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Políticas Públicas Fraternas também são finalidades essenciais das organizações religiosas

RC: 50073
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CONTEÚDO

ARTIGO ORIGINAL

SANCHES, Najme Hadad [1]

SANCHES, Najme Hadad. Políticas Públicas Fraternas também são finalidades essenciais das organizações religiosas. Revista Científica Multidisciplinar Núcleo do Conhecimento. Ano 05, Ed. 05, Vol. 02, pp. 63-76. Maio de 2020. ISSN: 2448-0959, Link de acesso: https://www.nucleodoconhecimento.com.br/lei/politicas-publicas-fraternas

RESUMO

Este artigo propôs uma discussão acerca do papel social dos Templos de Cultos Religiosos na comunidade onde estão instalados. Partiu-se da premissa de que, se as Organizações Religiosas são beneficiadas com a imunidade tributária para que sejam mantenedoras e garantidoras de direitos humanos e fundamentais – ao menos das pessoas que compõem determinada comunidade religiosa, imprescindível a eficácia de sua atuação. Importante ressaltar que não se tratou no presente trabalho do ministério religioso das Igrejas ou Templos de Cultos, mas da efetiva atuação da igreja em sua comunidade como verdadeira Instituição Fraterna, ou seja, pretendeu-se avaliar a atividade prática do discurso religioso para o cumprimento das finalidades essenciais das Organizações Religiosas previstas no art. 150, §4º, da Constituição Federal, que lhes outorga a imunidade tributária (art. 150, VI, b, da CF/88). O objetivo da pesquisa foi identificar quais as ações dos templos de cultos religiosos que podem ser consideradas como finalidades essenciais, as quais foram denominadas Políticas Públicas Fraternas. Pretendeu-se, ainda, uma análise acerca do obrigatório desenvolvimento destas políticas pela Organização Religiosa e, em caso positivo, a forma de fiscalização de atendimento dessas finalidades, a fim de que reste comprovado o seu direito à benesse da imunidade constitucionalmente prevista. Saliente-se que o presente trabalho de modo algum eximiu o Estado de sua total e permanente responsabilidade no desenvolvimento de Políticas Públicas para a efetivação dos objetivos fundamentais da República. Por fim, ressalte-se que a reflexão do tema leva à conclusão de que o Estado Democrático de Direito deve assegurar todos os meios necessários para que os componentes humanos da sociedade se desenvolvam material, moral e espiritualmente (cidadania), e em todos estes contextos pode estar inserida a atividade das Organizações Religiosas através da implementação e prática efetiva de Políticas Públicas Fraternas, as quais não são impostas pelo Poder Público, mas realizadas espontaneamente por ela como forma de atingir as suas finalidades essenciais de modo pleno e eficaz, a fim de fazer jus ao benefício da imunidade tributária. A metodologia utilizada nesta pesquisa doutrinária foi o método dedutivo e comparativo.

Palavras-chave: Organizações Religiosas, finalidades essenciais, Políticas Públicas Fraternas, imunidade tributária.

INTRODUÇÃO

A Sociologia é a ciência que mais se aproxima e se identifica com o estudo da religião, pois o exercício desta só é possível através das pessoas que compõem a comunidade, que passam a frequentar os Templos buscando cura para a alma e alento para o espírito, e estes, por suas vezes, procuram aperfeiçoar os seus membros e seguidores para suportarem as amarguras da vida através de suas doutrinas religiosas.

O presente artigo, porém, não pretende questionar a finalidade religiosa dos Templos, tampouco traçar críticas às doutrinas e dogmas da Igreja, mas almeja, sim, proporcionar uma reflexão política e jurídica acerca da eventual existência de outras finalidades essenciais das Organizações Religiosas, obviamente levando-se em consideração as questões sociológicas que lhes são inerentes.

Não se olvide que a religião exerce grande influência ideológica no comportamento humano individual e social, preocupando-se com os problemas humanos em suas mais variadas formas, desde a salvação da alma até a busca incessante da felicidade coletiva, tendo como paradigma, por exemplo, os ensinamentos de Jesus Cristo, ou até mesmo a Doutrina Aristotélica de que a felicidade deve ser a finalidade das ações humanas[2].

Assim, a responsabilidade das Organizações Religiosas não pode estar limitada aos seus membros, frequentadores dos Templos onde se desenvolve o culto religioso, mas deve estender-se a todas as pessoas da comunidade em que estão inseridas, devendo exercer um papel ativo e influenciador na transformação da sociedade para a busca incessante de um mundo melhor.

Karl Marx conceituava a Igreja como “o ópio do povo”[3], pois afirmava que a doutrina pregada nos Templos possuía a capacidade de exprimir inquietações nos indivíduos frente às mazelas sociais vividas por cada um.

Do ponto de vista dos membros da Igreja, pode-se concluir que estes procuram uma religião em busca de respostas às suas expectativas, aos seus desejos e às grandes questões colocadas pela sua existência neste mundo. A frase de Ribaldo Tatarana na obra “O Grande Sertão: Veredas”, de João Guimarães Rosa, ilustra muito bem essa afirmação ao dizer que a religião é necessária para “desendoidecer, desdoidar”, apontando para uma das funções da religião.

Estes conceitos realmente fazem concluir que a religião melhora a condição humana. Porém, a Igreja existe para todos e não apenas para quem a escolhe, tanto que suas portas são mantidas abertas. Aqueles que decidiram cruzar a porta do Templo Religioso ou professar determinada crença, definitivamente não têm mais valor do que aqueles que estão do lado de fora aguardando alento e/ou acolhimento.

Além disso, o discurso religioso não se limita ao encorajamento de seus membros para a solução de seus problemas individuais, ou à divulgação de preceitos morais e dogmáticos com o intuito de moldá-los, mas busca da harmonia mundial com a propagação de um sentimento fraterno e transformador, por isso a necessidade de ser externada efetivamente pela Igreja a demonstração de amor ao próximo, tanto dentro quanto fora dos Templos.

Sabedoras deste poder de transformação das pessoas alcançadas por sua doutrina, as Organizações Religiosas devem se apoderar de um sentimento de responsabilidade social, buscando a erradicação de todos os problemas que afligem a humanidade, ultrapassando os limites de seus Templos.

TEMPLOS DE CULTO RELIGIOSO E A SUA ATUAÇÃO SOCIAL. FINALIDADES ESSENCIAIS: POLÍTICAS PÚBLICAS FRATERNAS

A Constituição Federal de 1988, em seu art. 5º, VI, prestigiou o direito à liberdade religiosa: “É inviolável a liberdade de consciência e de crença, sendo assegurado o livre exercício dos cultos religiosos e garantida, na forma da lei, a proteção aos locais de culto e a suas liturgias”.

Esta garantia constitucional do livre exercício dos cultos religiosos, com a proteção dos locais onde eles são desenvolvidos, diz respeito aos Templos. Na verdade, a palavra templos, etimologicamente, vem do latim templu, que significa o lugar destinado ao culto religioso, aberto ao público.

E o culto, por sua vez, pode ser entendido como a manifestação religiosa, cuja liturgia ou celebração se adequa aos valores de liberdade religiosa[4].

Eduardo Sabbag ensina:

O culto deve prestigiar a fé e os valores transcendentais que o circundam, sem colocar em risco a dignidade das pessoas e a igualdade entre elas, além de outros pilares de nosso Estado. Com efeito, é imprescindível à seita a obediência aos valores morais e religiosos, no plano litúrgico, conectando-se a ações calçadas em bons costumes (artigos 1º, III; 3º, I e IV; 4º, II e VIII, todos da CF), sob pena do não reconhecimento da qualidade de imune.[5]

O Estado Democrático de Direito deve assegurar meios para que os indivíduos componentes da sociedade se desenvolvam material, moral e espiritualmente, sendo que neste aspecto, ao que parece, está inserida a religião, e a garantia deste direito pelo Poder Público visa à busca do bem comum, a despeito de não haver uma definição legal acerca da atividade que deva ser desenvolvida no Templo Religioso, tampouco a finalidade a ser por ele atingida.

Por outro lado, existe previsão legal acerca da natureza jurídica dos Templos Religiosos. O legislador introduziu no Código Civil Brasileiro, através da Lei nº 10.825, de 22 de dezembro de 2003, o inciso IV do art. 44, que prevê a Organização Religiosa como pessoa jurídica, dispondo no § 1º que “Organizações Religiosas são livres quanto à criação, à organização, à estruturação interna e o seu funcionamento, sendo vedado ao poder público negar-lhe reconhecimento ou registro dos atos constitutivos e necessários ao seu funcionamento”.

Da leitura do mencionado artigo é possível concluir, equivocadamente, que a Organização Religiosa deve ter como finalidade única e exclusiva a espiritual e, dedicando-se a outras atividades sociais, devem ser classificadas como sociedade, associação ou fundação religiosa (CC02, art. 44, I-III)[6].

Porém, não havendo vedação no âmbito civil para que as Organizações Religiosas desenvolvam, além de atividades estritamente religiosas, também atividades mistas de assistência e solidariedade social, esta interpretação reducionista estaria em total desconformidade com a sistemática e contexto histórico-jurídico constitucional que prevê a existência de finalidades essenciais da entidade religiosa.

Desse modo, repise-se, a atual função da Organização Religiosa não se resume ao amparo espiritual, mas pode (e deve) desenvolver atividades que vão além da prática religiosa, atuando como garantidora dos direitos humanos fundamentais através de ações ativas em cumprimento de seu exercício ministerial.

Timothy Keller traz em seu livro “A Igreja Centrada”, que o desenvolvimento de laços sociais faz parte da missão da Igreja, ou seja, é missão da Igreja o alcance dos grupos humanos nas dimensões: social, econômica, política e cultural, não só espiritual.[7].Assim, se um líder religioso decide gerenciar uma Igreja, ele deve assumir também a responsabilidade social inerente às Organizações Religiosas.

“A Igreja, perita em humanidade”[8], deve desenvolver programas e ações que garantam a efetividade dos direitos humanos fundamentais de sua comunidade, não se intimidando em suprir a omissão do Estado quanto às suas obrigações de desenvolvimento de políticas públicas, como por exemplo, buscar a erradicação da desigualdade social extrema, da miséria, da pobreza, da violência, do analfabetismo, da falta de educação, da injustiça, da destruição das famílias, da corrupção na política etc.., e todos estes problemas envolvem a missionariedade fraterna da Organização Religiosa.

O papel social da Igreja, portanto, não deve ser passivo, esperando de modo inerte que os fracos e oprimidos a procurem para, só então, estender a sua mão fraterna. Ao contrário, a sua função é ativa, dinâmica e de grande responsabilidade, diante da confiança dispendida pela comunidade, devendo não só implementar valores éticos e morais em seus discursos, mas agir valorosa e vigorosamente, com uma postura protagonista na história do resgate da humanidade, buscando a reconstrução de uma sociedade melhor, mais justa, solidária, e feliz.

Neste diapasão, importante reflexão pode ser feita sobre a função ativa da Igreja através de alguns questionamentos: a) se há mendigos dormindo na marquise do Templo Religioso, esta Igreja está cumprindo a sua finalidade essencial?; b) se há pessoas consumindo drogas embaixo das grandes e suntuosas escadarias dos grandes Templos, esta Igreja está cumprindo a sua finalidade essencial?; c) o líder religioso que toma conhecimento de uma grave crise que assola determinada família por causa do alcoolismo e se limita a fazer uma oração, ele está cumprindo a finalidade essencial da Igreja?

É sabido que não há previsão legal acerca de quais sejam as finalidades precípuas e essenciais das Organizações Religiosas, a despeito de o art. 150, VI, “b”, da Constituição Federal, proibir a instituição de impostos sobre o patrimônio, a renda e os serviços relacionados às finalidades dos Templos de qualquer culto (artigo 150, VI, “b”).

Por outro lado, por serem pessoas jurídicas, os Templos devem evidenciar de modo claro, preciso e objetivo, através de seu Estatuto Organizacional, as suas finalidades, cujo controle e fiscalização cabem não só ao Estado, mas também à sociedade.

Um leitor mais crítico poderia concluir de modo equivocado, pela leitura do que foi exposto até aqui, que o presente trabalho pretende transferir para as Organizações Religiosas a responsabilidade do Estado no desenvolvimento de políticas públicas. Desse modo, a fim de que o mal entendido seja sanado de pronto, mais didática a denominação das referidas finalidades essenciais de cunho social dos Templos Religiosos como Ações Fraternas.

Bom salientar que a Idade Moderna é o marco de referência para o conceito e dimensão política de fraternidade, que surgiu na Revolução Francesa, nos anos de 1789 a 1799, como um dos princípios ideais de introdução de um novo mundo, ao lado da Liberdade e Igualdade.

Curiosamente o referencial “fraternidade” é encontrado na Bíblia Sagrada ao longo das escrituras (Efésios 4:16, 5:2, 6:23, 6:24, Filipenses 1:9, 1:16, 2:1, 2:2, 2:30, Colossenses 1:4, :18 etc.), mas no presente artigo pretende-se utilizar a palavra “fraternidade” como sendo uma ação incluída nas finalidades essenciais do Templo Religioso, isto é, uma atividade das Organizações Religiosas para a concretização de solidariedade no âmbito vertical (redução das desigualdades), e horizontal (longa manus acolhedora e ajudadora do Estado).[9]

Pois bem, partindo-se dessa premissa, para o atingimento de suas finalidades essenciais, as Organizações Religiosas têm o dever de praticar ações virtuosas que passarão a ser aqui denominadas como Políticas Públicas Fraternas.

Através do exercício de tais políticas é de rigor que a Igreja tenha os seus olhos voltados para os seus membros, porém tal olhar deve estender-se para além de seus limites com real intervenção:

a) Na família: através do incentivo à construção de relacionamentos conjugais fortes, assentes no respeito mútuo e na mútua aceitação, na serenidade, no desenvolvimento de laços de amor e interdependência que privilegiem a partilha de um projeto de vida. Pelo ensino de uma paternidade responsável, encorajadora de uma geração que determine o futuro com solidez, integridade e valor.

b) Na educação: através de ensino que arraigue valores morais e espirituais, na construção do carácter como meio de encontrar resposta às grandes questões da vida e suporte na decisão, bem como ao incentivo à sólida formação intelectual.

c) No comportamento humano: através de propagação também de valores éticos e morais, a fim de contribuir com a construção de sólidas convicções morais, atuando, inclusive, de forma ativa contra a ociosidade humana em todas as fases da vida (juvenil e adulta), conscientizando os membros da comunidade acerca da importância da atividade humana no desenvolvimento econômico e social da coletividade.

d) No apoio social às famílias pobres: através da participação ativa no seio familiar para erradicar e/ou evitar a fome, a desnutrição e o acometimento de doenças decorrentes da pobreza (construções de baixa qualidade, ausência de saneamento básico, falta de higiene etc..).

e) No apoio às pessoas dependentes de terceiros: oferecendo proteção e ajuda aos idosos, às crianças que se encontram em situação de vulnerabilidade, mendigos, e pessoas diminuídas na sua capacidade de autossuficiência física ou emocional.

Obviamente que as finalidades aqui descritas são meramente exemplificativas, mas que podem servir de paradigma para a elaboração do Estatuto Organizacional da Organização Religiosa, de modo a evidenciar quais são as suas reais finalidades.

RECEBIMENTO DA BENESSE DA IMUNIDADE TRIBUTÁRIA DESDE QUE CUMPRIDAS AS FINALIDADES ESSENCIAIS DAS ORGANIZAÇÕES RELIGIOSAS

O Brasil carrega sobre seus ombros uma carga tributária de 32,4%, segundo dados do IBPT (Instituto Brasileiro de Planejamento Tributário), cujas pesquisas levam em consideração a arrecadação tributária comparada com o PIB (estatísticas de 2015).[10]

Isto significa que o brasileiro precisa trabalhar cinco meses por ano para pagar tributos.[11] Como se não bastasse, em outros cinco meses o brasileiro trabalha para pagar ao setor privado os serviços públicos essenciais que o governo deveria garantir com a aplicação dos recursos em modelos eficientes de saúde, educação, moradia, segurança e outros.

Do mesmo modo, as empresas privadas também carregam o peso dos tributos com o pagamento de IRPJ, CSLL, PIS, COFINS, IPI, ICMS, ISS e INSS.

Entretanto, situação diversa é a prevista constitucionalmente para os Templos de Cultos Religiosos.

De acordo com o art. 150, VI, b da Constituição Federal, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios instituírem impostos sobre Templos de qualquer culto, e o §4º do mesmo artigo dispõe que a vedação compreende somente o patrimônio, a renda e os serviços, relacionados com as finalidades essenciais das entidades nelas mencionadas.

Alexandre de Moraes afirma que a imunidade é garantia instrumental à liberdade de crença e culto religiosos, prevista no art. 5º, VI, do texto constitucional, cuja finalidade é impedir a criação de óbices de origem econômica – por meio de impostos – à realização de cultos religiosos.[12]

Porém, como vimos anteriormente, a Igreja é pessoa jurídica de direito privado (art. 40 do Código Civil), dotada de personalidade jurídica, e tal condição foi recepcionada por nossa lei pátria no artigo 5º do Decreto 119/A de 07/01/1890, ainda hoje em vigor:

Art. 5º A todas as Igrejas e confissões religiosas se reconhece a personalidade jurídica, para adquirirem bens e os administrarem, sob os limites postos pelas leis concernentes á propriedade de mão-morta, mantendo-se a cada uma o domínio de seus haveres actuaes, bem como dos seus edifícios de culto. (transcrito na forma original)

E apesar de ser pessoa jurídica sem fim lucrativo, dados da Receita Federal indicam que mesmo as graves crises econômicas não costumam atingir a receita das Igrejas em virtude das doações, que respondem a 72% do dinheiro em caixa, sendo que o restante equivale a rendimentos gerados com aluguel ou venda de bens, aplicações em renda fixa ou mesmo, em casos mais raros, operações em bolsa de valores.[13]

Portanto, levando-se em conta a grande arrecadação e, por vezes, o vasto patrimônio da Organização Religiosa, o legislador constituinte, com acerto, previu no art. 150, §4º da Constituição Federal que a benesse da imunidade tributária das Organizações Religiosas compreende somente o patrimônio, a renda e os serviços relacionados com as finalidades essenciais da entidade.

No mesmo sentido, Ricardo Lobo Torres, citado por Nogueira, afirma que a finalidade constitucional dos Templos é a prática do culto, a formação de padres e ministros, o exercício de “atividades públicas” bem como assistência moral e espiritual aos seus adeptos. [14]

Desse modo, necessária a existência de previsão legal no sentido de que para gozar de imunidade tributária, a Organização Religiosa deve ser obrigada a cumprir as finalidades essenciais retro nomeadas de Políticas Públicas Fraternas.

A título de argumentação, a própria palavra “evangelho” (evangelion, no grego) traz profundas conotações políticas, tratando-se de uma palavra emprestada dos discursos de generais e césares romanos. O “evangelho” anunciava a vitória do imperador, a chegada do “sóter”, o salvador, o realizador da paz (neste sentido, da “Pax Romana”). Quando os apóstolos e primeiros cristãos mantiveram o termo “evangelho”, portanto, estavam tomando emprestado da esfera política um termo que significava uma nova ordem não apenas “religiosa”, mas sócio-política com a chegada de Cristo (Lc 1:31-33).

Demonstrado está, portanto, que as Organizações Religiosas têm responsabilidade social além dos cultos realizados em seus Templos para o desenvolvimento de suas doutrinas religiosas, devendo servir como influenciadora de uma verdadeira reforma social, com o incentivo da participação de toda a comunidade, de forma crítica e ativa, nas atividades transformadoras da sociedade.

Enfim, os ouvintes dos cultos religiosos devem ter a convicção de que estão neste mundo como verdadeiros operadores de políticas públicas fraternas, e este ônus deve ser atribuído pela igreja.

É sabido que o Estado é o detentor da obrigação e competência das ações e programas para colocar em prática os direitos previstos constitucionalmente, a fim de garantir o bem estar de seu povo. Em contrapartida, também é de conhecimento público que o Estado não tem condições financeira e operacional de suprir todas as necessidades humanas dos membros de sua sociedade.

Diante deste lamentável, mas real contexto, as Organizações Religiosas, de acordo com o pensamento aqui desenvolvido, poderiam servir como longa manus do Estado para a implementação de políticas públicas, logicamente que sem coação estatal, sem imposição legal, sem sanção normativa, mas sim, de maneira fraterna.

Atualmente nos deparamos com esta realidade através das OS (Organizações Sociais) e Advocacy.

A Lei 9637 de 15.05.98 disciplinou as OS – Organizações Sociais, dispondo em seu art. 1º que o Poder Executivo poderá qualificar como organizações sociais pessoas jurídicas de direito privado, sem fins lucrativos, cujas atividades sejam dirigidas ao ensino, à pesquisa científica, ao desenvolvimento tecnológico, à proteção e preservação do meio ambiente, à cultura e à saúde, atendidos aos requisitos previstos nesta Lei.

Assim, as Organizações Religiosas poderiam ser requalificadas como OS, e a partir daí criar relacionamento estratégico entre Estado e Sociedade a fim de incentivar toda a comunidade que circunda aquela Igreja a trabalhar em prol do bem comum, da felicidade coletiva, contribuindo com a minimização das limitações operacionais do Governo.

Já o “Advocacy” (sem tradução literal para a língua portuguesa), consiste em um conjunto de ações que visam influenciar a formulação, aprovação e execução de políticas públicas junto aos poderes constituídos e à sociedade, por meio do trabalho em redes e mobilização social, cuja política poderia ser adotada pela Organização Religiosa ante o seu grande poder influenciador, inclusive na mídia.

Obviamente que este papel ativista da Organização Religiosa que ora se propõe demanda a superação de muitos obstáculos, em razão da solidificação das características da Igreja no Brasil, e diversos desafios, dentre eles: a superação das diferenças humanas, considerando a multiplicidade e a pluralidade da arena social; e a constituição de alianças e coalizões por uma causa comum, sem abrir mão de suas convicções e dogmas.

Tais obstáculos e desafios demandarão disposição para superação e alcance das metas traçadas em sua plenitude, sempre tendo em mente a obrigatoriedade da concretização do escopo precípuo (ações fraternas) para que os Templos Religiosos façam jus à benesse da imunidade tributária.

Políticas Públicas Fraternas podem ser sintetizadas, enfim, como sendo as finalidades essenciais das Organizações Religiosas, desenvolvidas espontaneamente, através de ações e programas para a garantia de direitos humanos fundamentais, de modo a auxiliar o Estado, que é o garantidor legal da dignidade da pessoa humana.

Ressalte-se que esta função social da Igreja é intrínseca à atividade das Organizações Religiosas, conforme se depreende do tema da Campanha da Fraternidade 2019 pela CNBB (Conferência Nacional dos Bispos do Brasil): Políticas Públicas.

A cada cinco anos a Campanha da Fraternidade é promovida de forma ecumênica em conjunto com o escopo de fazer emergir um espírito de solidariedade dos seus fiéis e da sociedade em relação a um problema social concreto, buscando vetores de solução.

O Texto-Base da Campanha da Fraternidade de 2019 previu a necessidade de estimular os jovens a conhecerem mais profundamente a elaboração das Políticas Públicas, e incentivá-los a uma participação efetiva nesse processo (parágrafo 101).

Aqui não se está tratando de políticas públicas governamentais, pois estas são de preocupação temporária em determinada área, de acordo com o interesse do governante e seus projetos eletivos, mas sim da efetividade da previsão constitucional de uma sociedade livre, justa e solidária através de “um consenso moral da sociedade sobre os valores fundamentais e sobre a necessidade de viver esses valores com as necessárias renúncias, inclusive contra o interesse pessoal”[15]

Surge aqui, porém, uma nova questão. A prática do desenvolvimento das Políticas Públicas Fraternas, que não são obrigatórias, mas necessárias para que as Organizações Religiosas cumpram as suas finalidades essenciais, exigirá fiscalização para que sejam imunes dos encargos tributários? A resposta é positiva.

Obviamente que a fiscalização aqui mencionada não poderá “impedir, ameaçar ou embaraçar o livre funcionamento dos Templos e espaços de comunidades religiosas”, mas não há outro meio de zelar pelo cumprimento das finalidades essenciais da Organização Religiosa que não seja através de fiscalização. (art. 19, I da Constituição Federal).

Desse modo, após a Organização Religiosa descrever em seu estatuto organizacional as suas finalidades essenciais, caberá à Administração Pública fiscalizar a concretização das Políticas Públicas Fraternas pelos Templos Religiosos, a fim de restar comprovado o direito ao gozo do benefício da imunidade tributária.

Afastadas eventuais críticas que julga utópica a proposta do presente trabalho, a verdade é que qualquer que seja a dificuldade a ser enfrentada para a implementação das Políticas Públicas Fraternas e a concretização dos projetos almejados pelas Organizações Religiosas, o valor de seu resultado é imensurável, pois serão alcançados e/ou protegidos os objetivos fundamentais e permanentes da República, que não se confundem com os objetivos do Governo, os quais são muito menores, menos profundos e mediáticos.

A promoção do desenvolvimento social e do bem comum basta ao Estado para o adimplemento de seus deveres constitucionais. Já à República, seus objetivos são estruturais, profundos, sensíveis, buscando permanentemente a construção de uma sociedade livre, justa, solidária, com boa qualidade de vida a todos, sem preconceitos e discriminações, de modo a reconhecer o valor individual de cada ser humano, garantindo-lhe a sua dignidade e o seu espaço na sociedade.

CONCLUSÃO

O Estado democrático de direito deve assegurar os meios para que os indivíduos componentes da sociedade se desenvolvam material e moralmente, e neste contexto está inserida a religião, cujo exercício cabe às Organizações Religiosas.

Porém, a função das referidas Organizações não se resume ao amparo espiritual, e sua amplitude abrange atividades que garantam os direitos humanos fundamentais através de ações ativas em cumprimento ao seu exercício ministerial.

Pode-se concluir, portanto, que a missionariedade da Organização Religiosa deve ser a implementação e a prática efetiva de Políticas Públicas Fraternas, as quais não são impostas pelo Poder Público, mas realizadas espontaneamente por ela como forma de atingir as suas finalidades essenciais de modo pleno e, somente cumprida a sua missão, seriam, então, agraciadas com a imunidade tributária prevista constitucionalmente.

Para tanto, as Organizações Religiosas poderiam ser requalificadas como Organizações Religiosas/Sociais, tendo como dever a criação de relacionamento estratégico entre Estado e Sociedade, a fim de incentivar toda a comunidade a trabalhar em prol da felicidade coletiva, disseminar a compreensão de que a busca do bem comum é função de todas as pessoas, físicas ou jurídicas, públicas ou privadas, que compõem o Sistema Constitucional Republicano.

As Organizações Religiosas têm o dever de fomentar a solidariedade e a influenciar os seus membros a serem verdadeiros colaboradores sociais, os quais devem agir em busca da felicidade coletiva, tendo como meta a concretização e/ou proteção dos objetivos fundamentais e permanentes da República, quais sejam, a construção de uma sociedade livre, justa e solidária.

REFERÊNCIAS

ARISTÓTELES. Tópicos. Dos argumentos sofísticos. Metafísica: livro I e livro II. Ética a Nicômaco. Poética. São Paulo: ed. abril Cultural, 1973. (Os pensadores, 4).

BAGGIO, Antônio Maria. O princípio esquecido. São Paulo: ed. Cidade Nova, 2008.

RC-CE – CONSELHO REGIONAL DE CONTABILIDADE DO CEARÁ. Estrutura Tributária e a qualidade dos gastos públicos. Disponível em: <http://www.crc-ce.org.br/2018/08/etqdgp>.

Discurso na Sessão Inaugural da V Conferência Geral do Episcopado da América Latina e do Caribe, 13 de maio de 2007.

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JORNAL ESTADO DE MINAS GERAIS. Cristãos movimentam R$ 21,5 bilhões no Brasil. <https://www.em.com.br/app/noticia/economia/2014/01/26/internas_economia,491768/cristaos-movimentam-r-21-5-bilhoes-no-brasil.shtml>.

KELLER, Timothy. A Igreja Centrada – São Paulo: ed. Vida Nova, 2014.

MARX, Karl. Contribuición a la crítica a la filosofia de lo derecho de Hegel. Paris: ed. Claridad, 1844

MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional. São Paulo: ed. Atlas, 2016.

NOGUEIRA, Roberto Wagner Lima. Notas a propósito das imunidades tributárias. Jus Navigandi, Teresina, ano 9, n. 500, 19.11.04. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=5955>.

SABBAG, Eduardo. A Imunidade Tributária e as Lojas Maçônicas. Disponível em: <http://atualidadesdodireito.com.br/eduardosabbag/2012/04/26/a-imunidade-religiosaeas-lojas-maconicas/>.

APÊNDICE – REFERÊNCIAS DE NOTA DE RODAPÉ

2. ARISTÓTELES. Tópicos. Dos argumentos sofísticos. Metafísica: livro I e livro II. Ética a Nicômaco. Poética. São Paulo: Abril Cultural, 1973, pag. 672.

3. MARX, Karl. “Contribuición a la crítica a la filosofia de lo derecho de Hegel.”. Paris: ed. Claridade. 1844, in: ASSMAN, Hugo & MATE, Reyes (orgs.). Sobre La religión I (K. Marx y F. Engels)., España. Salamancia: Síngueme 1974, p. 93- 106

4. Os valores da liberdade religiosa podem ser entendidos como convicções que respeitem a liberdade e abominem a violência, a intolerância. O art. 2º da Declaração dos Direitos Humanos estabelece que ninguém pode ser excluído de quaisquer direitos e liberdades por força de alguma distinção em matéria religiosa; o art. 26º declara que a educação deve ter, entre suas finalidades, o fomento da compreensão, tolerância e amizade entre nações e grupos raciais ou religiosos.

5. SABBAG, Eduardo. A Imunidade Tributária e as Lojas Maçônicas. Disponível em <http://atualidadesdodireito.com.br/eduardosabbag/2012/04/26/a-imunidade-religiosaeas-lojas-maconicas/>. Acesso em 09.08.2019.

6. Sentença proferida pelo Tribunal de Justiça de São Paulo, nos autos do Processo 0015547-23.2013.8.0100.

7. Keller, Timothy, A Igreja Centrada – São Paulo: ed. Vida Nova, 2014, pag. 92.

8. “A Igreja, perita em humanidade” é uma nomenclatura que já se tornou um patrimônio da linguagem eclesial e eclesiástica, e a sua fonte é a Carta Encíclica do Papa Paulo VI – “Populorum Progressio” (sobre o Desenvolvimento dos Povos de 26.03.67, nº. 13)

9. BAGGIO, Antônio Maria. O princípio esquecido. Editora Cidade Nova. São Paulo. 2008, pag. 101.

10. CRC-CE – CONSELHO REGIONAL DE CONTABILIDADE DO CEARÁ. Estrutura Tributária e a qualidade dos gastos públicos. Disponível em: <http://www.crc-ce.org.br/2018/08/etqdgp>. Acessado em 09.08.2019

11. IBPT – INSTITUTO BRASILEIRO DE PLANEJAMENTO E TRIBUTAÇÃO. Brasileiro trabalha 153 dias por ano para pagar impostos. Disponível em: <https://ibpt.com.br/noticia/2644/BRASILEIRO-TRABALHA-153-DIAS-POR-ANO-PARA-PAGAR-IMPOSTOS>. Acessado em 09.08.2019

12. MORAES, Alexandre de. Direito constitucional. 32. ed. rev. e atual. até a EC nº 91, de 18 de fevereiro de 2016. São Paulo: Atlas, 2016, pag. 76

13. JORNAL ESTADO DE MINAS GERAIS. Cristãos movimentam R$ 21,5 bilhões no Brasil. <https://www.em.com.br/app/noticia/economia/2014/01/26/internas_economia,491768/cristaos-movimentam-r-21-5-bilhoes-no-brasil.shtml>. Acessado em 03.09.2015.

14. LOBO TORRES, Ricardo. Tratado de direito constitucional, financeiro e tributário: os direitos humanos e a tributação – imunidades e Isonomia. São Paulo: Renovar, 1999, v.III, mencionado em NOGUEIRA, Roberto Wagner Lima. Notas a propósito das imunidades tributárias. Jus Navigandi. Teresina, ano 9, n. 500, 19 nov. 2004. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=5955>. Acessado em: 28.10.2016.

15. Discurso na Sessão Inaugural da V Conferência Geral do Episcopado da América Latina e do Caribe, 13 de maio de 2007.

[1] Mestranda em Direito pela Universidade UNINOVE (Orientador Prof. José Renato Nalini). Especialista em Processo Civil pela Escola Superior de Advocacia de São Paulo – Conclusão 2010. Especialista em Processo Penal pela Escola Superior da Magistratura de São Paulo – Conclusão 2004.

Enviado: Abril, 2020.

Aprovado: Maio, 2020.

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Najme Hadad Sanches

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