ARTIGO ORIGINAL
TUMELERO, Tamara Carla [1], ZANIN, Lais Mariano [2]
TUMELERO, Tamara Carla. ZANIN, Lais Mariano. Perfil sanitário e adoção de boas práticas agrícolas nas propriedades familiares produtoras de leite bovino cru. Revista Científica Multidisciplinar Núcleo do Conhecimento. Ano 05, Ed. 03, Vol. 02, pp. 32-44. Março de 2020. ISSN: 2448-0959, Link de acesso: https://www.nucleodoconhecimento.com.br/nutricao/perfil-sanitario
RESUMO
A pesquisa teve por base principal a coleta de informações para caracterizar o perfil dos pequenos produtores de leite, considerando a forma de manejo e as boas práticas sanitárias que se são adotadas para com o rebanho leiteiro até o destino do produto: o leite. No trabalho, objetivou-se identificar os conhecimentos dos pequenos produtores sobre higiene no processo de produção de leite e a relação com qualidade do produto, visto que é um alimento fundamental na alimentação humana e precisa ser oferecido para a população com qualidade desde o seu ponto inicial de expedição para o processamento: a propriedade familiar. A pesquisa buscou identificar as formas mais propícias de contaminação do leite produzido e apontar os entraves que os produtores enfrentam por meio de um questionário com perguntas ligadas à qualidade do produto na cidade de Caseiros, Rio Grande do Sul. As respostas obtidas por meio de questionário aplicado aos produtores familiares foram analisadas por meio de software e foi possível identificar as práticas e condutas adotadas no cotidiano da produção de leite e como é feito o armazenamento e transporte do mesmo até chegar ao ponto de recebimento do leite in natura: a indústria. Os itens que mais indicaram grandes chances de contaminações do leite durante o processo de ordenha na propriedade ao realizar a análise foram as formas de realizar o pré-dipping, ou seja, a limpeza dos tetos antes da ordenha e a ausência da conduta de filtrar o leite ordenhado ao armazená-lo no tanque de resfriamento. A partir da análise do questionário de conhecimento aplicado e com a ponderação de todos os itens do questionário que podem comprometer a qualidade do leite e considerando o interesse dos produtores por formação direcionada às boas práticas na atividade leiteira pôde-se concluir que é necessário um maior incentivo principalmente pelos órgãos de apoio e assistência ao produtor para que haja a adequação das infraestruturas de produção leiteira das propriedades e para que haja o conhecimento sobre práticas higiênicas que devem ser implantadas e executadas na ordenha e armazenamento do leite conforme as leis e normativas direcionadas à qualidade do leite.
Palavras-chave: Leite bovino, boas práticas agrícolas, manejo rebanho leiteiro.
1. INTRODUÇÃO
A agricultura familiar é designada como uma propriedade constituída por membros de uma família em comum e nesta a atividade geradora de renda é a pequena produção agropecuária. Constitui cerca de 77% das propriedades rurais do país, segundo classificação do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) e ocupa área de aproximadamente 80,9 milhões de hectares, o que representa 23% da área total dos estabelecimentos agropecuários brasileiros. Conforme o censo agropecuário realizado no ano de 2017, 15,1 milhões de pessoas estavam ocupadas em estabelecimentos agropecuários neste ano de pesquisa, havendo uma redução de 1,4 milhões de pessoas em comparação ao levantamento do censo agropecuário do ano de 2006.
Ainda houve a redução de 2,166 milhões de pessoas ocupando as propriedades rurais familiares, o que justifica o crescimento de 143% na contratação de mão de obra para os estabelecimentos agropecuários com intermediação de terceiros, ou seja, as pequenas propriedades rurais estão perdendo seus componentes da família e necessitando de mão de obra terceirizada (BRASIL, 2017). A atividade leiteira é uma forma de agregar renda na propriedade, principalmente nas pequenas áreas, sendo alternativa para se cultivar áreas com pastagens, visto que seria difícil inserir grandes máquinas agrícolas para outras culturas como, por exemplo, de grãos.
Considerando a importância da produção de leite para manutenção dos mercados internos brasileiros e a considerável contribuição para a alimentação de todas as pessoas independente da faixa etária, o leite precisa assegurar padrões e requisitos de qualidade aos consumidores, ou seja, ser inócuo frente às possíveis fontes de contaminação no organismo humano a partir de sua ingestão. E, sobretudo, a qualidade da matéria-prima é um dos fatores determinantes para perda na competitividade leiteira no Brasil. O leite in natura oriundo da cadeia leiteira brasileira apresenta deficiência em higiene na sua produção e armazenamento primário, indicando altos índices de microrganismos contaminantes em sua composição (BELOTI et al, 1999; BUENO et al, 2004; CORDEIRO; CARLOS; MARTINS, 2002; FREITAS et al, 2002; SANTANA et al, 2001).
Na produção de alimentos de origem animal, os contaminantes que ameaçam a qualidade da carne e do leite e de outros produtos podem ser de várias naturezas, como, por exemplo, de natureza física, podendo conter fragmentos de algum material, de natureza biológica por microrganismos ou de natureza química, procedentes de resíduos de medicações antibióticas, carrapaticidas, pesticidas e outras administradas nos animais. Estes contaminantes podem ser rastreados, reduzidos e até extintos. Especificamente para produção de leite, o controle zootécnico do rebanho e adoção de boas práticas agrícolas e higiênicas durante todo o processo é o mais indicado para o controle da maioria dos contaminantes (SANTANA et al, 2001).
Para ser obtido um leite de qualidade é necessário que sejam preconizadas as condutas de higiene na atividade leiteira. O produto deve vir por meio de animais sadios e as técnicas de manejo adotadas pelos produtores devem contemplar, ao menos, itens como saúde e bem-estar do animal e higiene na ordenha. O processo de nutrição dos animais como alimentação e oferta de água deve contemplar não apenas as quantidades ideais e suficientes, mas também a qualidade apropriada para que se tenham características definidoras da qualidade do produto. Para que haja controle sanitário do rebanho é fundamental prevenir a entrada de doenças na propriedade e propiciar, ao rebanho, resistência contra doenças, estabelecendo um controle efetivo por meio da utilização de produtos químicos e medicamentos veterinários mediante orientação técnica, prevenindo, dessa forma, a ocorrência de resíduos químicos no leite, conforme salientam Fao e Idf (2013).
A limpeza e desinfecção dos tetos dos animais, antes do início da ordenha acarreta a prevenção de maiores contaminações, seja por meio de microrganismos, a partir resíduos químicos de produtos utilizados ou por meio de pequenas sujidades físicas. Fonseca e Santos (2000) e Santana et al (2001) reiteram a importância da realização de pré e pós – “dipping”, ou seja, a limpeza dos tetos das vacas antes e depois da ordenha para prevenção de contaminações e infecções intramamárias do animal como a mastite para o leite. Costa (2006) e Lira (2007), frisam que é imprescindível, para se produzir leite cru de qualidade, a prática contínua de higiene na propriedade, considerando não somente a limpeza dos tetos do animal, mas ainda a pessoa que ordenha, a qual deve higienizar adequadamente suas mãos, utilizar roupa adequada e os equipamentos tanto de armazenamento como de transporte do leite devem estar higienizados de maneira correta com água de fonte segura.
No momento da ordenha, a saúde da vaca e de sua glândula mamária, juntamente com as condutas de higiene, determinam a qualidade do produto que está sendo extraído. Guerreiro et al (2005), demonstram que a maior contaminação do leite cru provém do local onde o animal está alojado para processo de ordenha e de como é realizada a limpeza dos equipamentos para ordenha bem como do asseio pessoal dos manipuladores. Costa (2006), complementa afirmando que é na ordenha o momento mais propício para crescimento e contaminação bacteriana. O armazenamento do leite após a ordenha visa minimizar a deterioração e a proliferação de microrganismos contaminantes do leite. Dessa forma, o local de armazenamento deve atender as especificidades de organização, limpeza, temperatura adequada, exposição à poeira, sol e outros fatores que afetam a garantia da qualidade, inclusive deve haver a sanitização correta do equipamento de resfriamento após a entrega do produto para o destino final – o beneficiamento na indústria/laticínio (FAO; IDF, 2013).
O resfriamento do leite em temperatura ideal, na propriedade, evita a proliferação microbiana, mantendo a qualidade do produto e atendendo aos parâmetros estabelecidos pela Instrução Normativa 62/2011 da Secretaria de Defesa Agropecuária (BRASIL, 2011). O planejamento do controle de qualidade do leite cru refrigerado é estabelecido pela indústria de laticínios, de maneira individualizada, conforme critérios internos de cada empresa. Ela determina o responsável pela coleta das amostras que posteriormente são enviadas ao laboratório credenciado para as devidas análises. Após a empresa receber os resultados, eles são divulgados a cada produtor, e, assim, recebem orientações quando o produto se encontra fora dos padrões estabelecidos. A Instrução Normativa determina, ainda, que pelo menos uma vez por mês seja enviado amostras do leite de cada propriedade para indústria realizar a análise laboratorial.
Essas análises permitem, ao produtor, conhecer as condições da qualidade sanitária e nutricional do leite produzido e, assim, adotar as medidas necessárias para correção, quando for o caso (BRASIL, 2011). As análises mais realizadas pelos laticínios, em média, são feitas da seguinte forma: uma amostra de cada produtor é coletada mensalmente ou conforme critério individual do laticínio para análise de Contagem Bacteriana Total (CBT) que indica a contaminação do leite por bactérias. Quanto menor a contagem, maior o rigor higiênico que há nas etapas de ordenha e armazenamento do leite. Esta análise indica a contagem do número de Unidades Formadoras de Colônias (UFC) presentes na amostra de leite, depois de semeada em meio de cultivo próprio e incubada em temperatura de 32º C de 24 a 48 horas no laboratório. A CBT tem relação direta com as condições de higiene da ordenha, limpeza dos equipamentos e resfriamento adequado do leite (COLDEBELLA, 2003; MÜLLER, 2002).
A Contagem de Células Somáticas (CCS) é a quantidade de células presentes no leite, sendo uma parte destas células proveniente do tecido interno da úbere e outra de células de defesa do animal. Quando as bactérias causadoras da mastite atacam a úbere, as células de defesa imunológica passam do sangue para a úbere, tentando combater esses agentes bacterianos. Quanto maior a proliferação bacteriana, maior será a contagem de células somáticas na análise do leite (COLDEBELLA, 2003; MÜLLER, 2002). Este é um teste rápido e facilmente obtido para determinar a qualidade do leite e avaliar a saúde da glândula mamária do animal. A principal medida para redução da CCS é um programa eficiente de terapia medicamentosa da vaca seca, ou seja, que não está produzindo leite por um período, devendo, então, fazer uso desta terapia em todos os animais por ocasião da secagem além do programa de vacinação contra mastites.
O descarte de vacas com frequente quadro recidivo de mastite, o manejo adequado da ordenha e os equipamentos bem regulados e dimensionados representam um importante passo para a redução de CCS (COLDEBELLA, 2003; MÜLLER, 2002). A assistência técnica tem papel fundamental no desenvolvimento rural e no incentivo à educação de práticas agropecuárias. Esta tem a finalidade de difusão de tecnologias apropriadas para as pequenas famílias rurais (MEDEIROS, 2002). Silva et al (2010b) demonstram que a extensão rural oferta conhecimentos técnicos que complementam a vivência prática dos produtores e faz com que sejam oferecidas mais soluções para melhoria da produção, evitando, então, que haja perda de competividade e abandono da atividade.
2. DESENVOLVIMENTO
2.1 MATERIAIS E MÉTODOS
A pesquisa teve como base um estudo transversal, previamente aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa do Centro Universitário Senac Santo Amaro, SP e prosseguiu após a análise e aprovação do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE) que seria apresentado aos voluntários da pesquisa. A pesquisa aplicada foi desenvolvida em busca de traçar um perfil sanitário e apurar dados sobre a frequência de adoção de Boas Práticas Agrícolas na produção de leite cru em pequenas propriedades por meio de levantamento e pesquisa de campo realizada na cidade de Caseiros, estado do Rio Grande do Sul entre os meses de fevereiro e maio de 2017. As famílias foram convidadas para participar da pesquisa, mediante assinatura prévia do TCLE. Foram convidadas para a pesquisa 19 famílias de pequenos produtores de leite do município dessas. 5 famílias convidadas se recusaram a participar.
O perfil dos produtores e as condições de higiene foram traçados a partir dos resultados do questionário elaborado pelo autor. Ele buscou investigar e relacionar dados sociodemográficos com as práticas de higiene realizadas na propriedade, considerando desde o cuidado e manejo com animais até o processo de ordenha e armazenamento, limpeza dos utensílios e transporte do leite. Também foi questionado, aos produtores, se há parâmetros de qualidade estabelecidos pelas empresas de laticínios para as quais cada um fornece seu produto in natura e sobre a existência de assistências técnicas e treinamentos especializados sobre produção de leite na região por entidades e/ou órgãos públicos ou privados bem como sobre a periodicidade. Posteriormente, os dados foram digitalizados e analisados. Para análise das respostas do questionário foram utilizadas medidas de frequência absoluta e frequência relativa simples para variáveis qualitativas e as variáveis de natureza quantitativa foram analisadas por medidas de média e desvio padrão digitalizados e analisados no software Microsoft Excel 2010.
2.2 RESULTADOS E DISCUSSÃO
Os entrevistados pela pesquisa traçaram o seguinte perfil sociodemográfico: grau de instrução baixo, 78,9% possuem somente o ensino fundamental incompleto, 89,5% são casados e a média de idade é de 50 anos. Observa-se que a opção da atividade leiteira diminui à medida que o produtor envelhece, provavelmente há esta relação pelas dificuldades que o pequeno produtor enfrenta para adquirir infraestrutura e conhecimento para o seguimento na atividade, o que demanda, principalmente, na deficiência de maquinários e equipamentos o trabalho e esforço braçal. A maioria dos entrevistados (68,4%) mora no meio rural por mais de 30 anos, apesar de 42,1 % desenvolverem a atividade leiteira por menos tempo, de 5 a 15 anos. Produtores de leite que desenvolvem outras atividades agropecuárias somaram 63,2% dos entrevistados e a atividade mais citada é cultivo de lavouras com grãos para comercialização e pequenas culturas para consumo próprio como feijão, pipoca, moranga e fruticultura.
78,9% são proprietários da área em que trabalham e sobre este mesmo percentual os entrevistados recebem informações por meios de comunicações, como laticínios/cooperativas e mercados agropecuários, concluindo que estas fontes contribuem para o conhecimento sobre a atividade leiteira e até podem sanar algumas dúvidas relacionadas. 57,9% justificam, dentre as opções de escolha, que o trabalho com a produção de leite é a garantia de lucro mensal e destacaram a possibilidade de trabalhar com mais atividades agropecuárias e/ou agrícolas. 63,2 % possuem rede de água encanada oriunda de poços artesianos com qualidade comprovada da água e 100% possuem rede elétrica instalada na propriedade. A mão de obra familiar é utilizada para o desenvolvimento da atividade em 100% das propriedades rurais pesquisadas e a média de pessoas envolvidas na atividade leiteira é de 2 pessoas/propriedade.
52,6 % das propriedades possuem até 10 vacas em lactação e 31,6 % tem, em média, de 11 a 20 animais ativos, ou seja, produzindo leite. A produção média em litros é de 21,1% das propriedades e possuem produção inferior a 50 litros/dia. 31,6% dos entrevistados produzem de 50 a 100 litros/dia e 26,3% contam com uma produção diária acima de 200 litros. Segundo a classificação de Cortez e Cortez (2008), a predominância é de pequenos produtores com menos de 200 litros/dia na atividade leiteira. Os entrevistados com média de produção diária de 100 a 200 litros de leite relataram ordenhar 02 vezes ao dia, o que pode contribuir para diminuição da incidência de mastite nos animais. O leite in natura, na pesquisa, é, em 100% dos entrevistados, destinado à venda para beneficiamento em cooperativas e indústrias de laticínios, as quais realizam exigências de padrões de qualidade a serem seguidos e fazem a coleta de amostras também em 100% das propriedades avaliadas.
A análise do produto em seus laboratórios bonifica e valoriza por meio do valor pago a cada litro de leite, conforme a qualidade do produto. Isso mostra que as indústrias se adaptaram conforme a Instrução Normativa nº 62, incentivando a adoção de mais práticas de higiene e cuidados com o rebanho e resultando em maior motivação para os produtores continuarem na atividade (BRASIL, 2011). O recolhimento e transporte do leite entregue aos laticínios é 100% realizado por caminhão-tanque e são coletadas amostras para análise da qualidade. 100% dos entrevistados responderam que o responsável pelas coletas é o motorista do caminhão-tanque e que as amostras são individualizadas em frascos para cada produtor. A frequência e periodicidade da coleta das amostras nas propriedades variam, conforme critérios de cada laticínio. 47,4% são coletadas mensalmente e em 42,1% semanalmente.
Sobre a realização e frequência de higienização das mãos do responsável pela coleta das amostras 63,2% dos proprietários que acompanham o procedimento relataram que a simples lavagem das mãos na maioria das vezes não é realizada antes da coleta, sendo um fator determinante para uma possível contaminação das análises coletadas, inclusive para os instrumentos. 84,2% afirmaram que a amostra é armazenada em local e temperatura adequados no caminhão até o destino. Quanto aos pagamentos por qualidade a partir da análise laboratorial do leite, 94,7% das propriedades entrevistadas devem cumprir mais de um parâmetro para obter vantagens sobre o valor pago por litro de leite pelo laticínio, os principais foram o controle de células somáticas (CCS), contagem bacteriana total (CBT), percentual ideal de gordura do leite e prevenção de doenças no rebanho. 5,3% do total disseram ter outros indicativos que são avaliados para garantia da qualidade do produto.
Quanto ao armazenamento na propriedade, 100% dos produtores possuem tanque de expansão individual e 78,9% destes possuem sistema de refrigeração durante 24 horas sem intervalo. A ordenha mecânica canalizada responde por 68,4% das propriedades pesquisadas e o sistema de ordenha balde ao pé está instalado em 31,6 % das propriedades, sendo que a última é passível de mais contato com o ordenhador, animais e ambiente, precisando ser transferida de forma manual ao tanque de expansão, estando, dessa forma, suscetível a maiores chances de contaminação. Porém, Guerreiro et al (2005) enfatizam que a forma e a frequência com que é realizada a higienização do equipamento de ordenha e demais utensílios pode determinar mais as chances de contaminações do leite quando comparadas ao sistema de ordenha. As estruturas da sala de ordenha pesquisadas possuem 63,2% de chão com piso bruto, sem revestimento cerâmico e este mesmo percentual corresponde à quantidade de propriedades pesquisadas que ordenham um animal em cada repartição de forma individualizada.
A ordenha padrão tem 78,9% de adesão, ou seja, primeiro são ordenhados os animais sadios e por último são recolhidos animais doentes ou que possuem algum tipo de infecção (tanto no úbere como nas glândulas mamárias ou até outro local do corpo), para alimentá-los e se for o caso aplicar medicação, Zafalon et al (2008), apontam a importância de ordenhar primeiramente os animais sadios, e, em seguida, os animais com mastite, inclusive, deve-se realizar a higiene correta e esterilização dos equipamentos como forma de prevenção de disseminação de doenças. Índices preocupantes apontam que 42,1% dos entrevistados não realizam o teste de caneca telada de fundo preto. Ele é um teste rápido com o leite que indica início de doenças como mastite. 63,2% dos produtores fazem o pré-dipping utilizando água e sabão. Philpot e Nickerson (2002) mostram as que as chances de contaminação do leite com a lavagem de úbere e tetos antes da ordenha aumentam significativamente, pois a água escorre e leva consigo sujidades para o interior das teteiras da ordenhadeira.
O pós-dipping é realizado com iodo em 57,9% das propriedades e o mesmo percentual revela que secam os tetos dos animais após a limpeza pré-dipping com toalhas de papel, porém o índice preocupante é de 26,3% dos entrevistados que utilizam toalhas de pano para secagem dos tetos dos animais, o que pode contribuir e muito para contaminações principalmente cruzadas. Devido ao fato de o pano não ser descartável após cada uso, pode acarretar o aparecimento de microrganismos contaminantes de um animal para outro ou até para equipamentos secos com ele. A filtragem do leite é realizada em 63,2% das propriedades utilizando peneiras ou filtros. 36,8% dos entrevistados não realizam e 5,3% utilizam pano para filtrar, o que pode ser preocupante no quesito contaminação microbiana cruzada.
Quanto à responsabilidade de assistência técnica na propriedade, 36,8% dos proprietários recebem assistência do laticínio ou cooperativa com quem são associados e 21,1% são assistidos e instruídos pela EMATER/ASCAR. Do total investigado, 100% gostariam de receber mais informações e cursos direcionados às boas práticas na produção leiteira. Para 63,2% dos pesquisados, o preço pago pelo litro do leite é a principal dificuldade enfrentada para seguir com a atividade na propriedade. Em relação à conduta adotada pelos produtores quando há necessidade de administração de medicações e tratamentos que podem gerar resíduos no leite ordenhado e se tornar fonte de contaminação para quem ingerir, 100% dos produtores disseram que respeitam a carência determinada em bula de cada medicamento para a ordenha e descartam o leite.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Diante dos resultados, pode-se concluir que a higiene dos equipamentos, utensílios e o local de ordenha podem estar sendo corretamente higienizados conforme as respostas obtidas no questionário, porém formas de prevenção de doenças como o teste de caneca telada de fundo preto podem ser mais intensificados e a exigência para realização pode prevenir a ocorrência dessas doenças evitando, dessa forma, maiores chances de comprometimento da qualidade do produto e possíveis contaminações de origem alimentar aos consumidores. Observou-se que há baixa oferta de treinamentos específicos sobre boas práticas na produção de leite e do manejo com o rebanho.
Isso explica o fato da dificuldade de adequação a alguns itens de obtenção de qualidade do leite. Cabe ressaltar que os resultados deste estudo foram divulgados ao município e de maneira individualizada aos governantes e órgãos competentes, propondo ações de intervenção – capacitações direcionadas aos pequenos produtores, ressaltando o papel fundamental que desempenham para a qualidade sanitária do produto e reforçando a importância da valorização e continuidade da atividade leiteira para o desenvolvimento do agronegócio e sustentabilidade dos pequenos produtores de leite.
REFERÊNCIAS
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[1] Nutricionista, graduada pela Universidade de Passo Fundo, Instituto de Ciências Biológicas.
[2] Professora orientadora, graduação em Nutrição pela Universidade Federal de São Paulo, Campus Baixada Santista (2011). Mestrado Interdisciplinar em Ciências da Saúde na Universidade Federal de São Paulo, Campus Baixada Santista (2014). É doutoranda do Programa de Pós-Graduação em Nutrição da Universidade Federal de São Paulo, Campus São Paulo. Guest PhD na Wageningen University and Research (Holanda) em período de doutorado sanduíche (bolsista CAPES).
Enviado: Fevereiro, 2020.
Aprovado: Março, 2020.