ISP. Vitimização policial no estado do Rio de Janeiro: panorama dos últimos cinco anos (2016-2020). Instituto de Segurança Pública, 2022.

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JORNAL O DIA. Rio tem 160 agentes de segurança pública baleados em 2021. Jornal O Dia, nov. 2021. Disponível em: https://odia.ig.com.br/rio-de-janeiro/2021/11/6268834-rio-tem-160-agentes-de-seguranca-publica-baleados-em-2021.html. Acesso em: 22 nov. 2021.

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[1] Gradução. ORCID: 0000-0003-4385-6943.

Enviado: Junho, 2022.

Aprovado: Julho, 2022.

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Uma resposta

  1. Boa noite
    Seria possível vc me indicar onde eu encontro a grade curricular do curso de formação dos policias, civil e militar, para o estado do Rio de Janeiro?
    Seria para a conclusão de um artigo científico.
    Obrigada

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