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Cultura e economia criativa no Brasil: oportunidades e barreiras na contemporaneidade

RC: 90567
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DOI: 10.32749/nucleodoconhecimento.com.br/administracao/economia-criativa

CONTEÚDO

ARTIGO ORIGINAL

SOARES, Rayme Vasconcellos [1], SANTOS, Dayvid Souza [2]

SOARES, Rayme Vasconcellos. SANTOS, Dayvid Souza. Cultura e economia criativa no Brasil: oportunidades e barreiras na contemporaneidade. Revista Científica Multidisciplinar Núcleo do Conhecimento. Ano 06, Ed. 07, Vol. 02, pp. 149-161. Julho de 2021. ISSN: 2448-0959, Link de acesso: https://www.nucleodoconhecimento.com.br/administracao/economia-criativa, DOI: 10.32749/nucleodoconhecimento.com.br/administracao/economia-criativa

RESUMO

A criatividade de um povo é o insumo fundamental para o valor percebido na sua cultura, que é a sua identidade, e o qualifica enquanto ator interativo na consolidação da sociedade, da qual faz parte. A vocação para a criação e a para a inovação do brasileiro, decorre da diversidade cultural a ele inerente, o que se revela recurso crucial, para dissipar a gritante situação de desigualdade econômica e social do país. Assim sendo, atentar para o potencial, decorrente das singularidades, das riquezas locais, justifica uma especial atenção para a Economia Criativa, e a sua estrutura, calcada na inclusão social, na sustentabilidade, na inovação e na diversidade cultural. Neste contexto, a compreensão a respeito das indústrias criativas faz-se necessária, e consubstancia as vertentes da vocação, e da necessidade para criar e inovar, para o empreendedorismo cultural. O valor simbólico, percebido nas produções intangíveis delineia o entendimento a respeito da riqueza gerada em função do ato de criar. Os arranjos produtivos locais ratificam o potencial empreendedor do povo brasileiro. Com base em pesquisa bibliográfica e documental, e fazendo uso de uma abordagem qualitativa, o presente trabalho tem como objetivo indicar as oportunidades e as barreiras no desenvolvimento da cultura e da economia criativa, no Brasil. As oportunidades estão alicerçadas, justamente, na diversidade, no entanto, as barreiras sociais e econômicas impõem complexos desafios.

Palavras-chave: Criatividade, Cultura, Economia Criativa, Desenvolvimento.

INTRODUÇÃO

As contribuições da cultura para o desenvolvimento social e econômico do Brasil ratificam a importância do estudo a respeito das indústrias criativas, e, em especial, considerando o objetivo deste estudo, daquela que se concentra na área cultural. Neste contexto, há de ser ter o foco no estudo da cultura e da economia criativa, com toda a sua diversidade e, a ressaltante desigualdade social.

Ancoradouro de entraves e restrições, envoltos em preconceitos dos mais variados, a exemplo do racial, linguístico, social, e mesmo cultural, a cultura sempre foi o arcabouço de inegáveis contribuições para o crescimento e desenvolvimento de uma nação. Em sua história, o Brasil tem desenhado um processo, que possui, como característica fundamental, a integração, apesar da gritante segregação social, e a explícita delimitação das mais diversas contribuições étnicas, sendo as fontes predominantes, fundamentalmente, de origem indígena, africana e europeia.

A criatividade é uma característica indelével do povo brasileiro, podendo ser percebida na música, na literatura, na dramaturgia, na dança, no cinema e em todas as formas em que a cultura se manifesta. Assim sendo, o potencial desenvolvimentista, decorrente das raízes e das inovações, está presente em todas as regiões do país. Destarte, esta nação não poderia deixar de atentar para a economia criativa, que, apesar de tê-la introduzido, oficialmente, em 2004, já havia sido enfocada nos estudos pioneiros do economista Celso Furtado, inclusive no âmbito mundial.

Fundamentada em valor simbólico, no capital intelectual, no conhecimento e nas produções intangíveis, o assunto, economia criativa, de que trata o trabalho, pressupõe o processo produtivo, decorrente de sistemas orgânicos, ou seja, estruturas organizacionais que possibilitam e fomentam a criatividade e a inovação, ao tempo, em que identifica, na espontaneidade individual, importante fonte de agregação para a geração de riquezas. A economia, as indústrias e as cidades criativas decorrem da compreensão a respeito da alavancagem possibilitada pelas riquezas culturais locais, culminando em efetiva participação no produto interno bruto de um país.

O fato é que, as ações coletivas e individuais, baseadas na criatividade, redundam em inconteste valor econômico e social, denotando o vislumbre de um cenário cada vez mais propício para a continuidade e evolução destas práticas. Coerentemente, faz-se necessário, que as atenções se voltem para ações, que culminem em efetivas contribuições para o abrandamento, e, quiçá, para a solução do que se configura no quadro explícito da desigualdade social brasileira.

CRIATIVIDADE E DIVERSIDADE CULTURAL BRASILEIRA

Uma característica, muito forte, do povo brasileiro é a criatividade, percebida em abundância nas mais diversas regiões do país. Em verdade, desde os primórdios da humanidade, objetivando o alcance dos mais diversos intentos, criar é o combustível que possibilita o devir, que atende ao ímpeto transformativo de cada indivíduo e da sociedade, da qual faz parte. Dela, se valem a tecnologia, a ciência, a cultura, e tantos outros pontos fundamentais da vida humana.

Sobre a sociedade e a criatividade, diz Galeffi (2014, p. 41-42):

Pessoas humanas criaram o mundo em que vivemos com seus dispositivos maquínicos e tecnológicos. Há uma dialógica vital entre a criação individual e a sociedade: o indivíduo sempre está a serviço de sua sociedade. As grandes criações são aquelas que transformam os processos culturais vividos. Todo ato criador está a serviço do ser humano em sua total constituição: é um ser individual-coletivo. Aliás, cada indivíduo é um aglomerado sistêmico de outros inumeráveis indivíduos […].

O homem-social é, evidentemente, ativo, na troca simbiótica de demandas com a sociedade. Para ela serve e dela é servido, de modo, sob esta ótica, evidentemente, sistêmico. Neste contexto, toda a humanidade é usufruidora das criações naturais e do ambiente artificial criado por ela mesma. Em uma dinâmica inovadora, as ideias alimentam o movimento cultural, que é percebido a cada geração. Cada indivíduo leva consigo a heterogeneidade, existente nos construtos culturais, comportamentais e sociais, ao mesmo tempo, singularizando a cultura de um povo, de um tempo, de um lugar. A respeito das peculiaridades e da origem de uma determinada cultura, diz Miklos (2014, p. 67):

Os traços culturais de uma sociedade só podem ser entendidos de acordo com os padrões vigentes nessa mesma sociedade. Cada cultura deve ser analisada a partir de seus próprios princípios. Todas as culturas representam formas encontradas por uma determinada comunidade para resolver seus problemas.

Em Bosi (1992, p. 309), é sugerido que se entenda a cultura, considerando a sua diversidade e as suas raízes, disseminada por um agrupamento de pessoas com relativa integração. A partir desta concepção, o autor entende que há uma cultura brasileira erudita, decorrente do contexto educacional, prioritariamente, das instituições de ensino superior, e uma cultura fundamentalmente desinformada, cujos padrões de comportamento estão relacionados com o indivíduo de costumes mais rústicos, interioranos e suburbanos (aqueles que não foram contemplados pela estrutura simbólica das cidades modernas).

Há de se conceber, portanto, que as fontes culturais, das quais decorrem as novas criações, são, basicamente, o ambiente, cujo acesso à modernidade, à evolução tecnológica e à informação se efetiva, relativamente, mais rápido, e o ambiente em que predomina a rusticidade e as limitações de interação com estas mudanças. Para Miklos (2014, p. 69), não há socialização completa da cultura, e, mesmo uma tentativa não seria exitosa, pois a flexibilidade na concepção dos valores, e da vivência das normas é característica indelével das sociedades pluralistas e democráticas.

A diversidade brasileira é, também, reflexo da heterogeneidade cultural, e um insumo para o processo, que culmina em importante estrutura social para a criatividade, que pode e deve ser elemento aglutinador para uma sociedade menos excludente, onde, no arcabouço da riqueza criativa e cultural, a identidade, decorrente da multiplicidade, reflita e signifique a equidade entre os indivíduos. Para tanto, de acordo com o Plano da Secretaria da Economia Criativa – Políticas, diretrizes e ações, 2011-2014:

[…] só poderemos construir um país sem miséria (nos significados mais amplos que a palavra miséria possa nos suscitar) se tratarmos a diversidade cultural brasileira como recurso essencial para a construção das nossas políticas públicas. (BRASIL, 2011, p. 01)

É necessária a elaboração de políticas públicas, que abarquem a inclusão social, a diversidade cultural, o fomento à inovação e, evidentemente, a sustentabilidade. Mas uma sustentabilidade, que não se atenha ao capital financeiro e ambiental, mas, contundentemente, ao capital social e educacional. Conforme Salvato (2008).

Sustentabilidade quer dizer sustentar todas as formas de capital, não apenas de capital financeiro, mas também de capital físico, de capital humano, de capital ambiental. Então, não é só o conceito de sustentabilidade ambiental. Educação está aqui neste conceito: como posso melhorar as capacidades das pessoas dando-lhes uma sustentabilidade educacional? (SALVATO, 2008, p. 77)

Compreender e tratar a economia criativa como um contexto viável para o desenvolvimento econômico, mas também social, com intuito inclusivo, referenda, valida a sua capacidade, não só desenvolvimentista, mas, de desenvolvimento humano para a equidade da sociedade, o que, por falta de ações políticas mais ostensivas, não vem se efetivando.

ECONOMIA CRIATIVA E A INDÚSTRIA CULTURAL, NO BRASIL

Conforme Silva (2018, p. 99), os conceitos de criatividade, inovação, e política econômica para o desenvolvimento (estruturantes da economia criativa) foram abordados pelo economista Celso Furtado, bem antes de estarem no foco das pesquisas relacionadas com a Economia Criativa. Ainda, segundo Silva (2018).

Celso Furtado considerava que o acesso, a qualidade de vida e a ampliação de escolhas constituem pressupostos fundamentais ao desenvolvimento. Um desenvolvimento desconcentrador, fundamentado na diversidade cultural brasileira, marcado pela inovação, enfim, um desenvolvimento onde o progresso tecnológico caminhe de forma harmônica com o acesso aos seus produtos e serviços pelas camadas mais amplas da sociedade brasileira […] (SILVA, 2018, p. 63).

A heterogeneidade da cultura brasileira se configura em campo extremamente fértil para a abundância da produção cultural. Esta produção possibilita um movimento econômico extremamente importante nas mais diversas sociedades. Trata-se de uma economia, que decorre do contexto produtivo cultural, que, assim sendo, a Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO) entende como a economia da cultura, que aglutina atividades e produções associadas ao processo criativo, visando à comercialização de conteúdos intangíveis de cunho cultural, alicerçados no direito autoral, e que resultam em bens e serviços, fomentando a inovação, também, dos processos de produção e comercialização (UNESCO, 2010, p. 5).

A indústria cultural é um setor da indústria criativa, que tem, como base produtiva, a criatividade geradora de valor simbólico, que estrutura um valor monetário, significando riqueza cultural e econômica (BRASIL, 2011, p.22). Os referidos setores são as atividades decorrentes de ações empreendedoras que delineiam a economia criativa. De acordo com Howkins (2001), economia criativa é uma denominação que abarca quinze setores, envolvendo arte, ciência e tecnologia, ou sejam: gastronomia, arquitetura, publicidade, design, artes, antiguidades, artesanato, moda, cinema e vídeo, televisão, editoração e publicação, artes cênicas, rádio, softwares de lazer, música e fotografia. Na figura 1, o Mapeamento da Indústria Criativa 2019, publicado pela Federação das Indústrias do Estado do Rio de Janeiro e o Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial (Firjan/Senai), apresenta as áreas criativas e suas respectivas indústrias:

Figura 1 – Áreas e Indústrias Criativas.

 

Indústria Criativa

 

Consumo

 

Cultura

 

Mídias

 

Tecnologias

Publicidade & Marketing: Atividades de publicidade, marketing, pesquisa de mercado e organização de eventos Expressões Culturais: Artesanato, folclore, gastronomia Editorial: Edição de livros, jornais, revistas e conteúdo digital P&D: Desenvolvimento experimental e pesquisa em geral exceto biologia
Arquitetura: Design e projeto de edificações, paisagens e ambientes. Planejamento e conservação Patrimônio & Artes: Serviços culturais, museologia, produção cultural, patrimônio histórico Audiovisual: Desenvolvimento de conteúdo, distribuição, programação e transmissão Biotecnologia: Bioengenharia, pesquisa em biologia, atividades laboratoriais
Design: Design gráfico, multimídia e de móveis Música: Gravação, edição e mixagem de som; criação e interpretação musical TIC: Desenvolvimento de softwares, sistemas, consultoria em TI e robótica.
Moda: Desenho de roupas, acessórios e calçados e modelistas Artes Cênicas: Atuação produção e direção de espetáculos teatrais e de dança

Fonte: Adaptado de Firjan/Senai 2019.

O Mapeamento da Indústria Criativa 2019 apresenta, portanto, as áreas e as respectivas indústrias: “Consumo” (publicidade & marketing, arquitetura, design e moda); “Cultura” (expressões culturais, patrimônio & artes, música e artes cênicas); “Mídias” (editorial e audiovisual); “Tecnologias” (P&D, biotecnologia e tecnologias da informação e comunicação).

Tendo em vista o objetivo deste trabalho, vale ressaltar os elementos componentes da área “Cultura”, cujas indústrias são divididas e subdivididas em Expressões Culturais (artesanato, folclore, gastronomia); Patrimônio e Artes (serviços culturais, museologia, produção cultural, patrimônio histórico); Música (gravação, edição e mixagem de som; criação e interpretação musical); Artes Cênicas (atuação, produção de direção de espetáculos teatrais e de dança).

No Brasil, em 2004, na oportunidade em que a décima primeira sessão da Conferência das Nações Unidas sobre o Comércio e Desenvolvimento (UNCTAD XI) foi organizada, em São Paulo, a economia criativa foi impulsionada. Nesta oportunidade, que se configurou em um marco, haja vista a recomendação da criação de uma instituição internacional, com o objetivo de estabelecer o desenvolvimento da economia criativa, nos países localizados no hemisfério sul, o Brasil tomou a iniciativa de contribuir, dispondo-se a abrigar o Centro Internacional de Economia Criativa, com localização no Estado da Bahia.

No Brasil, foi criada a Secretaria da Economia Criativa[3], ao tempo em que o plano de gestão, referente ao período de 2011 a 2014, foi lançado. Durante o processo de elaboração do planejamento estratégico para a Secretaria da Economia Criativa, percebeu-se a necessidade de identificar princípios fundamentais para alicerçar as políticas públicas elaboradas pela referida secretaria, ultrapassando a conceituação de indústria ou economia criativa (BRASIL, 2011). Conforme Quadro 1, foram estabelecidos os princípios norteadores, que objetivam importantes impactos sociais, culturais, econômicos e ambientais, no Brasil.

Quadro 1 – Princípios Norteadores da Economia Criativa

Diversidade Cultural
 

Promover a diversidade das expressões culturais nacionais como forma de garantir a sua originalidade, a sua força e seu potencial de crescimento.

 

Inclusão Social
 

Estabelecer a inclusão produtiva da população, dando prioridade àqueles que se encontram em situação de vulnerabilidade social por meio da formação e qualificação profissional e da geração de oportunidades de trabalho e renda.

 

Sustentabilidade
 

Efetivar o desenvolvimento de modo a garantir uma sustentabilidade social, cultural, ambiental e econômica em condições semelhantes de escolha para as gerações futuras.

 

Inovação
 

Identificar soluções aplicáveis e viáveis, especialmente nos segmentos criativos cujos produtos são frutos da integração entre novas tecnologias e conteúdos culturais, assumindo a economia criativa como vetor de desenvolvimento.

 

Fonte: Adaptado do Plano da SEC 2011-2014 (BRASIL, 2011).

Os princípios, estabelecidos no Plano da Secretaria da Economia Criativa, denotam o interesse e emprenho em, ao menos, mitigar o alto grau de desigualdade social e econômica, historicamente, registrado no Brasil. Um país, com a diversificada riqueza cultural, com um povo, cuja vocação para o empreendedorismo é evidente, haja vista o grande número de arranjos produtivos locais (APLs), possui um considerável potencial para o desenvolvimento nos mais variados âmbitos. De acordo com o Ministério da Economia, Indústria, Comércio Exterior e Serviços BRASIL (2018), os APLs são os empreendimentos, agrupados em uma mesma região com produção especializada, que interagem entre si, e atores, tais como governos, associações empresariais, instituições de crédito e ensino e pesquisa. No recenseamento de 2015 foi registrado um número de 677 APLs, com a seguinte distribuição: 210, no nordeste; 170, no sudeste; 123, no norte; 91, no centro-oeste e 83, no sul. Existe uma diversidade importante, decorrente da diversidade brasileira.

Atentar para o fato de que a diversidade brasileira contribui, sobremaneira, para a criatividade e a inovação, portanto para o nível de riqueza da economia criativa justifica e ratifica a necessidade de ações e políticas públicas efetivas, focadas na inclusão social e na sustentabilidade (componentes dos princípios da economia criativa).

Em verdade, apesar de a economia criativa se configurar em efetiva oportunidade, conforme se verifica nos dados apresentados, o quadro socioeconômico brasileiro se revela com grave desajuste, e carente de premente ação política integrada para aproveitamento sustentável de tais potencialidades.

OPORTUNIDADES E BARREIRAS NA ECONOMIA CRIATIVA

O potencial e a efetiva riqueza cultural brasileira são percebidos em todas as vertentes do setor “cultura” das indústrias criativas – Expressões Culturais (artesanato, folclore, gastronomia); Patrimônio e Artes (serviços culturais, museologia, produção cultural, patrimônio histórico); Música (gravação, edição e mixagem de som; criação e interpretação musical); Artes Cênicas (atuação, produção de direção de espetáculos teatrais e de dança). Este cenário revela o considerável leque de oportunidades de enriquecimento incomensurável da economia. O mesmo decorre da diversidade cultural, ambiental e da grande variedade territorial, consubstanciadas nos climas e costumes, significativamente, singulares, redundando na indelével pluralidade. Neste contexto, é concebida a compreensão a respeito de cidade criativa. Landry (2013 apud DEPINÉ, 2018, p. 78) afirma: “a capacidade criativa de um local depende de sua história, cultura, forma e condições operacionais, formando um conjunto que define o caráter da cidade”.

Ocorre, no entanto, que, apesar de todo o potencial de produção cultural brasileiro, registra-se uma profunda desigualdade social e econômica, historicamente, estabelecida. Em uma série de 2012 a 2019, de acordo com a FGV (2019), “o índice de Gini[4], que mede a renda do trabalho per capita, alcançou 0,627, no primeiro trimestre de 2019, o maior patamar da série histórica […]”, ressaltando-se que quanto mais próximo de 1, maior é o índice de desigualdade. Na referida série, no primeiro trimestre de 2012, o índice foi de 0,608, alcançando o menor índice no quarto trimestre de 2014, que foi de 0,598 (FGV IBRE, 2019).

A distribuição de renda desigual é efeito de um país que historicamente mantém as elites econômicas em situação de privilégio, nos mais diversos âmbitos (um modelo social patrimonialista), enquanto agrava a condição econômica da maior parte da população, causando barreiras de acesso à informação, à educação, às oportunidades de desenvolvimento artístico e cultural e, não raras vezes, às condições básicas de sobrevivência.

No entanto, apesar de o quadro social brasileiro não se apresentar favorável à maior parte da população, é, das inúmeras comunidades menos favorecidas do país, que emergem as mais importantes contribuições culturais. Esta constatação justifica um apoio mais contundente, decorrente da integração entre os âmbitos municipal, estadual e federal, para a aplicação do que preveem as políticas públicas, ou do que podem estabelecer novas políticas desta natureza. Destarte, no Quadro 2, cinco desafios são elencados para a Economia Criativa:

Quadro 2 – Desafios da Economia Criativa.

  1. Compreender, na sua inteireza, as características e potenciais da economia criativa, a partir do levantamento de informações e dados da Economia Criativa.
2. Promover articulação e estímulo ao fomento de empreendimentos criativos, disponibilizando acesso a recursos que possibilitem o desenvolvimento destes. Apesar do papel e da função, inquestionáveis, assumidos pelos editais públicos de fomento, sabe-se que os mesmos representam uma única face do investimento em cultura que pode e deve ser ampliado no país.
3. Qualificar profissionais para um olhar múltiplo e transdisciplinar que integre sensibilidade e técnica, atitudes e posturas empreendedoras, habilidade sociais e de comunicação, compreensão de dinâmicas socioculturais e de mercado, análise política e capacidade de articulação.
4. Construir políticas que se adéquem às diferentes realidades de bens e serviços, atentando para infraestrutura de criação, produção, distribuição/circulação e consumo/fruição.
5. Criar/ajustar marcos legais tributários, previdenciários, trabalhistas e de propriedade intelectual que atendam às especificidades dos empreendimentos e profissionais criativos brasileiros.

Fonte: Elaborado pelo autor, a partir do Plano da SEC (BRASIL, 2011)

Os cinco desafios, apresentados, sintetizam e abarcam as principais ações para que os empreendimentos, de base cultural e a economia criativa, se estabeleçam como força efetivamente criativa, inclusiva e desenvolvimentista, no Brasil, significando oportunidade, cuja amplitude envolva aqueles que enfrentam dificuldades para, de modo seguro, participarem e contribuírem criativamente e economicamente para o desenvolvimento social do país.

Os desafios elencados no Plano da Secretaria da Economia Criativa são justificados, a partir do momento em que os dados disponíveis para a percepção a sobre o assunto são parcos, uma vez que não possuem a amplitude necessária para uma análise mais profunda sobre a natureza e os impactos dos setores criativos, evitando que haja o seu desenvolvimento;

CONCLUSÃO

O ato criativo do indivíduo é fundamental para o crescimento cultural de uma sociedade. A partir do processo criativo suje, como resultado, a inovação, tão importante para o empreendedorismo e para o desenvolvimento social e econômico de uma nação. Trata-se de um processo sistêmico que se alimenta, principalmente, das heranças culturais e da necessidade humana de buscar o novo, que, inexoravelmente, acontece repleto de elementos originais.

O potencial criativo inerente ao povo brasileiro, decorrente da sua heterogeneidade cultural, étnica e regional, demanda efetiva atenção dos diversos atores sociais, de modo a possibilitar que se converta em geração de emprego e renda. Para tanto, há de se compreender o quão válido é o elenco de desafios, destacados desde a construção do Plano da Secretaria da Economia Criativa.

As indústrias criativas, em especial aquela que se vale do empreendedorismo cultural, possui, no Brasil, insumos de qualidade inconteste, provenientes, abundantemente, de comunidades mantidas, à margem, por posturas segregativas. A busca pela mitigação ou dissipação da desigualdade social e econômica vem sendo negligenciada, enquanto é evidente e notória a vocação para a criatividade de um povo plural, que demanda ações políticas, que culminem em equidade e efetivas oportunidades.

REFERÊNCIAS

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______. Ministério da Cultura. Plano da Secretaria da Economia Criativa: políticas, diretrizes e ações (2011-2014). Brasília, DF, 2011.

DEPINÉ, Á.; MEDEIROS, D.; BONETTI, G.; VANZIN, T. Cidades criativas e o componente cultural no desenvolvimento urbano. In: DEPINÉ; Ágatha; TEIXEIRA, Clarissa. (Org.). Habitats de inovação: conceito e prática. 1ed. São Paulo: Perse, 2018, v. 1.

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FIRJAN/SENAI. 2019. Estudos e Pesquisas: Mapeamento da Indústria Criativa no Brasil. Disponível em: https://www.firjan.com.br/EconomiaCriativa/downloads/MapeamentoIndustriaCriativa.pdf. Acesso em: 27 jun. 2019.

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HOWKINS, J. Economia Criativa – como ganhar dinheiro com ideias criativas. M, Books do Brasil: São Paulo, 2013.

IPEA. 2004. Desafios do Desenvolvimento. O que é? – Índice de Gini. 2004. Edição, 4. Ano 1. Disponível em: http://www.ipea.gov.br/desafios/index.php?option=com_content&id=2048:catid=28. Acesso em 04/07/2019.

MIGUEZ, Paulo. Economia Criativa: uma discussão preliminar. In: Teorias e Políticas da Cultura: visões multidisciplinares. NUSSBAUMER, Gisele Marchiri (org.). Salvador: EDUFBA, 2012.

MIKLOS, Jorge. Cultura e Desenvolvimento Local – Ética e Comunicação Comunitária. 1ª ed. São Paulo: Érica, 2014. Disponível em https://integrada.minhabiblioteca.com.br/#/books/9788536522197/. Acesso em: 01 jul. 2019.

SALVATO, Márcio Antônio. Desenvolvimento Humano e Diversidade. In: Diversidade Cultural, da proteção à promoção. Belo Horizonte. Ed. Autentica: 2008.

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APÊNDICE – REFERÊNCIA DE NOTA DE RODAPÉ

3. Secretaria criada no primeiro mandato da presidenta Dilma Rouseff e suprimida em seu segundo mandato.

4. O Índice de Gini foi criado pelo matemático italiano Conrado Gini e é um instrumento que objetiva medir o grau de concentração de renda em determinado grupo (IPEA, 2004).

[1] Mestre em Tecnologias Aplicadas à Bioenergia.

[2] Mestra e doutorando em Engenharia de Produção.

Enviado: Junho, 2021.

Aprovado: Julho, 2021.

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Dayvid Souza Santos

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