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Questões fundamentais relativas aos comitês de resolução de controvérsias (dispute boards)

RC: 148567
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DOI: 10.32749/nucleodoconhecimento.com.br/lei/comites-de-resolucao

CONTEÚDO

ARTIGO ORIGINAL

LEVIN, Eduardo [1]

LEVIN, Eduardo. Questões fundamentais relativas aos comitês de resolução de controvérsias (dispute boards). Revista Científica Multidisciplinar Núcleo do Conhecimento. Ano. 08, Ed. 09, Vol. 03, pp. 56-75. Setembro de 2023. ISSN: 2448-0959, Link de acesso: https://www.nucleodoconhecimento.com.br/lei/comites-de-resolucao, DOI: 10.32749/nucleodoconhecimento.com.br/lei/comites-de-resolucao

RESUMO

O presente artigo pretende responder a duas indagações relativas aos Comitês de Resolução de Controvérsias (Dispute Boards): necessidade de previsão legal para a sua adoção pela Administração Pública, e compatibilidade do instituto em relação aos princípios constitucionais que norteiam o regime jurídico-administrativo. Após breve análise histórico-evolutiva e avaliação sobre as características de referido meio alternativo de solução de disputas, chega-se à conclusão de que se faz necessário que ele esteja previsto em lei, sob pena de afronta ao princípio da legalidade, e de que se trata de instrumento que está em plena compatibilidade com o arcabouço principiológico aplicável à Administração Pública, previsto na Constituição Federal do Brasil.

Palavras-chave: Dispute Boards, Legalidade, Constitucionalidade.

1. INTRODUÇÃO

A tendência de valorização dos meios não judiciais de soluções de controvérsias envolvendo a Administração Pública vem se intensificando. Não somente a arbitragem, regulada pela Lei nº 9.307/1996,[2] e a mediação, contemplada na Lei nº 13.140/2015, vêm sendo utilizadas pelo Poder Público em sua relações travadas com particulares, como também outros instrumentos alternativos de soluções de controvérsias, tais como as câmaras de autocomposição e os comitês de resoluções de disputas (dispute boards). Costuma-se apontar duas características principais de todas essas ferramentas: a celeridade, na medida em que dispensam o Judiciário e sua usual demora, e a economicidade, em que há redução de despesas com os meios clássicos de solução de disputas (CARVALHO FILHO, 2023, p. 176).

O objeto do presente trabalho é uma dessas modalidades: o chamado internacionalmente de “Dispute Resolution Board” (DRB), expressão que na língua portuguesa poderia ser traduzida por “Comitê de Resolução de Controvérsias”. Normalmente utilizada para resolução de conflitos contratuais relativos a empreendimentos de grande porte, essa modalidade vem ganhando impulso. Em projetos de grande envergadura e complexidade, como obras de infraestrutura, tem-se inserido cláusula contratual que designa um comitê, normalmente composto por três técnicos de boa reputação, merecedores da confiança das partes, que acompanharão sua execução desde o início (SILVA NETO, 2019, p. 69-95).

Diferentemente do que se observa nos demais mecanismos de solução de disputas, tais como a mediação, a conciliação e a arbitragem, nos quais a constituição do ente que resolverá a controvérsia é posterior ao surgimento da última, o Comitê de Resolução de Controvérsias (Dispute Board) é formado previamente, pois já se sabe que, em se tratando de obras de grande envergadura, disputas ocorrerão, notadamente aquelas de caráter técnico. Os dispute boards são formados juntamente com a formação do próprio contrato, e sua atuação é permanente, permitindo que seus membros acompanhem toda a execução do contrato, tomando conhecimento dos conflitos tão logo eles ocorram, e emitindo recomendações e decisões, estas últimas podendo ter caráter impositivo para as partes da relação contratual.

Esse acompanhamento da obra desde o início pelos membros do painel, que devem estar sempre cientes acerca do desenvolvimento do objeto contratual, mediante visitas regulares ao local da execução e acesso à documentação pertinente, propicia que o comitê conheça o dia a dia do negócio e o relacionamento entre as partes. Com isso, o procedimento perante um dispute board torna-se célere, contando com tempo relativamente curto para a realização de investigações ou reflexões mais profundas (WALD, 2011, p. 139-151).

Especificamente no que diz respeito aos contratos administrativos de infraestrutura que demandam uma elevada sofisticação em sua concepção (como é o caso de grandes empreendimentos contratados sob o regime de concessões comuns ou sob o regime de parcerias público-privadas), tem se verificado que o êxito na sua consecução depende muito da governança e da gestão de tais contratos. Trata-se de empreendimentos complexos, de longo prazo, que envolvem contratos coligados, financiamentos via projeto, e uma gama complexa de relações jurídicas, técnicas, financeiras e econômicas interdependentes, sendo alta a probabilidade de que ocorram conflitos entre as partes contratantes ao longo da execução do contrato, em especial no que se refere a questões técnicas relativas à execução de seu objeto.

Aponta-se, nesse tipo de relação contratual, para a necessidade de que tais conflitos sejam solucionados o mais rápido possível, por técnicos especializados que estejam a par dos últimos acontecimentos relacionados à execução do contrato. Isso evita que o conflito assuma grandes proporções e tenha que ser resolvido, em momento bem posterior ao seu surgimento, por árbitros ou pelo Poder Judiciário, o que representaria maior custo e tenderia a não produzir uma ótima resolução da controvérsia, na medida em que aquele incumbido de solucionar o litígio seria pessoa alheia aos lindes contratuais e ao dia a dia da obra em execução (GARCIA, 2022a, p. 161). Daí a importância que vem sendo dada à cláusula que institui o Comitê de Resolução de Controvérsias nesse tipo de contrato.

Pois bem. O presente artigo pretende abordar duas questões fundamentais relativas aos Comitês de Resolução de Controvérsias (Dispute Boards): a primeira delas diz respeito à possibilidade ou não de sua utilização em contratos administrativos mesmo diante da ausência de previsão legal específica, com base apenas em dispositivos legais que admitem genericamente o emprego de “mecanismos privados para resolução de disputas” (como preveem os artigos 23-A, da Lei nº 8.987/95, e 11, inciso III, da Lei nº 11.079/04, por exemplo).[3] A segunda diz respeito à constitucionalidade ou não da previsão dos Comitês de Resolução de Controvérsias em contratos administrativos, mormente naqueles que tratam da prestação de serviços públicos, pois estes se referem a interesses indisponíveis, coisas extra commercium, de modo que, ao menos em princípio, não se poderia subtrair do Poder Judiciário a solução dos conflitos decorrentes de tais contratos.[4]

2. ORIGEM E EVOLUÇÃO DO INSTITUTO

Os Dispute Boards foram adotados pela primeira vez nos Estados Unidos, na década de 1960, no âmbito das obras da Central Hidroelétrica que fornece energia à cidade de Seattle, capital do Estado de Washington. Na ocasião, especialistas (o chamado Joint Consulting Board) foram contratados pelas partes para acompanhar e dar pareceres sobre os conflitos oriundos do projeto. A experiência foi muito bem sucedida, razão pela qual o mecanismo começou a ser institucionalizado naquele país. Outro exemplo de sua adoção remete ao ano de 1975, quando foi estabelecido um Dispute Board para construção do Eisenhower Tunnel no estado americano do Colorado (MARTINS; GOMES; MEDICI, 2020).

Em 1980, o Dispute Board foi utilizado no projeto financiado pelo Banco Mundial para construção da barragem em hidrelétrica El Cahon, em Honduras (SOUSA, 2020, p. 106-107). A partir de então passou a ser adotado de forma sistemática em diversos contratos de construção de grandes projetos em todo o mundo.[5] Ao longo das últimas décadas, vários países vêm adotando os dispute boards, tais como Reino Unido, França, Dinamarca, Suécia, Austrália, Nova Zelândia, Canadá, Índia, China, Hong Kong, Etiópia, África do Sul, dentre outros (STEPHENSON; GOLDSMITH, 2023).

É preciso, no entanto, observar que o contexto jurídico brasileiro é bem distinto dos contextos jurídicos de países europeus e norte-americanos.

O Brasil, como é notório, adota o princípio da jurisdição una, nos termos do que dispõe o inciso XXXV do artigo 5º da Constituição Federal, segundo o qual “a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito”. Significa dizer que todas as contendas sobre direitos, envolvam ou não a Administração Pública, somente poderão ser solucionadas, em caráter definitivo, pelo Poder Judiciário.[6] Não há no Brasil, portanto, ao lado da jurisdição comum, uma estrutura de contencioso administrativo própria para a solução de conflitos envolvendo a Administração Pública, como se observa nos regimes francês e italiano, por exemplo, onde há Cortes e Tribunais administrativos específicos para solucionar esse tipo de litígio, aos quais cabe proferir decisões revestidas pela coisa julgada.[7]

Isso não significa, evidentemente, que não haja processos administrativos para a apreciação de conflitos entre administrados e Administração Pública, tramitando na via administrativa. É sempre permitido que o indivíduo reclame da Administração junto a seus próprios órgãos, através de recursos administrativos, como os de reclamação e de representação, por exemplo. Mas, diferentemente do processo judicial – em que a relação jurídica estabelecida entre as partes é trilateral (Estado-Juiz, parte autora e parte ré) –, no processo administrativo a relação é bilateral, porque, quando há conflito, de um lado está o Estado e de outro o particular, incumbindo àquele decidir a contenda (o Estado é parte e juiz ao mesmo tempo). Além disso, diversamente do que ocorre em relação às decisões judiciais, que podem se tornar imodificáveis e definitivas, as decisões proferidas no processo administrativo brasileiro poderão sempre ser modificadas pelo Poder Judiciário (CARVALHO FILHO, 2023, p. 872).

Essas características do sistema jurídico brasileiro acarretaram, em alguma medida, um certo menoscabo em relação à criação e manutenção de boas estruturas administrativas para a solução de conflitos entre Administração Pública e particulares, na medida em que, ao fim e ao cabo, qualquer decisão administrativa poderia ser sempre revista pelo Poder Judiciário. Isso fez não somente com que a solução de conflitos via processo administrativo não assumisse o protagonismo que merecia, como também acabou descarregando no Judiciário a obrigação de enfrentar questões altamente intrincadas envolvendo, por exemplo, reequilíbrios econômico-financeiros em complexos contratos de concessão, que apresentam uma série de componentes que escapam por completo do conhecimento tradicional dos contratos administrativos regidos pelas Leis nº 8.666/93 e nº 14.133/21 (GARCIA, 2022b, p. 27).

Provavelmente esses são os motivos pelos quais os Comitês de Resolução de Controvérsias (Dispute Boards), há até pouco tempo atrás, sequer possuíam expressa previsão legal no direito brasileiro. A Administração Pública se valia de dispositivos genéricos, tais como os artigos 23-A, da Lei nº 8.987/95, e 11, inciso III, da Lei nº 11.079/04, para adotá-los em suas relações contratuais, o que causava certa insegurança jurídica. O Tribunal de Contas da União (TCU), por exemplo, resistia em reconhecer a validade e a plena aplicabilidade de cláusulas contratuais de contratos administrativos que previssem o emprego dos comitês (BRASIL, 2020a; BRASIL, 2020b).

Essa falta de lei regulamentadora sempre ensejou grande insegurança jurídica, afetando especialmente os membros da Administração Pública, que hesitam em cumprir as decisões emitidas pelo Comitê, quando elas são favoráveis ao contratante.[8] Se a Administração Pública, em razão do princípio da legalidade, só está autorizada a agir nos termos da lei, não podendo, por simples ato administrativo, gerar obrigações, estabelecer vedações ou conceder direitos de qualquer espécie aos administrados (DI PIETRO, 2023, p. 109 e 329), poderia ela se valer, mediante cláusula contratual, de instituto jurídico não previsto nem regulamentado em lei?

3. DA DISCIPLINA LEGAL SOBRE OS DISPUTE BOARDS

Não é de hoje que o excesso de judicialização e a realidade de um Poder Judiciário assoberbado de ações judiciais, em especial aquelas que envolvem entes públicos, têm gerado grande preocupação.[9] A falta de estruturas administrativas bem definidas e bem equipadas para o julgamento de litígios envolvendo a própria Administração Pública é, sem dúvida, uma das causas da multiplicação de demandas levadas ao Poder Judiciário, o que tem levado à busca de alternativas mais viáveis para a resolução desses conflitos.

Uma das iniciativas em prol da utilização de meios alternativos de solução de conflitos envolvendo a Administração Pública partiu do Conselho da Justiça Federal (CJF), que aprovou, na “I Jornada de Prevenção e Solução Extrajudicial de litígios”, 87 (oitenta e sete) enunciados contendo regras para a arbitragem, a mediação e outros meios alternativos de solução de conflitos, na tentativa de aprimorar os aspectos normativo-jurídicos e estimular soluções mais céleres e eficientes em litígios dos quais a Administração Pública faça parte.[10]

Assim começou a ser pavimentado o caminho para a utilização dos dispute boards no Brasil. Na referida Jornada, foram aprovados três enunciados que pela primeira vez se referiram ao instituto no país, transmitindo ao meio jurídico uma mensagem de aprovação para a sua utilização. São eles:

Os Comitês de Resolução de Disputas (Dispute Boards) são métodos de solução consensual de conflito, na forma prevista no § 3° do art. 3º do Código de Processo Civil Brasileiro; 76. As decisões proferidas por um Comitê de Resolução de Disputas (Dispute Board), quando os contratantes tiverem acordado pela sua adoção obrigatória, vinculam as partes ao seu cumprimento até que o Poder Judiciário ou o juízo arbitral competente emitam nova decisão ou a confirmem, caso venham a ser provocados pela parte inconformada; 80. A utilização dos Comitês de Resolução de Disputas (Dispute Boards), com a inserção da respectiva cláusula contratual, é recomendável para os contratos de construção ou de obras de infraestrutura, como mecanismo voltado para a prevenção de litígios e redução dos custos correlatos, permitindo a imediata resolução de conflitos surgidos no curso da execução dos contratos (BRASÍLIA, 2016).

Todavia, ainda faltava lei federal específica que tratasse do tema, embora houvesse o entendimento de que leis que previam genericamente o emprego de métodos alternativos para solução de conflitos autorizariam, implicitamente, o emprego de dispute boards em contratos dessa natureza. Eram os casos da Lei das Concessões (Lei nº 8.987/1995), em seu artigo 23-A, da Lei das Parceiras Público-Privadas (Lei nº 11.079/2004), em seu artigo 11, inciso III, da Lei do Regime Diferenciado de Contratações Públicas (Lei nº 12.462/2011), em seu artigo 44-A, entre outras. Ainda assim, a utilização do instituto sofria críticas, pois não havia uma previsão legal expressa que o contemplasse, ao menos não em nível federal.

Três situações concretas, duas delas enfrentadas pelo Tribunal de Contas da União (TCU), e uma pelo Poder Judiciário, evidenciam a falta de segurança jurídica que havia sobre o tema.

A primeira delas é a do processo de outorga da concessão de trechos das rodovias federais BR-153/TO/GO e BR-080/414/GO, submetido pela Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT) ao Tribunal de Contas da União. A minuta contratual da outorga anunciava, em uma de suas cláusulas, que a ANTT e a concessionária poderiam utilizar três mecanismos para a solução de controvérsias relativas à aplicação das normas contratuais que envolvessem direito patrimonial disponível: (i) autocomposição de conflitos; (ii) arbitragem; e (iii) comitê de resolução de conflitos (dispute board).

Quanto ao último, discutiu-se sobre a existência ou não de previsão legal para a adoção do mecanismo, na medida em que não havia previsão legal específica sobre o comitê de resolução de conflitos em lei[11], diferentemente dos mecanismos de arbitragem (Lei nº 9.307/96, alterada pela Lei nº 13.129/2015) e de autocomposição (Lei nº 13.140/2015). Em que pese as pertinentes alegações da ANTT, de que se trata de mecanismo reconhecido internacionalmente, que encontra previsão genérica no artigo 23-A da Lei nº 8.987/95 (que dispõe genericamente sobre o emprego de mecanismos privados para resolução de disputas), o TCU determinou que a previsão contratual da utilização do dispute board viesse acompanhada de uma condicionante: a de que ele somente poderia ser aplicado após regulamentação por parte da própria ANTT, sendo que eventual omissão da autarquia não ensejaria quaisquer direitos subjetivos à concessionária (BRASIL, 2020a).

A segunda situação se deu nos autos de acompanhamento da concessão de trechos das rodovias BR-163/MT/PA e BR-230/PA. A mesma exigência, de inclusão, na minuta contratual, de dispositivo prevendo que o uso do dispute board somente poderia ocorrer após sua regulamentação pela ANTT, e que eventual omissão da autarquia não conferiria quaisquer direitos subjetivos à concessionária, foi imposta pelo TCU, com base nos mesmos argumentos, de que o comitê de resolução de disputas não é tratado em nenhuma lei específica, nem regulamentado pela ANTT (BRASIL, 2020b).

A terceira situação ocorreu no âmbito da Justiça Estadual paulista, que exarou, no ano de 2018, decisão admitindo a utilização do dispute board no contrato da linha 4 do metrô de São Paulo. A adoção do comitê de resolução de conflitos havia se dado por exigência do financiador do projeto, o Banco Mundial (BIRD), mesmo sem disposição legal expressa que chancelasse a utilização do mecanismo.

No caso em tela, uma decisão do Conselho de Resolução de Disputas (CRD) obrigara a Companhia do Metropolitano de São Paulo (METRÔ)[12] a pagar pelos serviços de retirada, disposição e tratamento de solo contaminado proveniente da vala a céu aberto “Vila Sônia”, que haviam sido prestados pelo Consórcio TC Linha 4 Amarela. O METRÔ discordou da decisão e recorreu ao Judiciário, que concedeu, em primeiro grau de jurisdição, tutela de urgência para suspender os efeitos da decisão do comitê. No entanto, o Consórcio recorreu e o Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ/SP), por meio de sua 10ª Câmara de Direito Público, suspendeu, por unanimidade, a decisão de primerio grau, mantendo os efeitos da decisão do comitê.

Na ocasião, enfatizou-se a importância de que o Poder Judiciário respeite os efeitos daquilo que está contratualmente pactuado, no sentido de observar as deliberações de um comitê formado por profissionais tecnicamente capazes de resolver esse tipo de contenda, desde que os princípios do contraditório e do livre convencimento motivado sejam observados. De acordo com o desembargador Torres de Carvalho, relator do caso, só há que se falar em interferência judicial com moderação “e em casos que fujam à normalidade, para que a resolução amigável não se torne uma fase sem sentido ou eficácia ou que a vinda a juízo não represente mais que inconformismo com uma decisão fundamentada e, ao seu modo, correta” (TJ/SP, 2018).

Não obstante o entendimento da corte de justiça paulista, parece-nos que o TCU está correto em exigir previsão legal expressa para a adoção desses comitês por parte do administrador público, sob pena de violação do princípio da legalidade. Se é verdade que inexiste qualquer vedação para sua adoção em contratos administrativos, também é verdade que a Administração Pública está submetida a uma diretriz básica: toda e qualquer atividade administrativa deve ser autorizada por lei (CARVALHO FILHO, 2023, p. 60). É o que apregoa o princípio da legalidade, isto é, a vontade da Administração Pública é a que decorre da lei, de modo que ela só pode fazer o que a lei permite (DI PIETRO, 2023, p. 109).

Trata-se, o princípio da legalidade, conforme ensina Celso Antônio Bandeira de Mello, de princípio capital para a configuração do regime jurídico-administrativo, na medida em que qualifica o Estado como Estado de Direito. No Estado de Direito, a atividade administrativa se submete à lei, somente pode ser exercida na conformidade desta. A função administrativa se subordina à legislativa “não apenas porque a lei pode estabelecer proibições e vedações à Administração, mas também porque esta só pode fazer aquilo que a lei antecipadamente autoriza” (MELLO, 2021, p. 86). Sendo completa a submissão da Administração às leis, faz-se necessário que a lei preveja expressamente a possiblidade de utilização do dispute board, sob pena de sua adoção ser inviabilizada.

3.1 A PREVISÃO DA LEI Nº 14.133/2021

Essa lacuna legislativa, contudo, foi suprida pela publicação da Lei nº 14.133/2021 (nova Lei de Licitações), cujo artigo 151 prevê expressamente sobre a possibilidade de que o contrato administrativo preveja o Comitê de Resolução de Disputas.[13] A Lei nº 14.133/2021 ainda estabelece, no artigo 154, que “o processo de escolha dos árbitros, dos colegiados arbitrais e dos comitês de resolução de disputas observará critérios isonômicos, técnicos e transparentes”, e prevê, no artigo 138, inciso II, que a extinção do contrato administrativo poderá ser “consensual, por acordo entre as partes, por conciliação, por mediação ou por comitê de resolução de disputas, desde que haja interesse da Administração”.

É verdade que o dispositivo não conceitua nem regulamenta de forma promenorizada o instituto: não dispõe sobre sua composição, sobre o momento de sua instalação, nem esclarece se suas decisões terão ou não caráter vinculante para as partes, e em que termos.[14] Todavia, nada impede que todos esses pormenores sejam previstos em contrato, podendo inclusive já estarem expressos no próprio edital de licitação.

A nova previsão legal, inclusive, fez com que o próprio TCU alterasse o seu entendimento. No Acórdão nº 1.951/2022, que examinava os termos da outorga do contrato de concessão da rede metroferroviária da Região Metropolitana de Belo Horizonte, o TCU aceitou que a concessionária vencedora do certame venha a requerer a instalação de “Comitê de Prevenção e Resolução de Divergências (Dispute Board)” para viabilizar soluções de engenharia relativas ao serviço de transporte metroferroviário em questão (TCU, 2022).

Merece destaque, ainda, a possibilidade de que outros entes federativos, que não a própria União, editem leis que prevejam expressamente a utilização do instituto. A Lei Municipal nº 16.873/2018 do Município de São Paulo/SP, por exemplo, criou o “comitê de prevenção e solução de disputas”, para dirimir conflitos relativos a direitos patrimoniais disponíveis em contratos públicos, devendo estar previsto no edital de licitação e no contrato. Segundo referido diploma legal, o dispute board poderá ter natureza revisora, adjudicativa ou híbrida, a depender dos poderes que lhe forem outorgados pelo contrato de obra celebrado.

O “Comitê por Revisão” poderá emitir recomendações não vinculantes aos contratantes. O “Comitê por Adjudicação” poderá emitir decisões contratualmente vinculantes às partes, que se não concordarem terão de recorrer ao Judiciário. O “Comitê Híbrido”, por sua vez, poderá tanto emitir meras recomendações quanto decidir sobre os conflitos, cabendo à parte apresentou o requerimento para a solução do conflito solicitar o exercício de sua competência (revisora ou adjudicativa).[15]

A lei paulistana, diferentemente da Lei de Licitações, regulamenta o instituto com mais detalhe, prevendo que o board deverá ser composto de três pessoas (preferencialmente dois engenheiros e um advogado, nos termos do artigo 6º), que devem observar a independência e a imparcialidade também aplicável aos árbitros e juízes. Prevê, ainda, que os custos de instalação e manutenção do comitê serão repartidos entre os contratantes (o contratado antecipa o valor integral, e a Municipalidade reembolsa metade do valor, nos termos do artigo 4º).

Agora com previsão legal, parece-nos perfeitamente cabível que a Administração Pública federal, bem como a Administração Pública de outros entes da federação que possuam lei regulamentadora própria, adotem os dispute boards em contratos administrativos.

4. DA CONSTITUCIONALIDADE DOS DISPUTE BOARDS

A Lei nº 14.133/2021, portanto, veio sedimentar a possibilidade de utilização ampla do Comitê de Resolução de Disputas nos contratos administrativos (DOMINGUES, 2022, p. 53-58). A questão que se coloca é se a instituição de referida modalidade alternativa de soluções de disputas envolvendo a Administração Pública é constitucional, tendo em vista a indisponibilidade do interesse público e a sua supremacia em relação ao interesse privado.

Tem sido grande a controvérsia sobre a possibilidade de utilização dos meios alternativos de soluções de disputas em contratos administrativos, em especial no que diz respeito à arbitragem. Parte da doutrina sustenta que a arbitragem, admitida nas relações privadas somente em relação a interesses disponíveis,[16] não poderia ser admitida nas relações jurídicas envolvendo a Administração Pública, pois os interesses desta nunca são disponíveis.

É que o interesse público, seja ele primário ou secundário,[17] não pode ser tratado, do ponto de vista jurídico, em igualdade de condições com o interesse privado, porque não está baseado na autonomia da vontade, nem na liberdade individual, que governam o último. E isso vale, ressalte-se, até mesmo para o chamado interesse público secundário, pois este “só será reconhecido pelo Direito quando for coincidente com o interesse público primário” (MARTINS, 2021), isto é, o Estado só poderá persegui-lo na medida em que ele concorra indissociavelmente para a satisfação do interesse público propriamente dito (interesse primário) (MELLO, 2021, p. 56).

As alterações promovidas pela Lei nº 13.129/2015 na Lei de Arbitragem parecem ter levado em consideração essas premissas, uma vez que restringiram a utilização da arbitragem por parte da Administração Pública apenas para “dirimir conflitos relativos a direitos patrimoniais disponíveis” (conforme o parágrafo 1º do artigo 1º da Lei de Arbitragem, inserido por referido diploma legal). Mas não resolveu o problema: deixou em aberto a dúvida quanto à expressão direitos patrimoniais disponíveis, “que é, evidentemente, um conceito jurídico indeterminado, que já levantava dúvidas anteriormente e continua a levantá-las” (DI PIETRO, 2023, p. 1.070). Quais seriam esses “interesses públicos disponíveis” da Administração Pública?

Maria Sylvia Zanella Di Pietro (2023) observa que vários critérios de definição do que seriam esses interesses disponíveis têm sido apontados pela doutrina e pela jurisprudência: alguns dizem ser possível a arbitragem em relação aos atos de gestão da Administração, quando ela atua sem seu poder de império, se igualando ao particular (atos negociais, contratos de direitos privado firmados pela Administração, mera gestão de negócios etc.); outros dizem ser possível a arbitragem em relação aos serviços comerciais e industriais do Estado, por se tratar de atividade econômica em sentido estrito;[18] há, ainda, quem diga a que noção de direitos patrimoniais disponíveis e indisponíveis não se confunde com o princípio da indisponibilidade do interesse público, pois este é sempre indisponível (embora isso não impeça a adoção da arbitragem em determinadas situações) (ARAGÃO, 2013, p. 88).

O fato é que a maioria da doutrina, assim como a jurisprudência,[19] vem considerando que a indisponibilidade do interesse público não é impeditiva da adoção da arbitragem para conflitos envolvendo a Administração, e que a autorização legislativa para o uso da arbitragem funciona como uma outorga, dada por parte da coletividade (através de seus representantes), de poderes extraordinários para que o administrador público – responsável pela administração de interesses alheios – se utilize do referido mecanismo de resolução de disputas (JUSTEN FILHO, 2023; ARAGÃO, 2013; DI PIETRO, 2023; CARVALHO FILHO, 2023; NOHARA, 2022). Para dirimir algumas dúvidas quantos às hipóteses de cabimento, o parágrafo único, do artigo 151, da Lei nº 14.133/2021, esclarece que a arbitragem poderá ser adotada em “questões relacionadas ao restabelecimento do equilíbrio econômico-financeiro do contrato, ao inadimplemento de obrigações contratuais por quaisquer das partes e ao cálculo de indenizações”.

Seja qual for o entendimento que se adote em relação à arbitragem, não há que se falar em inconstitucionalidade no que diz respeito às normas que preveem o dispute board. É que esta técnica de solução de conflitos, diferentemente do que ocorre com a arbitragem, não substitui a atuação jurisdicional: se provocado, o Judiciário poderá reexaminar a contenda resolvida pelo comitê, ainda que se trate da modalidade em que as decisões do comitê possuam caráter vinculante para as partes, e poderá decidir de forma completamente distinta.

Destarte, não há óbice constitucional a que o dispute board seja agasalhado pela legislação, como técnica de solução de controvérsias alternativa à submissão do problema ao assoberbado Poder Judiciário. A Constituição brasileira não impede que a Administração Pública estabeleça que um terceiro decida preliminarmente sobre um conflito dela com um administrado, nem que esse terceiro proponha “ativamente” uma solução (MARTINS, 2021).

5. CONCLUSÕES

Na visão contemporânea do direito administrativo, vigora a ideia da Administração consensual, isto é, “de uma Administração Pública menos imperativa e mais propensa à negociação, a acordos, a respeito de direitos dos particulares” (MEDAUAR, 2018, p. 415). Rompe-se, desse modo, com a ideia tradicional de uma Administração contraposta à sociedade, em que o cidadão permanece em contínua posição de defesa contra o Poder Público.  O direito administrativo ruma para se tornar mais democrático, sendo entendido sobretudo como um direito do administrado, inspirado na flexibilidade, na colaboração, na confiança recíproca entre sociedade e Estado, “com a robustecida certeza de que a consensualidade desempenha papel tanto ou mais importante que a coerção no curso do progresso humano” (MOREIRA NETO, 2014, p. 144).

Nessa perspectiva, a utilização de mecanismos consensuais de soluções de controvérsias, tais como os comitês de resoluções de disputas (dispute boards), representa um avanço civilizatório, que propicia uma boa governança das relações contratuais da Administração Pública com os cidadãos. O dispute board é, sem dúvida, uma importante ferramenta para a antecipação e prevenção de conflitos entre contratantes privados e Poder Público, não se vislumbrando qualquer incompatibilidade de tal instituto com os princípios constitucionais que informam a Administração Pública, na medida em que esteja previsto em lei, como é o caso atualmente.

REFERÊNCIAS

ARAGÃO, Alexandre Santos de. Curso de direito administrativo. 2. ed. Rio de Janeiro: Forense, e-book , 2013.

BRASIL. Conselho Nacional de Justiça. Base Nacional de Dados do Poder Judiciário, 2023 Disponível em: <https://grandes-litigantes.stg.cloud.cnj.jus.br>. Acesso em 09 mai. 2023.

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APÊNDICE – NOTA DE RODAPÉ

2. É de se observar que a Lei nº 13.129, de 26 de maio de 2015, alterou o artigo 1º da Lei nº 9.307/96 (Lei de Arbitragem), acrescentando dois parágrafos ao dispositivo, de modo a permitir a utilização da arbitragem por parte da Administração Pública. O atual parágrafo primeiro da referida lei dispõe o seguinte: “a administração pública direta e indireta poderá utilizar-se da arbitragem para dirimir conflitos relativos a direitos patrimoniais disponíveis”.

3. Trata-se das leis que disciplinam o regime de concessões e permissões de serviços públicos, bem como o regime das parcerias público-privadas no âmbito da administração pública.

4. Sobre a utilização de mecanismos privados de soluções de disputas nos contratos de concessão de serviço público e nas parcerias público-privadas, Celso Antônio Bandeira de Mello observa que se deve ter muito cuidado com a interpretação do que dispõem os artigos 23-A, da Lei nº 8.987/95, e 11, inciso III, da Lei nº 11.079/04, em especial no que diz respeito à arbitragem, pois “é inadmissível que se possa afastar o Poder Judiciário quando em pauta interesses indisponíveis, como o são os relativos ao serviço público”, já que tudo que diz respeito ao serviço público “envolve interesses de elevada estatura, pertinentes à Sociedade como um todo” (2021, p. 692 e 754).

5. Francisco Maia Neto noticia que o mecanismo foi adotado na implementação de um dos maiores projetos de engenharia civil do mundo, o Aeroporto de Hong Kong, e também na China, durante a construção da hidrelétrica do Rio Yalong, na província de Sichuan, entre 1991 e 2000, a um custo de aproximadamente 2 bilhões de dólares. Quanto ao último, o autor destaca que todas as quarenta disputas que surgiram no decorrer do projeto foram resolvidas pelo board, sem necessidade de submissão à arbitragem. (2016, p.26-29).

6. Celso Antônio Bandeira de Mello explica o significado do princípio em comento: “É ao Poder Judiciário e só a ele que cabe resolver definitivamente sobre quaisquer litígios de direito. Detém, pois, a universalidade da jurisdição, quer no que respeita à legalidade ou à consonância das condutas públicas com atos normativos infralegais, quer no que atina à constitucionalidade delas. Neste mister, tanto anulará atos inválidos, como imporá à Administração os comportamentos a que esteja de direito obrigada, como proferirá e imporá as condenações pecuniárias cabíveis”. (2021, p. 105).

7. Conforme leciona José dos Santos Carvalho Filho, “é desse aspecto que advém a denominação de sistema de dualidade de jurisdição: a jurisdição é dual na medida em que a função jurisdicional é exercida naturalmente por duas estruturas orgânicas independentes – a Justiça Judiciária e a Justiça Administrativa” (2023, p. 872).

8. Para ilustrar o que acabou de ser dito, trazemos à baila o noticiado por Maria Virginia Nabuco Amaral Mesquita Nasser: “Há não muito tempo, três diretores da estatal paulista Dersa Desenvolvimento Rodoviário S.A. foram acusados de fraude à licitação, falsidade ideológica e associação criminosa unicamente por terem cumprido a decisão de uma junta técnica regularmente instalada no âmbito de um contrato de obra pública para apreciar controvérsias relativas à obra. O então diretor presidente da estatal chegou a ficar preso preventivamente por 68 dias. O relatório de inquérito deslegitimava a decisão da junta técnica, emitida com base em parecer técnico de (apenas!) especialistas do Instituto de Pesquisas Tecnológicas e dava maior autoridade à opinião de peritos do Tribunal de Contas da União, da Controladoria Geral da União e da Polícia Federal. Não havia qualquer indício de enriquecimento ilícito dos agentes denunciados (e menos ainda motivos que justificassem prisão preventiva!” (2023)

9. O Painel de Grandes Litigantes do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) apontava em maio de 2023, por exemplo (com dados atualizados em janeiro de 2023), que dentre os 10 (dez) maiores litigantes da Justiça brasileira, ocupantes do polo passivo de ações judiciais, 7 (sete) deles eram entes públicos (Instituto Nacional do Seguro Social – INSS, Caixa Econômica Federal – CEF, Estado do Rio Grande do Sul, Estado de São Paulo, Ministério da Economia, Justiça Estadual, Advocacia Geral da União), e dentre os 10 (dez) maiores litigantes ocupantes do polo ativo de ações juidiciais, 9 (nove) eram entes públicos – Ministério da Economia, Fazenda Nacional, Tribunal de Justiça de São Paulo, Município de São Paulo, Município de São Gonçalo/RJ, Município de Guarulhos/SP, Município de Salvador, Justiça Estadual e Município de Praia Grande/SP (CNJ, 2023).

10. Os enunciados foram aprovados na I Jornada “Prevenção e Solução Extrajudicial de Litígios” (Brasília: Centro de Estudos Judiciários do Conselho da Justiça Federal, 2016. Disponível em: <https://www.cjf.jus.br/cjf/corregedoria-da-justica-federal/centro-de-estudos-judiciarios-1/prevencao-e-solucao-extrajudicial-de-litigios>. Acesso em: 15 mai. 2023).

11. A Lei nº 14.133/2021 (nova lei de licitações e contratos), que em seu artigo 151 previu expressamente esse mecanismo de solução de disputas, ainda não tinha sido editada (sua publicação se deu em 1º de abril de 2021).

12.  Trata-se de Empresa Pública estadual, integrante da administração indireta do Estado de São Paulo (Estatuto disponível em: <https://transparencia.metrosp.com.br/search?query=%20sites%20default%20files%20Estatutos>. Acesso em: 11 jul. 2023).

13. Eis o teor do referido dispositivo: “Nas contratações regidas por esta Lei, poderão ser utilizados meios alternativos de prevenção e resolução de controvérsias, notadamente a conciliação, a mediação, o comitê de resolução de disputas e a arbitragem. Parágrafo único. Será aplicado o disposto no caput deste artigo às controvérsias relacionadas a direitos patrimoniais disponíveis, como as questões relacionadas ao restabelecimento do equilíbrio econômico-financeiro do contrato, ao inadimplemento de obrigações contratuais por quaisquer das partes e ao cálculo de indenizações.”

14. Igor Gimenes Alvarenga Domingues explica que a forma mais comum de composição dos comitês é o modelo formado por três membros, que podem ser selecionados por diversos métodos, “sendo o mais usual que cada parte indique um membro e os dois em conjunto indiquem o terceiro, que será o presidente”. Além disso, quanto ao momento de instalação, o mais usual é que os comitês sejam constituídos “desde o início do projeto, instalando-se antes do início da execução das obras, e atuando mesmo após a conclusão destas”. Já no que diz respeito ao caráter vinculante das decisões do comitê, ele pode ser classificado em três principais espécies, de acordo com o grau de vinculação da decisão proferida, quais sejam: (i) decisão com função meramente consultiva (sem vinculação para as partes), (ii) decisão com função vinculativa desde a emissão da recomendação (iii) e decisão com função vinculativa somente após escoado determinado prazo para a manifestação das partes (DOMINGUES, 2022, p. 33-41).

15. “Para melhor entendimento, os dispute review boards (DRB) são responsáveis apenas por fazer sugestões para a resolução dos impasses, sem impor as suas recomendações. Os disputes adjudication boards (DAB), por sua vez, são responsáveis por proferir decisões vinculantes. Os combined dispute boards (CDB), como o próprio nome sugere, combinam as características dos dois anteriores” (POLIDORO, 2022).

16. É o que dispõe expressamente o artigo 1º da Lei nº 9.307/96 (Lei da Arbitragem)

17. A distinção é muito bem explicada por Celso Antônio Bandeira de Mello: o interesse primário corresponde ao conjunto de interesses dos indivíduos enquanto partícipes da sociedade, que devem ser perseguidos pelo Estado; o interesse secundário é o interesse individual do Estado enquanto pessoa jurídica, que convive no âmbito jurídico com os demais sujeitos de direito. (MELLO, 2021, p. 55-58).

18. Esse foi o entendimento abraçado pelo Superior Tribunal de Justiça nos julgamentos dos Recursos Especiais nº 606.345/RS e 612.439/RS, por exemplo.

19. No Superior Tribunal de Justiça, é pacífica a admissão da utilização da arbitragem em contrato administrativo, desde que ela esteja relacionada a direitos disponíveis. Vide, por todos, o seguinte julgado: BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial nº 11.308/DF. Rel. Min. Luiz Fux, Brasília, DF, 09/04/2008. Disponível em: <https://scon.stj.jus.br/SCON/GetInteiroTeorDo-Acordao?num_registro=200502127630&dt_publicacao=19/05/2008>. Acesso em: 18 jul. 2023.

[1] Doutorando em Direito Administrativo pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (ano de início: 2022). Mestre em Direito Administrativo pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (ano de conclusão: 2021). Graduado em Direito pela Universidade de São Paulo (ano de conclusão: 2005), com especialização em Direito Processual pela Faculdade Autônoma de Direito (ano de conclusão: 2007). ORCID: 0000-0001-9015-9856. Currículo Lattes: http://lattes.cnpq.br/0192470007828356.

Enviado: 21 de julho, 2023.

Aprovado: 14 de agosto, 2023.

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Eduardo Levin

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