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A intervenção judicial na punição disciplinar militar dos atos administrativos por meio do writ habeas corpus

RC: 91726
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CONTEÚDO

ARTIGO ORIGINAL

MORAES, Bárbara Da Silva [1]

MORAES, Bárbara Da Silva. A intervenção judicial na punição disciplinar militar dos atos administrativos por meio do writ habeas corpus. Revista Científica Multidisciplinar Núcleo do Conhecimento. Ano 06, Ed. 07, Vol. 09, pp. 05-17. Julho de 2021. ISSN: 2448-0959, Link de acesso: https://www.nucleodoconhecimento.com.br/lei/habeas-corpus

RESUMO

Como demonstrar a legalidade do uso de writ habeas corpus em prisões disciplinares das Forças Armadas? O objetivo deste artigo é demonstrar a legalidade do uso de writ habeas corpus em prisões disciplinares das Forças Armadas por meio da hermenêutica constitucional. Para esse fim, aplicou-se a análise bibliográfica, a documental dos julgados do STF e o método lógico dedutivo. Busca-se a elucidação do conceito do Estado Democrático de Direito, a aplicação dos princípios constitucionais e administrativos nos atos administrativos, a análise dos atos administrativos das decisões que determinam punições disciplinares que culminam na restrição (ou ameaça de restrição) do direito de ir e vir no ambiente da caserna e a análise da legalidade do Habeas Corpus sem prejuízo das bases das Forças Armadas, que são a hierarquia e disciplina. Na conclusiva, compreendeu-se que é legal a impetração do writ aplicando-se a hermenêutica constitucional, já que, a decisão que determina a punição militar é um ato administrativo, portanto, sujeita-se ao controle de seus atos, inclusive no mérito, em atendimento aos princípios constitucionais e administrativos, controle este que poderá ocorrer sem qualquer violação à hierarquia e disciplina convergindo com a vontade do constituinte originário.

Palavras-chaves: Direito Constitucional, Direito Administrativo, Punição disciplinar, Habeas Corpus, Hermenêutica constitucional.

1. INTRODUÇÃO

Com a violação do direito fundamental da liberdade, no âmbito da caserna, em decisões de punição administrativa com restrição a liberdade do indivíduo e do entendimento de que não cabe a impetração do Habeas Corpus em face dessas decisões, o presente artigo teve como questão norteadora: como demonstrar a legalidade do uso de writ habeas corpus em prisões disciplinares das Forças Armadas? O tema proposto, neste estudo, busca uma análise quanto à admissão do writ Habeas Corpus, a fim de demonstrar a legalidade do seu uso por meio da hermenêutica constitucional, na seara da caserna, em face de decisões, que são atos administrativos, que culminam nas punições disciplinares militar praticadas nas Forças Armadas, que são instituições nacionais, permanentes e regulares possuidoras da missão constitucional de zelar pela Pátria, pela garantia dos poderes constitucionais e, por iniciativa destes, da lei e da ordem, em um Estado Democrático de Direito assegurando aos administrados o direito fundamental da liberdade, quando restringida com punição excessiva no mérito.

Diante da importância do assunto, entende-se a necessidade de análise a partir da ótica do Direito Constitucional e do Direito Administrativo Militar, porque tanto este ramo, como quaisquer outros, dentro do nosso ordenamento jurídico pátrio, submetem-se àquele, já que vivem sob a égide constitucional, ressaltando, com isso, a necessidade da adequada hermenêutica constitucional, que é o estudo e a sistematização dos processos aplicáveis, almejando a determinação do sentido e do alcance das normas constitucionais.

O conflito deste tema apresenta-se com a interpretação literal quanto à expressa vedação constitucional de cabimento do writ Habeas Corpus, advinda do constituinte originário, em relação às punições disciplinares, motivo pelo qual há resistência do judiciário e das instituições militares em admitir o controle judicial do ato disciplinar militar, por meio desse instrumento constitucional, alegando inúmeras vezes tratar-se de um controle que vai de encontro ao dispositivo constitucional que o veda.

Apesar de diversas possibilidades de controle judicial dos atos disciplinares militares como o processo ordinário ou o mandado de segurança, o presente artigo, será limitado à análise do Habeas Corpus, porque é neste que há divergência de entendimento na sociedade, pois é um instrumento célere e possui cabimento, tanto na modalidade preventiva, quanto na repressiva, podendo ser feito por qualquer cidadão, inclusive, alcançando, dessa forma, maior efetividade ao administrado e o imediato acesso à justiça.

O objetivo geral deste trabalho é demonstrar a legalidade do uso de Habeas Corpus em prisões disciplinares das Forças Armadas por meio da hermenêutica constitucional dentro de uma leitura constitucional e administrativa, respeitando a vontade real do constituinte originário, em consonância aos princípios da hierarquia e disciplina das Forças Armadas.

Ademais, o estudo será estruturado na explicação do conceito do Estado Democrático de Direito, na aplicação dos princípios constitucionais e administrativos nas decisões que restringem a liberdade, na análise dos atos administrativos das decisões que geram as punições disciplinares que restringem ou ameaçam o direito à liberdade e no exame da legalidade do Habeas Corpus sem prejuízo das bases das Forças Armadas.

A relevância deste tema está na preservação de um dos maiores bens fundamentais assegurados pela Constituição da República que é a liberdade do indivíduo, por vezes ameaçada ou restringida de maneira arbitrária, tanto pela forma quanto pelo conteúdo nas instituições militares que possuem discricionariedade dos atos no âmbito administrativo, o que pode culminar em supervalorização dos costumes das tradições militares em detrimento do direito fundamental da liberdade.

2. DESENVOLVIMENTO

Para uma melhor compreensão deste artigo, é imperiosa a revelação de alguns conceitos jurídicos, porque é, a partir deles, que se faz uma construção sistemática e elucidativa do tema. Portanto, necessário é, ainda que breve, uma abordagem acerca do Estado de Direito, do poder constituinte que possui como “autores” o constituinte originário e o derivado.

O Brasil é um Estado Democrático de Direito, como declarado expressamente no art. 1ª da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, que significa ser um Estado, limitado pela Lei, que o poder emana do povo, sendo caracterizado como um Estado Constitucional, já que é simultaneamente um Estado de Direito e um Estado Democrático, submetendo a administração e os administrados ao ordenamento jurídico, às limitações impostas ao poder estatal, garantindo respeito aos direitos fundamentais e assegurando a todos uma igualdade material (BRASIL, 1988).

O poder constituinte é o poder de elaborar e modificar uma constituição e possui íntima relação com os seus autores, quais sejam: o constituinte originário, que é aquele que inicia com uma nova ordem constitucional, é o genuíno, o primário, rompendo com a ordem anterior, declarando a sua vontade independentemente de qualquer norma constitucional ou infraconstitucional que exista antes da sua elaboração, e o constituinte derivado, instituído, secundário, que se faz presente em atuações de modificações, apenas as permitidas pelo constituinte originário.

Sendo um Estado de Direito, todos estão sujeitos ao ordenamento jurídico (constituição, leis, emendas, decretos, resoluções, medidas provisórias etc.), quer seja esta instituída pelo poder constituinte originário, quer seja instituída pelo poder constituinte derivado, pelo legislativo ou por outros poderes, que possam exercer tal função legislativa, ainda que atipicamente. A obediência ao ordenamento jurídico é incontestável, consoante o seguinte excerto:

O “ordenamento jurídico” brasileiro está fundamentalmente estruturado com elementos que acabamos de mencionar. Tais elementos, contudo, para terem eficácia, há que atender a uma condição indispensável: obediência aos ditames da Constituição. Isso porque o nosso sistema de legalidade é do tipo constitucionalista. Vale dizer que todo o nosso Direito Positivo para ter validade, deve fundamentar-se ou derivar-se dos princípios prescritos pela Constituição Federal, lei fundante ou fundamental, e que vai estabelecer os lineamentos gerais a serem obrigatoriamente seguidos. Assim, no nosso Ordenamento Jurídico os dispositivos constitucionais assumem a regência de todo o sistema (SECCO, 2007, p.46).

As normas são compostas pelas regras (são mais concretas e têm o condão de definir condutas) e pelos princípios (são mais abstratos, sendo aplicáveis por ponderação, possuem como consequência lógica o condão de alcançar a maior efetividade da norma stricto sensu e afastam o conflito aparente destas). Consoante Mello (2004, p.51):

Os princípios são mandamentos nucleares de um sistema, seu verdadeiro alicerce, disposição fundamental que se irradia sobre diferentes normas, compondo-lhe o espírito e servindo de critério para a sua exata compreensão. Depreende-se, portanto, que a não aplicação de um princípio culmina em não observar adequadamente o sistema, em não alcançar a compreensão da norma em abstrato, é falhar na aplicação desta norma.

A CRFB/88 (BRASIL, 1988) possui expressamente numerosos direitos fundamentais. Contudo, serão abordados diretamente apenas dois pela direta relevância com o nosso tema, quais sejam: o direito à liberdade (art. 5º), à revisão dos atos administrativos (art. 5º, inciso XXXV), porque o writ Habeas Corpus é um instrumento jurídico, caracterizado como garantia fundamental, que aplicado tem o condão de resguardar aquele e revisar/controlar estes. Sob a concepção dos direitos fundamentais tem-se que:

Os direitos fundamentais em sentido formal podem ser identificados como aquelas posições jurídicas da pessoa humana – em suas diversas dimensões (individual, coletiva ou social) – que, por decisão expressa do legislador constituinte, foram consagradas no catálogo dos direitos fundamentais. Direitos fundamentais em sentido material são aqueles que, apesar de se encontrarem fora de seu catálogo, por seu conteúdo e por sua importância, podem ser equiparados aos direitos formalmente (e materialmente) fundamentais. A Constituição Federal do Brasil, em seu art. 5º, § 2º, exterioriza o entendimento segundo o qual, além do conceito formal de direitos fundamentais, há um conceito material, no sentido de que existem direitos que, por seu conteúdo, pertencem ao corpo fundamental da Constituição de um Estado, mesmo não constando expressamente do catálogo. (SCHAFER, 2001, p. 33-34).

O emprego de Habeas Corpus como proteção à liberdade do administrado punido ou na iminência de sê-lo pela punição administrativa disciplinar militar como meio de controle judicial apresenta o ponto de conflito nos preceitos constitucionais que regem as Forças Armadas com base na hierarquia e disciplina, contido no art. 142, § 2º da CRFB/88, vejamos:

As Forças Armadas, constituídas pela Marinha, pelo Exército e pela Aeronáutica, são instituições nacionais permanentes e regulares, organizadas com base na hierarquia e na disciplina, sob a autoridade suprema do Presidente da República, e destinam-se à defesa da Pátria, à garantia dos poderes constitucionais e, por iniciativa de qualquer destes, da lei e da ordem. Não caberá habeas corpus em relação a punições disciplinares militares (grifo nosso) (BRASIL, 1988).

As punições disciplinares militares acontecem pelo exercício dos poderes administrativos, que são parte do direito administrativo militar, que é uma parte especializada do direito administrativo, tendo como peculiaridade o estudo que rege as atividades das Forças Armadas (Marinha, Exército e Aeronáutica) e tudo que circunda a vida da caserna.

Para melhor elucidar o Direito Administrativo Militar, traz-se a seguinte definição:

O Direito Administrativo Militar pode ser entendido como sub-ramo do Direito Administrativo comum que, por meio de um conjunto de princípios jurídicos entrelaçados, disciplina e regula a atuação dos órgãos militares, dos agentes e servidores militares, objetivando atingir a função constitucionalmente reservada às Forças Militarizadas (DUARTE, 1998, p.4).

Por ser o Direito Administrativo Militar um sub-ramo do Direito Administrativo comum se aplicarão àquele os princípios constitucionais norteadores e os poderes da administração pública, princípios estes que estão expressos e implícitos na CRFB/88 (BRASIL, 1988).

Os princípios que estão presentes na CRFB/88 aplicáveis à administração pública militar são: legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade, eficiência, presunção de legitimidade e veracidade, continuidade do serviço público, motivação, razoabilidade e proporcionalidade, boa-fé. (BRASIL, 1988).

O artigo 37 da Carta Magna[2] declara a obediência da administração pública aos princípios e apresenta em um rol exemplificando alguns deles, vejamos: “A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência” (BRASIL, 1988).

No que tange aos poderes da administração pública militar, estão presentes os poderes: regulamentar, normativo, hierárquico, disciplinar, vinculado, discricionário e o de polícia. Contudo, neste artigo, buscando o alcance da compreensão do tema proposto, serão abordados apenas quatro deles, quais sejam: o hierárquico, o disciplinar, o vinculado e o discricionário, os quais serão verificados resumidamente abaixo:

  • Poder hierárquico: consiste no poder dever do superior dar ordens aos seus subordinados e o dever de obediência;
  • Poder disciplinar: é derivado do poder hierárquico e consiste no poder de apurar infrações funcionais e disciplinares e de aplicar punições aos administrados servidores;
  • Poder vinculado: consiste no administrador adotar na solução do caso concreto decisão prevista em lei, determinando, com isso, um ato com critérios objetivos;
  • Poder discricionário: consiste nas tomadas de decisões por meio de um juízo de conveniência e oportunidade, determinando, assim, um ato com critérios subjetivos.

No momento em que a administração determina uma punição disciplinar militar com pena de restrição de liberdade, está se praticando um ato administrativo que culminará ou culminou na violação do seu direito fundamental da liberdade fazendo eclodir a possibilidade da aplicação do instrumento do Habeas Corpus, sendo este writ mais informal, posto que sequer exige a capacidade postulatória[3], e tende a ser mais célere que qualquer outro writ ou ação ordinária. Contudo, a aplicação desse instrumento de garantia choca-se com a regra do art. 142, § 2º da CRFB/88. Destarte, revela-se a imperiosa necessidade do uso da hermenêutica constitucional. (BRASIL, 1988).

Quanto às bases institucionais, Abreu (2010, p. 293) as conceitua como: “a hierarquia é a ordenação vertical e horizontal da autoridade dentro da estrutura das forças armadas e a disciplina como a rigorosa observância e acatamento integral das leis, regulamentos, normas e disposições que regem a vida castrense”, revelando o jugo que esta base possui tanto nas forças armadas quanto nas suas forças auxiliares.

Quando da interpretação, deve-se aplicar os princípios constitucionais, quais sejam: princípio da unidade da Constituição, princípio da máxima efetividade, princípio da justeza ou da conformidade funcional, princípio da concordância prática ou da harmonização, princípio do efeito integrador e o princípio da força normativa da constituição, buscando evitar assim qualquer sensação de antinomia constitucional.

A partir da hermenêutica constitucional, analisamos que a decisão que determina a restrição de liberdade (direito fundamental previsto no art. 5ª da CRFB/88) advém de um ato administrativo, motivo pelo qual atrai a possibilidade da sua revisão (art. 5º, inciso XXXV da CRFB/88), demonstrando que não há qualquer antinomia na impetração do writ com o disposto no art. 142, § 2 da CRFB/88, mas sim a aplicação da interpretação sistemática, enaltecendo o princípio da unidade da constituição. (BRASIL, 1988).

Não se pode confundir a base institucional da hierarquia e disciplina com insubmissão ao sistema democrático de direito, portanto todos os atos administrativos oriundos da caserna sujeitam-se aos princípios pertinentes a ele.

Ato administrativo militar é todo aquele proveniente da Administração Militar e que cria, modifica ou extingue situação jurídica em relação ao servidor militar ou aos próprios órgãos dela integrantes, é curial dizer que o ato administrativo militar não é diferente do ato administrativo lato sensu, somente porque é praticado no âmbito da Administração Militar e por uma autoridade militar. A carga de discricionariedade ou vinculação ínsita a determinação do ato administrativo não se transmuda pelo simples fato de ter a sua consecução advinda de um administrador militar. (DUARTE,1998. p.10)

No que tange à intervenção judicial controlando o ato administrativo militar pelo writ, deve-se, porém, limitá-la quanto ao conteúdo, segundo Mendes (2012. p. 478):

O controle judicial sobre os atos de punição disciplinar militar conhece limitações relacionadas ao conteúdo específico da decisão de impor pena e sua motivação. Esse conteúdo, que não se confunde com os requisitos formais do ato, é conhecido como mérito administrativo, em uma linguagem mais remota.

Na mesma linha, encontra-se Moraes (2004. p. 81): “é relevante mencionar que os requisitos formais do ato administrativo (forma prescrita, competência do administrador, em resumo) desde muito são sujeitos a plena revisão judicial, ou seja, ao controle de sua legalidade”.

Não há qualquer crítica quanto à base da hierarquia e disciplina, tampouco há dúvidas sobre a discricionariedade do ato administrativo que autoriza a punição disciplinar militar, contudo, existe o cuidado frente à possibilidade de haver abuso de poder justificada no mérito administrativo. Bem como, repele-se qualquer entendimento que venha sugerir que a autoridade do comandante militar está sendo contraditada por outro poder, ferindo assim o princípio constitucional da hierarquia e, de maneira mediata, o princípio da disciplina militar.

Atualmente, há três correntes doutrinárias que buscam definir a limitação ao exame judicial dos atos administrativos discricionários, quais sejam: a da discricionariedade ampla, a da discricionariedade restrita e a da discricionariedade tendente a zero, consoante se verifica abaixo, respectivamente:

Pela corrente de discricionariedade ampla, mais remota, somente o controle de legalidade estaria autorizado pelo Poder Judiciário. Segundo a doutrina da discricionariedade restrita, ou da discricionariedade restrita e controle ampliado, a hermenêutica constitucional na interpretação da atividade administrativa estende a possibilidade de controle judicial reservado sempre um conteúdo ainda identificado com o mérito do ato administrativo, que constitui o núcleo da discricionariedade e está relacionado ao juízo de conveniência e oportunidade a ser delineado pelas regras não positivadas da “boa administração”. Já conforme a doutrina da discricionariedade tendente a zero, caracterizada pela maximização da técnica da hermenêutica constitucional de valoração dos princípios constitucionais não remanesceria no agir administrativo qualquer parcela protegida do controle judicial. (DIAS, 2008. p.9-12)

Ressalta-se que o Supremo Tribunal Federal (STF) tem adotado em sua jurisprudência a teoria intermediária, da discricionariedade restrita, como se observa no ARE 884792[4]e nesta decisão

Os princípios constitucionais da ampla defesa e do contraditório são de observância obrigatória no campo do procedimento administrativo disciplinar. Precedentes: AI 401.472-AgR, Rel. Min. Roberto Barroso, Primeira Turma, DJe 9/4/2014, e ARE 728.143-AgR, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, Segunda Turma, DJe de 25/6/2013. 2. Os princípios da ampla defesa e do contraditório nos procedimentos administrativos, quando aferidos pelas instâncias ordinárias, não podem ser revistos por esta Corte em razão do óbice da Súmula 279. Precedente: ARE 751.360-AgR, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, Segunda Turma, DJe de 27/2013. 3. O controle jurisdicional dos atos administrativos discricionários não viola o princípio constitucional da separação dos poderes. Precedente: AI 777.502-AgR, Rel. Min. Ellen Gracie, Segunda Turma, DJe 25/10/2010. 4. A decisão judicial tem que ser fundamentada (art. 93, IX), ainda que sucintamente, sendo prescindível que o decisum se funde na tese suscitada pela parte. Precedente: AI-QO-RG 791.292, Rel. Min. Gilmar Mendes, Tribunal Pleno, DJe de 13/8/2010. 5. In casu, o acórdão extraordinariamente assentou: “PROCESSUAL CIVIL. POLICIAL MILITAR. AÇÃO ORDINÁRIA. PUNIÇÕES DISCIPLINARES PUBLICADAS EM BIO N. 38, 39, 40 E 41/1999, FULCRADAS NOS INCISOS I, XVII, XVIII, XXI, XXII, XXV, XXVI E CXXXV DO ART. 13 DO DECRETO ESTADUAL N. 29535/83, COM ATENUANTES E AGRAVANTES. PRETENSÃO DE ANULAÇÃO DOS ATOS ADMINISTRATIVOS. PENAS APLICADAS SEM PRÉVIA INSTAURAÇÃO DE SINDICÂNCIA OU PROCESSO ADMINISTRATIVO. AUSÊNCIA DE CONTRADITÓRIO E AMPLA DEFESA. INTELIGÊNCIA DO ART. 5º, LIV E LV, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. NULIDADE EVIDENTE. PROCEDÊNCIA. APELAÇÃO. PRESENÇA DOS PRESSUPOSTOS DE ADMISSIBILIDADE. INOCORRÊNCIA DE GARANTIAS CONSTITUCIONAIS. PUNIÇÕES INDEVIDAS. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. FIXAÇÃO EXCESSIVA. REDUÇÃO ADMISSÍVEL RECURSO VOLUNTÁRIO PARCIALMENTE PROVIDO. SENTENÇA REFORMADA, EM PARTE, INCLUSIVE EM NECESSÁRIO REEXAME.” 6. Agravo regimental DESPROVIDO.” (ARE 793334 AgR / BA –BAHIA AG.REG. NO RECURSO EXTRAORDINÁRIO COM AGRAVO Relator(a): Min. LUIZ FUX Julgamento: 03/06/2014. Órgão Julgador: Primeira Turma) (grifo nosso)[5]

A aplicação da tutela estatal em decisão de habeas corpus que analisa o mérito da punição é legal na medida em que há punições que se excedem na correlação entre o ato praticado pelo militar e a punição aplicada por seu superior.

Ao nosso sentir, o posicionamento da suprema corte está em consonância com a vontade do constituinte originário revelada pela hermenêutica constitucional, afastando qualquer argumentação de antinomia, ou seja, sem conflito de normas constitucionais.

3. CONCLUSÃO

É inequívoco o resguardo aos direitos fundamentais, à aplicação dos instrumentos constitucionais que os garantem, bem como aos princípios da hierarquia e da disciplina aplicados às Forças Armadas pela Constituição Federal, atraindo a necessidade da aplicação da hermenêutica constitucional em busca da unidade do sistema constitucional pátrio objetivando a harmonia e do equilíbrio entre a sociedade.

Ao analisarmos os pontos em questão, quais sejam: Estado de Direito, os princípios constitucionais, os direitos fundamentais, a vedação do Habeas Corpus prevista no art. 142, § 2º da CRFB/88, o conceito de constituinte originário e derivado, a hermenêutica constitucional e as Forças Armadas como parte integrante da administração pública, nós construímos um caminho lógico dedutivo.

Extrai-se que as Forças Armadas fazem parte da administração pública, praticando atos administrativos, que, tanto a sociedade civil, quanto a militar submetem-se ao ordenamento jurídico, ordenamento este que atua com a aplicação dos princípios, como meio de ponderação de eventuais conflitos, solucionando questões e revelando a intenção do constituinte originário por meio da hermenêutica constitucional, que vão ao encontro de uma análise sistemática respeitando a unidade constitucional, legitimando, o uso do writ.

Infere-se que não há qualquer inconstitucionalidade na admissão do writ Habeas Corpus como forma de controle das punições disciplinares militar e que no Estado de Direito, exige-se controle de todos os atos administrativos, indo ao encontro da perfeita vontade do constituinte originário, controlando aspectos da legalidade, da razoabilidade e da proporcionalidade, inclusive em questão de mérito, em busca da iminente necessidade de preservar a eficácia conjunta e simultânea dos princípios constitucionais, dentre eles o da hierarquia e o da disciplina.

REFERÊNCIAS

ABREU, J. L. N. de. Direito administrativo militar. São Paulo: MÉTODO, 2010.

BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil: promulgada em 5 de outubro de 1988.

DUARTE, A. P. Direito administrativo militar. Rio de Janeiro: Forense, 1998.

MELLO, C. A. B. de. Curso de direito administrativo. ed. 17, São Paulo: Malheiros, 2004.

MENDES, G. F.; BRANCO, P. G. G. Curso de Direito Constitucional. ed. 07, São Paulo: Saraiva, 2012.

MORAES, G. de O. Controle jurisdicional da administração pública. ed. 02, São Paulo: Dialética, 2004.

SCHAFER, J. G. Direitos Fundamentais: proteção e restrições. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2001.

SECCO, O. de A. Introdução ao estudo do direito. ed. 10, Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2007.

SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. Jurisprudência. Brasília, DF. Disponível em: <http://www.stf.jus.br/portal/jurisprudencia/listarJurisprudencia>. Acesso em: 10 de março de 2020.

VII JORNADA JURÍDICA DO CORPO DE FUZILEIROS NAVAIS. 2018: As Forças Armadas nos 70 anos da Declaração Universal dos Direitos Humanos e nos 30 anos da Constituição Federal. ed. 01, Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2019. Disponível em: <https://www.marinha.mil.br/noticias/corpo-de-fuzileiros-navais-promove-vii-jornada-juridica>.

APÊNDICE – REFERÊNCIA DE NOTA DE RODAPÉ

2. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988

3. Capacidade técnica deferida pela OAB na aprovação do exame por ela aplicado

4. ARE 884792, Relator(a): Min. DIAS TOFFOLI, julgado em 29/04/2015, publicado em PROCESSO ELETRÔNICO DJe-107 DIVULG 03/06/2015 PUBLIC 05/06/2015)

5. SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL, 2020. Disponível em <http://www.stf.jus.br/portal/jurisprudencia/listarJurisprudencia>

[1] Pós-Graduada Em Direito Material E Processual Do Trabalho Pela Faculdade Cândido Mendes; Pós-Graduada Em Direito Militar Pela Faculdade Dom Alberto; Graduada Em Direito Pela Universidade Estácio de Sá.

Enviado: Julho, 2021.

Aprovado: Julho, 2021.

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Bárbara Da Silva Moraes

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