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O estado de bem-estar social [1] : Conceito, crise e reconceituação

RC: 76132
1.991
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DOI: 10.32749/nucleodoconhecimento.com.br/lei/bem-estar-social

CONTEÚDO

ENSAIO TEÓRICO

MACÊDO, Karen Vanderlei [2]

MACÊDO, Karen Vanderlei. O estado de bem-estar social: Conceito, crise e reconceituação. Revista Científica Multidisciplinar Núcleo do Conhecimento. Ano 06, Ed. 02, Vol. 08, pp. 51-58. Fevereiro de 2021. ISSN: 2448-0959, Link de acesso: https://www.nucleodoconhecimento.com.br/lei/bem-estar-social, DOI: 10.32749/nucleodoconhecimento.com.br/lei/bem-estar-social

RESUMO

O regime de Estado de Bem-Estar Social é tema de diversos debates, em particular, quando se trata de analisar o quadro político e econômico dos Estados. Gosta Esping-Andersen (1991) formulou três tipologias do Estado de Bem-Estar Social, Pierre Rosanvallon (1997), vislumbrou a sua crise e novamente Esping-Andersen, agora acompanhado de Bruno Palier (2010), reconceitua o Estado de Bem-Estar Social. O objetivo é resgatar o conceito, vislumbrar os motivos da crise e a reconceituação do Estado de Bem-Estar Social.

Palavras-Chave: Estado de Bem-Estar Social, conceito, crise, reconceituação.

1. INTRODUÇÃO

Quando se fala em Estado de Bem-Estar Social[3] vem logo à mente uma imagem de um estado que possui baixos níveis de desigualdades sociais, em que o emprego abarca quase todas as pessoas, em que o seguro social é um instrumento eficaz de correção de desigualdades, em que a população tem acesso às políticas governamentais universais e eficientes (hospitais e escolas públicas de ótima qualidade), enfim, uma imagem de primeiro mundo, em que a Suécia, a Suíça e os outros países escandinavos são bons exemplos. Tal opinião sugere um determinismo conceitual único de Estado de Bem-Estar Social. Porém, essa não é a opinião de Esping-Andersen (1991), que defende não um único conceito, mas regimes de Welfare States, quais sejam: a) liberais; b) conservadores, e; c) socialdemocrata, cada um com suas especificidades.

É a partir da análise de Esping-Andersen (1991) que entra no círculo acadêmico a noção de Welfare State para além dos países escandinavos. Busca-se compreender os tipos de regimes e não mais o conceito determinista. É através dessa perspectiva que outros países, até mesmo os pertencentes à América Latina, podem ser considerados como Estado de Bem-Estar Social. A presença do Welfare State nos países para além da Península Escandinava justifica-se através da compreensão de que cada regime de Bem-Estar Social é produto de suas peculiaridades históricas da formação nacional e não de um determinismo conceitual.

O objetivo deste artigo é realizar um resgate histórico do conceito de Estado de Bem-Estar Social, bem como os seus diversos modelos, avaliar e localizar a sua crise e a sua reconceituação. Essa tarefa é eminentemente de cunho teórico, isto é, ampara-se, principalmente, a partir de três produções acadêmicas (ESPING-ANDERSEN, 1991; ROSANVALLON, 1997; ESPING-ANDERSEN; PALIER, 2010).

O artigo está dividido em duas partes. Na primeira, será apresentada uma discussão conceitual sobre o Welfare State. Na segunda, será apresentada a crise e a reconceituação do Estado de Bem-Estar Social.

2. ESTADO DE BEM-ESTAR SOCIAL: UMA CONCEITUAÇÃO NECESSÁRIA

O Estado de Bem-Estar Social tem, recorrentemente, estudado de uma forma diversa. Essa diversidade, encontrada inicialmente em Esping-Andersen (1991), pode ser verificada com aquela que julga o Welfare State como um aliado do capital. Esta posição faz alusão às políticas sociais enquanto um auxílio devido ao avanço do capitalismo. Assim, uma segunda concepção pode ser compreendida pela avaliação do caráter funcional do conteúdo da ordem estatal ou das áreas específicas da atuação do Estado. Em outras palavras, pode ser considerada como uma observância sobre a relação funcional das atividades estatais e os problemas estruturais apresentados pela formação social capitalista. Por fim, percebe-se a existência de estudos que fazem uma revisão crítica da funcionalidade das políticas públicas ao imprimir um caráter institucional, o da garantia de direitos, em especial, os sociais.

2.1 O ESTADO DE BEM-ESTAR SOCIAL É UM PARCEIRO DA ACUMULAÇÃO CAPITALISTA OU INSTITUCIONALIZADO VIA DIREITOS GARANTIDOS PELO ESTADO?

O conceito atribuído ao Estado de Bem-Estar Social está relacionado, particularmente, ao modelo estabelecido antes da década de 1970, ou seja, antes da ocorrência da sua crise, que se fez sentir até a década de 1990. Os conceitos que envolvem o Estado de Bem-Estar Social oscilam entre a forte e a pacífica presença do Estado mediante os seguros e as políticas sociais.

Esping-Andersen (1991) ressalta que, ao falarmos sobre qualquer especificação teórica relacionada ao Estado de Bem-Estar Social, primeiramente, precisamos levar em consideração três princípios existentes, sendo eles: o Estado, a família e o mercado. Compreender o Estado de Bem-Estar Social envolve entender a relação entre as atividades estatais, a família e o mercado no que diz respeito às providências sociais.

As análises conceituais sobre o Welfare State passam por uma revisão analítica do que se refere aos graus de mercadorização e a desmercadorização.  Mercadorização é “quando os mercados se tornaram universais e hegemônicos é que o bem-estar dos indivíduos passou a depender inteiramente de relações monetárias” (ESPING-ANDERSEN, 1991, p. 102). Já a desmercadorização “ocorre quando a prestação de um serviço é vista como uma questão de direito ou quando uma pessoa pode manter-se sem depender do mercado” (ESPING-ANDERSEN, 1991, p. 102).

Desta forma, o mercado ficou definido como um veículo de satisfação social privado, sobre o qual as pessoas se agarravam. Contudo, observa-se que a desigualdade social está relacionada a esse veículo, visto que há um fosso social entre os capitalistas e os seus operários. E é a partir desta desigualdade social, que se torna possível constatar a dependência da venda da força de trabalho de uma parcela da sociedade, para que a sua sobrevivência seja garantida. As primeiras iniciativas criadas através do Estado de Bem-Estar Social, foram desenvolvidas para essas pessoas, em particular, a fim de reinseri-las no mercado, criando também  condições para que elas possam se manter empregadas.

A discussão traçada no presente artigo parte da tese defendida por Claus Offe e Gero Lenhardt (1984), onde afirmavam que as políticas de Estado, denominadas de social, foram elaboradas a fim de agregar pessoas economicamente ativas ao mercado de trabalho. Desta forma, em outras palavras, o Estado era o responsável pela reinserção da força trabalhista no mercado – transformar os indigentes em assalariados.

A política social estatal objetiva, em primazia, regulamentar o processo de proletarização, a fim de transformar a proletarização passiva em ativa. “A transformação da força de trabalho despossuída em trabalho assalariado é, ela mesma, parte do processo constitutivo da política social, cuja efetivação não pode ser somente explicada pela ‘coerção muda das relações econômicas’” (OFFE; LENHARDT, 1984, p. 20).

Se o problema da proletarização, da inserção da força de trabalho no mercado de trabalho não pode se resolver “por si só” em um sentido que possa ser levado a sério do ponto de vista das ciências sociais, devemos perguntar que estruturas parciais da sociedade teriam agido funcionalmente com vistas à solução desse problema estrutural. Defendemos aqui a tese de que a transformação em massa da força de trabalho despossuída em trabalho assalariado não teria sido, nem é possível sem uma política estatal (OFFE; LENHARDT, 1984, p. 16-17).

Desta forma, Offe e Lenhardt (1984) identificam a segurança social, a educação profissional e o atendimento de saúde como políticas sociais ofertadas pela iniciativa estatal, que objetivam introduzir o trabalhador no mercado de trabalho através da promoção desses subsídios públicos a classe trabalhadora, podendo, essas políticas, beneficiar o Estado, no sentido de se evitar problemas sociais ocasionados pelo longo tempo de desemprego, por exemplo. O que, em outras palavras, podemos chamar de políticas sociais mercadorizantes.

A mera presença da previdência ou assistência social não gera necessariamente uma desmercadorização significativa se não emanciparem substancialmente os indivíduos da dependência do mercado. A assistência aos pobres pode oferecer uma rede de segurança de última instância. Mas quando os benefícios são poucos e associados a estigma social, o sistema de ajuda força a todos, a não ser os mais desesperados, a participarem do mercado (ESPING-ANDERSEN, 1991, p. 102).

Esping-Andersen (1991) afirma que a institucionalização dos direitos geram diferentes impactos, onde os resultados são diretamente dependentes das especificidades estatais, ou da relação entre os estados e o mercado. Neste sentido, existem, atualmente, três modelos que se baseiam na desmercadorização, tais como: a) aqueles que se baseiam nos benefícios reduzidos, os quais atuam como limitantes dos efeitos da desmercadorização; b) aqueles sobre os quais os benefícios são dependentes, em sua maioria, das contribuições, do trabalho e do emprego; e c) o mais desmercadorizante de todos, aquela que oferta benefícios básicos e iguais à todos, sendo essas políticas independentes de ganhos, contribuições e/ou qualquer participação anterior no mercado.

Sob essa perspectiva, Esping-Andersen (1991) tipificou cada um desses modelos como regimes, sendo eles: 1) o Liberal; 2) o Conservador, e; 3) o Social-Democrata. No regime liberal, a população comprovadamente pobre representa o grupo-alvo, o que acaba provocando um estigma social. E os benefícios sociais, geralmente, apresentam um alcance bem limitado, de modo a atingir, particularmente, os trabalhadores e os dependentes do Estado. Contudo, no que tange às classes sociais, verifica-se que esse regime favorece o mercado em garantir o mínimo social às classes mais baixas e em auxiliar os esquemas privados de previdência.

Já no regime conservador, observa-se uma presença maior do Estado quando comparado ao regime liberal, visto que nele o Estado atua como o gestor do capitalismo. O regime conservador caracteriza-se pelo intenso corporativismo que pode ser percebido através da atribuição dos direitos segundo as classes e os status, onde verifica-se a inexistência do impacto da redistribuição, e a permanência das desigualdades entre as classes. A tendência corporativista se faz notória por causa do reconhecimento de determinados direitos, como o trabalhista, somente para algumas profissões (ESPING-ANDERSEN, 1991).

Assim, no que diz respeito ao último regime, o Social-Democrata, verifica-se que os direitos sociais são fundamentados na igualdade e na universalização, onde os mesmos direitos desfrutados pelas classes mais altas são conferidos às classes mais baixas, de modo a provocar igualdade e a desvalorização do corporativismo do modelo conservador. Neste regime, tem-se como guia o pleno emprego, de modo a atribuir ao cidadão a escolha entre ficar empregado ou receber um auxílio social, assim, no caso das mulheres tal escolha é bem emblemática. Desta forma, ele é considerado o mais desmercadorizante de todos (ESPING-ANDERSEN, 1991).

3. A CRISE DO ESTADO DE BEM-ESTAR SOCIAL E A SUA “RECONCEITUAÇÃO”

Em primeiro lugar, a crise é explicada via compreensão de Rosanvallon (1997) e uma possível saída, aqui considerada como uma reconceituação, alicerça-se no pensamento de Esping-Andersen e Palier (2010). A crise é vista como social, a saída como uma economia do conhecimento.

A crise do Estado-Providência é um resultado exclusivamente econômico ou é resultado de consequências sociais e políticas? Nas palavras do autor: “há um limite sociológico para o desenvolvimento de Estado-Providência e para o grau de redistribuição que o seu financiamento implica?” (ROSANVALLON, 1997, p. 15).

Rosanvallon (1997) acredita que a verdadeira crise do Estado-Providência é política e social. Enxerga como grande desafio para a sua superação a construção de um “novo contrato social” entre Estado e Indivíduos. Com isso, o autor inova ao se afastar de uma solução estritamente econômica. Aponta, assim, que o Estado-Providência é um aprofundamento e uma extensão do Estado Protetor dos séculos XIV ao XVIII e que o Estado Protetor define o Estado Moderno como forma de política específica.

O Estado Providência, para Rosanvallon (1997), corresponde a uma necessidade de corrigir e de compensar os efeitos de um certo “desencaixe” social. A sociedade deixa de se pensar como um corpo para se conceber como mercado. Promove, já no século XIX a laicização da política moderna, que de acordo com o autor: “o Estado Providência exprime a ideia de substituir a incerteza da providência religiosa pela certeza da providência estatal” (ROSANVALLON, 1997, p. 23). A efetivação dos seguros dará pleno efeito a esse movimento.

Mas qual o motivo de se falar em crise? Para Rosanvallon (1997), se há uma crise, essa crise reside nas relações da sociedade com o Estado. É a partir dessa constatação que delineia três motivos para a crise do Estado Providência, quais sejam:

  • Na primeira, destaca-se o declínio do princípio igualitário como finalidade social. Visto que este princípio, no âmbito econômico, objetiva reduzir desigualdades e, por mais das vezes, reduzir automaticamente as ‘pequenas’ desigualdades, verifica-se que tal princípio é percebido como uma injustiça (ROSANVALLON, 1997, p. 31). Isso não quer dizer que a redução das desigualdades econômicas e sociais não constitui um objetivo social fundamental. A questão é que “não há concordância entre os critérios do Estado e os do indivíduo para definir um mesmo critério de desconto justo” (ROSANVALLON, 1997, p. 31);
  • A segunda causa para a crise do Estado-providência, indicada pelo autor Rosanvallon (1997), é representada pela solidariedade automática. Dito isso, esse autor ressalta que o Estado-providência, ao centralizar-se como principal provedor social, “funciona como uma grande interface: substitui o face-a-face dos indivíduos e grupos” (ROSANVALLON, 1997, p. 32). O que tornaria mais abstrata a organização da solidariedade qualificada como automática, uma vez que esta não se esteve a passar pelo crivo direto dos indivíduos. De acordo com Rosanvallon, a solidariedade só pode ser exercida se a moral social repousar num mínimo de visibilidade das relações sociais, isto é, a sociedade não pode ser vista como uma peça desconectada da ação estatal, mas como conjunta. Com isso, a crise da solidariedade provém da decomposição, ou, mais exatamente, da deslocação do tecido social de modo mecânico e involuntário, é óbvio, gerada pelo desenvolvimento do Estado Providência;
  • Como um fator determinante, o autor identifica o modelo keynesiano como a terceira causa para a ocorrência da crise do modelo de Estado-providência estatal, visto que este se mostrou incapaz de superar as atuais crises econômicas. Rosanvallon (1997) afirma que não se pode analisar o desenvolvimento do Estado Providência em sua etapa keynesiana, do ponto de vista exclusivo da lógica do capital. Isso já foi apresentado por ele na parte que trata da primeira causa da crise em que diz que o Estado Providência não está a serviço nem dos burgueses, nem dos operários. Com isso, o desenvolvimento do Estado Providência está igualmente ligado à existência de um compromisso social.

A saída para a crise estaria baseada em três vertentes, quais sejam: socialização, descentralização e autonomização. Socialização seria a desburocratização e a racionalização administrativa dos equipamentos e das funções coletivas. Descentralização seria remodelar e preparar alguns serviços públicos com o intuito de torná-los mais próximos dos usuários das coletividades locais. Autonomização consistiria na transferência para coletividades privadas tarefas de serviços públicos.

Rosanvallon acredita ser possível superar essa crise através da produção de sociabilidade e da consequente redução da demanda social do Estado; da reintegração das pessoas nas redes de solidariedade diretas; e da transparência social no Estado-providência. Ele ainda assevera, que a produção de sociabilidade exige, portanto, “o direito social autônomo, o reconhecimento de segmentos da sociedade civil como sujeitos produtores de direito e que o Estado conceda incentivos, principalmente fiscais, à iniciativa privada prestadora de serviços de interesse público” (CRUZ, 2006, p. 215). Desta forma, para que o indivíduo possa de reinserir nas redes de solidariedade diretas, Rosanvallon sugere aproximar a sociedade de si mesma, reduzindo a jornada de trabalho, a fim de que o indivíduo possa ter mais tempo livre, de modo a se integrar às redes de solidariedade.

Por fim, Rosanvallon (1997) trata da crise do modelo keynesiano, observando que, por este estar baseado no desenvolvimento do Estado-providência e, ainda, na negociação coletiva, certamente, enfrentaria a crise em duplo sentido. Dessa forma, aponta que “a alternativa não está, portanto, entre a manutenção nostálgica do modelo keynesiano e o neoliberalismo ‘puro’; está, praticamente, entre um modelo pseudoliberal rígido e aquilo a que chamo a pós-social-democracia” (ROSANVALLON, 1997, p. 102).  Diante da crise do modelo keynesiano, o autor acredita que o modelo pós-social-democrata, ou melhor dizendo, um modelo híbrido que envolve a regulação autogestionária e a intra-social, o qual apresenta uma combinação de flexibilidade e rigidez, é a solução para tal. Neste sentido, Rosanvallon, ainda, considera ser necessário o alinhamento deste aos três compromissos, quais sejam: o socioeconômico, o sociopolítico e o da sociedade com ela mesma. Assim, o aspecto socioeconômico seria alcançado através do patronato, tendo como objetivo a prestação do trabalho de modo a propiciar a maior socialização dos indivíduos, reduzindo, por exemplo, a jornada de trabalho. Enquanto o compromisso sociopolítico seria da responsabilidade do Estado que, por meio da expansão das liberdades civis, proporciona o “aumento das possibilidades de experimentação e de substituição de auto-serviços coletivos pela clássica demanda de Estado” (ROSANVALLON, 1997, p. 103). Por sua vez, o compromisso da sociedade refere-se à maior inserção de solidariedade em seu âmbito.

Outra perspectiva é a apresentada por Esping-Andersen e Palier (2010), os autores repensam o Estado de bem-estar a partir da Economia do Conhecimento, que tem como categoria de destaque as competências cognitivas como condição do êxito escolar, em particular, porque elas permitem identificar a capacidade de compreender e fazer uso da informação. Para os autores está provado que as competências cognitivas determinam a capacidade de aprendizagem na escola e influência ao longo de toda a sua trajetória profissional futura. Dessa forma, defendem: na medida em que as capacidades cognitivas influenciam nos resultados escolares e, posteriormente, nas oportunidades da vida adulta, o desafio consiste em garantir a todas as crianças um bom ponto de partida. Por bom ponto de partida os autores se referem aos investimentos homogêneos em gastos sociais, como a educação das crianças menores de 03 anos. Existem, assim, duas preocupações: a igualdade de oportunidades e a produtividade futura.

Esping-Andersen e Palier (2010) partem para uma compreensão de que o problema das competências cognitivas pode ser visto tanto do âmbito da formação genética como também de socialização, acredita ser o âmbito da socialização o principal fator do não desenvolvimento das competências cognitivas. Segundo Esping-Andersen e Palier (2010), há que atribuir a fatores institucionais estas enormes diferenças entre países na matéria de abandono da escola e de dispersão das capacidades cognitivas. A partir disso, avistam-se duas versões da sociedade do conhecimento: ilhas de excelência em um mar de ignorância ou um cenário de homogeneidade, com um nível médio de qualificação elevado e um nível médio de dispersão mínima. Esta última, de acordo com os autores, favorece um crescimento em termos de eficiência de um Estado de bem-estar.

Mas qual a razão para se considerar os baixos níveis de competências cognitivas? Uma das respostas repousa nas mudanças que afetam atualmente a estrutura familiar, em particular, porque as famílias são mais instáveis e a proporção de filhos que crescem em famílias “monoparentais” aumenta rapidamente, principalmente, famílias em que se encontra a formação de mãe e filhos. Existem duas razões que reforçam essa tese: a primeira é o risco elevado de pobreza que atinge essas crianças, o outro é a baixa educação, isso no que tange o tempo que as mães dedicam aos filhos, que é pouco devido ao excessivo trabalho que elas se submetem para sustentar a família. A partir disso, observa-se que a pobreza não é apenas uma questão de situação financeira dos pais, mas está ligada, ainda, ao progresso escolar das crianças.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Esping-Andersen e Palier (2010) acreditam em uma reconceituação do Estado de Bem-Estar Social, e que a análise deva se voltar à herança social, em particular, às crianças do estágio pré-escolar, principalmente para uma compreensão do que ocorre no seio domiciliar. Para investigar isso os autores diferenciam três classes de mecanismos relacionados com a família: dinheiro, tempo de dedicação e a cultura.

Como melhorar esse quadro? Para os autores deve-se repensar o Estado de bem-estar. Tem que reduzir a pobreza infantil e umas das medidas apontadas pelos autores é o aumento do emprego das mães, porém para que esse aumento ocorra depende do acesso a um sistema de cuidados às crianças por parte do Estado, um aparato como, por exemplo, creches de boa qualidade. Assim, outra proposta do autor é o que ele chama de homogeneizar o meio de aprendizagem. Dessa forma, o acesso das crianças às creches e aos centros pré-escolares de grande qualidade pode formar parte de uma política verdadeiramente eficaz em favor da igualdade de oportunidades. Aqui casa-se a política da redução da pobreza infantil com o acesso das crianças aos centros de qualidade. Outro ponto ainda de destaque é o emprego das mães.

Em síntese, a estratégia é baseada em auxílios públicos para a atenção das crianças de 0 a 3 anos fora de casa, o que estimula a participação das mães no mercado de trabalho na medida em que elas têm um bom auxílio à maternidade que se estende até um ano. Assim, o Estado deve ter um papel crucial nesse processo, o de reerguer o crescimento dos países a partir de incentivos que irão ter impacto no mercado e na qualidade de vida das pessoas.

REFERÊNCIAS

CRUZ G. H. M. da ROSANVALLON, Pierre. A crise do Estado-providência. Goiânia: UFG, 1997. 143 p. Prismas: Dir., Pol. Pub. e Mundial., Brasília, v. 3, n. 1, p.211-216, jan./jun. 2006.

ESPING-ANDERSEN, G. As Três Economias do Welfare State. Lua Nova, n. 24, setembro de 1991.

ESPING-ANDERSEN, G.; PALIER, B. Los tres grandes retos del Estado del bienestar. Barcelona: Grupo Planeta, 2010.

MARSHALL, T. H. Cidadania, Classe Social e Status. Rio de Janeiro: Zahar, 1967.

OFFE, C; LENHARDT, G. Teoria do Estado e Política Social: tentativas de explicação político-sociológica para as funções e os processos inovadores da política social. In. OFFE, C. Problemas Estruturais do Estado Capitalista. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1984.

ROSANVALLON, P. A crise do Estado-providência. Goiânia: UFG, 1997.

[1] No presente artigo os termos Estado de Bem-Estar Social e Welfare State são utilizados como significados semelhantes, o que não altera de forma alguma a sua noção.

[2] Graduação em Direito (Estácio CEUT), Especialização em Gestão Pública com ênfase em licitação de contratos (FAR); Especialização em Direito Público (FAR, em andamento) e Mestrado em Direito Público (Universidade Portucalense, em andamento).

Enviado: Janeiro, 2021.

Aprovado: Fevereiro, 2021.

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Karen Vanderlei Macêdo

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