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A viabilidade de utilização dos Project Finance no Brasil

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ARTIGO ORIGINAL

GONÇALVES, Regiane Priscilla Monteiro [1]

GONÇALVES, Regiane Priscilla Monteiro. A viabilidade de utilização dos Project Finance no Brasil. Revista Científica Multidisciplinar Núcleo do Conhecimento. Ano 04, Ed. 06, Vol. 08, pp. 159-186. Junho de 2019. ISSN: 2448-0959

RESUMO

O Project Finance é uma espécie de financiamento de projetos, no qual o maior foco em um plano nacional está na crescente desde a década de 90. Os movimentos de privatização impulsionados pelo Governo Federal possibilitaram que o desenvolvimento de empreendimentos de grande porte, pudesse ser aviados por particulares, o que por via de consequência demandaria do mercado novas formas de financiamento. A ascensão dos contratos de project finance para o desenvolvimento passou a ser amplamente divulgado e utilizado tanto no setor privado, quanto no setor público, e a celeuma envolvendo a estruturação deste tipo de financiamento traz à tona discussão acerca de importantes aspectos jurídicos intrínsecos a ele, mas que ainda pouco discutidos pela academia jurídica. O Project Finance é um progresso na forma de financiar, pois trata-se de um método de financiamento atual, imbuído de complexidade e, principalmente, atributos, que inferem desde a análise, segmentação e o compartilhamento de riscos financeiros até preocupações ambientais, sendo uma engenharia financeira ímpar, com as sinuosidades próprias da área financeira. A utilização de step-in rights e de golden shares aos envolvidos ainda são objeto de discussão, merecendo estudos mais aprofundados. Cabe ainda observar que a estrutura contratual que dá ênfase ao project finance, se constrói sob verdadeira coligação contratual, o que resulta em maior cautela na interpretação das cláusulas. Por fim, para que uma operação deste tipo se torne viável e aceita por seus participantes, necessário e a imprescindível análise minuciosa de das garantias, especialmente pelos inúmeros tipos contratuais. Caberá ainda análise pragmática de questões jurídica inerentes a esta modalidade de financiamento, em especial análise do aspecto jurídico, cujas peculiaridades se acentuam a depender da natureza pública ou privada do empreendimento financiado.

Palavras-chave: Project Finance, contratoscoligados, step-in rights, golden shares, garantias.

1. INTRODUÇÃO

O crescente processo de privatização, instituído na final década de 90 no Brasil, em especialmente após a edição da Lei das Concessões Públicas (Lei nº 8987/95). O Estado foi o maior fomentador da necessidade de criação de novas formas de financiamento capazes de financiar projetos de grande porte, adoção do instituto (1) tanto na esfera pública quanto na privada, já que este vinha se desligando de atividade e setores até unicamente controlados por ele.

Deixando o Estado seu papel basilar no financiamento de grandes empreendimentos como, por exemplo, transportes, transmitido assim incumbência aos particulares, escolhidos após procedimento de concorrência pública – isto é, licitação -, necessário foi implementação de uma nova estruturação que permitisse, aos entes privados obter financiamentos fundamentais a viabilização dos empreendimentos, face as exigências suscitadas pelos financiadores no o aporte de capitais na sociedade patrocinadora do projeto (BORGES; FARIA, 2002; BONOMI, MALVESSI, 2004; ENEI, 2007). É nesse cenário, então, que o project finance passa a ser adotado na prática de mercado brasileira, sendo inclusive estendido as parcerias públicas e privadas.

De forma bem sucinta, descreve-se o project finance como espécie de financiamento em que os investidores examinam, para a concessão do empréstimo, basicamente a capacidade financeira e o fluxo de caixa do projeto a ser financiado, ainda que todas as partes envolvidas assumem uma parte dos riscos relativos ao desenvolvimento do projeto em questão (FABOZZI, NEVITT, 1995; WOOD, 1995).

O tema é constantemente discutido e as normas e os entendimentos jurisprudenciais evoluem à medida que novas questões se tornam controversas.

O presente trabalho expõe a problemática, principalmente quando tratando questões ligadas à criação de sociedade de propósito específico, a segregação do desenvolvimento do projeto de seu patrimônio, bem como a detenção de golden shares pelos financiadores, a estruturação contratual e a alocação dos riscos e constituição de garantias são alguns dos aspectos que apresentam significativa relevância jurídica e demandam reflexão por parte dos aplicadores do direito.

Para tanto, vale-se de metodologia de cunho crítico-dialética a partir da análise das normas específicas, preliminarmente, análise do instituto do project finance e de suas peculiaridades. Especialmente no que tange aos seus aspectos jurídicos, a fim de que se possa melhor compreendê-lo.

Assim a temática a ser adotada respeitarão seguintes critérios: o capítulo inicial será destinado ao estudo do aspecto histórico do project finance, sua conceituação, características e as formas possíveis de aporte de capitais ao projeto. O capítulo seguinte, por sua vez, tem por foco a essencialidade da constituição da sociedade de propósito específico – SPE, a atribuição de golden shares aos financiadores, a estruturação contratual do project finance os riscos, sua alocação e garantias verificadas em operações financeiras desta espécie. Finalmente, após a análise dos aspectos gerais e jurídicos supracitados, serão tecidas considerações conclusivas em um último tópico.

2. PROJECT FINANCES

2.1 CONCEITO, ORIGEM E EVOLUÇÃO HISTÓRICA

O presente capítulo destina-se à análise, conceituação e evolução histórica do project finance, bem como de suas peculiaridades e das formas de financiamento a ele inerentes.

Contudo para um compreensão e necessário de forma antecedentes sublinhar algumas questões de nomenclatura, acionistas da SPE são tratados como patrocinadores do projeto, chamados por alguns autores de seus empreendedores. (2) Entidades destinadas ao fornecimento dos empréstimos necessários à execução do projeto são denominadas de financiadores ou entidades financiadoras. Tecidas esses esclarecimentos passaremos a criação e evolução histórica do project finance.

Muito embora project finance componha modelo de financiamento relativamente atual, suas raízes remetem a um passado distante, mais especificamente o século XIII , conforme defendem alguns doutrinadores como Borges e Faria (2002) que mencionam o empréstimo concedido, no ano de 1299, pelo banco italiano Frescobaldi à Coroa Britânica com o objetivo de desenvolver as minas de prata na região. No mesmo sentido Luiz Ferreira Xavier Borges e Viviana Cardoso de Sá e Faria (2002, p. 246)

a burguesia mercantil estava por trás de quase todos os empreendimentos de porte por ser a detentora do capital capaz de financiar a nobreza na expansão do seu território. A garantia oferecida eram as especiarias encontradas ao longo das expedições ou as terras conquistadas, ou seja, o fluxo de caixa do empreendimento.

Na visão com Yescombe (2014) o processo de desestatização da economia implementado a nivel mundial desde o inicio da década de 80 foi um pivôres mais importantes para o desenvolvimento do project finance. O autor atribuiu, ainda, as mudanças em técnicas de financiamento que alavancaram o project finance a partir de 1970, como o início de empréstimos a longo prazo

por bancos comerciais, e da utilização de crédito de exportação para o financiamento de grandes projetos, além do financiamento de embarcações concedido a sociedades de propósito específico, financiamento de imóveis garantidos pela rentabilidade projetada do empreendimento e leasing financeiro baseado em tributos.

Já no Brasil, a implementação se deu de forma mais tardia, no final da década de 90, quando o Estado passou a se desvincular de seu papel fomentador e até mesmo único em muitos casos como único responsável pelo aviamento de projetos de grande porte como infraestrutura, principalmente pois a concessão de financiamento a estes não carecia de fornecimento de garantias. Com a mudança do papel do Estado, que deixou de ser exercer papel ativo, passando a um ter uma participação mais voltada para fiscalização, o mercado se abriu a iniciativa privada, que por sua vez carecia de novas fontes de financiamento de acordo, Bonomi e Malvessi (2004, p. 64) explicam que explicam:

em virtude dos altos investimentos necessários após a privatização, as empresas vencedoras das licitações buscaram formas de financiamento que permitissem a mitigação de, ao menos, parte do risco do negócio. O Project Finance apresentou-se como a solução para a questão, uma vez que os credores repartiriam o risco do negócio com os devedores. Essa divisão de riscos tornou-se importante para as empresas privadas, pois, com a contratação de financiamentos por meio da estrutura de Project Finance, seus balanços patrimoniais não seriam onerados por esse endividamento, e cada participante teria a oportunidade de escolher a parcela do risco do empreendimento que lhe fosse mais afeita.

Desde então a utilização passou a ser exercida de forma mais frequente, principalmente como vetor essencial a desenvolvimento a longo prazo de vários setores da economia e do governo brasileiro.

O conceito de project finance, que também é conhecido como project- oriented finance ou project financing corresponde a uma modalidade de financiamento de projetos voltado à análise do próprio empreendimento projetado, ou seja, financiamento “em que o financiador está satisfeito em

analisar, inicialmente, o fluxo de caixa (3) e a receita da unidade econômica financiada como fontes dos fundos utilizados para o pagamento de seu empréstimo, garantido pelos ativos do próprio projeto. Some-se a isso o entendimento Luiz Ferreira Xavier Borges (1999a, p. 2), por sua vez, conceitua project finance como espécie de, para quem o project finance constitui:

engenharia ou colaboração financeira sustentada contratualmente pelo fluxo de caixa de um projeto, servindo como garantia à referida colaboração os ativos desse projeto a serem adquiridos e os valores recebíveis ao longo do projeto.

Egon Bockmann Moreira (2010, p. 2) ensina que o project finance compõe espécie de financiamento de projetos, em que o financiamento é concedido ao projeto em si, não ao patrocinador. Destaca o doutrinador que

há, portanto, a despersonalização da relação contratual, que é objetiva ao máximo e, em alguns pontos, chega a se tornar desmaterializada. O que está em jogo é o financiamento do projeto decorrente da união contratual entre os parceiros do negócio (não o patrimônio nele imobilizado nem as pessoas nele envolvidas).

Para que viabilidade do financiamento a um projeto específico, possibilitando referida despersonalização da relação contratual, a doutrina aponta para a necessidade de que os patrocinadores se reúnam e constituam uma sociedade de propósito específico – SPE, da qual serão acionistas. Muito embora referida instituição seja tratada mais a frente neste trabalho, desde já impendem algumas observações.

Conforme destacam Egon Bockmann Moreira e Bernardo Strobel Guimarães (2014, p. 497), referida sociedade é “sociedade instrumental, criada exclusivamente para determinado escopo”. Desta feita, conforme destacam os autores, pode-se inferir que após sua constituição, não se faz possível a alteração de seu objeto social, considerando-se que é criada justamente para a realização daquele projeto específico. Inclusive doutrinadores nacionais como Luiz Ferreira Xavier Borges e Viviana Cardoso de Sá e Faria (2002) atribuem a SPE a essência do project finance e ainda o que diferenciaria da Corporate finance.

Dentre tais concepções, Finnerty (1999) afirma que a distinção entre o project finance e os financiamentos convencionais é que, em vez de considerar a totalidade da carteira de ativos de uma empresa para a geração de fluxo de caixa que sustentará o crédito obtido, no project finance. cada projeto ou conjunto de ativos é considerado uma entidade jurídica distinta e o financiamento é elaborado sob medida para as suas próprias características de fluxo de caixa (4). A forma de analisar e aprovar o crédito é um diferenciador no project finance.

Em suma, e possível afirmar que a SPE é o veículo responsável pela segregação dos ativos do projeto, tornando possível que seja o financiamento concedido direta e exclusivamente ao empreendimento financiado. (5) Assim, no capítulo seguinte haverá a sistematização dos possíveis métodos financeiros para avaliar a viabilidade econômica dos Project Finance, em especial no cenário brasileiro.

2.2 ESPÉCIES DE FINANCIAMENTO

As mais importantes formas de financiamento reconhecidas em operações de project finance podem ser retratadas em: capital de risco, recursos de terceiros e recursos híbridos (os quasi equity ou mezzanine finance). Assim o capital de risco, definido por Gary Bond e Laurence Carter (1994, p. 8) como o investimento de longo prazo colocado sob a forma de ações, o que retornaria na participação societária e da companhia gerenciadora do projeto. Os detentores de equity recebem dividendos e ganhos (ou perdas) de capital, baseados nos lucros líquidos. Eles assumem riscos (dividendos não são pagos se a companhia tem prejuízo).

Já os recursos de terceiros constituem os financiamentos adquiridos pela SPE sem que, para tanto, participação societária no projeto ou na companhia fossem atribuídos aos financiadores (BORGES; FARIA 2002, ARAÚJO, 2006). No Brasil, um dos principais financiadores de operações de project finance é o BNDES – Banco Nacional do Desenvolvimento. Há, ainda, a possibilidade de angariar financiamentos em bancos regionais de desenvolvimento, como o Banco do Nordeste (ENEI, 2014).

Comumente, os valores aportados por terceiros ao projeto constituem créditos preferenciais quando de seu pagamento, tendo estes financiadores prioridade para o recebimento dos valores. Impende observar que tais operações se caracterizam como investimentos de longo prazo, os quais podem ou não apresentar taxas de juros fixas (FINNERTY, 2007).

Por fim, os recursos híbridos consistem, nas palavras de Luiz Ferreira Xavier Borges e Viviana Cardoso de Sá e Faria (2002, p. 264), em “uma modalidade de financiamento que frequentemente tem a forma de recursos de terceiros, mas com algumas características de recursos próprios” dos acionistas. São, em síntese, o que Gabriela Figueiredo Dias (2004) chama de obrigações convertíveis em ações. Exemplificativamente, são ações preferenciais ou empréstimos subordinados (DELMON, 2011). Gary Bond e Laurence Carter (1994, p. 8), por sua vez, ensinam que os recursos híbridos são:

financiamentos não segurados que são prioritários face aos recursos próprios dos acionistas, mas subordinados aos recursos de terceiros. Estes recursos contêm um cronograma para pagamento tanto dos juros, quanto do principal, mas podem também permitir participação no potencial de valorização típico da posição dos acionistas patrocinadores do projeto (tradução nossa).

Assim temos, que o aporte de capitais é realizado pelos acionistas como parte dos investimentos que devem ser por ele efetivados, sendo assim tratados da mesma forma que os investimentos de capital próprio dos acionistas.

Contudo no caso dos de terceiros que normalmente fornecem recursos híbridos são seguradoras ou fundos especializados, fazendo-o assim com que os recursos de terceiros não cubram a quantia total do financiamento que o projeto requer ou em forma de equity tanto para aperfeiçoar o retorno recebido pelos acionistas, quanto para que o preço aplicado ao projeto seja mais competitivo. Passadas estas explanações a cerca das modalidades de financiamento, passaremos no tópico a seguir a analisar implementação destes institutos a nível nacional.

2.3 IMPLEMENTAÇÃO DO PROJECT FINANCE NO BRASIL

No Brasil, a modalidade de project finance surgiu a partir dos anos 1990, a partir de uma redefinição do papel do Estado no período após o processo de redemocratização. A oferta de bens e serviços de infraestrutura, especialmente de serviços públicos do país, foi transferida à iniciativa privada por meio de processos de privatização de empresas estatais e concessão de serviços públicos, cuja intenção era “desonerar o setor público dos gastos com grandes investimentos, diminuir o desequilíbrio fiscal, aumentar a eficiência nos setores de infraestrutura pela introdução da competição e garantir investimentos contínuos” (Araújo, 2003, p.1).

O nosso ordenamento jurídico, não desenvolveu regulamentação específica no tocante as operações de project finance. Os ingredientes jurídicos para utilização no modelo brasileiro estão distribuídos em diversas leis, especialmente as civilistas e empresariais. A exemplo de tal afirmação podemos citar as formas de tratamentos dos tipos societários elecandas no Código Civil e essencialmente sua estruturação.

Já no tocantes as garantias podemos nos valer do Decreto-Lei 73/66, ou ainda considerando as multiplicidade dos agentes envolvidos projeto pode, ainda, ser desenvolvido no âmbito de concessões públicas ou parcerias público-privadas, de modo que a disciplina das Leis 8987/95 (Lei de Concessões Comuns) e 11.079/04 (Lei de PPPs ).

A seguir, analisaremos da figura da golden share e sua ligação com os financiadores do projeto, analisando-se ainda a estrutura contratual do project finance, chegando se assim aos instrumentos de garantia existentes nesta espécie de financiamento.

2.4 ESSÊNCIA DAS SOCIEDADES DE PROPÓSITO ESPECÍFICOS

O project finance, como visto anteriormente, trata-se de modelo de financiamento em que o provento dos valores aportados ao projeto é certificado, essencialmente, por seu fluxo de caixa prepardo, isto é, os financiadores, antes de conceder à empresa administradora qualquer empréstimos, analisam a capacidade financeira do projeto e principalmente sua consistência e capacidade de adimplir as obrigações decorrentes de seus empréstimos. Por conseguinte, tem-se que o foco do financiamento é o projeto e sua capacidade financeira, não a empresa que o gerencia e sua capacidade de endividamento. Há, portanto, uma despersonalização do financiamento.

Egon Bockmann Moreira e Bernardo Strobel Guimarães, (2015, p. 497- 498) conceituam a SPE como “sociedade instrumental, criada exclusivamente para determinado escopo”, completam ainda afirmando que “a SPE é modalidade societária que se destina basicamente à segregação de parcela do patrimônio e riscos daqueles que a integram, conferindo autonomia a determinado negócio”. A própria sociedade é titular de interesses e finalidades, os quais são diversos daqueles de seus acionistas.

Rodrigo Pironti Aguirre de Castro e Rafael Porto Lovato (2014) consignam, ainda, que o instituto da sociedade de propósito específico, cujo objetivo traduz-se na constituição de pessoa jurídica destinada ao gerenciamento e operação de determinado projeto, foi desenvolvido pelo direito alienígena a partir do conceito de corporate joint ventures. (6)

No ordenamento brasileiro, a viabilidade da criação de sociedades de propósito específico encontra amparo legal no art. 981 do Código Civil, o qual faculta que os contratos de sociedade restrinjam seus objetivos à realização de negócio determinado (MOREIRA; GUIMARÃES, 2015).

Art. 981. Celebram contrato de sociedade as pessoas que reciprocamente se obrigam a contribuir, com bens ou serviços, para o exercício de atividade econômica e a partilha, entre si, dos resultados. Parágrafo único. A atividade pode restringir-se à realização de um ou mais negócios determinados

2.5 GOLDEN SHARES E FINANCIADORES

Muito embora o poder de controle da SPE administradora do projeto seja exercido por seus acionistas, existem algumas formas de controle externo exercidas pelos financiadores do project finance. Uma destas formas traduz-se no step-in right, anteriormente mencionado neste trabalho. O instituto figura como uma das principais características de operações de project finance, ao permitir que financiadores possam ingressar na administração da SPE, em casos em que a sociedade apresente fragilidade financeira por descumprimento contratual associado a risco de inadimplemento. Nada mais é, portanto, do que garantia detida pelos financiadores (MOREIRA, 2010).

Outra garantia atribuída aos financiadores do project finance – e que merece especial destaque – é a ação de classe especial, também chamada de golden share. Tal ação é conceituada por Egon Bockmann Moreira (2010, p. 5) como a “reserva de parcela do poder de controle de determinada sociedade anônima, atribuída ao sócio minoritário com a finalidade de intervir em determinadas decisões-chave a ser implementadas pela companhia”. Note-se que a existência de ações desta classe condiciona o exercício do poder de controle, em aspectos específicos, à anuência – expressa ou tácita – dos acionistas minoritários (MOREIRA, 2010).

A ação de classe especial encontra respaldo legal em sede dos art. 17, §7º, e 18 da Lei 6404/7440 (8), os quais indicam seus efeitos e os direitos e deveres dela decorrentes.

Especialmente em casos de project finance, Enei (2007) ensina que a golden share constitui uma única ação de classe preferencial detida pelos financiadores. Deste modo, representariam parcela quase insignificante do capital social, não dando azo à alteração da posição de seu titular de financiador para acionista.

Tais ações podem, de acordo com Dulce Corrêa Monteiro Filha e Marcial Pequeno Saboya de Castro (2000, p. 117), até mesmo possibilitar que os financiadores assumam “o controle do negócio se o projeto não der certo”.

Acerca da titularidade das golden shares, deve-se lembrar, porém, de que o direito brasileiro veda que as instituições bancárias sejam controladoras da SPE administradora de projeto por elas financiado, de modo que não podem exercer o efetivo controle do negócio41. Egon Bockmann Moreira (2010) destaca, porém, que tal vedação não impede que instituições bancárias sejam acionistas minoritárias da SPE por força da propriedade de tal ação.

Neste sentido, ensina Eduardo Salomão Neto (2014, p. 385), segundo o qual “para instituições financeiras brasileiras, há a proibição de emprestarem recursos a sociedades controladas, cuja violação gera responsabilidade administrativa nos temos do art. 34 (8), inciso IV, da Lei nº 4595, de 31 de dezembro de 1964, e criminal nos temos do art. 17 da Lei nº 7492, de 16 de junho de 1986. Tal proibição pode eventualmente se aplicar também a instituições financeiras operando do exterior, nos termos da lei a que se sujeitem, na medida em que a vedação obedece a uma clara lógica administrativa”.

Seguindo o entendimento supramencionado, entende-se que em operações de project finance, verifica-se a coligação contratual da espécie contratos conexos em sentido estrito, pois apresentam o que Leonardo (2013, p. 10) identifica como “articulado e estável nexo econômico e causal”. Nesta seara, José Virgílio Lopes Enei (2007, p. 284) explica que,

embora cada contrato preserve os seus elementos categoriais próprios e inderrogáveis (que o conduzam a determinado tipo contratual ou mesmo à categoria dos contratos em geral, na hipótese de contrato atípico), a causa final (função prático-social) passa a ser dada não por cada contrato individualmente considerado, mas pelo conjunto, surgindo daí portanto uma causa sistemática ou supracontratual.

Gabriela Figueiredo Dias (2004, p. 141) também destaca esta característica nas contratações do project finance. Para a autora,

uma operação de project finance irá obrigatoriamente implicar a celebração de contratos de diversa natureza, tecendo uma complexa teia negocial que origina uma verdadeira coligação de contratos – uma série de contratos indispensáveis à montagem e à real eficiência da operação financeira, celebrados entre uma pluralidade de sujeitos, que, mantendo a sua individualidade jurídica, se acham ligados entre si por um certo nexo ou vínculo funcional ou substancial – o projecto – suceptível de influenciar sua disciplina jurídica

2.6 GARANTIAS, ALOCAÇÃO E MITIGAÇÃO DE RISCOS

Uma das principais peculiaridades do project finance é a forma como os riscos inerentes ao projeto são alocados entre todos os seus participantes. Diferentemente do corporate finance, em que os riscos são absorvidos, quase que em sua integralidade, pelos patrocinadores do projeto, no project finance há a distribuição destes riscos, normalmente realizada por meio de instrumentos contratuais.

Há, porém, certos riscos que nenhum participante da operação deseja assumir. Nestes casos, são constituídos instrumentos de garantia, isto é, “mecanismos de engenharia jurídico-financeira que permitem a diluição” dos riscos (DIAS, 2004, p. 151). Desde já, faz-se necessário saber que as garantias oferecidas no project finance tendem a assumir formato contratual, sendo as garantias pessoais e reais – comumente presentes no corporate finance – menos usuais. Em operações de project finance as garantias são tão importantes que, conforme destaca Fabrizio de Oliveira Sasdelli (2014, p. 365),

uma das maiores preocupações ao se estruturar o Project Finance é criar um arcabouço contratual capaz de outorgar, em favor dos financiadores de tal projeto, garantias válidas e exequíveis sobre as receitas do projeto e, principalmente, com preferência a qualquer credor da sociedade responsável pelo projeto. “.

Para que a mitigação de riscos e as garantias oferecidas no project finance possam ser compreendidas, porém, faz-se, inicialmente, necessário que se conheçam os riscos comumente presentes nesta espécie de financiamento. Bonomi e Malvessi (2004) frisam a importância de as partes conhecerem e dimensionarem os riscos de um projeto, pois é apenas assim que instrumentos de mitigação eficazes poderão ser adotados.

Em suma, pode-se dizer que os riscos mais comuns verificados em operações de project finance são riscos a) de construção, b) de fornecimento, c) de operação ou exploração, d) financeiros50, e) de mercado ou econômico (de demanda e de preço), f) tecnológicos, g) de caso fortuito e força maior, h) legais e políticos (também chamados de país ou soberanos), i) de integração contratual, j) ambientais, k) residual de crédito, l) subjetivos, m) de gestão do projeto e n) de permissão estatal, como a concessão de licenças necessárias.

Devido à própria estrutura do project finance, raramente verifica-se a existência de garantias pessoais como o aval e a fiança. Não obstante, Fabrizio de Oliveira Sasdelli (2014) destaca a existência de duas espécies de fiança verificadas nestas operações: a fiança dos patrocinadores e a fiança bancária

Aplicam-se, ademais, as garantias contratuais em operações de project finance. Estas podem assumir a forma de covenants, definidos por Luiz Ferreira Xavier Borges (1999b, p. 13) como

[…] um compromisso ou promessa em qualquer contrato formal de dívida, reconhecido em lei, protegendo os interesses do credor e estabelecendo que determinados atos não devem ou devem cumprir- se, podendo ser traduzido como compromissos restritivos (restrictive covenants) ou obrigações de proteção (protective covenants). Constitui, portanto, um sistema de garantia indireta, próprio de financiamentos, representado por um conjunto de obrigações contratuais assessórias, positivas ou negativas, objetivando o pagamento da dívida.

Os covenants positivos são obrigações vinculadas à adoção de determinadas práticas de gestão indispensáveis para uma eficiente administração da SPE, enquanto os negativos respeitam certas limitações à atividade de gestão desenvolvida pelos administradores da SPE (BORGES, 1999 b) (9).

Em adição, em se tratando de instrumentos de mitigação de riscos, cabe mencionar os contratos de seguros, celebrados entre a SPE e seguradoras a fim de que o adimplemento dos contratos de financiamento seja garantido.

Eduardo Salomão Neto (2014, p. 343) ensina que tais contratos

[…] podem servir como suporte creditício para os financiadores 53, na medida em que sejam eleitos como sinistros nas apólices a não conclusão do projeto no prazo, sua destruição por acidentes naturais ou mesmo sua incapacidade de gerar receita suficiente para pagamento dos empréstimos, em virtude do descasamento cambial, por exemplo. Nesse caso, ocorrido o sinistro, o contrato de financiamento obriga normalmente a que a indenização respectiva seja usada para pagar principal e juros aos financiadores, ou para reconstruir o projeto. (10)

Conclui-se, portanto, que diversos são os elementos utilizados para garantir as operações de project finance e mitigar seus riscos, tendo sido mencionados apenas alguns dos institutos utilizados. Na prática, quando da definição dos elementos de garantia e mitigação de riscos na operação de project finance que está sendo concretamente analisada, é possível que não apenas os instrumentos aqui citados, mas também outros sejam adotados pelos participantes do projeto.

2.7 ASPECTOS JURÍDICOS BRASILEIROS

No project finance, os aspectos jurídicos são um dos componentes mais importantes, pela complexidade das obrigações previstas, ganhando importância fundamental a análise de cada um dos contratos e das providências legais para sua eficácia. Entretanto, neste trabalho faz-se apenas uma análise superficial comparativa do project finance em seu ambiente internacional e sua adaptação e aplicabilidade ao Brasil.

No sistema jurídico brasileiro é a lei que define, em caso de execução ou falência, a prioridade quanto ao recebimento dos créditos concedidos por diversas fontes, e não a relação contratual específica, como ocorre normalmente nos Estados Unidos ou na Grã-Bretanha. Para operações regidas pela lei brasileira, esse é um aspecto importante a se considerar na repartição de riscos e garantias.

Uma leitura jurídica da concepção do project finance pode ser feita através do direito consuetudinário anglo-saxão (11). Os contratos são bastante complexos e buscam ter sempre uma base na experiência anterior, devendo ser auto-explicáveis sem remissões a códigos ou outros diplomas legais. As relações jurídicas são exclusivamente de Direito Privado, e as obrigações pressupõem a total igualdade entre as partes. A inclusão de conceitos de Direito Público (prevalência do Estado, tão cara a agentes públicos como o BNDES), aos quais estamos tão acostumados nos países latinos, é vista como risco e significará algum tipo de encarecimento para a operação.

Operações de project finance estão mais de acordo com um ambiente que permita livremente o uso da arbitragem (decisões extrajudiciais), instrumento ainda incipiente entre nós, devido à falta de costume em utilizá-lo e à introdução ainda muito recente de nova legislação a respeito. É aconselhável, portanto, um bom estudo prévio dos contratos básicos, pois seu aditamento posterior poderá pôr em xeque um intrincado sistema de compensações entre os participantes, encarecer e até inviabilizar o projeto. Embora flexibilidade seja a palavra-chave para permitir as inevitáveis adaptações do projeto à realidade, ela significa a assunção de riscos calculados e um alto grau de credibilidade entre os participantes.

Considerando legislações como a que norteiam a recuperação judicial e falência a lei 11.101 de 2005, que encamparam a teoria da empresa, primando pela sua preservação, com a recuperação judicial lhe é concedida uma oportunidade de reestruturar seu negócio, revertendo seu estado de crise financeira (12) Neste sentido, a lei de falências apresenta algumas alternativas, sem contudo, limitar as possibilidades, já que seu texto traz a expressão “entre outras”, permitindo, assim, que a empresa em recuperação se utilize do que melhor servir à reversão de seu quadro. As medidas propostas pela lei encontram-se enumeradas em seu artigo 50.

“Art. 50. Constituem meios de recuperação judicial, observada a legislação pertinente a cada caso, dentre outros: I – concessão de prazos e condições especiais para pagamento das obrigações vencidas ou vincendas; II – cisão, incorporação, fusão ou transformação de sociedade, constituição de subsidiária integral, ou cessão de cotas ou ações, respeitados os direitos dos sócios, nos termos da legislação vigente; III – alteração do controle societário; IV– substituição total ou parcial dos administradores do devedor ou modificação de seus órgãos administrativos; V – concessão aos credores de direito de eleição em separado de administradores e de poder de veto em relação às matérias que o plano especificar; VI – aumento de capital social; VII – trespasse ou arrendamento de estabelecimento, inclusive à sociedade constituída pelos próprios empregados; VIII – redução salarial, compensação de horários e redução da jornada, mediante acordo ou convenção coletiva; IX – dação em pagamento ou novação de dívidas do passivo, com ou sem constituição de garantia própria ou de terceiro; X – constituição de sociedade de credores; XI – venda parcial dos bens; XII – equalização de encargos financeiros relativos a débitos de qualquer natureza, tendo como termo inicial a data da distribuição do pedido de recuperação judicial, aplicando-se inclusive aos contratos de crédito rural, sem prejuízo do disposto em legislação específica; XIII – usufruto da empresa; XIV – administração compartilhada; XV – emissão de valores mobiliários; XVI – constituição de sociedade de propósito específico para adjudicar, em pagamento dos créditos, os ativos do devedor. § 1o Na alienação de bem objeto de garantia real, a supressão da garantia ou sua substituição somente serão admitidas mediante aprovação expressa do credor titular da respectiva garantia.

§ 2o Nos créditos em moeda estrangeira, a variação cambial será conservada como parâmetro de indexação da correspondente obrigação e só poderá ser afastada se o credor titular do respectivo crédito aprovar expressamente previsão diversa no plano de recuperação judicial.” (grifo nosso).

Neste sentido, entende-se que a constituição de uma Sociedade de Propósito Específico expressamente indicada no inciso XVI, tem igual aplicação às sociedades de que trata os itens II e X. A Sociedade de Propósito Específico é aquela constituída em torno de um objeto certo e determinado, que uma vez atingido, importará em sua extinção.

Esta situação favorável da nova sociedade permite assim, um curso de vida tranqüilo, voltado, apenas, para a produção de um resultado positivo. Resultado este que se definiria em satisfação das obrigações do empresário, pagando seus credores, e afastando o estado de crise. Quitados todos os débitos, atingiria seu fim, extinguindo-se.

Contudo não raramente temos a interferência do Judiciário neste tipo societário determinado na criação da SPE, cujo criação e investimento e financiamento se dera em razão da garantia conferida tão somente em face de seus investidores, desfiguram o instituto e desconsiderando a personalidade jurídica a ele conferida para obtenção de sucesso nas execuções promovidas muitas vezes pelo simples fato de pertenceram ao mesmo grupo econômico, senão vejamos:

EMENTA – AGRAVO DE INSTRUMENTO – CUMPRIMENTO DE SENTENÇA – PEDIDO PRINCIPAL – CONSTRIÇÃO DE NUMERÁRIO DE SOCIEDADES DE PROPÓSITOS ESPECÍFICOS (SPE’S) – PESSOA JURÍDICA COM PERSONALIDADE DISTINTA – IMPRESCINDIBILIDADE DE DEMONSTRAÇÃO DE ABUSO, PARA FINS DE DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA – AUSÊNCIA DE PROVA DE DESVIO DE FINALIDADE OU CONFUSÃO PATRIMONIAL – PEDIDO PRINCIPAL NÃO ACOLHIDO – PEDIDOS SUBSIDIÁRIOS – PENHORA DO FATURAMENTO DAS SPE’S, NA PARTE QUE TOCA À SÓCIA DEVEDORA – CABÍVEL – PENHORA DAS QUOTAS SOCIETÁRIA PERTENCENTES À SÓCIA DEVEDORA – POSSIBILIDADE – PEDIDOS SUBSIDIÁRIOS ACOLHIDOS – RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO. I. O patrimônio próprio da Sociedade de Propósito Específico somente responde pela dívida individual da sócia controladora quando desconsiderada a personalidade jurídica. II. É lícito ao credor pretender a penhora do lucro de pessoa jurídica que não figura no processo executivo, pelo menos naquilo que cabe ao sócio devedor, nos termos do art. 1.026 do CC/2002 cumulado com art. 655, VII, e 655-A, §3º, do CPC. III. Inexistindo lucro passível de constrição, admite-se a penhora e liquidação das quotas societárias de pessoa jurídica que não figura no processo executivo, no limite do valor integralizado pelo sócio executado, na forma do art. 1.031 do

CC/2002. Agravo de Instrumento – Nº 1402388-90.2014.8.12.0000 – Campo Grande

Nada obstante as SPE’s representem verdadeiro longa manus das instituidoras, certo é que, juridicamente, elas passam a constituir novas pessoas jurídicas, com personalidade jurídica própria, escrituração contábil própria e demais características comuns às empresas limitadas ou Sociedades Anônimas. Se assim o é, o patrimônio próprio da SPE pode vir a responder pela dívida individual da controladora apenas quando desconsiderada a personalidade jurídica.

Sobre este aspecto, mas em sentido inverso, isto é, quando a controladora responde pela inadimplência da SPE, Borba esclarece, in verbis:

“A autonomia patrimonial e jurídica que caracteriza a sociedade apoia-se no conceito de patrimônio separado e na consequente configuração de um interesse jurídico diferenciado, que não é senão o interesse da própria sociedade. A sociedade mantém interesses próprios e inconfundíveis, totalmente distintos dos sócios individualmente, e é sobre essa esfera subjetiva particularizada que se constrói a teoria da personalidade jurídica. A desconsideração ocorre exatamente quando a personalidade jurídica é desvirtuada, deixando de tutelar a sociedade a que corresponde para servir de anteparo à atuação de terceiros, especialmente acionistas controladores. É o abuso da forma, que leva à imputação da responsabilidade àquele que utilizou a sociedade como mero instrumento de seus interesses. A S.P.C. ou S.P.E. corresponde a uma hipótese típica de desconsideração da personalidade jurídica, tanto que essas empresas, quando são constituídas, o são, única e exclusivamente, para desenvolver uma ação ou um projeto de interesse exclusivo de seu controlador. A S.P.E. não tem interesse próprio, não cumpre um objeto social próprio, não se destina a desenvolver uma vida social. Trata-se do que se poderia chamar uma sociedade ancilar, mero instrumento de sua controladora. A rigor, essas sociedades nascem para prestar um serviço a sua controladora, para cumprir uma simples etapa de um projeto, ou até mesmo para desenvolver um projeto da controladora. Normalmente, cumprido esse objeto, o seu destino é a liquidação. Nascem, normalmente, já marcadas para morrer. São nada mais nada menos do que uma sociedade-escrava, sem vida própria, e sem qualquer interesse particular capaz de justificá-la como empresa. Pode-se, todavia, entender que, se a S.P.E. cumpre todas as suas obrigações e não vem causar dano a ninguém, não haveria qualquer contra- indicação jurídica na sua formulação. Verificando-se, porém, a insolvência ou a inadimplência da S.P.E., a desconsideração da personalidade jurídica seria a consequência inevitável, posto que todas as obrigações seriam, por si mesmas, imputáveis à controladora. A S.P.E. pode, portanto, ser considerada uma fórmula adequada para o desenvolvimento autônomo de determinado projeto, mas afigura-se de todo imprestável para reduzir ou excluir as responsabilidades do grupo controlador que a institui.” (BORBA, José Edwaldo Tavares. Direito Societário. 6a ed., Renovar, São Paulo, 2001, p. 493 e 495.)

Tais medidas ao serem adotadas pelo judiciário desestabilizam o mercado financeiro, e principalmente a credibilidade dos Project finances e sua viabilidade de implementação a nível nacional, uma vez que seu principal atrativo esta consubstanciado na possibilidade de investidores analisam, para a concessão do empréstimo, a capacidade financeira e o fluxo de caixa do projeto financiado, sendo que todas as partes envolvidas assumem uma parte dos riscos relativos ao desenvolvimento do projeto em questão.

Ao se permitir que terceiros alheios a estes riscos venham a ter por meio de execuções acesso ao patrimônio da SPE, estaria de forma despudorada desfazendo de toda a análise e risco empreendido pelos investidores no momento de fomentação do negócio, deixando assim que a ideia instituída pela aplicação dos Projects Finances deixe de ser adotada no Brasil, pelo simples fato da insegurança jurídica causada pelo descumprimento de seus preceitos básicos.

CONCLUSÕES

Este trabalho teve dois objetivos básicos: contribuir para um conhecimento maior dos instrumentos (e do vocabulário) utilizados no project finance e fazer alguns comentários críticos sobre sua aplicação no Brasil.

Assim o presente estudo buscou analisar de forma pertinentes os aspectos jurídicos do project finance, modelo de financiamento de projetos cuja implantação no mercado brasileiro iniciou-se quando das privatizações e mudanças de formato da atuação do Estado.

Com a mudança para o setor privado de grande parte dos projetos de desenvolvimento infraestrutura, anteriormente exclusivos de atuação dos entes públicos, o que criou no mercado uma necessidade em buscas de financiamento totalmente inovadoras e alto potencial. Assim com objetivo na solução de questões rotineiras decorrentes do corporate finance, forma até então tradicional de financiamento, como as garantias exigidas pelos financiadores e a vinculação do patrimônio de seus patrocinadores. Este contexto é o responsável por possibilitar que o project finance se originasse, ainda que tardiamente quando comparado a outros países.

Contudo há no mercado brasileiro necessidade de que se compreenda que o instituto não corresponde, tão somente, a um “financiamento de projetos”, mas que, ao contrário, constitui modelo sui generis de financiamento, acompanhado das mais diversas peculiaridades, as quais precisam ser compreendidas te principalmente respeitadas haja vista as particularidades dos riscos a que se envolvem seus investidores.

Project finances pode ser adotada para o desenvolvimento de projetos tanto privados, como públicos, e principalmente em contratos de concessões públicas e parcerias-público privadas. O que decorre diversas peculiaridades, inclusive jurídicas, as quais merecem atenção, como por exemplo a permissão expressa à previsão contratual de step-in rights conferidos aos financiadores e ainda formas de controle pelas golden shares.

Assim pelo estudo aqui apresentado, podemos concluir que a SPE efetivamente corresponde a requisito essencial para o desenvolvimento do project finance, pois e ela que faz a delimitação do patrimônio dos sócios

daquele financiado, o que torna viável que o financiamento seja oferecido em total análise da capacidade financeira e do fluxo de caixa do projeto.

O que é a principal característica das operações de project finance está no compartilhamento dos riscos inerentes ao desenvolvimento do projeto entre todos os participantes da operação de financiamento.

Isto posto admitir a intervenção do judiciário,seja no fluxo de caixa ou até mesmo nas garantias do projeto, a fim de realizar meios expropriatórios de uma execução por exemplo contra incorporadora, e uma forma de desrepeitar a análise e investimentos dos financiadores da sociedade de propósito especifico, e pior desestimular investimentos a nível internacional, pela descaracterização da aplicação do instituto do project finance tão utilizado em outros países.

Assim considero que para que haja verdadeira alavancagem dos projetos de financiamento, essencialmente pela iniciativa privada, e necessário uma reciclagem dos operadores do direito para atinência, conhecimento, e respeito as regras comerciais estabelecidas entres os agentes do project finance, somente assim poderemos ter aplicação máxima desta modalidade de financiamento a nível nacional.

REFERENCIAS

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LEGISLAÇÃO

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  1. Nesse sentido, veja-se BONOMI; MALVESSI, 2004; ENEI, 2007.
  2. Exemplo de Eduardo Salomão Neto (2014).
  3. A expressão “fluxo de caixa” pode ser compreendida através da explicação sintética de Licínio Lopes Martins e Filipa Oliveira (2014, p. 109): “por cash flowsentende-se a quantidade de dinheiro que durante determinado período de tempo são pagos e recebidos”.
  4. Conforme destacado por autores como Cláudio Bonomi e Oscar Malvessi (2004), Licínio Lopes Martins e Felipa Oliva (2014) e Eduardo Salomão Neto (2014).
  5. Neste sentido, veja-se, exemplificativamente, Enei (2007).
  6. A duração limitada da vida da SPE pela vida do projeto mencionada pela autora é também referenciada por Antonio Jesús Sánchez Rodríguez (2014, p. 197). O autor ensina que “[…] la SPE titular de dicho proyecto también tendrá una vida similar al proyecto, puesto que se encuentra superditada al desarrollo del mismo y se define por este, mientras que uma sociedad mercantil tradicional no cuenta con esta limitación temporal de su existencia
  7. Art. 17. […] § 7º Nas companhias objeto de desestatização poderá ser criada ação preferencial de classe especial, de propriedade exclusiva do ente desestatizante, à qual o estatuto social poderá conferir os poderes que especificar, inclusive o poder de veto às deliberações da assembléia-geral nas matérias que especificar.(Incluído pela Lei nº 10.303, de 2001).Art. 18. O estatuto pode assegurar a uma ou mais classes de ações preferenciais o direito de eleger, em votação em separado, um ou mais membros dos órgãos de administração. Parágrafo único. O estatuto pode subordinar as alterações estatutárias que especificar à aprovação, em assembléia especial, dos titulares de uma ou mais classes de ações preferenciais.
  8. Determina o dispositivo legal: 116. Entende-se por acionista controlador a pessoa, natural ou jurídica, ou o grupo de pessoas vinculadas por acordo de voto, ou sob controle comum, que:a) é titular de direitos de sócio que lhe assegurem, de modo permanente, a maioria dos votos nas deliberações da assembléia-geral e o poder de eleger a maioria dos administradores da companhia; e b) usa efetivamente seu poder para dirigir as atividades sociais e orientar o funcionamento dos órgãos da companhia. Parágrafo único. O acionista controlador deve usar o poder com o fim de fazer a companhia realizar o seu objeto e cumprir sua função social, e tem deveres e responsabilidades para com os demais acionistas da empresa, os que nela trabalham e para com a comunidade em que atua, cujos direitos e interesses deve lealmente respeitar e atender. 43 No que respeita a existência de golden shares em operações de project finance no âmbito de concessões públicas e parcerias público-privadas, é importante observar, em adição, que o Poder Público também sofre restrições à sua titularidade, pois legalmente vedado o exercício pelo poder concedente do controle da SPE, conforme determina o art. 9º, §4º, da Lei 11.079/2004, o qual determina: “art. 9º Antes da celebração do contrato, deverá ser constituída sociedade de propósito específico, incumbida de implantar e gerir o objeto da parceria. §1º A transferência do controle da sociedade de propósito específico estará condicionada à autorização expressa da Administração Pública, nos termos do edital e do contrato, observado o disposto no parágrafo único do art. 27 da Lei no 8.987, de 13 de fevereiro de 1995. §2º A sociedade de propósito específico poderá assumir a forma de companhia aberta, com valores mobiliários admitidos a negociação no mercado. §3º A sociedade de propósito específico deverá obedecer a padrões de governança corporativa e adotar contabilidade e demonstrações financeiras padronizadas, conforme regulamento. §4º Fica vedado à Administração Pública ser titular da maioria do capital votante das sociedades de que trata este Capítulo” (MOREIRA, GUIMARÃES, 2015). Moreira e Guimarães (2015) destacam que referida disposição legal objetiva impedir a criação de sociedades de propósito específico com características próprias de sociedades de economia mista, pois pode o Poder Público participar do polo privado de PPPs, desde que não detenham a maioria do capital social votante da SPE, isto é, seu controle.
  9. Borges (1999b) ensina, ainda, que os covenants assumem a forma de obrigações de fazer ou de não fazer que comumente visam à atender três principais preocupações: limitação do grau de endividamento da empresa, limitação ou impedimento para contrair novas obrigações e manutenção de capital de giro mínimo.
  10. Observe-se que Eduardo Salomão Neto (2014) entende que tais promessas constituem suporte creditício destinado à mitigação de riscos e não propriamente garantias ao financiamento. O autor trata como garantias apenas as garantias tradicionais – reais e pessoais. Neste ponto, faz-se necessária observação. Eduardo Salomão Neto (2014, p. 369) trata de modo separado as garantias tradicionais – por ele denominadas “garantias” – das outras formas utilizadas pela SPE para estimular a concessão de financiamentos, as quais chama de “suporte creditício”. Não obstante, tal suporte creditício compreende hipóteses de mitigação de riscos inaceitáveis e, consequentemente, instrumentos de garantias, como é o caso dos contratos de seguro. Outros autores, como Luis Ferreira Xavier Borges e Viviana Cardoso de Sá Faria (2002, p. 260) entendem os contratos de seguro como verdadeiras garantias em forma de “contrato acessório que visa a assegurar a plena satisfação do objeto contratual” principal, como o pagamento integral do crédito dos financiadores ou a conclusão do projeto. Os autores ensinam que os seguros não apenas mitigam riscos, como também constituem forma de financiamento .
  11. Direito consuetudinário[1]é o direito que surge dos costumes de uma certa sociedade, não passando por um processo formal de criação de leis, onde um poder legislativo cria leis, emendas constitucionais, medidas provisórias etc. No direito consuetudinário, as leis não precisam necessariamente estar num papel ou serem sancionadas ou promulgadas. Os costumes transformam-se nas leis. Kinsella, Stephan (2013). Legislação e direito em uma sociedade livre.<http://www.mises.org.br/Article.aspx?id=1570>.Acessado em 16 de Setembro de 2017
  12. “A recuperação judicial conforme o art. 47 da nova Lei, ‘tem por objetivo viabilizar a superação da situação de crise econômica e financeira do devedor, a fim de permitir a manutenção da fonte produtora, do emprego dos trabalhadores e o dos interesses dos credores, promovendo, assim a preservação da empresa, sua função social e o estímulo à atividade econômica.’ Caracteriza-se o estado de crise econômica e financeira, que enseja o pleito da recuperação judicial com a ocorrência: a) de dificuldades temporárias dos negócios; b) de iliquidez; c) de insolvência; d) de fato revelador de que a situação patrimonial está a reclamar uma readequação planejada das atividades empresariais. Demonstrando esta conjuntura difícil e a viabilidade de restaurar a normalidade, pode o empresário ou sociedade empresária pleitear a recuperação judicial, com vista à apresentação de um plano que pode envolver um dos meios previstos nos dezesseis itens do art. 50 da nova Lei […].” (PACHECO, 2009, pag 12)

[1] Mestranda pela Universidade Fumec, pós graduação em direito civil, processo civil e direito do trabalho, graduação em direito.

Enviado: Abril, 2019.

Aprovado: Junho, 2019.

 

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Regiane Priscilla Monteiro Gonçalves

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