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A neurose de angústia ainda existe? Uma leitura psicanalítica

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CONTEÚDO

ARTIGO ORIGINAL

COSTA, Rodrigo César [1]

COSTA, Rodrigo César. A neurose de angústia ainda existe? Uma leitura psicanalítica. Revista Científica Multidisciplinar Núcleo do Conhecimento. Ano 04, Ed. 06, Vol. 02, pp. 98-116 Junho de 2019. ISSN: 2448-0959

RESUMO

O objetivo deste trabalho é propor uma busca nas publicações psicanalíticas pós-Freudianas da neurose de angústia, procurando deste modo, saber se esse conceito passou por mudanças, se deu abertura para o surgimento de novas teorias, se é fundamental ainda no campo psicanalítico ou se deixou de ser uma peça importante na psicanálise contemporânea. Com a reformulação do conceito de angústia em 1926 e com o predomínio da discussão sobre as neuroses de transferência, a neurose de angústia, aos poucos, foi se enfraquecendo durante o percurso da obra de Freud, devido ao destaque que o pai da psicanálise deu ao papel do recalque e da sexualidade infantil na constituição do campo psicanalítico. Entretanto, percebemos que as características de algumas patologias contemporâneas, como a psicossomática, transtorno do pânico, casos borderlines e estresse pós-traumático se assemelham com a neurose de angústia de Freud. Como resultado do trabalho foi possível perceber que muitas características da neurose de angústia de Freud são próximas das patologias atuais mencionadas, mas não somente a partir da compreensão da neurose de angústia que podemos, com precisão, definir os novos quadros patológicos.

Palavras-chave: Neurose, angústia, patologias, contemporaneidade.

INTRODUÇÃO

Freud, em suas primeiras publicações sobre as neuroses, distingue as chamadas neuroses atuais, dentre as quais se encontra a neurose de angústia, das psiconeuroses. Diferente das psiconeuroses, a neurose de angústia é entendida por Freud (1895/1991) como uma grande acumulação de tensão sexual, e a elaboração psíquica dessa excitação sexual estão ausentes ou é insuficiente. Haveria, para o autor, na neurose de angústia um déficit de libido psíquica e, ao mesmo tempo, excessiva libido somática. Sendo assim, o indivíduo que sofre desta neurose não consegue ter uma descarga adequada desta energia somática, pelo contrário, acumula-se essa tensão porque não consegue elaborar tal excitação psiquicamente. Para uma melhor compreensão da neurose de angústia, far-se-á uma retomada de alguns textos de Freud que falam sobre esta neurose, usando como alicerce o livro Angústia e sociedade na obra de Sigmund Freud de Mello Neto (2003).

Segundo Mello Neto (2003) foi a partir de 1890 que Freud introduziu no seu vasto campo de estudo a idéia de angústia. A partir da incorporação deste termo na sua obra, Freud começa a explorar o que suscitaria nas pessoas os ataques de angústia, e através de suas investigações clinicas, passa a considerar o campo da sexualidade como o provocador da angústia nos indivíduo. Para uma melhor compreensão de a sexualidade estar envolvida com a angústia, Freud pontua na sua carta a Flies, no rascunho “E”, datado de 1894, que a sexualidade está na etiologia das neuroses e na angústia dos neuróticos. Como um exemplo, no caso da neurose de angústia é a prática do coitus interruptus e de outras atividades ligadas à abstinência sexual que estão intrinsecamente ligadas aos sintomas desta neurose. Desta forma, observa-se que nos casos da neurose de angústia existe uma ligação com a abstinência sexual. Freud também nos coloca vários exemplos de casos de angústia, angústia neurótica, neste rascunho, como a angústia das mulheres cujo marido pratica o coito interrompido, angústia nas mulheres virgens, nas pessoas que escolheram ser abstinentes ou foram forçadas a ser, dentre outros.

Posteriormente a essas definições sobre a neurose de angústia, Freud pouco falou sobre essa neurose, e o conceito de angústia foi totalmente reformulado em Inibição, sintoma e angustia de 1926. Nesta nova formulação, a ênfase está mais centrada na defesa do ego frente a uma situação de perigo. A fonte da angústia está no ego. Freud faz também uma diferenciação da angústia real da neurótica, pelo qual, na neurótica, o individuo sofre de uma angústia frente a um perigo desconhecido, este sendo um perigo pulsional, enquanto na angústia real, o indivíduo paralisa frente a um perigo real, externo ao sujeito. Estes tipos de angústia podem aparecer mesclados, onde o perigo é real, mas a angústia é extrema, maior que o devido.

Com a reformulação do conceito de angústia e com o predomínio da discussão sobre as neuroses de transferência, a neurose de angústia, aos poucos, foi se enfraquecendo durante o percurso da obra de Freud, devido ao destaque que o pai da psicanálise deu ao papel do recalque e da sexualidade infantil na constituição do campo psicanalítico. Desta forma, pode-se supor que na psicanálise contemporânea não é um assunto muito recorrente, e o que aparece em grande parte nas publicações atuais são assuntos pautados em revisões teóricas deste conceito na obra de Freud.

Sendo assim, este artigo tem como objetivo propor uma busca nas publicações psicanalíticas pós-Freudianas da neurose de angústia, procurando deste modo, saber se esse conceito passou por mudanças, se deu abertura para o surgimento de novas teorias, se é fundamental ainda no campo psicanalítico ou se deixou de ser uma peça importante na psicanálise contemporânea. É importante averiguar qual rumo tomou esse conceito na psicanálise atual, devido a pouca produção a respeito deste tema, propondo assim uma pesquisa nas obras psicanalíticas contemporâneas buscando o termo neurose de angústia, compreendendo o uso, as mudanças, e o valor dado atualmente a este conceito, e mais importante, se ela foi fonte da compreensão de algumas patologias da atualidade, como a psicossomática, casos limites ou borderlines, síndrome do pânico e stress pós-traumático. Em seguida, far-se-á uma tentativa de aproximar a neurose de angústia com essas novas patologias.

Vale ressaltar também que muito dos materiais utilizados nesse artigo tratam das neuroses atuais de um modo geral, mas nosso foco é exclusivamente para a neurose de angústia.

METODOLOGIA

O estudo deste artigo será bibliográfico, buscando livros, artigos publicados, dentre eles artigos da associação americana de psicologia (A.P. A). Primeiramente, foram levantados quatrocentos artigos em uma pesquisa, usando o termo “anxiety neurosis”. Deste primeiro levantamento, foram selecionados vinte artigos que envolvem melhor o conteúdo a ser trabalhado. Posteriormente, a pesquisa foi mais minuciosa, usou-se o termo “anxiety neuroses AND psychoanalysis”, e deste levantamento, de quatrocentos artigos foram selecionados doze para ser trabalhado com a neurose de angústia na psicanálise contemporânea.

RESULTADOS

Para introduzirmos a conceituação de Freud sobre a neurose de angústia, iremos mencionar as cartas dirigidas a Flies sobre esta neurose e obras do pai da psicanálise referentes a este tema.

Freud (1895/1991), no “rascunho G”, através das suas observações de pacientes que apresentam o quadro melancólico, chegou à conclusão que estes sujeitos freqüentemente não possuem desejo sexual, não querem ter relações desse gênero, parecem ter perdido a libido, e também não apresentam interesse sexual, mas possuem uma intensa necessidade de amor. Desta forma, a melancolia parece ser o inverso da neurose de angústia, pois, enquanto na primeira tem-se uma acumulação psíquica de necessidade de amor, na segunda trata-se de uma acumulação somática e de uma fraca ou inexistente elaboração psíquica. Assim sendo, Freud observa que, enquanto as pessoas impotentes têm tendência a adquirir a melancolia, as potentes contraem neurose de angústia.

Já no rascunho “B”, Freud (1893) traz uma vasta explicação sobre a neurastenia e nos fala brevemente sobre a neurose de angústia. O autor nos diz que esta pode desencadear-se nos indivíduos de duas formas: a primeira como um ataque de angústia, sendo que esta pode aparecer conjuntamente com a histeria, e que isto justifica o fato de aparecer mais freqüentemente em mulheres. A segunda forma, que no caso é o estado crônico de angústia, aparece comumente nos neurastênicos. Freud destaca vários sintomas, característicos destes estados crônicos, dentre eles: a angústia em relação ao corpo, relacionada com o funcionamento deste e a angústia pautada na memória. O autor analisa esses três sintomas e afirma que eles são muito próximos, e considera o fator sexual como o grande provocador das neuroses, afirmando que os sintomas da neurose de angústia são “adquiridos” por cônjuges que praticam o coitus interruptus.

Ainda neste rascunho, Freud (1893) nos diz que a neurose de angústia e a neurastenia têm em comum uma característica bem peculiar: nas duas neuroses a fonte da excitação e a causa do distúrbio residem no campo somático e não no psíquico. Entretanto, existe uma diferença entre os sintomas da neurose de angústia e os da neurastenia: enquanto no primeiro o que encontramos é um acúmulo de excitação, no último predomina o empobrecimento de excitação.

Freud (1893), nas conclusões do rascunho “B”, propõe aos jovens de “boa índole” relações sexuais para a prevenção de afecções, ou senão

Na ausência desta solução, a sociedade parece destinada a cair vítima das neuroses incuráveis que rebaixam a un mínimo o gozo da vida, destroi a relação conjugal e arruinam por excelencia a geração inteira. Os estratos populares mais baixos, que desconhecem o malthusianismo, vivem atrasados pelo mesmo caminho, e como coisa natural passarão a ser vitimas da mesma fatalidade. Isto coloca ao médico um problema cuja solução merece que empenhe todas suas forças (Freud, 1894, p. 223).

Retomando o rascunho “E”, Freud (1894/1991) afirma que as mulheres frígidas estão sujeitas à angústia após o coitus interruptus, e através desta descoberta, o autor nos diz que na neurose de angústia não se deve procurar a fonte da angústia no psiquismo, sendo que nesta neurose se trata de uma acumulação física de excitação. O autor chega à conclusão de que a acumulação de excitação ocorre porque não houve uma descarga adequada desta tensão. Para compreender o porquê da acumulação de excitação nos indivíduos e a transformação desta excitação em angústia, Freud enfatiza a excitação endógena.

Freud, neste mesmo rascunho, exemplifica as excitações externas e internas e através destas explicações é que ele apresenta sua hipótese dos mecanismos da neurose de angústia. Para o autor, a excitação exógena é mais fácil de compreender do que a excitação endógena, isto porque a fonte da excitação é externa ao indivíduo e imprime para dentro de seu psiquismo um aumento de excitação, que passa a ser dirigido de acordo com sua quantidade. Desta forma, para o indivíduo livrar-se dessa tensão, deste desprazer, ele deve buscar maneiras de diminuir a quantidade excessiva de excitação psíquica e manter um equilíbrio com a excitação externa. Diferente das excitações exógenas, as endógenas se originam dentro do corpo do sujeito, como exemplos têm a fome, a sede e a pulsão sexual, e para satisfazer essas excitações, precisa-se de ações específicas, que são reações que impedem, por um período, o surgimento de novas excitações nos órgãos internos e desta forma, por um tempo, o indivíduo se livra deste desprazer.

Desta forma, Freud (1894/1991) cria a suposição de que a tensão interna, ou melhor, endógena, pode aumentar demasiadamente, e para diminuir esta excitação precisa ocorrer uma ação específica que impeça seu aumento. Entretanto, só é percebido esse aumento de excitação endógena quando esta alcança um determinado limiar, e quando ou alcança ou fica acima deste limite, esta excitação passa a ter uma representação psíquica, fazendo com que o psiquismo procure soluções para acabar com este aumento de tensão. Como exemplo, podemos supor o que Freud disse sobre a sexualidade: quando a tensão sexual física fica acima de certo nível, chega ao psiquismo, e este passa a procurar uma ação para diminuir essa tensão, que no caso é o coito.

Para o pai da psicanálise, na obra supracitada, quando não ocorre uma ação específica, a tensão aumenta excessivamente e chega a um ponto em que passa a ser uma perturbação para o indivíduo. No caso da neurose de angústia, essa transformação ocorre, pois a tensão física aumenta, ultrapassando ou atingindo o nível do limiar em que desperta o afeto psíquico, mas diferente de outros casos, a conexão entre o psíquico e o físico não ocorre ou permanece precário. Assim, como o afeto sexual não se ligou aos fatores psíquicos, ele não pôde ser desenvolvido, e desta forma, passa a ser transformado em uma perturbação para o indivíduo, desencadeando a angústia.

Para Freud (apud Mello Neto, 2003), o que acontece na neurose de angústia é uma impossibilidade de ligação entre o físico e o psíquico. Através desta “falha” na conexão entre estes campos, têm-se uma acumulação de excitação no corpo, e não havendo uma elaboração deste excesso ocorre uma transformação deste em angústia, e o motivo está situado no plano psíquico. Como exemplo, nas mulheres virgens, observa-se que elas não possuem ou são escassas suas noções sobre a sexualidade, e mais ainda, essa limitação psíquica pode ser resultante da rígida educação dos pais. Pode-se também tratar da recusa psíquica da sexualidade dos indivíduos que escolheram ser abstinentes e das limitações de processos psíquicos nas mulheres cujo marido pratica o coito interrompido. Desta forma, pode-se deduzir que em todos esses casos ocorre um desvio da excitação física sexual e a causa é psíquica. O principal sintoma da neurose de angústia é o ataque de angústia, e abrange várias características, como a dispnéia, as palpitações e a própria sensação de angústia.

Freud (1895/1991), em Sobre a justificação de separar da neurastenia uma determinada síndrome denominada de neurose de angustia, ressalta que a neurose de angústia tem seus próprios mecanismos e uma etiologia bem peculiar, e por isso o autor fala que ela é bem diferente da neurastenia. Na neurose de angústia é comum perceber que em todas as suas manifestações o que encontramos como sintoma fundamental é a angústia. A partir das observações de Freud acerca da neurose de angústia, o autor considera esta neurose como uma entidade clínica que pode aparecer na forma simples, isolada, ou em forma completamente combinada com outras neuroses, como por exemplo, combinada com a histeria, obsessões e fobias, denominadas por Freud de neuroses mistas.

O quadro clínico da neurose de angústia, para Freud (1895/1991), abrange vários sintomas, dentre eles: irritabilidade geral, expectativa angustiada (o indivíduo acredita que algo muito ruim vai acontecer sem que exista um motivo, um fundamento peculiar para isso), ataques de angústia acompanhados de pensamentos de morte, medo de enlouquecer, distúrbios da atividade cardíaca (arritmia, palpitações, taquicardia), pavor noturno, fobias, distúrbio das atividades digestivas como vômito, náusea e fome voraz, dentre outros sintomas.

Na etiologia da neurose de angústia, descrita por Freud (1895/1991), aparecem alguns componentes essenciais que contribuem para o surgimento da neurose de angústia, dentre os quais: a pré-disposição, que é similar a hereditariedade; a intensidade da excitação sexual somática sem a ligação com o psiquismo, como já foi explicado anteriormente e, por último, as causas auxiliares, que não tem um papel fundamental na gênese da neurose, mas unem-se às demais características mencionadas, compondo assim o que é chamado por Freud de “equação etiológica”. Estas causas auxiliares são perturbações banais, como por exemplo, a exaustão física, o estresse no trabalho, dentre outros casos.

Em sua obra A propósito das críticas a neurose de angustia (1895/1991) Freud expôs a neurose de angústia como:

Produz neurose de angústia tudo para além da tensão somática psíquica sexual, tudo o que perturba o processamento psíquico dela. E se você voltar a constelações específicas em que esse fator torna-se eficaz, obter a alegação de que a abstinência [sexual] voluntária ou involuntária, relações sexuais com uma satisfação insuficiente, coitus interruptus, o desvio de interesses psíquicos sexuais, e assim por diante., são os fatores etiológicos específicos para que chamo de “neurose de angústia (Freud, 1895, p.124).

Para finalizar este breve apanhado sobre a neurose de angústia, retomaremos ao que Mello Neto (2003) disse sobre a angústia da neurose de angústia. Observando este sintoma do ataque de angústia, é interessante notar que a excitação sexual não ligada ao plano psíquico fica sem domínio, e por isto é retomada por um nível que é estranho ao indivíduo, como se este não tivesse controle e posse disto, que no caso seria o perigo relacionado ao que esta fora do sujeito, ao mundo externo. Assim, o sujeito comporta-se como se projetasse o excesso de excitação interna para fora.

DISCUSSÃO

Como já exposto anteriormente neste trabalho, compreendemos as neuroses atuais, dentre elas a neurose de angústia, tal como Freud formulou no começo de sua teorização, como uma excitação sexual física que não teve ligação com o psiquismo, e conseqüentemente, essa excitação acumulou-se, passando a ser um perturbador para o individuo, desencadeando vários sintomas. Um dos pontos fundamentais é a própria compreensão do termo neurose atual, já que esta está ligada a fatores atuais da sexualidade, como o exemplo já citado no caso da neurose de angústia e a pratica do coitus interruptus ser uma das condições essenciais para o surgimento desta síndrome. Dentre os sintomas da neurose de angústia, podemos citar os problemas cardíacos, excessivo suor, vômitos, dentre outros. A partir destes exemplos e da explicação sobre a não ligação do psíquico com o somático, o modelo freudiano de neurose de angustia foi amplamente utilizado pelo pensamento contemporâneo na explicação das chamadas patologias psicossomáticas.

Os autores que mais utilizaram este conceito são aqueles que compõem a Escola de Psicossomática de Paris, guiados pelo psicanalista P. Marty, embora, para Quintella (2003), a concepção psicossomática desses autores deva ser revista, já que, sob o modelo da neurose atual, onde se encontra a neurose de angústia, sua teoria é questionável.

Marty (apud Quintella, 2003), discorreu sobre a psicossomática se inspirando nas idéias de Freud sobre sua teoria das neuroses atuais, pensando a partir do ponto de vista econômico. Isto porque pensa que para compreendermos a origem das patologias psicossomáticas devemos entender o movimento das pulsões. È através da quantidade destas pulsões eróticas e de suas qualidades é que se originam as doenças psicossomáticas. Assim como Freud pensava a falta de ligação entre o psíquico e o físico na neurose atual, Marty fala exatamente a mesma coisa sobre a manifestação psicossomática, entretanto, este último autor não consegue ver as doenças psicossomáticas mescladas com outros tipos de psicopatologia, pois os indivíduos que sofrem desta afecção possuem uma precariedade no pré-consciente, um empobrecimento de representações psíquicas. Marty nos coloca que o excesso da excitação física não penetraria nas redes psíquicas, e isso foi exatamente o que Freud pensara sobre a neurose de angústia. Marty, ainda, diz que as doenças psicossomáticas, assim como as neuroses atuais, não possuem escoamento adequado da tensão, esta se acumula e originam as patologias, o autor defende, então, que jamais as patologias psicossomáticas poderiam produzir patologias psiconeuróticas. Assim sendo, este autor pontua que não existe uma historicidade nas doenças somáticas, igualmente ocorre com as neuroses atuais. Como exemplo, Marty pontua que o paciente somático é sempre bem peculiar, tendo um quadro clínico bem típico, e desta forma, não existe possibilidades de um indivíduo apresentar sintomas e características, por exemplo, de uma neurose obsessiva e, ao mesmo tempo, de uma doença psicossomática.

Marty (apud Quintella, 2003) justifica sua hipótese sobre o aparecimento das patologias psicossomáticas e a impossibilidade de estas serem conjuntas com as psiconeuroses a partir da explicação do pensamento operatório, típico de pacientes somáticos. Esta forma peculiar de pensamento tem como característica a falha de comunicação entre o consciente e o inconsciente, e desta forma, estes indivíduos tem um pré-consciente bem precário. O sujeito age como se não pensasse, parecendo um robô, seus pensamentos são dirigidos exclusivamente ao mundo externo. Conseqüentemente, os sujeitos que apresentam esse estilo característico de pensamento tem uma representação psíquica muito pobre e sua vida fantasmática é praticamente inexistente. Se formos observar estes pensamentos dos indivíduos que possuem uma doença psicossomática, eles são totalmente diferentes do quadro dos pacientes psiconeuróticos, isto devido à composição do aparelho psíquico dos pacientes psicossomáticos ser pobre de representações psíquicas e muito escasso na sua capacidade de associação. Assim sendo, um paciente que apresenta sintomas psicossomáticos não se depararia com sintomas e características psiconeuróticas por causa da insuficiência de representações e da incapacidade de simbolização. Por outro lado, segundo este modelo teórico, um psiconeurótico típico estaria imune às doenças psicossomáticas, devido a sua ampla disposição à elaboração das excitações e capacidade de escoamento psíquico das mesmas.

Entretanto, aqui podemos assinalar um problema: Freud afirma que a neurose de angústia, neurastenia e hipocondria, que são neuroses ditas atuais, são achadas comumente ligadas às psiconeuroses e muitas vezes constituem-se como centro destas (Quintella, 2003). Segundo este mesmo autor, é assim que a encontramos na obra de Freud, conforme, por exemplo, uma afirmação sobre as “neuroses mistas”, onde se acham articulados sintomas histéricos, que se referem a uma psiconeurose, com sintomas da neurose de angústia, que é uma neurose atual. Segundo Freud (1895), a causa das neuroses mistas aparecerem com tanta freqüência é devida aos fatores etiológicos das neuroses atuais e das psiconeuroses se acharem muitas vezes intercalados. Pode ocorrer esse cruzamento entre estes dois tipos de neurose somente por acaso.

Como aponta Freud (apud Quintella, 2003), nas neuroses podem ocorrer intersecções entre as neuroses ditas atuais e as psiconeuroses, a partir do ponto de vista etiológico. Freud não deixou uma explicação rica sobre a mistura das neuroses, mas a partir da compreensão das neuroses mistas, percebemos que não é somente a pobreza de representações psíquicas que desencadeia a descarga demasiada de excitações no corpo a ponto de prejudicá-lo. Vale ressaltar também que em nenhum momento Freud disse que um paciente que possui uma psiconeurose esta protegida de uma neurose atual. Em sua obra, o pai da psicanálise percebe que em muitos casos a neurose atual aparece como o núcleo dos sintomas das psiconeuroses e o principal desencadeador das mesmas. Como exemplo, Quintella (2003) assinala o que Freud disse sobre a neurose de angústia. Nesta neurose, se observarmos, ela se manifesta como angústia por causa da excitação não descarregada e que se acumulou, e aparece ligada ao sintoma de angústia que lembra o ato do coito ou fornece a raiz para a formação de um sintoma histérico.

Segundo Quintella (2003), as neuroses atuais e as psiconeuroses podem manifestar-se conjuntamente, sendo comum seu aparecimento em muitos casos. Esse assunto pode se tornar mais fácil de compreender se constatar no discurso de Freud o que este autor diz a respeito das neuroses atuais, dentre elas a neurose de angústia. Freud, nos casos das neuroses atuais, nunca considerou uma “falta” ou “escassez” de recursos psíquicos nos indivíduos que sofrem deste tipo de enfermidade, mas uma incapacidade eventual referente ao exagero de excitação que impede a sua elaboração das representações psíquicas.

Observando este detalhe das neuroses aparecerem conjuntamente, definidas por Freud como “neuroses mistas”, podemos assinalar a crítica que Quintella (2003) fez à Marty e sua teoria. É perceptível que Marty foi bastante influenciado pela teoria das neuroses atuais de Freud, a ponto de se apropriar deste conceito em vários aspectos, principalmente na questão da não ligação psíquica com o somático. Entretanto, parece que Marty se perdeu em sua teorização, pois deixou de lado uma característica fundamental das neuroses atuais que, no caso, seria sua capacidade de se mesclar com as psiconeuroses, e tomou de empréstimo outros conceitos. O fato de ele negligenciar esta peculiaridade das neuroses atuais e defender a idéia da impossibilidade de uma doença psicossomática aparecer conjuntamente com uma psiconeurose é que deixou a teoria de Marty um tanto contraditória. Vale ressaltar que a escola de Paris tem influência lacaniana e os lacanianos são estruturalistas: ou é uma estrutura ou é outra; as estruturas são exclusivas entre si.

Mesmo ressaltando esta critica a teoria psicossomática de Marty, é importante colocarmos o que alguns autores psicanalíticos importantes falam a respeito desta teoria, e mais do que isso, a opinião deles a respeito da neurose de angústia ser a precursora das doenças psicossomáticas. Para Dejours (apud Quintella, 2003), a psicossomática é como se fosse uma substituta e, ao mesmo tempo, a extensão da neurose de angústia postulada por Freud. Este autor ainda pontua a forma como os estudiosos do campo da psicossomática se baseiam nos conceitos de falta de ligação entre o somático e psíquico, visto na neurose de angústia, para compreender as doenças psicossomáticas.

Laplanche e Pontalis (apud Quintella, 2003) também acreditam que o que Freud descreveu sobre a neurose de angústia levou os autores modernos ao entendimento contemporâneo das doenças psicossomáticas. Como grande provocador da psicanálise, Laplanche não poderia deixar de apontar uma falha de Freud a respeito desta neurose: o pai da psicanálise insistiu muito em fundamentar a neurose atual no foco da não satisfação das pulsões. Outra critica desses autores a Freud foi que este não levou em conta a repressão da agressividade nas neuroses atuais.

Para Dejours (apud Quintella, 2003), a psicossomática contemporânea tem tentado suprir o que Laplanche criticou sobre as neuroses atuais, para assim, preencher esta lacuna deixada por Freud e complementar o entendimento psicanalítico sobre as doenças psicossomáticas. Um dos pontos que as escolas de psicossomática assinalam é o papel da “violência instintiva”, que é uma ferocidade dirigida ao corpo do indivíduo nos casos de falta de compensação. É desta maneira que alguns autores contemporâneos buscam delinear um quadro nosográfico para a psicossomática, sem deixar de lado as variações históricas que foram se processando ao longo do entendimento da teoria de Freud.

Em um artigo intitulado “Freud e as neuroses atuais; as primeiras observações psicanalíticas dos quadros borderline?”, de Coelho e Junqueira (2006) buscam empreender uma revisão do conceito de neurose atual, e através desta observação, estes autores acreditam que esta síndrome pode ter sido a primeira manifestação dos quadros borderline e também a fonte para a compreensão dos casos limites. Ao mesmo tempo, esses autores acreditam que a própria explicação de Freud sobre as neuroses atuais pautadas na excitação não ligada deve ser revista, e para uma compreensão mais consistente das patologias contemporâneas e principalmente dos quadros borderline, deve-se ampliar essa discussão sobre as patologias estudadas por Freud. È cabível uma revisão nestes conceitos freudianos pelo fato de neles serem encontradas grandes semelhanças, sejam em aspectos sintomatológicos e etiológicos, com as novas enfermidades que surgem atualmente.

Para uma melhor compreensão do estudo que os autores propõem que, no caso, seria uma aproximação das neuroses atuais das patologias borderline, serão retomadas brevemente as observações de Freud sobre a neurose de angústia. Segundo Freud (apud Coelho & Junqueira, 2006), a angústia da neurose de angústia é entendida como aquela excitação que permanece livre, não ligada, que procura ligar-se a algo, mas não consegue. Esta excitação não consumada é a forma mais comum de se compreender a neurose de angústia. Para entendermos melhor, Freud nos aponta que a excitação despertada não consegue ser empregada, e como conseqüência, a angústia surge no lugar desta libido não aplicada. Como já foi dito, Freud, por um longo tempo, mantém a classificação de neurose de angústia, uma das neuroses atuais, relacionada ao excesso de excitação somática sem mediação psíquica.

A idéia de Coelho e Junqueira (2006) é a de que, a partir do modelo descrito por Freud sobre a neurose de angústia, os autores se apropriaram desta formulação para compreender as enfermidades definidas hoje como patologias borderline ou quadros-limite, isto porque nestes últimos encontramos como característica a deficiência de significados simbólicos nos sintomas. Entretanto, a compreensão das neuroses atuais, dentre elas a neurose de angústia, ainda é escassa, pouco aprofundada por Freud ao longo de seu vasto percurso teórico e, desta forma, supõe-se que ainda falta algum complemento para uma melhor definição dos quadros patológicos borderline.

Como exemplo destas falhas, Coelho e Junqueira (2006) falam que hoje em dia seria difícil aceitar inteiramente a explicação dada por Freud com respeito a uma patologia encontrar seu núcleo somente na falta de satisfações sexuais, assim como no caso da neurose de angústia, em que todos os seus sintomas residem da abstinência sexual e na prática do coito interrompido. A partir disto, muitos autores se apropriam da idéia do pulsional ao invés do sexual, com o intuito de tornar coerente a postulação de que essas patologias borderline resultam da modificação não mediada pelo psiquismo da pulsão que não encontrou sua satisfação. Mas, mesmo apontando esse almejo por uma teoria mais elaborada acerca dos casos borderline, não tem como deixar de assinalar que as observações de Freud sobre o quadro denominado de neuroses de angústia, neurastenia e hipocondria, que se caracterizam pela formação de sintomas não mediados pelo simbólico, foram às primeiras observações psicanalíticas de muitas patologias que se encontram na contemporaneidade, dentre elas os quadros limite ou borderline.

Para finalizar, é interessante ressaltar que esta falta de ligação entre o psíquico e o somático encontrado nos quadros borderline nos leva a pensar exatamente nas questões nosograficas das neuroses atuais. Quanto aos sintomas, podemos ver também algumas semelhanças, como a angústia, que faz parte da neurose de angústia. Mas, como ressaltado anteriormente neste trabalho, dificilmente seria possível se apropriar exclusivamente da neurose atual e apenas concluir que estas neuroses apresentam total semelhanças com as patologias borderline, sem que nenhuma incoerência seja apontada. Ainda parece ser cedo para definir com precisão as patologias mais contemporâneas, mas é importante ressaltar que, neste caso estudado, a teoria de Freud sobre as neuroses atuais ainda serve de base para o começo dos estudos dessas psicopatologias da atualidade.

Segundo um artigo de Ribeiro (2009), intitulado Neurose de angústia e transtorno de pânico, percebe-se que a autora tenta aproximar esses dois quadros que, aparentemente, “pertencem” às ciências distintas: Enquanto a neurose de angústia pertence à psicanálise, o transtorno do pânico seria uma síndrome da psiquiatria. A autora demonstra-o pela apresentação, em 1980, da classificação nosográfica do distúrbio do pânico, que apareceu no DSM-III, e a descrição deste ataque abrange o aparecimento de um nervosismo intenso e medo mesclados com sentimentos de que algo muito ruim vai acontecer, como uma catástrofe. Essa mesma autora ainda nos diz que, a partir de 1995, o nome síndrome do pânico, que era atribuído pela psiquiatria, não apareceu mais, como exemplo, no manual DSM-VI já não estava presente. A partir de 1993, no CID-10, a síndrome aparece agora com a nomenclatura Transtorno do pânico. Dentre os sintomas descritos neste manual, está a irritabilidade geral, sensações de morte, ataques graves de ansiedade, tontura, dor no peito, medo de perder o controle, de ficar louco, dentre outros.

Debruçando-nos um pouco sobre este texto, podemos discutir algo da sintomatologia da neurose de angústia da qual Freud já falava. Dentre os sintomas da neurose de angústia, levantadas por Freud nas suas primeiras publicações acerca desta neurose, podemos encontrar semelhanças com os sintomas descritos do transtorno do pânico na atualidade. Se compararmos as descrições da sintomatologia da neurose de angústia que foram estabelecidas por Freud em 1894 com os sintomas somáticos do transtorno de pânico apresentados pelo DSM IV é interessante notar que quase todos os sintomas são semelhantes nesses quadros, como exemplo, encontramos em ambas as neuroses a angústia em relação à morte; medo de perder o controle ou enlouquecer; parestesias; distúrbios respiratórios; sudorese; distúrbios da atividade cardíaca, tonteira ou vertigem; distúrbio das atividades digestivas, como vômito e náusea e desconforto abdominal.

Mas qual seria a principal distinção entre essas duas neuroses? Podemos dizer que ambas, na realidade, são as mesmas neuroses? E que se diferenciam apenas no nome? Segundo Ribeiro (2009), as manifestações sintomatológicas da neurose de angustia aparecem na atualidade nos transtornos do pânico, mas a neurose de angústia já não é mais mencionada, nem no campo psicanalítico e nem na psiquiatria. Esta autora ainda nos diz que os pacientes com transtorno do pânico apresentam empobrecimento psíquico e também uma angústia frente ao desamparo.

Outro autor que defende essa idéia do pânico estar intrinsecamente ligado com o desamparo é Pereira (1999). Para ele, o pânico se instala no indivíduo por este não estar ciente da sua condição, no seu desenvolvimento, do desamparo. Isto não quer dizer que ele vai vivenciar em todos os momentos de sua vida só situações de desamparo. Mas o que o autor ressalta em termos psicopatológicos no pânico é a falta de condições que permitem o individuo compreender e instaurar formas de tolerância frente ao desamparo. Sendo assim, o pânico não é vivenciado só como se fosse um trauma, mas é uma expressão da falta de elaboração psíquica, do excesso pulsional. O pânico é uma forma de o individuo esforçar-se contra a formação do trauma, e o ataque de angústia é uma defesa demasiada parar tornar a condição do desamparo humano algo mais maleável.

È interessante ressaltar que, até para podermos responder as perguntas levantadas anteriormente, que tanto à psicanálise quanto a psiquiatria utilizavam o mesmo rótulo, que no caso era a neurose de angústia. A partir de 1980, ocorre uma nova reformulação no manual diagnostico e estatístico de transtornos mentais, o DSM-III, e então aparece uma nova nomenclatura: Transtorno do pânico. Acredita-se que esta distinção esta intimamente ligada com os caminhos que cada ciência tomou, pois enquanto a psiquiatria se espelha nas causas orgânicas das doenças mentais, a psicanálise já tem como ferramenta a investigação da subjetividade de cada indivíduo. Mesmo apontado as distinções destas ciências, conjuntamente com os interesses metodológicos que cada uma tem, ressaltando um ponto de vista diferente, nota-se que, praticamente aquilo que se têm descrito nos sintomas na atualidade do transtorno do pânico é muito semelhante ao que Freud já denominou na neurose de angustia há mais de um século.

Trinca (1997) nos fala que o pânico é uma sensação bem próxima da morte, do medo de não existir mais, e toda essa angústia é sentida de forma consciente. No pânico, o indivíduo encontra-se em uma situação angustiante porque sente medo de morrer psiquicamente, através de sensações de desprazer, como paralisação, se sente sufocado, parecendo que vai morrer a qualquer momento. Este mesmo autor também nos fala que a maioria das pessoas que sofrem desses ataques de pânico ficam desencorajadas, desmoralizadas, apresentando uma dificuldade maior para lidar com sua vida, seus hábitos cotidianos. Comumente se sentem ameaçadas, como se algo ruim fosse acontecer a qualquer momento.

Essa relação do pânico com a morte também é ressaltada por Pereira (1999), para quem o ataque de pânico é um trabalho de cunho psíquico, onde este se esforça para simbolizar o desamparo, sendo que este último representa a morte. Vale ressaltar que este esforço é em vão, pois a morte não tem uma representação no inconsciente. Para este mesmo autor, o experimento de estar repetidas vezes “morrendo” no ataque de pânico é uma tentativa de simbolização, que se torna impossível, do que seria a morte.

Essa idéia de tentativa de simbolização e excesso pulsional argumentado por Pereira (1999), que foi exemplificado acima, nos faz pensar na explicação da neurose de angústia dada por Freud, sobre a impossibilidade de simbolização dos indivíduos que sofrem dessa neurose e sobre o excesso somático, a intoxicação libidinal. Ademais, Pereira (1999) ainda nos diz que os ataques de angústia descrita por Freud em relação à neurose de angústia são encontrados atualmente na síndrome do pânico. Entretanto, podemos observar que autores como Trinca (1997) e Pereira (1999) dão mais ênfase nas condições do desamparo, remetendo-se a outras considerações posteriores de Freud sobre a angústia, mais precisamente presentes em Inibição, sintoma e angustia de 1926. Parece-nos que os esforços dos autores contemporâneos para uma definição do transtorno do pânico, a partir de uma visão psicanalítica, buscam mesclar as diferentes definições que Freud deu para a angústia, pois a síndrome do pânico lembra muito, referindo-se a questões sintomatológicas, com aquilo que foi descrito por Freud sobre a neurose de angústia, e por outro lado, os autores ressaltam a idéia de desamparo para explicar a etiologia do transtorno do pânico.

Interessante notar que, pensando sobre o transtorno do pânico a partir de um referencial psicanalítico, Pereira (1999) nos diz que estamos longe de definir claramente essa psicopatologia, pensando nela a partir do ponto de vista da angústia. Ele ainda nos diz que os trabalhos psicanalíticos relacionados com a síndrome do pânico ainda estão obscuros: Falta clareza e uma definição mais consistente. Desta forma, este autor ainda diz que as explicações dessa síndrome ainda permanecem em aberto.

Em um artigo intitulado Actual neurosis and PSTD; impact of the Other, os autores Paul Verhaeghe e Stijn Vanheule (2005) falam sobre o estresse pós-traumático e partilham de outro ponto de vista: enquanto muitos autores, tanto da psiquiatria quanto da psicologia, defendem a idéia de que o estresse pós-traumático esteja ligado exclusivamente à ocorrência de um incidente traumático, esses psicanalistas propõe uma revisão nos conceitos freudianos de neurose atual para compreender o estresse pós traumático, ressaltando que existe uma pré-condição para que um indivíduo possa “adquirir” essa síndrome postulada contemporaneamente. Se pensarmos nessa idéia, encontramos em Freud (1895) que existe uma pré-condição para que se manifestem no sujeito os sintomas de uma neurose, e esta condição é de cunho sexual. Como um exemplo, a questão da abstinência sexual em pacientes com neurose de angústia.

Voltando ao artigo de Paul Verhaeghe e Stijn Vanheule, vemos que eles concluem que mesmo traumas muito graves talvez não sejam suficientes para que uma pessoa desenvolva uma psicopatologia como o estresse pós-traumático. Então eles postulam que, mesmo ocorrendo um incidente traumatizante em uma pessoa, esta só vai manifestar um estresse pós-traumático se existir uma precondição anterior ao evento. Eles se pautam no entendimento de Freud sobre as neuroses atuais, ressaltando também os cuidados em relação à criança nos seus primeiros anos de vida. Ainda neste artigo, os autores observam que outros estudiosos contemporâneos, tanto psiquiatras quanto psicólogos, aludiram ao estresse pós-traumático e também chegaram à conclusão de que o trauma é necessário, mas condição insuficiente para o desenvolvimento de um P.T.S.D. Dizem ainda que muitas pessoas já passaram por algum tipo de evento traumático, mas poucas delas desenvolveram uma psicopatologia.

Em relação a neuroses atuais, dentre elas a neurose de angustia, correlacionada com o estresse pós-traumático, Paul Verhaeghe e Stijn Vanheule (2005) dizem que as características de ambas de assemelham, pois no núcleo dessas patologias encontramos a angústia, e mais interessante; nas duas não existe um processamento psíquico. O medo, a angústia, o horror, o desamparo, sentidos por pacientes que produzem um estresse pós-traumático é semelhante aos sintomas da neurose de angústia proposta por Freud (Paul Verhaeghe & Stijn Vanheule, 2005).

Esses autores ainda fazem referência aos pacientes que tem P.T.S.D, e afirmam que eles não possuem uma condição simbólica apropriada, não tem uma representação significativa do fato, esses indivíduos comportam-se como se faltasse alguma coisa, e também não ocorre uma ligação entre o psíquico e o somático, exatamente como nos casos descritos por Freud sobre a neurose de angústia.

A principal hipótese desenvolvida neste artigo é baseada nesta falta de representação psíquica dos indivíduos que sofrem dessa síndrome, e por isso levanta-se a questão da predisposição: o Estresse pós-traumático ocorre em vítimas que, antes mesmo do incidente traumático, já tinham uma estrutura neurótica. São precisamente por causa dessa estrutura que eles se tornam incapazes de processar o trauma de uma forma significativae, como conseqüência, desenvolvem o estresse pós traumático.

Verhaeghe e Stijn (2005) propõem ainda uma investigaçâo mais ampliada sobre o estresse pós traumatico. Eles ultilizam, para isso, não só uma leitura da neurose atual de Freud, mas focam-sena fase do espelho de Lacan, e mais peculiarmente na interferencia do Outro, do cuidador, de forma que concluem que o principal motivo do desencadeamento do estresse pós-traumático tem relação com a falta de cuidados e negligência dos responsáveis com o sujeito na tenra infância.

Para aproximarmos a neurose de angústia com o estresse pós-traumático, faremos alguns assinalamentos. Em primeiro lugar, podemos mencionar aquilo que foi proposto por Paul Verhaeghe e Stijn Vanheule (2005) sobre a pré-condição para o surgimento da síndrome. Se voltarmos a 1895, mais especificamente à Sobre a justificação de separar da neurastenia uma determinada síndrome em nome de neurose de angustia, temos que existem três fatores condicionais para a ocorrência da neurose de angústia: a pré-disposição, algum evento externo, que seria o estresse do dia a dia, problemas no trabalho, dentre outros, e a excitação somática sem uma simbolização psíquica.

Outro ponto para tomarmos em consideração são os sintomas encontrados em ambas as patologias, como já foram aqui ressaltadas, mesmo que brevemente, tais como irritabilidade, medo de morrer, medo de que ocorra alguma coisa muito ruim, e também proximidades com as questões de excesso somático e falta de elaboração psíquica. Através destes assinalamentos observa-se uma proximidade não somente nas características sintomatológicas, mas também nas questões etiológicas e econômicas. Mas assim como foi mencionado nesse trabalho sobre o transtorno do pânico, ainda parece faltar um estudo mais preciso e consistente para compreender o estresse pós-traumático, e por isso muito dos autores na atualidade articulam alguns conceitos de Freud conjuntamente com contribuições mais contemporâneas da psicanálise, assim como fazem Paul Verhaeghe e Stijn Vanheule, onde estes mesclaram o conceito de neurose atual com a compreensão de Lacan sobre o Outro como fundador do inconsciente. Podemos concluir essa breve discussão levantando a hipótese de que, mesmo tendo muitas características semelhantes entre a neurose de angústia e o estresse pós-traumático, é difícil pensar que somente com a análise da neurose de angústia possamos compreender essa nova síndrome; mas que não deixa de ser interessante a forma como alguns autores, tais como os que produziram Actual neurosis and pstd: Impacto of the Other, percebem a aproximação com o que Freud já havia discutido, e que a partir dessa visão podemos formular um estudo mais abrangente para entendermos essa nova síndrome.

CONCLUSÕES GERAIS

Foi possível perceber que, diante de vários pontos que assinalamos sobre a neurose de angústia e sua aproximação com os quadros patológicos mais contemporâneos, como a psicossomática, transtorno do pânico, casos borderline e estresse pós-traumático, que elas têm muita coisa em comum, e que alguns autores psicanalíticos que abordam essas patologias mais atuais recorreram às postulações de Freud sobre a neurose de angústia. Apesar de contribuir muito para a compreensão de algumas doenças mais atuais, a neurose de angústia dificilmente manteria seu posto de “exclusividade” para se entender esses novos transtornos. É perceptível nos casos de transtorno do pânico, por exemplo, situar o que Freud discorreu sobre a neurose de angústia e comparar com algumas características deste transtorno, mas também alguns autores aproximam o transtorno do pânico com a segunda formulação da angustia de Freud e tentam juntar as teorias da angústia com o intuito de estudar mais profundamente o transtorno do pânico. Não ocorre isso somente com o transtorno do pânico, mas nos casos borderline e no estresse pós-traumático também tem essa aproximação da neurose de angústia com as doenças. Entretanto, somente a neurose de angústia não daria conta de explicar a etiologia e a sintomatologia presentes nestes quadros mais atuais. Apesar de ela não preencher todas as lacunas, a neurose de angústia não foi totalmente esquecida e que, como pôde ser observável, em muito contribuiu para clarear algumas novas patologias e dar novos rumos para estudarmos as doenças mais complexas que se diferenciam das neuroses mais clássicas.

REFERENCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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Ribeiro, M.M.C. Neurose de Angústia e Transtorno do pânico. In. Revista Reverso, n. 58, Belo Horizonte, ano 31, p. 43 – 52, Set. 2009.

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Trinca, W. Fobia e pânico em psicanálise. São Paulo: Vetor, 1997.

[1] Doutorando, mestre e graduado em psicologia.

Enviado: Fevereiro, 2018.

Aprovado: Junho, 2019.

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Rodrigo César Costa

2 respostas

  1. Meus parabéns! Excelente! Este artigo contribuiu muito para conhecer com mais profundidade o trabalho de FREUD, sobre a NEUROSE DE ANGÚSTIA. O artigo está bem fundamentado. Um trabalho incrível! Muito obrigado por publica-lo!

  2. Excelente trabalho, mostrando a grandiosidade do trabalho de Freud, que abre a porta para o entendimento das doenças psicossomáticas, com o conceito de” impedimento da representação psíquica da pulsão”, neste texto de 1895 e em várias cartas a Fliess .

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