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O Instituto Da Acareação Como Meio De Prova Na Fase De Inquérito Policial

RC: 79542
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DOI: 10.32749/nucleodoconhecimento.com.br/lei/inquerito-policial

CONTEÚDO

ARTIGO ORIGINAL

COSTA, Marcos Rodrigues da [1], TORRES, Leonardo Guimarães [2]

COSTA, Marcos Rodrigues da. TORRES, Leonardo Guimarães. O Instituto Da Acareação Como Meio De Prova Na Fase De Inquérito Policial. Revista Científica Multidisciplinar Núcleo do Conhecimento. Ano 06, Ed. 03, Vol. 10, pp. 86-99. Março de 2021. ISSN: 2448-0959, Link de acesso: https://www.nucleodoconhecimento.com.br/lei/inquerito-policial, DOI: 10.32749/nucleodoconhecimento.com.br/lei/inquerito-policial

RESUMO

A acareação é um meio de prova previsto no Código de Processo Penal e é também através dela que as autoridades podem chegar a realidade dos fatos. Sendo o inquérito policial uma fase dispensável para o processo, o objetivo do presente trabalho é verificar qual a relevância da acareação nesta fase investigativa. A partir de pesquisa bibliográfica, a questão que se pretende discutir é, em razão da não obrigatoriedade da realização do instituto e da dispensabilidade do inquérito, qual a importância deste meio de prova nesta fase. Ao final, o resultado obtido é de a acareação não é o melhor meio de prova para inquérito, já que a realidade e a vivência das autoridades demonstra a baixa efetividade do instituto, além da dificuldade em reunir as partes depoentes, onde outros tipos de provas previstas no CPP vêm auxiliar na busca da verdade real com maior eficiência.

Palavras-chave: Acareação, Inquérito Policial, Código de Processo Penal, Provas.

1. INTRODUÇÃO

A acareação é um dos meios de prova previstos no Código de Processo Penal. Por ela, a autoridade que colheu depoimentos divergentes intima as partes envolvidas e as interroga em conjunto, na busca da mais próxima realidade dos fatos.

No entanto, a dúvida que surge é quanto a sua aplicação no inquérito policial, já que tal fase é a responsável por colher as provas preliminares, que poderão ensejar na denúncia do acusado. Seria a acareação um instituto efetivo para a fase investigativa?

O que se verifica, de antemão, é que as autoridades policiais em todo país padecem de um abarrotamento de casos a serem investigados e, de certo que a utilização de um meio de prova que depende de um novo depoimento das partes pode não parecer eficiente. Além disso, os princípios do processo penal permitem que as partes permaneçam em silêncio durante a investigação, o que tornaria incerta a sua articulação nesta fase.

Outrossim, é importante a análise da jurisprudência quanto a realização da acareação na fase de inquérito. O que se sabe é que sendo o inquérito dispensável não parece razoável a intimação das testemunhas para um ato que não é obrigatório nesta parte investigativa.

Porém, a luz do princípio da busca da verdade real, a acareação pode transparecer como indispensável, razão pelo qual o presente artigo investigará a sua relevância nesta fase.

2. O PROCESSO PENAL E A BUSCA PELA VERDADE REAL

 Um dos princípios atinentes ao Processo Penal é o da busca da verdade real. Por ele, todo os atos do processo devem seguir com o objetivo de obter a realidade dos fatos, de modo a não permanecer quaisquer tipos de dúvidas sobre os atos do acusado.

A verdade real é verificada a partir da dicotomia verdade material, que é a sobre o que é real e substancial aos fatos, e a verdade formal, que versa sobre tudo aquilo que é relatado pelas partes, o que se inclui as omissões, presunções e ficções. A partir destas espécies, cabe ao juiz determinar de ofício as provas necessárias para instrução do processo, no intuito de alcançar a verdade dos fatos (MIRABETE, 2000, p.44).

Para isso, o princípio da verdade real tem por objetivo

Estabelecer que o jus puniendi somente seja exercido contra aquele que praticou a infração penal e nos exatos limites de sua culpa numa investigação que não encontra limites na forma ou na iniciativa das partes (MIRABETE, 2000, p.44).

No entanto, em alguns momentos a busca pela verdade real não é absoluta. Este é o caso de quando, após trânsito em julgado, descobre-se que o Réu absolvido, na verdade, é culpado pelos fatos. Nesta hipótese, ainda que seja concretamente comprovada a autoria e materialidade do agente, não poderá ele ser condenado. Não obstante, as hipóteses de extinção de punibilidade também afastam o princípio da verdade real (MIRABETE, 2000, p.44).

Desta feita, tendo como cerne o instituto da acareação, depreende-se que, a intenção do legislador em prever um meio de que as partes se contraditem e, assim, a investigação possa obter o mais próximo da verdade dos fatos, foi, sobretudo, para cumprir o princípio em comento.

2.1 AS PROVAS NO PROCESSO PENAL

Verificada a relevância da busca da verdade real, o que se verifica é que a realidade dos fatos somente pode ser obtida através das provas. Não obstante, no que se refere ao objetivo deste trabalho, a acareação é, também, uma espécie de prova prevista no Processo Penal, razão pelo qual é indispensável o comento deste assunto.

O termo prova tem origem do latim probatio, que significa ensaio, verificação, inspeção, exame, argumento, razão, aprovação ou confirmação (NUCCI, 2016, p. 234). Acerca do termo, dentro do processo penal encontra-se três sentidos para prova:

a) Ato de provar: é o processo pelo qual se verifica a exatidão ou a verdade do fato alegado pela parte no processo (ex.: fase probatória); b) meio: trata-se do instrumento pelo qual se demonstra a verdade de algo (ex.: prova testemunhal); c) resultado da ação de provar: é o produto extraído da análise dos instrumentos de prova oferecidos, demonstrando a verdade de um fato (NUCCI, 2016, p. 234).

Assim, as provas não só se verificam a partir dos tipos previstos no Código que regulam o Processo Penal. Elas também se verificam em atos, meios e resultados obtidos.

Um ponto importante das provas é que são a partir delas que o juiz forma a sua convicção para o julgamento do caso, sendo imprescindíveis a condição de sua licitude, nos termos dos artigos 155 e 157 do Código de Processo Penal.

Além disso, um conceito importante dentro das provas no Processo Penal são os meios de prova. É a partir dos meios utilizados que a prova poderá ser considerada lícita e válida. Os meios de prova são considerados os instrumentos ou atividades onde os dados probatórios, ou seja, os elementos de prova, são introduzidos e fixados no processo. Em síntese, são os canais pelos quais a informação é servida ao juiz (DEZEM, 2016, p. 540).

Um aspecto relevante dos meios de prova e os objetos de prova é que, a sua relevância, enquanto objeto, se verifica a partir das afirmações dos fatos, já que “mostra-se impossível a prova de um fato, na medida em que é impossível a reconstrução integral do que efetivamente ocorreu” (DEZEM, 2016, p. 542).

Assim, a relevância da reconstrução dos fatos e os meios utilizados para obter a verdade em sua integridade demonstram a forma em que a acareação vem para alcançar tais objetivos.

3. A ACAREAÇÃO COMO PROVA NO PROCESSO PENAL

A acareação está contida no título VII do Código de Processo Penal, que trata sobre as provas. O art. 229 vem estabelecer que

A acareação será admitida entre acusados, entre acusado e testemunha, entre testemunhas, entre acusado ou testemunha e a pessoa ofendida, e entre as pessoas ofendidas, sempre que divergirem, em suas declarações, sobre fatos ou circunstâncias relevantes (BRASIL, 1941).

Deste modo, o que se verifica é que a acareação é um meio de prova, que tem por objetivo apurar as divergências dos fatos e circunstâncias relevantes para o fato. No entanto, se faz imprescindível levantar quais os conceitos adotados pela doutrina a respeito deste instituto.

3.1 CONCEITO

De acordo com o dicionário Michaelis, acarear significa pôr frente a frente (MICHAELIS, 2021). A doutrina brasileira compreende e conceitua a acareação sob diversos aspectos.

Guilherme Nucci define a acareação como “o ato processual, presidido pelo juiz, que coloca frente a frente os depoentes, confrontando e comparando declarações contraditórias ou divergentes, no processo, visando à busca da verdade real” (NUCCI, 2016, p.296).

Já Fernando Capez (2016, p.489) compreende a acareação como a

Colocação face a face de duas ou mais pessoas que fizeram declarações substancialmente distintas acerca de um mesmo fato (pode ser entre testemunha e testemunha, acusado e acusado, testemunha e vítima etc.), destinando-se a ofertar ao juiz o convencimento sobre a verdade fática.

Vale ressaltar que, ainda que o doutrinador faça referência a utilização deste meio de prova na instrução do processo, a acareação também poderá ser empregada no inquérito policial.

Julio Mirabete (2000, p. 310) conceitua a acareação de forma mais extensa. Para o doutrinador,

Acarear (ou acoroar) é pôr em presença uma da outra, face a face, pessoas cujas declarações são divergentes. A acareação é, portanto, o ato processual consistente na confrontação das declarações de dois ou mais acusados, testemunhas ou ofendidos, já ouvidos, e destinado a obter o convencimento do juiz sobre a verdade de algum fato em que as declarações dessas pessoas forem divergentes.

Deste modo, o que se verifica é que a acareação é um meio para apurar a verdade dos fatos, através da contraposição das partes envolvidas, seja ela vítima, acusada (ou investigada) ou testemunha, no intuito de que seja obtida, também, a verdade real. A relevância da acareação está na realidade prática: os indivíduos podem ofertar versões diferentes dos fatos, ainda que eles tenham vivenciado o mesmo acontecimento.

3.2 HISTÓRICO

A origem do instituto da acareação está atrelada a origem da produção de provas no processo penal. Nos primórdios, o qual a doutrina denomina de fase religiosa ou mística, datada na Idade Média, não existia um sistema de valoração de provas, mas sim a verdade de Deus. Nesta modalidade, quando um indivíduo era acusado de algum ato ilícito, ele era submetido a uma prova que demonstraria a sua culpabilidade, sendo esta a resposta divina. Tais provas eram uma espécie de resistência aos limites humanos, através da demonstração de bravura e coragem (HARTMANN, 2003, p.110).

Os primeiros indícios de produção de provas ocorreram a partir do direito romano, que tinha como regra o dever daquele que acusou demonstrar os fatos alegados (MANSOLDO, 2011, p.2). No entanto, foi a partir do direito grego, em meados do século V, que se verificou o direito das testemunhas demonstrarem suas versões dos fatos, de opor a verdade ao poder, tendo se organizado e instaurado de forma definitiva em Atenas. A partir daí, as civilizações subsequentes adotaram tais meios de prova, no intuito de aprimorarem os seus julgamentos (OLIVEIRA, 2015).

3.3 HIPÓTESES DE UTILIZAÇÃO DA ACAREAÇÃO

Verificada a utilidade e os conceitos da acareação, faz-se necessário demonstrar os requisitos da admissibilidade deste instituto. Nos termos do art. 229 Código de Processo Penal, a acareação poderá ser realizada entre os acusados, entre os acusados e testemunhas, entre as testemunhas, entre acusado e vítima, entre testemunha e vítima e entre as vítimas. Além disso, conforme já pontuado, a acareação poderá ocorrer tanto na fase policial quanto na fase judicial, devendo ser respeitado o direito do investigado de não participar do ato, em atenção ao direito de não produção de prova contra si mesmo (LOPES JÚNIOR, 2019, p. 599).

Ato contínuo, a acareação não poderá ser realizada de maneira discricionária pela autoridade, ainda que ela possa ser feita de ofício. Devem ser cumpridos os seguintes pressupostos para a sua realização: a existência prévia de declarações, ou seja, para que haja acareação as pessoas intimadas deverão ter sido interrogadas anteriormente; divergência nas declarações; que o fato a ser esclarecido seja relevante para o processo (LOPES JÚNIOR, 2019, p. 599).

Outro aspecto importante é que, ainda que haja divergência nas falas das partes, não pode o juiz ou a autoridade policial submetê-las a uma acareação, pois,

Somente se justifica quando o desacordo disser respeito a fatos e circunstâncias importantes, ou seja, pontos essenciais, capazes de excluir ou modificar a acusação, ou afetar a própria defesa na sua essência. (LOPES JÚNIOR, 2019, p. 600).

A necessidade de que a acareação seja realizada somente quando houver divergência nos fatos se deve que, segundo ensinamento de Enrico Altavila (1981, p.325), o testemunho absolutamente exato é considerado a exceção à regra, o que consequentemente leva a suspeita do juiz.

Deste modo, verificada a divergência em grandes aspectos no depoimento das partes, caberá ao juiz ou a autoridade policial iniciar o procedimento de acareação. Também será possível, conforme verificado em estudos de psicologia judiciária, quando as partes, em seus depoimentos, trouxerem com exatidão pequenos detalhes, também será dever da autoridade contrapô-las, no intuito de verificar a inconsistência dos seus relatos.

3.4 PROCEDIMENTO LEGAL PARA REALIZAÇÃO DA ACAREAÇÃO

Inicialmente, verifica-se no art. 230 do Código de Processo Penal que os pontos a serem contrapostos e verificados na acareação devem estar contidos nos autos. Além disso, é possível a realização da acareação por precatória, devendo o juiz instruir no referido instrumento quais pontos o magistrado que ouvirá a depoente deverá questionar. No entanto, antes da expedição da carta, o juiz deverá ouvir a primeira testemunha e explicar quais questões de divergência estão em investigação, onde só subsistindo a discordância é que será ouvida a outra testemunha por precatória.

A acareação pode ser determinada de ofício pela autoridade, seja ela magistrado ou delegado, ou requerida pelos sujeitos parciais do processo, o que contempla a acusação e a defesa (DEZEM, 2016, p.726).

Ato contínuo, após a intimação e comparecimento das partes, seja em juízo, seja na delegacia, elas são reperguntadas e é solicitado que elas expliquem os pontos de divergência entre os seus depoimentos. A forma da acareação é oral, tanto no inquérito quanto no juízo. Um aspecto relevante da forma em que ocorre a acareação é

Conquanto a lei não o determine, a autoridade poderá dizer a cada um dos acareados em que consiste a divergência, em lugar de reperguntá-lo secamente sobre o mesmo fato que ensejou a discordância. E não deve ela cingir-se a reinquirir cada um dos acareados em presença do outro, mas deve provocar o debate entre eles, cabendo-lhe policiá-lo para que não degenere em altercação (TORNAGHI apud DEZEM, 2016, p.726-727).

Outrossim, todo o ato da acareação deve ser reduzido a termo ao final, sendo subscrito pelo escrevente e assinado pelo juiz ou delegado, acareados e partes presentes (MIRABETE, 2000, p.311).

3.5 HIPÓTESES DE ILEGALIDADE E UTILIZAÇÃO INDEVIDA DA ACAREAÇÃO

De antemão, a doutrina brasileira tem entendimento quase unânime de que a acareação poucas vezes soluciona as divergências causadas pelas partes, pois, na maioria das vezes, os acareados sustentam as versões anteriores e são raras as ocasiões em que há a retificação dos seus depoimentos. Esta é a razão pelo qual o uso da acareação nas investigações policiais e nas instruções criminais é incomum, ainda que seja habitual que as partes deem declarações divergentes (MIRABETE, 200, p.311).

Eventualmente, porém, o ato pode esclarecer dúvidas sobre os fatos e circunstâncias, pela retificação de uma declaração ou pela impressão pessoal do juiz sobre as declarações dos acareados quando pode surpreender a que está mentindo ou se está enganando (MIRABETE, 200, p.311).

No que se refere às ilegalidades no ato da acareação, a primeira delas é quanto o conflito de competência. Não pode, por exemplo, a Polícia Militar, em situação de flagrante, realizar acareação entre suspeitos de um delito. Isto por que nesta hipótese, há expressa violação dos princípios da ampla defesa, da vedação a não autoincriminação, do devido processo legal e a proibição de prova ilícita (COSTA, 2012, p.127).

Outro aspecto de ilegalidade, principalmente no que diz respeito ao inquérito policial, é o direito ao silêncio conferido aos investigados. Em atenção a esta regra, não pode o indivíduo ser coagido a realizar a acareação, devendo a acusação buscar provas que não dependam da colaboração do acusado para demonstrar os fatos, sendo seu direito de não participar do ato (MAKOWIECKY, 2009, p. 59).

Por fim, qualquer ocorrência de violação dos princípios constitucionais do processo penal na realização da acareação tornará ela eivada de ilegalidade. Além disso, caso o ato seja realizado sem que sejam observados os pressupostos para realização, a acareação também será utilizada de forma indevida, podendo ser requerido a sua nulidade.

4. APLICABILIDADE DA ACAREAÇÃO NO INQUÉRITO POLICIAL SEGUNDO A DOUTRINA E JURISPRUDÊNCIA

Verificados os conceitos, histórico, pressupostos e demais questões da acareação, passa-se o objetivo deste trabalho, que é analisar a aplicabilidade da acareação no inquérito policial.

De antemão, o art. 6º, inciso VI do Código de Processo Penal dispõe que “logo que tiver conhecimento da prática da infração penal, a autoridade policial deverá: proceder a reconhecimento de pessoas e coisas e a acareações”. Assim, o que se verifica é que já no início das investigações a autoridade poderá colher os depoimentos e realizar as acareações, quando cabível.

No entanto, um dos aspectos que merece destaque no que se refere à regulação da acareação pelo Código de Processo Penal, prevista nos artigos 229 e 230, é que há somente menção ao juiz, não sendo referido a autoridade policial, o que passa a compreensão de que a acareação não poderia ser aplicada nos inquéritos policiais. Vejamos.

Art. 230.Se ausente alguma testemunha, cujas declarações divirjam das de outra, que esteja presente, a esta se darão a conhecer os pontos da divergência, consignando-se no auto o que explicar ou observar. Se subsistir a discordância, expedir-se-á precatória à autoridade do lugar onde resida a testemunha ausente, transcrevendo-se as declarações desta e as da testemunha presente, nos pontos em que divergirem, bem como o texto do referido auto, a fim de que se complete a diligência, ouvindo-se a testemunha ausente, pela mesma forma estabelecida para a testemunha presente. Esta diligência só se realizará quando não importe demora prejudicial ao processo e o juiz a entenda conveniente (grifo nosso).

Porém, a simples ausência do vocábulo não significa que a acareação não seja aplicada nos inquéritos, pois, tal instituto também é mencionado no art. 6, VI do referido código.

Ato contínuo, outro aspecto verificado pela leitura do referido artigo é quanto a possibilidade de realização de acareação através de precatória. Sendo tal procedimento previsto para os processos judiciais, não teria o delegado de polícia competência para enviar a carta para outro delegado e assim realizar a oitiva do indivíduo. A partir daí, o que se extrai é que a acareação se torna menos eficaz nos inquéritos, já que o instituto neste meio não possui os mesmos pressupostos de quando ele é aplicado nos processos judiciais.

A doutrina também tem o entendimento de que a acareação não possui a mesma efetividade em comparação aos demais meios de prova previstos, pois na prática, as partes não alteram suas versões dos fatos e toda o procedimento necessário para a ocorrência deste instituto pode delongar a investigação (DEZEM, 2016, p. 728).

Quanto ao entendimento jurisprudencial acerca da acareação, o primeiro ponto a ser verificado é quanto a não obrigatoriedade da realização do instituto nas investigações. Vejamos entendimento do Superior Tribunal de Justiça.

2. Embora o acusado no processo penal tenha o direito à produção da prova necessária a dar embasamento à tese defensiva, é certo que, ao magistrado é facultado o indeferimento, de forma fundamentada, das providências que julgar protelatórias, irrelevantes ou impertinentes, devendo sua imprescindibilidade ser devidamente justificada pela parte. Mostrando-se desnecessária para o deslinde do feito a acareação, não há ilegalidade a ser reconhecida. (STJ, AgRg no REsp 1205385/ES, j. 28.04.2015, rel. Min. Nefi Cordeiro).

A decisão em comento é relevante e é procedência para que os investigados solicitem, através dos meios processuais cabíveis, o direito de não realizarem a acareação, visto a não obrigatoriedade.

Além disso, continuamente os tribunais decidem pelo indeferimento do pedido de acareação, em razão da existência de outros meios de prova que podem alcançar a realidade dos fatos e da ausência de justificativa concreta para sua realização.

5. O indeferimento do pedido de acareação, elaborado pela defesa do Agravante, demanda, na hipótese, reexame do conjunto probatório dos autos, uma vez que o indeferimento da diligência se deu de forma fundamentada. O Magistrado de primeiro grau analisou e concluiu pela absoluta desnecessidade de sua realização, porquanto existiram outros meios de prova. 6. Com efeito, não há nulidade processual sem demonstração da ocorrência de efetivo prejuízo para o Réu, nos termos do art. 563 do Código de Processo Pena (STJ – AgRg no Ag: 1377836 MG 2011/0014465-1, Relator: Ministra LAURITA VAZ, Data de Julgamento: 22/11/2011, T5 – QUINTA TURMA, Data de Publicação: DJe 01/12/2011).

Embora o acusado no processo penal tenha o direito à produção da prova necessária a dar embasamento à tese defensiva, é certo que, ao magistrado é facultado o indeferimento, de forma fundamentada, das providências que julgar protelatórias, irrelevantes ou impertinentes, devendo sua imprescindibilidade ser devidamente justificada pela parte. Mostrando-se desnecessária para o deslinde do feito a acareação, não há ilegalidade a ser reconhecida. (STJ, AgRg no REsp 1205385/ES, j. 28.04.2015, rel. Min. Nefi Cordeiro).

3. A teor do entendimento desta Corte, o juiz pode indeferir, em decisão devidamente fundamentada, como ocorreu na espécie, as diligências que entenda ser protelatórias ou desnecessárias, dentro de um juízo de conveniência, que é próprio do seu regular poder discricionário, não havendo nulidade alguma em tal proceder. (STJ, AgRg no AREsp 713847/MG, j. 01.10.2015, rel. Min. Maria Thereza de Assis Moura).

Outro aspecto de relevância da acareação no inquérito policial é quanto a nulidade da acareação realizada na investigação e os seus efeitos na ação penal. A jurisprudência tem entendido que, como o inquérito é peça meramente informativa, a nulidade de um dos seus atos não contamina o processo todo. Vejamos.

Impossibilidade de conhecimento. 2. A acareação feita no inquérito policial, reputada ilegal por não ter havido o prévio interrogatório de um dos acareados, não macula a ação penal, por ser peça meramente informativa. Recurso em habeas-corpus conhecido em parte, mas desprovido na parte conhecida. (STF, ROHC 81.065-9/RJ, 2.ª T., j. 14.08.2001, rel. Min. Maurício Corrêa).

Deste modo, o que se verifica é que a jurisprudência, em consonância com a doutrina, vem decidindo pela aplicabilidade de outros meios de prova em substituição da acareação, dado a sua complexidade, a baixa eficácia e os recursos necessários para sua realização.

CONCLUSÃO

O processo penal, diferentemente do processo civil, possui diversos pressupostos e regras a serem observadas no decorrer da sua realização. No aspecto penal o que vale é obter a realidade em quase toda a sua integridade, enquanto no processo civil é suficiente a prova que demonstre a “sombra” dos fatos.

Por isso, o Código de Processo Penal vem prever diversos meios de se obterem provas e, assim, obter a verdade dos fatos. Um destes é a acareação, um instituto que permite que as partes que tiveram acesso ou vivenciaram os fatos ilícitos se contraponham e cheguem com maior precisão à realidade investigada.

O que se verificou é que todo o procedimento da acareação depende da boa condução da autoridade, já que é ela quem se incumbirá de realizar os questionamentos, apontar as controvérsias e fazer com que as partes se recordem daquilo vivenciado e transmitem ao investigador.

No entanto, a partir da análise bibliográfica, o que se obteve é que, mesmo com a sua relevância, a acareação não é o meio mais utilizado nas investigações criminais. Entre os fatores existentes está a permanência do discurso das partes, que mantem os seus depoimentos e não demonstram as controvérsias; a logística dispendida, já que é necessário que as partes compareçam em juízo; em caso de impossibilidade de comparecimento, a dificuldade de realização da contraposição das partes por precatória e os direitos das partes em permanecerem em silêncio, até mesmo nesta situação.

Além disso, como existem outros meios de provas capazes de obter a realidade dos fatos, somado a jurisprudência que entende que não é obrigatória a realização da acareação, as autoridades tendem a não utilizar este instituto, tendo preferido os outros meios pertinentes ao caso.

Por fim, o que se conclui é que a acareação não é o melhor meio de prova a ser realizado no inquérito policial e que, subsistindo a comprovação por meios que não dependem estritamente das partes envolvidas, as autoridades tendem a aplicar estes meios, sempre em cumprimento ao princípio da busca da verdade real coadunado com o da eficácia.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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ALTAVILLA, Enrico. Psicologia judiciária. 3. ed. Coimbra: Arménio Amado, 1981. v. 1 e 2.

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COSTA, Carlos Henrique Generoso. A ilegal acareação produzida pela Polícia Militar do estado de Minas Gerais em conflito de atribuições com a Polícia Civil estadual ao lavrar o auto de prisão em flagrante delito na comarca de Serro MG sob a ótica da integridade de Ronald Dworkin. In.: Revista Eletrônica do Curso de Direito – PUC Minas Serro, Serro, p. 126-146, 2012. Disponível em: http://periodicos.pucminas.br/index.php/DireitoSerro/article/view/4872. Acesso em: 29 jan. 2021.

DEZEM, Guilherme Madeira. Curso de processo penal. 2 ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2016.

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MAKOWIECKY, Reginaldo. A (im)possibilidade do contraditório e a ampla defesa no inquérito policial. 2009. 67 f. Trabalho de conclusão de curso (Graduação em Direito) – Universidade do Vale do Itajaí, São José, 2009.

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NUCCI, Guilherme de Souza. Manual de processo penal e execução penal. 13 ed. Rio de Janeiro: Forense, 2016.

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[1] Graduação – Direito – Unirg – Universidade de Gurupi.

[2] Orientador. Pós-graduação em Direito Tributário e Direito Contratual – Universidade de Gurupi-UnirG.

Enviado: Fevereiro, 2021.

Aprovado: Março, 2021.

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Marcos Rodrigues Da Costa

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