REVISTACIENTIFICAMULTIDISCIPLINARNUCLEODOCONHECIMENTO

Revista Científica Multidisciplinar

Pesquisar nos:
Filter by Categorias
Administração
Administração Naval
Agronomia
Arquitetura
Arte
Biologia
Ciência da Computação
Ciência da Religião
Ciências Aeronáuticas
Ciências Sociais
Comunicação
Contabilidade
Educação
Educação Física
Engenharia Agrícola
Engenharia Ambiental
Engenharia Civil
Engenharia da Computação
Engenharia de Produção
Engenharia Elétrica
Engenharia Mecânica
Engenharia Química
Ética
Filosofia
Física
Gastronomia
Geografia
História
Lei
Letras
Literatura
Marketing
Matemática
Meio Ambiente
Meteorologia
Nutrição
Odontologia
Pedagogia
Psicologia
Química
Saúde
Sem categoria
Sociologia
Tecnologia
Teologia
Turismo
Veterinária
Zootecnia
Pesquisar por:
Selecionar todos
Autores
Palavras-Chave
Comentários
Anexos / Arquivos

Duração razoável do processo tributário

RC: 146534
255
5/5 - (8 votes)
DOI: 10.32749/nucleodoconhecimento.com.br/lei/processo-tributario

CONTEÚDO

ARTIGO ORIGINAL

BLATT, Daniel Soriano [1]

BLATT, Daniel Soriano. Duração razoável do processo tributário. Revista Científica Multidisciplinar Núcleo do Conhecimento. Ano. 08, Ed. 07, Vol. 02, pp. 42-58. Julho de 2023. ISSN: 2448-0959, Link de acesso: https://www.nucleodoconhecimento.com.br/lei/processo-tributario, DOI: 10.32749/nucleodoconhecimento.com.br/lei/processo-tributario

RESUMO

O presente artigo tem por objetivo enxergar o papel do princípio da duração razoável do processo no âmbito constitucional e processual tributário, bem como sua interligação com a seara dos Direitos Humanos. O princípio da duração razoável do processo possui fundamento em diversos diplomas legais, dentre eles a Declaração Universal dos Direitos Humanos e a Convenção Americana de Direitos Humanos. Realizou-se a comparação com outros ordenamentos jurídicos, como o italiano e o espanhol, onde foi possível constatar que referido princípio faz parte de seus respectivos textos constitucionais. No Brasil, o princípio da duração razoável do processo encontra respaldo na Constituição Federal, bem como na legislação infraconstitucional. Por fim, foi possível verificar que, apesar dos avanços, as normas existentes combatem a morosidade do Fisco, mas não a inércia do Poder Judiciário, acarretando constantes violações a este princípio tão fundamental na seara tributária e no mundo do Direito como um todo.

Palavras-chave: Direitos Humanos, Direito Tributário, Duração Razoável do Processo, Princípio Pro-Persona, Segurança Jurídica.

1. INTRODUÇÃO

A tutela dos Direitos Humanos sempre foi ponto central no ordenamento jurídico pátrio. Motivadamente, a Constituição Federal de 1988 (CF/88) inseriu, em seu texto, uma série de direitos inerentes à condição humana, reconhecendo a importância da defesa e da luta por tais direitos, transformando-os em direitos fundamentais e verdadeiras cláusulas pétreas, sempre visando o seu devido respeito e efetivo cumprimento no mundo fático. Sendo a norma jurídica de maior importância, e a base de sustentação e fundamentação do sistema jurídico brasileiro, a CF/88 positivou os Direitos Humanos com diversos objetivos, dentre eles o de se criar um respaldo, uma justificação, um alicerce de legitimação jurídica, para que sejam verdadeiramente aplicados e cumpridos nas mais diversas relações interpessoais na sociedade brasileira, ainda que de forma coercitiva.

No cenário internacional, a Declaração Universal dos Direitos Humanos (DUDH), adotada pela Organização das Nações Unidas (ONU), objetivou, na conjuntura pós-guerra, estabelecer uma série de princípios e direitos que deveriam ser garantidos a todos, pouco importando a origem ou o local onde vive cada ser humano. Com isso, formou-se um mínimo denominador comum, referente à temática dos Direitos Humanos, que deveria ser respeitado sob quaisquer condições, sendo completamente intolerável qualquer tipo de violação aos mínimos existenciais elencados por este documento.

Neste contexto, a Lei Maior brasileira garantiu aos seus cidadãos numerosos direitos inerentes ao homem. Dentre os direitos fundamentais garantidos aos cidadãos pela CF/88, salta aos olhos a existência do princípio da duração razoável do processo, princípio este que está diretamente relacionado tanto ao princípio da segurança jurídica como, também, ao princípio do devido processo legal, e que projeta assegurar aos jurisdicionados, dentre outros aspectos de extrema importância, uma real previsibilidade acerca da duração processual, do litígio entre partes, evitando meros arbítrios, prolongamentos desnecessários e desarrazoados de lides, sejam de natureza judicial ou administrativa e, juntamente, com isso, evitando a instauração de um cenário caótico, de uma completa insegurança jurídica, o que ameaçaria, por completo, a integridade do ordenamento jurídico brasileiro.

No panorama de defesa dos Direitos Humanos, possui relevantíssimo papel o Sistema Interamericano de Direitos Humanos que, por meio da Convenção Americana sobre Direitos Humanos (CADH), assinada em San José, Costa Rica, em 22 de novembro de 1969, elevou a um patamar internacional os mais básicos direitos inerentes à condição humana, dentre eles o princípio da duração razoável do processo. Com isto, a CADH estabeleceu estandartes, isto é, patamares mínimos a serem respeitados por todos que estão submissos aos seus comandos, que possuem como objetivo certificar que estes direitos básicos sejam respeitados no âmbito regional, realizando um controle de convencionalidade para que sejam protegidos na esfera interna de cada Estado.

Sempre voltada ao princípio pro-persona, a CADH, em alguns de seus artigos, aborda, de forma explícita e clara, a necessidade de que os jurisdicionados estejam submissos a um processo com uma duração razoável, sem arbítrios e sem demoras desarrazoadas, demonstrando a importância de tal princípio; e como este o direito fundamental faz parte da seara dos Direitos Humanos. Juntamente, com isso, elenca, dentre os direitos e obrigações ligados à duração razoável do processo, os direitos e obrigações de natureza fiscal, ou seja, aqueles que estão dentro do campo tributário.

O presente artigo, por sua vez, tem como objetivo investigar de que forma os organismos internacionais, o Sistema Interamericano de Direitos Humanos, a CF/88 e a legislação infraconstitucional têm atuado na tutela da duração razoável do processo e, de forma mais específica, na busca por assegurar uma duração razoável ao processo tributário, seja plano judicial ou no campo administrativo. O estudo verifica, também, de que forma o princípio da duração razoável do processo tem sido aplicado no âmbito processual tributário do Brasil por meio de sua legislação.

Também, como objetivo, busca identificar os problemas existentes no ordenamento jurídico brasileiro, no que diz respeito ao princípio da duração razoável do processo no campo tributário como um todo; suas lacunas e quais possíveis melhorias poderiam vir a existir para possibilitar uma mais efetiva tutela deste direito fundamental, sempre em busca de uma verdadeira garantia ao contribuinte de que o seu direito, de ser parte em um processo com a duração adequada, seja judicial ou extrajudicial, seja efetivamente respeitado.

2. METODOLOGIA

Como metodologia para a realização do presente estudo, foi utilizado o método científico dedutivo. Primeiramente, foi abordado o conceito do princípio da duração razoável do processo e suas relações diretas com 2 (dois) outros princípios de grande importância: o princípio da segurança jurídica e o princípio do devido processo legal. Ter uma clareza dos conceitos e o que diz a doutrina a respeito destes princípios foi o ponto de partida, a base para todo o estudo posterior.

Em seguida, partindo das premissas destes conceitos, foi verificado de que forma documentos de abrangência internacional e de outros ordenamentos tratam o princípio da duração razoável do processo. Foi dado destaque à DUDH da ONU, à CADH, e às Constituições de outros ordenamentos jurídicos, como o italiano, o espanhol e à legislação infraconstitucional.

Com isso, foi possível identificar falhas e lacunas no processo de migração do plano teórico legislativo para o plano fático, tirar conclusões e permitir que sejam realizadas sugestões de melhorias para uma maior e mais efetiva aplicação do princípio da duração razoável do processo tributário, a fim de que tutele, de maneira mais eficiente, este direito fundamental tão precioso ao ordenamento jurídico pátrio.

3. O PRINCÍPIO DA DURAÇÃO RAZOÁVEL DO PROCESSO

É cediço que o princípio da duração razoável do processo passa a se destacar com a necessidade cada vez mais crescente de se assegurar uma maior efetividade da tutela jurisdicional dos direitos e do processo em si. Conforme leciona Dinamarco (2013, n.p.), “a passagem do tempo faz com que certos direitos sejam corroídos, motivo pelo qual a tramitação processual célere passa a ser demasiadamente importante”.

Ou seja, para evitar que os direitos se pereçam com o tempo, e para que a tutela jurisdicional não se torne algo ineficaz, torna-se condição sine qua non a duração razoável do processo como um todo, desde o seu início até o seu final, com o efetivo cumprimento da decisão oriunda do processo, seja ele administrativo ou judicial.

Conforme já mencionado anteriormente, existe uma ligação intrínseca entre o princípio da duração razoável do processo, o princípio da segurança jurídica e o princípio do devido processo legal. Trata-se de princípios valorados ao extremo no ordenamento jurídico brasileiro. Sobre esta relação tão relevante, ensina Carrazza (2023, p. 404-405), verdadeira referência sobre estes temas:

Trata-se, como é fácil perceber, de mais uma manifestação do princípio da segurança jurídica, que não se compadece com a tramitação desmesurada dos processos. Não negamos que os processos devem observar um tempo mínimo de maturação, idôneo a assegurar a adequada colheita das provas, a oitiva de testemunhas, a realização das necessárias perícias, a manifestação das partes litigantes, a análise percuciente pelo julgador das questões de fato e de direito, e assim avante. Todavia, uma vez assegurada a efetividade da tutela administrativa ou judicial, qualquer procrastinação será juridicamente patológica […].

Interessante notar o termo empregado pelo autor. Carrazza (2023) considera uma verdadeira “patologia jurídica” a procrastinação do litígio. Entretanto, isto não quer dizer que o processo deva pular etapas, que não deva observar a maturação necessária, e que não vá percorrer todos os passos necessários para que seja dada a resposta adequada à lide em questão.

Assim, evidente a relação existente entre o princípio da duração razoável do processo, o princípio da segurança jurídica e o princípio do devido processo legal. Evitar “protelações além da conta” (CARRAZZA, 2023, p. 404) permite que se assegure uma confiança no sistema jurídico, que haja uma previsibilidade das fases a serem percorridas, e não se perca a confiança na resposta efetiva e adequada a ser dada pela jurisdição.

Feitas estas considerações, é primordial que se estabeleça qual seria, na prática, a duração do processo que se considere como sendo admissível. Do contrário, abre-se margem para uma absoluta subjetividade. Como, então, mensurar o que se considera razoável e o que seria desarrazoado? Existiria algum parâmetro para servir como ponto de partida, tratando a duração aceitável do processo como algo mais objetivo e menos subjetivo? Ou seria a razoabilidade algo completamente subjetivo?

Mais uma vez, Carrazza (2023, p. 405) mensura a duração razoável do processo de maneira bastante precisa, solucionando este imbróglio com uma resposta um tanto quanto simples:

Xa – Mas, afinal, que vem a ser razoável duração do processo? Numa primeira aproximação, razoável duração do processo é aquela estipulada na lei. A ultrapassagem do prazo legal, salvo justificativa plausível, implica, em linha de princípio, dilação irrazoável do processo.

Dessa forma, passa-se de uma subjetividade para uma maior objetividade. Qual é a duração razoável? Aquela prevista na lei. Com isso, deveria, em teoria, deixar de existir margem para discussão no campo prático sobre o que seria considerada uma duração razoável. Aplica-se a lei. Em consequência disso, transfere-se ao legislador a tarefa de refletir e elaborar uma lei que atenda aos anseios da sociedade e, ao mesmo tempo, permita que o processo percorra as devidas fases de maturação, respeitando o princípio do devido processo legal e o princípio da ampla defesa.

Não fosse suficiente, Carrazza (2023) leciona que somente seria aceitável qualquer ultrapassagem ao prazo legal na hipótese de uma justificativa que seja aceitável. Não se adentrará, aqui, sobre quais justificativas são consideradas possíveis ou não, vez que não é o objetivo deste artigo. Contudo, qualquer outra hipótese, que não seja a de uma justificativa plausível, ocasionará uma dilação irrazoável do processo e violações frontais ao princípio da duração razoável do processo, ao princípio da segurança jurídica e ao princípio do devido processo legal.

4. DIREITO FUNDAMENTAL NO ÂMBITO INTERNACIONAL

Feitas as considerações sobre o princípio da duração razoável do processo, e suas relações com os demais preceitos retromencionados, passa-se a analisar os alicerces do princípio da duração razoável do processo no espectro internacional, suas influências exercidas no ordenamento jurídico brasileiro, além de sua inserção em outros ordenamentos jurídicos, como no italiano e no espanhol.

Percebe-se, com isso, que o desprezo, o desconhecimento e o alijamento dos Direitos Humanos podem levar à barbárie, como ocorrido pouco antes da proclamação deste importante documento. A violação dos Direitos Humanos teve como uma das consequências, durante a 2ª Guerra Mundial, o genocídio sistemático do povo judeu e de outras minorias.

Dessa forma, a DUDH surge em um movimento contrário, de defesa e que buscou assegurar uma série de direitos ao ser humano, pouco importando o contexto em que vivesse. Dentre os diversos direitos assegurados, se faz presente, de forma implícita, o da celeridade processual, o da duração razoável do processo. Assevera referido documento:

Art. 2° – Todos os seres humanos podem invocar os direitos e as liberdades proclamados na presente Declaração, sem distinção alguma, […].

Art. 7° – Todos são iguais perante a lei e, sem distinção, têm direito a igual proteção da lei. Todos têm direito a proteção igual contra qualquer discriminação que viole a presente Declaração e contra qualquer incitamento a tal discriminação. […].

Art. 8° – Toda a pessoa tem direito a recurso efetivo para as jurisdições nacionais competentes contra os atos que violem os direitos fundamentais reconhecidos pela Constituição ou pela lei.

Art. 10 – Toda a pessoa tem direito, em plena igualdade, a que a sua causa seja equitativa e publicamente julgada por um tribunal independente e imparcial que decida dos seus direitos e obrigações ou das razões de qualquer acusação em matéria penal que contra ela seja deduzida.

Art. 11 – Toda a pessoa acusada de um ato delituoso presume-se inocente até que a sua culpabilidade fique legalmente provada no decurso de um processo público em que todas as garantias necessárias de defesa lhe sejam asseguradas (DUDH, 1948).

Desse modo, evidencia-se como o princípio da duração razoável do processo encontra-se presente de forma implícita neste documento de tamanha importância e influência na esfera global, impulsionando outros diplomas legais, sejam de âmbito regional ou interno de cada Estado, a reforçarem e destrincharem este princípio, sempre com o objetivo de se buscar um efetivo cumprimento do quanto disposto.

Com isto, tem-se que o Sistema Interamericano de Proteção aos Direitos Humanos, por meio da CADH, aborda a duração razoável do processo de forma mais explícita do que a DUDH, chegando, até mesmo, a demonstrar a importância de serem tutelados os direitos fiscais e a duração razoável do processo tributário, objeto do presente estudo.

Estabelece a CADH:

Art. 7º. Direito à liberdade pessoal […]. 5. Toda pessoa detida ou retida deve ser conduzida, sem demora, à presença de um juiz ou outra autoridade autorizada pela lei a exercer funções judiciais e tem direito a ser julgada dentro de um prazo razoável ou a ser posta em liberdade, sem prejuízo de que prossiga o processo […]. 6. Toda pessoa privada de liberdade tem direito a recorrer a um juiz ou tribunal competente, a fim de que este decida, sem demora, sobre a legalidade de sua prisão ou detenção e ordene sua soltura se a prisão ou a detenção forem ilegais (BRASIL, 1992).

Observe-se 2 (duas) palavras que chamam a atenção no art. 7º do referido Diploma Legal: “sem demora”. Não obstante, esta expressão aparece escrita 2 (duas) vezes, demonstrando, cristalinamente, a relevância da celeridade processual e de se obter uma decisão judicial dentro de um prazo razoável.

E prossegue o art. 8º da mesma Norma Jurídica:

Art 8º. Garantias judiciais 1. Toda pessoa tem direito a ser ouvida, com as devidas garantias e dentro de um prazo razoável, por um juiz ou tribunal competente, independente e imparcial, estabelecido anteriormente por lei, na apuração de qualquer acusação penal formulada contra ela, ou para que se determinem seus direitos ou obrigações de natureza civil, trabalhista, fiscal ou de qualquer outra natureza (BRASIL, 1992).

Aqui, optou-se por dizer claramente que é necessária a existência de um “prazo razoável” para se determinarem os direitos fiscais de cada pessoa na seara processual. Há, assim, algo magnífico: a junção de 2 (duas) ideias, uma de ordem processual (duração razoável do processo) e outra de ordem material (o direito material tributário), alavancadas ao plano de direitos humanos, básicos, necessários para a existência digna do ser humano.

Dissertando sobre esta temática, Piovesan (2019, p. 230), ex-Vice-Presidente da Comissão Interamericana de Direitos humanos, assevera:

O art. 25.1 da Convenção Americana sobre Direitos Humanos, de 1969, determina que os Estados-membros devem oferecer a todas as pessoas sob sua jurisdição um recurso judicial simples, rápido e efetivo contra atos violadores de seus direitos. Segundo a Corte Interamericana, este dispositivo deve ser interpretado à luz das regras do devido processo (previstas no art. 8º), tudo isso dentro da obrigação geral dos Estados de garantir o livre e pleno exercício dos direitos reconhecidos na Convenção, prevista no art. 1º do mesmo instrumento. […] Uma leitura sistemática da Convenção Americana, à luz da jurisprudência da Corte Interamericana, demonstra que o art. 25 consagra, em conjunto com o art. 8º, o direito de acesso à justiça e, especificamente, o dever do Estado de garantir acesso à administração da justiça para a tutela de direitos humanos.

Note-se que Piovesan (2019) escreve que as respostas dos Estados-membros devem ser rápidas e efetivas, agindo contra atos violadores aos direitos humanos.

Vez que ambas as legislações foram assinadas e ratificadas pelo Brasil, foram efetivamente incorporadas ao ordenamento jurídico brasileiro, devendo ser cumpridas internamente, ainda que a sua origem seja exterior às fronteiras brasileiras.

A título de comparação, aponta-se aqui, também, 2 (dois) exemplos de ordenamentos jurídicos europeus, nos quais se faz presente o princípio da duração razoável do processo, positivado nos respectivos textos constitucionais, como na Constituição italiana:

Titolo IV – La Magistratura – Sezione I – Ordinamento giurisdizionale: Articolo 111 – La giurisdizione si attua mediante il giusto processo regolato dalla legge. Ogni processo si svolge nel contraddittorio tra le parti, in condizioni di parità, davanti a giudice terzo e imparziale. La legge ne assicura la ragionevole durata (COSTITUZIONE ITALIANA)[2].

Ipsis litteris, a Constituição italiana, em seu texto, é direta ao asseverar que a lei assegura a duração razoável do processo. Para os italianos, trata-se de um princípio básico, que caminha ao lado do princípio do contraditório e do princípio da imparcialidade do julgador.

No mesmo toar, a Constituição espanhola aponta:

Artículo 24. […] 2. Asimismo, todos tienen derecho al Juez ordinario predeterminado por la ley, a la defensa y a la asistencia de letrado, a ser informados de la acusación formulada contra ellos, a un proceso público sin dilaciones indebidas y con todas las garantías, a utilizar los medios de prueba pertinentes para su defensa, a no declarar contra sí mismos, a no confesarse culpables y a la presunción de inocencia (CONSTITUICIÓN ESPAÑOLA)[3].

O legislador espanhol, ao positivar o valor da ampla defesa, a regra da presunção de inocência, e demais garantias, optou por escrever conjuntamente sobre o direito a um processo público sem dilações indevidas.

Importante mencionar que, ao longo do presente estudo, não se encontrou algum julgado da Corte Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) que tutelasse, de maneira direta, a duração razoável do processo tributário. Todavia, isto não se deve ao fato de não ser um direito assegurado pelo Sistema Interamericano de Direitos Humanos, mas, sim, pelo motivo de que os Estados subordinados a este sistema cometem violações sistemáticas aos Direitos Humanos, tendo que se priorizar outras violações para serem julgadas.

5. A CONSTITUCIONALIZAÇÃO DA DURAÇÃO RAZOÁVEL DO PROCESSO NO BRASIL

A Emenda Constitucional nº 45, de 30 de dezembro de 2004, expandiu o âmbito dos direitos fundamentais presentes na CF/88, demonstrando a importância de se assegurar uma duração razoável ao processo, e tudo o que for necessário para garantir que o processo tramite de forma célere:

Art. 5º. Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:

[…]

LXXVIII – a todos, no âmbito judicial e administrativo, são assegurados a razoável duração do processo e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação (BRASIL, 2004).

A este respeito, Carrazza (2023, p. 404) escreve que referida Emenda Constitucional “conferiu aos jurisdicionados lato sensu o direito de obter uma decisão em prazo razoável, ou seja, sem protelações além da conta”.

Perceba-se como o legislador foi minucioso ao estabelecer que a duração razoável do processo e sua celeridade na tramitação devem permear tanto a esfera contenciosa judicial, como, também, o campo administrativo.

Houve, assim, a cautela do Poder Constituinte derivado de detalhar que referido princípio não se restringe apenas ao mundo do contencioso judicial, mas, sim, deve se fazer presente, também, no terreno administrativo. Com isso, refuta-se qualquer inércia ou demora desarrazoada do processo, pouco importando onde ocorra esta demora.

Trata-se de uma patologia que, se não for combatida da maneira adequada e eficiente, pode arruinar a confiança do cidadão no sistema jurídico brasileiro como um todo, uma vez que não teria a garantia de que seus direitos poderiam ser, efetivamente, resguardados pelo ordenamento jurídico.

Mesmo assim, apesar de diversos avanços, a realidade demonstra que, na prática, tal princípio continua sendo constantemente violado, principalmente no campo do Direito Processual Tributário. Referidas violações práticas nos litígios tributários judiciais são objeto de um capítulo posterior deste artigo científico.

6. LEGISLAÇÃO INFRACONSTITUCIONAL NA SEARA DO DIREITO TRIBUTÁRIO

Seguindo o comando constitucional, coube ao legislador infraconstitucional adotar as medidas necessárias para que o princípio da duração razoável do processo se concretizasse nas esferas processuais. Apesar de se tratar de cláusula pétrea, e ser um princípio norteador do ordenamento jurídico, foi demonstrado, anteriormente, o ensinamento de Carrazza (2023), de que a lei deve estabelecer qual seria esta duração razoável.

Isto é, trata-se de um direito que precisa ser viabilizado por meio de providências legislativas, estabelecendo o que é razoável, o que é desarrazoado, em quais hipóteses é permitido ultrapassar os limites legais, e o que deverá acontecer na eventualidade de este princípio ser desrespeitado. A ausência de adoção destas medidas pode, simplesmente, esvaziar este princípio.

Prima facie, é de se destacar o que afirma o Códex Processual Civil (CPC) sobre a duração razoável do processo: “Art. 4º As partes têm o direito de obter em prazo razoável a solução integral do mérito, incluída a atividade satisfativa” (BRASIL, 2015).

Além de reforçar a ordem da CF/88, o art. 4º do CPC anuncia que a duração razoável do processo não se restringe a uma etapa ou outra, mas, sim, de se obter a solução integral do mérito, incluindo a própria atividade satisfativa. O processo judicial, por si só, é um meio e não um fim. O objetivo da lide é o de se obter a solução do mérito e de se ter a atividade satisfeita. Do contrário, o processo judicial é inútil. Assim, o direito à duração razoável do processo não se restringe ao meio por si só, a uma etapa ou outra da lide, mas atinge até a verdadeira solução e a satisfação por completo da demanda ali existente.

Caminhando no mesmo sentido, e fruto de influência do mandamento constitucional, a Lei nº 11.051/2004 inseriu o § 4º no art. 40 da Lei nº 6.830/80, assegurando, ao menos na teoria, uma duração mais razoável às execuções fiscais.

Ou seja, com esta inserção, possibilitou-se a constatação e decretação da prescrição intercorrente, evitando, em diversos casos, uma imprescritibilidade da Execução Fiscal. Prudente, com isso, verificar, in verbis, o que passou a ditar referido artigo:

Art. 40. O Juiz suspenderá o curso da execução, enquanto não for localizado o devedor ou encontrados bens sobre os quais possa recair a penhora, e, nesses casos, não correrá o prazo de prescrição.

[…]

§4º Se da decisão que ordenar o arquivamento tiver decorrido o prazo prescricional, o juiz, depois de ouvida a Fazenda Pública, poderá, de ofício, reconhecer a prescrição intercorrente e decretá-la de imediato (BRASIL, 2004).

Tem-se, com isso, a consagração de um verdadeiro avanço na busca por um processo judicial com duração razoável, mas com diversas lacunas, que serão abordadas posteriormente. Nas palavras Costa (2023, p. 120), a prescrição e a decadência são expressões da segurança jurídica, já que são “fundadas na ideia de que a inércia no exercício de um direito, pelo prazo legalmente assinalado, conduz ao seu perecimento”.

No mesmo toar, define o Código Tributário Nacional (CTN):

Art. 174. A ação para a cobrança do crédito tributário prescreve em cinco anos, contados da data da sua constituição definitiva.

Parágrafo único. A prescrição se interrompe:

I – pelo despacho do juiz que ordenar a citação em execução fiscal;

II – pelo protesto judicial;

III – por qualquer ato judicial que constitua em mora o devedor;

IV – por qualquer ato inequívoco ainda que extrajudicial, que importe em reconhecimento do débito pelo devedor (BRASIL, 1966).

E, de forma semelhante, no campo administrativo, o art. 24 da Lei nº 11.457/2007 definiu o prazo de duração do processo administrativo no âmbito federal: “Art. 24. É obrigatório que seja proferida decisão administrativa no prazo máximo de 360 (trezentos e sessenta) dias a contar do protocolo de petições, defesas ou recursos administrativos do contribuinte” (BRASIL, 2007).

Com isso, não se deixa o contribuinte simplesmente “a ver navios”. Ele sabe que, uma vez protocolada determinada petição ou recurso, o administrador terá o prazo máximo de 360 dias para apreciar o quanto peticionado. Cria-se, então, uma confiança do contribuinte no sistema, não se sentindo largado, abandonado pela seara administrativa, e sabe que terá a sua demanda apreciada dentro do prazo estabelecido pela legislação infraconstitucional.

7. CONCLUSÃO

Para concluir, faz-se necessária as palavras de Carrazza (2023, p. 405), que sintetiza que a ausência de efetividade das medidas judiciais, já adotadas para o cumprimento do princípio da duração razoável do processo, se deve em decorrência da inexistência de sanções nos casos de violação à norma constitucional:

Embora a inovação seja altamente louvável, somos um pouco céticos em relação à sua efetividade na esfera judicial, dada a inexistência de sanção (salvo a sempre improvável decretação de inconstitucionalidade por omissão, no caso de ausência de norma legal regulamentadora deste direito) para o descumprimento da regra constitucional. De qualquer modo, cria um estímulo à celeridade da tramitação dos processos – fiscalizável, em última análise, pelo Conselho Nacional de Justiça (art. 92, I-A, da CF).

Ou seja, a ausência de sanção, em decorrência das violações a este princípio, é um dos grandes motivos pelo qual referido o princípio continua a ser violado. Possivelmente, se houvesse uma previsão mais explícita e direta de sanções, a realidade seria outra. Não basta dizer, comandar, para que o processo tenha uma duração razoável, para que não demore sem justificativas. Infelizmente, faz-se necessária a previsão de penalidades para as hipóteses de violação ao comando constitucional e infraconstitucional.

Somente com a instituição de sanções para o descumprimento do princípio da duração razoável do processo, e com um maior empenho do Poder Judiciário, é que se notará mudanças mais acentuadas na duração do litígio, garantindo, ao contribuinte, a aplicação do princípio da duração razoável do processo.

Do contrário, pouco efetivo será, vez que o comando, por si só, sem a previsão de sanções para as hipóteses de violações, simplesmente faz com que se perpetuem os descumprimentos a este princípio tão consagrado, frustrando a confiança do contribuinte no ordenamento jurídico.

Muito se avançou em matéria legislativa, seja no âmbito internacional ou no campo nacional. As garantias existem e precisam ser cumpridas. Carece, contudo, da existência de um mecanismo capaz de transferir a defesa efetiva do direito fundamental à duração razoável do processo do campo teórico legislativo para o plano fático realista. É este instrumento a verdadeira lacuna do princípio da duração razoável do processo.

REFERÊNCIAS

BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm Acesso em: 30 jun. 2023.

______. Decreto no 678, de 6 de novembro de 1992. Promulga a Convenção Americana sobre Direitos Humanos (Pacto de São José da Costa Rica), de 22 de novembro de 1969. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/d0678.htm Acesso em: 30 jun. 2023.

______. Emenda Constitucional nº 45, de 30 de dezembro de 2004. Altera dispositivos dos arts. 5º, 36, 52, 92, 93, 95, 98, 99, 102, 103, 104, 105, 107, 109, 111, 112, 114, 115, 125, 126, 127, 128, 129, 134 e 168 da Constituição Federal, e acrescenta os arts. 103-A, 103B, 111-A e 130-A, e dá outras providências. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/emendas/emc/emc45.htm Acesso em: 30 jun. 2023.

______. Lei nº 5.172, de 25 de outubro de 1966. Dispõe sobre o Sistema Tributário Nacional e institui normas gerais de direito tributário aplicáveis à União, Estados e Municípios. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l5172compilado.htm Acesso em: 30 jun. 2023.

______. Lei no 6.830, de 22 de setembro de 1980. Dispõe sobre a cobrança judicial da Dívida Ativa da Fazenda Pública, e dá outras providências. Disponível em:

https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l6830.htm Acesso em: 30 jun. 2023.

______. Lei nº 11.051, de 29 de dezembro de 2004. Dispõe sobre o desconto de crédito na apuração da Contribuição Social sobre o Lucro Líquido – CSLL e da Contribuição para o PIS/Pasep e Cofins não cumulativas e dá outras providências. Disponível em:

https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2004-2006/2004/lei/L11051.htm Acesso em: 30 jun. 2023.

______. Lei nº 11.457, de 16 de março de 2007. Dispõe sobre a Administração Tributária Federal; altera as Leis nos 10.593, de 6 de dezembro de 2002, 10.683, de 28 de maio de 2003, 8.212, de 24 de julho de 1991, 10.910, de 15 de julho de 2004, o Decreto-Lei no 5.452, de 1o de maio de 1943, e o Decreto no 70.235, de 6 de março de 1972; revoga dispositivos das Leis nos 8.212, de 24 de julho de 1991, 10.593, de 6 de dezembro de 2002, 10.910, de 15 de julho de 2004, 11.098, de 13 de janeiro de 2005, e 9.317, de 5 de dezembro de 1996; e dá outras providências. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2007-2010/2007/lei/l11457.htm Acesso em: 30 jun. 2023.

______. Lei nº 13.105, de 16 de março de 2015. Código de Processo Civil. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2015/lei/l13105.htm Acesso em: 30 jun. 2023.

CARRAZZA, Roque Antonio. Curso de Direito Constitucional Tributário. São Paulo: Editora JusPodivm, 2023.

COSTA, Regina Helena. Curso de Direito Tributário: Constituição e Código Tributário Nacional. 13. ed. São Paulo: SaraivaJur, 2023.

DINAMARCO, Cândido Rangel. Nova Era do Processo Civil. 4. ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Malheiros Editores, 2013.

ESPANHA. Constitución Española. Junta de Castilla y León. Disponível em: https://www.tribunalconstitucional.es/es/tribunal/normativa/Normativa/CEportugu%C3%A9s.pdf Acesso em: 30 jun. 2023.

ITÁLIA. Costituzione Della Repubblica Italiana. Disponível em: https://www.cortecostituzionale.it/documenti/download/pdf/Costituzione_della_Repubblica_italiana.pdf Acesso em: 30 jun. 2023.

ONU. Organização das Nações Unidas. Declaração Universal dos Direitos Humanos. 1948. Disponível em: https://www.oas.org/dil/port/1948%20Declara%C3%A7%C3%A3o%20Universal%20dos%20Direitos%20Humanos.pdf Acesso em: 30 jun. 2023.

PIOVESAN, Flávia Cristina. Comentários à Convenção Americana sobre Direitos Humanos. Rio de Janeiro: Forense, 2019.

APÊNDICE – NOTA DE RODAPÉ

2. Título IV – A Magistratura – Seção I – Organização judicial: Artigo 111 – A jurisdição é exercida por meio de um processo justo regulado pela lei. Cada processo ocorre no contraditório entre as partes, em condições de igualdade, perante um juiz terceiro e imparcial. A lei garante sua duração razoável (CONSTITUIÇÃO ITALIANA).

3. Artigo 24. […] 2. Além disso, todos têm direito ao Juiz ordinário predeterminado por lei, à defesa e à assistência de advogado, a serem informados da acusação formulada contra eles, a um processo público sem demoras indevidas e com todas as garantias, a utilizar os meios de prova pertinentes para sua defesa, a não se autoincriminar, a não se declararem culpados e à presunção de inocência (CONSTITUIÇÃO ESPANHOLA).

[1] Advogado, professor, Mestre em Direito pela University of Southern California (USC Gould School of Law – ranqueada entre as melhores Universidades e Faculdades de Direito (ranking das TOP-20) dos Estados Unidos, Mestrando em Direito Constitucional e Processual Tributário pela PUC-SP, Pós-Graduado em Direito Penal Econômico pela Universidade de Coimbra (UC) – Portugal, Pós-Graduado em Processo Penal pela Universidade de Coimbra (UC) – Portugal, Pós-Graduado em Financial Compliance pela University of Southern California (Estados Unidos), Pós-Graduado em Business Law pela University of Southern California (Estados Unidos), Graduado em Direito pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), foi contemplado com o Prêmio Menção Honrosa da PUC-SP, possui cursos de extensão pelo Massachusetts Institute of Technology (MIT) – Estados Unidos e pela University of Glasgow (Escócia). É membro da Ordem dos Advogados do Brasil Seção de São Paulo (OAB-SP), tendo sido Assessor da Presidência da 23ª Turma do Tribunal de Ética e Disciplina da OAB-SP. É membro da Associação dos Advogados de São Paulo (AASP). ORCID: 0000-0003-4563-0797. Currículo Lattes: http://lattes.cnpq.br/8955225876191097.

Enviado: 3 de julho, 2023.

Aprovado: 04 de julho, 2023.

5/5 - (8 votes)
Daniel Soriano Blatt

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Pesquisar por categoria…
Este anúncio ajuda a manter a Educação gratuita