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Lei de abuso de autoridade: aspectos sobre os delitos, condutas, garantias e imagem frente atuação policial

RC: 119883
1.972
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DOI: 10.32749/nucleodoconhecimento.com.br/lei/abuso-de-autoridade

CONTEÚDO

ARTIGO ORIGINAL

SANTOS, Ailton Luiz dos [1], CAVALCANTE, Flávio Carvalho [2], MESQUITA, Maxwell Marques [3], BARBOSA, Daniel Carlinni Brasil [4], SILVA, Heron Ferreira da [5], MORILLAS, Juan Pablo Moraes [6], ZOGAHIB, André Luiz Nunes [7]

SANTOS, Ailton Luiz dos. Et al. Lei de abuso de autoridade: aspectos sobre os delitos, condutas, garantias e imagem frente atuação policial. Revista Científica Multidisciplinar Núcleo do Conhecimento. Ano. 07, Ed. 07, Vol. 08, pp. 33-50. Julho de 2022. ISSN: 2448-0959, Link de acesso:  https://www.nucleodoconhecimento.com.br/lei/abuso-de-autoridade, DOI: 10.32749/nucleodoconhecimento.com.br/lei/abuso-de-autoridade

RESUMO

A questão do abuso de autoridade em decorrência da atividade policial é bem complexa no sentido do cumprimento do dever policial frente às adversidades enfrentadas, diuturnamente, em que muitas das vezes requer uso da força necessária à contenção e resolução dos conflitos. Assim emerge o questionamento desta pesquisa: quais são as principais condutas praticadas por policiais que configuram Abuso de Autoridade? A partir desta temática, o objetivo é aprofundar sobre o tema com vistas a melhor instruir os policiais ao cumprimento da lei. A metodologia adotada na presente pesquisa foi o dedutivo através de um levantamento bibliográfico, observação exploratória e abordagem qualitativa. Portanto, discorrerá sobre os aspectos, condutas e garantias previstas na Lei nº 13.869/2019 – Lei de Abuso de Autoridade, dando enfoque às principais condutas que configuram Abuso de Autoridade praticado por policiais, e servir como um instrumento de informação e consulta na busca da efetiva aplicação da norma, ilustrando e problematizando algumas questões inerentes ao tema.

Palavras-chave: Abuso de autoridade, Condutas, Policiais.

1. INTRODUÇÃO 

Embora a temática sobre abuso de autoridade seja abrangente, envolvendo uma gama de possibilidades e formas. A discussão sobre o abuso de autoridade construiu um imaginário popular de ligação direta com as atuações de policiais, especialmente os militares, que atuam em um ambiente complexo e de enfrentamento direto (LIMA, 2017). Adotando então esse imaginário, esse artigo irá refletir sobre a Lei de Abuso de Autoridade tendo como foco os policiais militares.

Como integrantes da administração pública, as instituições policiais, devem seguir os princípios que desta emanam, conforme art., 37, caput, da Constituição Federal (CF): “A administração pública, civil ou militar, encontra-se sujeita aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência”. (BRASIL, 1988). Dessa forma, nada mais natural que a conduta do agente policial seja pautada nestes preceitos.

Neste sentido, o uso da força na atividade policial, desde que proporcional, é um ato discricionário legítimo e legal. No entanto, extrapolar o uso desta força e os limites de suas atribuições é ato arbitrário, ilegítimo e ilegal (D’URSO, 2007).

O abuso de autoridade ocorre a partir do momento em que a autoridade, embora competente para a prática do ato, excede os limites de suas atribuições cometendo excessos ou desviando de sua finalidade legal e administrativa (MARQUES, 2019).

Assim, diante da relevância do tema referente ao Abuso de Autoridade e a atividade policial no Brasil, foi formulada a seguinte questão: “Quais são as principais condutas praticadas por policiais que configuram Abuso de Autoridade?”

A partir desta temática, o objetivo é aprofundar sobre o tema com vistas a melhor instruir os policiais ao cumprimento da lei.

A metodologia aplicada no presente trabalho ampara-se em pesquisa bibliográfica, através de livros, artigos retirados da internet, opiniões de doutrinadores e dados da principal fonte de consulta de dados oficiais do Poder Judiciário Brasileiro.

O estudo será exposto da maneira seguinte: Aspectos gerais da norma sobre a Lei nº 13.869/2019 (BRASIL, 2019) que trata dos crimes de abuso de autoridade, demonstrando os aspectos, condutas e garantias previstas, e dessa forma servir como um instrumento de informação e consulta na busca da efetiva aplicação da norma, ilustrando e problematizando algumas questões inerentes ao tema.

2. REVISÃO DE LITERATURA

2.1 ABUSO DE AUTORIDADE: ASPECTOS GERAIS DA NORMA

A lei que trata de abuso de autoridade (Lei nº 13.869/2019) (BRASIL, 2019) regula o direito de representação e o processo de responsabilidade administrativa, civil e penal, nos casos de abuso de autoridade.

Inicialmente, cabe mencionar que os atos praticados com abuso de autoridade são ilegais, por extrapolar os limites da discricionariedade, o qual se manifesta quando o agente viola os limites da legalidade (MAZZA, 2018).

De acordo com o parágrafo único do art. 2º da Lei nº 13.869 onde reputa-se agente público, para os efeitos desta Lei, todo aquele que exerce, ainda que transitoriamente ou sem remuneração, por eleição, nomeação, designação, contratação ou qualquer outra forma de investidura ou vínculo, mandato, cargo, emprego ou função em órgão ou entidade abrangidos pelo caput deste artigo (BRASIL, 2019).

Dessa forma, para caracterizar-se como autoridade não é necessário que o sujeito seja funcionário público, mas é imprescindível que este exerça qualquer função pública. Incluem-se na primeira situação os agentes da segurança pública, militares ou civis. (MONJARDET, 2003).

2.2 DOS DELITOS PREVISTOS NA LEI DE ABUSO DE AUTORIDADE

A seguir serão abordados os aspectos legais da Lei 13.869 (BRASIL, 2019), em conjunto com as normas definidas na Constituição Federal (BRASIL, 1988) e no Código de Processo Penal (BRASIL, 1941), destacando as condutas as quais os agentes policiais estão mais suscetíveis de cometer.

2.2.1 ATENTADO À LIBERDADE DE LOCOMOÇÃO 

O art. 10.º da Lei nº 13.869/2019 estabelece:

Art. 10. Decretar a condução coercitiva de testemunha ou investigado manifestamente descabida ou sem prévia intimação de comparecimento ao juízo:

Pena – detenção, de 1 (um) a 4 (quatro) anos, e multa. (BRASIL, 2019)

O inciso XV do art. 5.º da CF preceitua: “… é livre a locomoção no território nacional em tempo de paz, podendo qualquer pessoa, nos termos da lei, nele entrar, permanecer ou dele sair com seus bens” (BRASIL, 1988).

Qualquer conduta realizada por autoridade, no exercício de função pública, que atente contra a liberdade do indivíduo de ir, vir e permanecer, e não se enquadre nas hipóteses legais autorizadas da restrição, configura crime de abuso de autoridade (CAPEZ, 2004, p. 09).

O art. 5º da CF ainda prevê em seu inciso LXV: “Ninguém será preso senão em flagrante delito ou por ordem escrita e fundamentada da autoridade judiciária competente, salvo nos casos de transgressão militar ou crime propriamente militar, definidos em lei”. (BRASIL, 1988).

Assim, a regra “é a não prisão”, ou seja, o estado de liberdade. Desta forma, não há abuso de autoridade se a privação de liberdade ocorrer nos seguintes casos: (a) Prisão em flagrante delito efetuada por qualquer do povo ou por autoridade pública; (b) Mandado judicial; (c) Prisão administrativa do militar (CAPEZ, 2004, p. 10).

Deve-se atentar ao fato de que há situações em que são necessárias restrições desta liberdade para a segurança da coletividade. “São quantitativamente grandes os problemas surgidos por ocasião do efetivo exercício do direito de locomoção em confronto com as normas disciplinares da utilização das vias públicas. É certo que o direito constitucional de livremente circular não impede que os poderes públicos disciplinem a forma pela qual há de se dar esta circulação” (BASTOS, 2001, p. 211).

Destarte, algumas situações, para a manutenção da ordem da ordem pública e bem da coletividade, a liberdade deve ser restrita pelo Estado através do poder de polícia.

A busca pessoal, popularmente conhecida como revista policial, faz parte da rotina do agente de segurança pública, sobretudo do policial militar. É fundamental que estes profissionais se conscientizem da legalidade por trás desta prática. A abordagem policial ao cidadão e a busca pessoal devem estar embasadas numa motivação legal, corroborando com a afirmativa de Mirabete (2007, p. 322):

A busca pessoal é possível quando “houver fundada suspeita de que alguém oculte consigo arma proibida” ou outros objetos. Consiste ela na inspeção do corpo e das vestes de alguém para a apreensão destas coisas. Inclui, além disso, toda a esfera de custódia da pessoa, como bolsas, malas, pastas, embrulhos, etc., incluindo os veículos em sua posse (automóveis, motocicletas, barcos, etc.)

A busca pessoal pode ser realizada por qualquer policial, porém, não pode ser realizada indiscriminadamente. Deve ser baseada em uma fundada suspeita com respeito a liberdade de locomoção, conforme preceitua a CF em seu art. 5º, inciso XV, (BRASIL, 1988), apesar de tratar-se de ato discricionário, de autoexecutoriedade e coercitivo, uma vez que independe da vontade da pessoa. O Código de Processo Penal (CPP) especifica em quais circunstâncias o agente policial poderá proceder à busca pessoal:

Art. 244. A busca pessoal independerá de mandado, no caso de prisão ou quando houver fundada suspeita de que a pessoa esteja na posse de arma proibida ou de objetos ou papéis que constituam corpo de delito, ou quando a medida for determinada no curso de busca domiciliar. (BRASIL, 1941).

Tourinho Filho (2003, p.539) afirma que a busca pessoal é também, tão quanto à busca domiciliar, medida vexatória. Entretanto, por sê-lo menos, dispõe o § 2º do art. 240 do Decreto-Lei 3.689 CPP (BRASIL, 1941), que será realizada quando houver fundada “suspeita”.

Neste sentido, cabe mencionar a jurisprudência recente do STJ, em que a Sexta Turma considerou ilegal a busca pessoal ou veicular, sem mandado judicial, motivada apenas pela impressão subjetiva da polícia sobre a aparência ou atitude suspeita do indivíduo. No julgamento, o colegiado concedeu habeas corpus para trancar a ação penal contra um réu acusado de tráfico de drogas. Os policiais que o abordaram, e que disseram ter encontrado drogas na revista pessoal, afirmaram que ele estava em “atitude suspeita”, sem apresentar nenhuma outra justificativa para o procedimento.[8]

De acordo com a decisão, a ausência de descrição sobre o que teria motivado a suspeita no momento da abordagem, não é possível acolher a justificativa para a conduta policial, o que tem reflexo direto na validade das provas. Segundo os magistrados, o fato de terem sido encontradas drogas durante a revista não convalida a ilegalidade prévia, pois a “fundada suspeita” que justificaria a busca deve ser aferida “com base no que se tinha antes da diligência”. Além disso, a violação das regras legais para a busca pessoal, concluiu o relator, “resulta na ilicitude das provas obtidas em decorrência da medida”, dando margem ainda à possível responsabilização penal dos policiais envolvidos.[9]

2.2.2 ATENTADO À INVIOLABILIDADE DE DOMICÍLIO

O art. 22.º da Lei nº 13.869/2019 nos traz:

Art. 22.  Invadir ou adentrar, clandestina ou astuciosamente, ou à revelia da vontade do ocupante, imóvel alheio ou suas dependências, ou nele permanecer nas mesmas condições, sem determinação judicial ou fora das condições estabelecidas em lei:

Pena – detenção, de 1 (um) a 4 (quatro) anos, e multa.

§ 1º Incorre na mesma pena, na forma prevista no caput deste artigo, quem:

I – coage alguém, mediante violência ou grave ameaça, a franquear-lhe o acesso a imóvel ou suas dependências;

II – (VETADO);

III – cumpre mandado de busca e apreensão domiciliar após as 21h (vinte e uma horas) ou antes das 5h (cinco horas).

§ 2º Não haverá crime se o ingresso for para prestar socorro, ou quando houver fundados indícios que indiquem a necessidade do ingresso em razão de situação de flagrante delito ou de desastre. (BRASIL, 2019)

Esta garantia está resguardada no art. 5.º, XI da Constituição Federal:

XI – a casa é asilo inviolável do indivíduo, ninguém nela podendo penetrar sem consentimento do morador, salvo em caso de flagrante delito ou desastre, ou para prestar socorro, ou durante o dia, por determinação judicial. (BRASIL, 1988).

Este inciso da carta magna esclarece quando o agente policial ou qualquer outra autoridade podem legalmente penetrar em residência alheia sem o consentimento do morador.

Poderá penetrar em residência alheia à noite ou durante o dia nas seguintes situações, conforme carta magna: (a) com o consentimento do morador; (b) em caso de flagrante delito; (c) para prestar socorro; (d) em caso de desastre; (e) através de mandado judicial, somente durante o dia, salvo com o consentimento do morador para que seja executado à noite, conforme preceitua o art. 245 do Decreto-Lei 3.689, Código de Processo Penal (CPP):

Art. 245. As buscas domiciliares serão executadas de dia, salvo se o morador consentir que se realizem à noite, e, antes de penetrarem na casa, os executores lerão o mandado ao morador, ou a quem o represente, intimando-o, em seguida, a abrir a porta. (BRASIL, 1941).

Santos (2003, p. 49) conceitua casa: “qualquer compartimento habitado, seja a habitação unipessoal, privada ou coletiva. Protege-se a casa e suas dependências, o quarto de hotel, o quarto de pensão, o quarto de motel, etc.”.

Considera-se, ainda, como casa, local particular onde alguém exerce arte, ofício ou profissão, incluindo-se, escritórios de advocacia, atelier, consultório médico, entre outros (SARLET, 2009).

Dessa forma, o agente policial que, no exercício de sua atividade, entra ou permanece em casa alheia ou em suas dependências ou ainda em locais como os citados no parágrafo anterior, contra a vontade do morador, ou em contradição às hipóteses elencadas no art. 5º, XI da CF, e Lei nº 13.869/2019 age com abuso de autoridade, configurando-se violação de domicílio.

Faz parte da atividade policial a busca domiciliar e Tourinho Filho (2003, p. 534) foi preciso ao descrevê-la: “como o nome está a indicar, busca domiciliar é a procura de alguém ou de alguma coisa que se faz no domicílio alheio, em casa de alguém”. O art. 240 do Decreto-Lei 3.689 (CPP) discrimina a busca domiciliar da busca pessoal e específica os motivos pelos quais a busca domiciliar deve ser executada:

Art. 240. A busca será domiciliar ou pessoal

§ 1º Proceder-se-á à busca domiciliar, quando fundadas razões a autorizarem, para:

a) prender criminosos;

b) apreender coisas achadas ou obtidas por meios criminosos;

c) apreender instrumentos de falsificação ou de contrafação e objetos falsificados ou contrafeitos;

d) apreender armas e munições, instrumentos utilizados na prática de crime ou destinados a fim delituoso;

e) descobrir objetos necessários à prova de infração ou à defesa do réu;

f) apreender cartas, abertas ou não, destinadas ao acusado ou em seu poder, quando haja suspeita de que o conhecimento de seu conteúdo possa ser útil à elucidação do fato;

g) apreender pessoas vítimas de crimes;

h) colher qualquer elemento de convicção. (BRASIL, 1941).

Durante buscas e apreensões em domicílios, o princípio constitucional da incolumidade do domicílio deve ser respeitado. Este princípio declara tacitamente que “a casa é asilo inviolável do indivíduo, ninguém nela podendo penetrar sem consentimento do morador, salvo em caso de flagrante delito ou desastre, ou para prestar socorro, ou durante o dia por determinação judicial” (BONAVIDES, 2010).

O morador consentindo, o policial pode, na residência, penetrar em qualquer situação, independente do horário e, para respaldar a ação, é importante formalizar a autorização por escrito constando a assinatura do morador e de testemunhas.

Neste contexto, cabe mencionar o entendimento da Sexta Turma no Habeas Corpus 598.051, em que a autorização do morador para ingresso em domicílio, quando não houver mandado judicial, deve ser registrada pelos policiais em áudio e vídeo, para não haver dúvida acerca desse consentimento nem da legalidade da ação. Além disso, a entrada deve ter fortes razões que a justifiquem, não bastando a referência à desconfiança policial ou mera atitude suspeita.[10]

2.2.3 ATENTADO À INCOLUMIDADE FÍSICA DO INDIVÍDUO

A Constituição Federal em seu art. 5.º, III não deixa dúvidas: “ninguém será submetido a tortura nem a tratamento desumano ou degradante”. (BRASIL, 1988).

A incolumidade física do indivíduo permite ao mesmo exercer a sua liberdade de ir e vir com segurança, pois cabe ao Estado estabelecer sanções àqueles que causarem ferimentos ou morte, a outrem, como prescreve o art. 129, caput, do Decreto-Lei 2.848 Código Penal (CP): Ofender a integridade corporal ou a saúde de outrem, sendo cominada a pena de detenção de 3 (três) meses a 1 (um) ano. (BRASIL, 1940).

A Lei nº 13.869/2019 em seu art. 13, estabelece que “Constranger o preso ou o detento, mediante violência, grave ameaça ou redução de sua capacidade de resistência, a: I – exibir-se ou ter seu corpo ou parte dele exibido à curiosidade pública; II – submeter-se a situação vexatória ou a constrangimento não autorizado em lei.”. (BRASIL, 2019).

Desta forma, o agente policial no desenrolar de suas atribuições que tolir o direito do indivíduo de ir e vir sem o amparo legal, ou seja, em ações respaldadas por lei, estará cometendo o crime de abuso de autoridade.

2.2.4 ORDENAR OU EXECUTAR MEDIDA PRIVATIVA DE LIBERDADE INDIVIDUAL, SEM AS FORMALIDADES LEGAIS OU COM ABUSO DE PODER

Os incisos III e IV, parágrafo único, art. 12., da Lei nº 13.869/2019 aclara que:

III – deixa de entregar ao preso, no prazo de 24 (vinte e quatro) horas, a nota de culpa, assinada pela autoridade, com o motivo da prisão e os nomes do condutor e das testemunhas;

IV – prolonga a execução de pena privativa de liberdade, de prisão temporária, de prisão preventiva, de medida de segurança ou de internação, deixando, sem motivo justo e excepcionalíssimo, de executar o alvará de soltura imediatamente após recebido ou de promover a soltura do preso quando esgotado o prazo judicial ou legal. (BRASIL, 2019).

Ninguém poderá ser preso senão em flagrante delito ou por ordem escrita da autoridade judiciária competente, ou administrativamente, por crime militar, conforme inciso LXI do art. 5º da CF: “ninguém será preso senão em flagrante delito ou por ordem escrita e fundamentada de autoridade judiciária competente, salvo nos casos de transgressão militar ou crime propriamente militar, definidos em lei”. (BRASIL, 1988). Desta forma, somente é considerada legal a prisão elencada nas hipóteses do art. 5º, LXI da CF: (a) ordem escrita e assinada pelo juiz competente; (b) flagrante delito e (c) prisão administrativa do militar. (BRASIL, 1988).

Convém frisar que no ordenamento jurídico brasileiro não existe a prisão para averiguação, uma vez que essa situação não se inclui nas estabelecidas pelo art. 5º, LXI da CF. (BRASIL, 1988). Assim, representam abuso de autoridade e são inconstitucionais as denominadas prisões para averiguação ou qualquer outro meio tirano de prisão, que não seja o previsto na Constituição Federal, bem como tolir a liberdade de locomoção de alguém, sem que este esteja preso em flagrante ou sem mandado de autoridade competente. 

2.2.5 SUBMETER PESSOA SOB SUA GUARDA OU CUSTÓDIA A VEXAME OU A CONSTRANGIMENTO NÃO AUTORIZADO EM LEI

Na Lei nº 13.869/2019 têm-se no inciso II, art. 13, acerca da submissão de pessoa sob custódia a situação vexatória ou a constrangimento não autorizado em lei.”. (BRASIL, 2019).

O agente policial que submete pessoa sob sua guarda a vexame e a constrangimento ilegal, também comete abuso de autoridade. Mesmo o indivíduo que comete crimes deve ter seus direitos e dignidade preservados (MELOSSI, 2010). O ordenamento jurídico brasileiro garante aos presos uma série de direitos que resguardam sua integridade física e dignidade:

CF, art. 5º III – “ninguém será submetido à tortura ou a tratamento desumano ou degradante”; (BRASIL, 1988). Código Penal, art. 38 – “o preso conserva todos os direitos não atingidos pela perda da liberdade, impondo-se a todas as autoridades o respeito à sua integridade física e moral”; (BRASIL, 1940). Código de Processo Penal Militar, art. 241 – “impõe-se à autoridade responsável pela custódia do preso o respeito à integridade física e moral do detento, que terá direito à presença de uma pessoa de sua família e à assistência religiosa, pelo menos uma vez por semana, em dia previamente marcado”. (BRASIL, 1941).

Adverte Capez (2004, p. 25) que o delito em questão não se confunde com aquele previsto no art. 1º, § 1º, da Lei de Tortura (Lei 9.455/97) que diz: “Na mesma pena incorre quem submete pessoa presa ou sujeita a medida de segurança a sofrimento físico ou mental, por intermédio da prática de ato não previsto em lei ou não resultante de medida legal”. (BRASIL, 1997). A diferença está no fato de que no crime de tortura o cidadão não é submetido ao simples vexame, mas sim a sofrimento físico ou mental.

2.2.6 DEIXAR DE COMUNICAR, IMEDIATAMENTE, AO JUIZ COMPETENTE A PRISÃO OU DETENÇÃO DE QUALQUER PESSOA

O art. 5º, LXII da CF determina que “a prisão de qualquer pessoa e o local onde se encontre serão comunicados imediatamente ao juiz competente e à família do preso ou à pessoa por ele indicada”. (BRASIL, 1988). De acordo com Capez (2004, p. 25) “comunicação imediata é a que se faz logo em seguida à lavratura do auto de prisão em flagrante”.

O art. 12º da Lei de Abuso de Autoridade menciona sobre a falta de comunicação ao juiz, assim tipificado:

Art. 12. Deixar injustificadamente de comunicar prisão em flagrante à autoridade judiciária no prazo legal:

Pena – detenção, de 6 (seis) meses a 2 (dois) anos, e multa.

Parágrafo único. Incorre na mesma pena quem:

I – deixa de comunicar, imediatamente, a execução de prisão temporária ou preventiva à autoridade judiciária que a decretou;

II – deixa de comunicar, imediatamente, a prisão de qualquer pessoa e o local onde se encontra à sua família ou à pessoa por ela indicada; (BRASIL, 2019).

Em virtude de condenação, flagrante e/ou outra espécie, a autoridade que efetuou a prisão tem o dever de comunicá-la ao juiz competente, sob pena de, não o fazendo, praticar abuso de autoridade.

Assim, logo após lavrar-se o Auto de Prisão em Flagrante a autoridade policial deve comunicar a prisão à autoridade judiciária competente, do contrário, poderá responder pelo crime de abuso de autoridade (MORAIS DA ROSA, 2019).

2.2.7 LEVAR À PRISÃO QUEM SE PROPONHA A PRESTAR FIANÇA, PERMITIDA EM LEI

O direito à fiança encontra-se previsto no inciso LXVI do art. 5º da CF: “ninguém será levado à prisão ou nela mantido, quando a lei admitir a liberdade provisória, com ou sem fiança”. (BRASIL, 1988). Desta forma, o acusado que se propõe a prestar fiança adquire o direito à liberdade provisória e não será conduzido à prisão e se nela estiver, não poderá permanecer, conforme explica Mirabete (2007, p. 414).

A fiança é um direito constitucional subjetivo do acusado, que lhe permite, mediante caução e o cumprimento de certas obrigações, conservar sua liberdade até a sentença condenatória irrecorrível. É um meio para se obter a liberdade provisória: se o acusado está preso, é solto; se está em liberdade, mas ameaçado de custódia, a prisão não se efetua.

A autoridade policial deve estar atenta aos casos previstos no artigo 322 do Decreto-Lei 3.689 Código de Processo Penal (BRASIL, 1941) que estabelece em quais casos este agente poderá conceder fiança, uma vez que este artigo estabelece que somente o delegado de polícia e a autoridade judiciária podem conceder fiança:

Art. 322. A autoridade policial somente poderá conceder fiança nos casos de infração punida com detenção ou prisão simples.

Parágrafo único: nos demais casos do art. 323, a fiança será requerida ao juiz que decidirá em quarenta e oito horas. (BRASIL, 1941).

Observa-se que as condutas demonstradas constantes na Constituição Federal o Brasil (BRASIL, 1988), Código Penal (BRASIL, 1940), Código de Processo Penal (BRASIL, 1941) e Lei nº 13.869 (BRASIL, 2019), quando realizadas em desconformidade com as normas compromete diretamente a imagem da Organização, principalmente, militar, frente atuação policial, sendo necessário constantes esclarecimentos consoante aspectos, condutas, e garantia da Lei nº 13.869/2019 que trata do Abuso de Autoridade (BRASIL, 2019), junto aos profissionais de segurança pública.

3. CONCLUSÃO

O agente policial deve ser o maior promotor e defensor da legalidade e dos direitos humanos, um exemplo e referencial a ser seguido pela sociedade e, assim como qualquer cidadão, deve seguir o que estabelece a lei. O profissional não deve ter a imagem maculada pelo despreparo moral, ético e profissional de agentes que utilizam da função para causar arbitrariedades.

A imagem das instituições responsáveis pela segurança pública, conforme retratado por Lima (2017), sobretudo das Polícias Militares, deve ser resgatada, para possibilitar a credibilidade da atividade policial e uma ação conjunta entre estas e a sociedade para o combate e prevenção da criminalidade.

Dentre as arbitrariedades, quando cometidas por policiais, foram destacados neste trabalho, aspectos relacionados ao abuso de autoridade previstos na Lei nº 13.869/2019 frente à atividade policial mais suscetível a incorrer. As acusações desta natureza são mais suscetíveis aos policiais civis ou militares, justamente por serem os que estão diretamente em contato com o público, e por serem os profissionais responsáveis pelo controle social e manutenção da ordem pública, daí a importância em esclarecer peculiaridades da presente lei, perante as Corporações, em razão da atividade policial.

Apesar de a Lei de Abuso de Autoridade ter sido criada em um período autoritário, pós-revolução militar de 1964, atualizada em 2019, a finalidade desta lei é prevenir os abusos praticados pelas autoridades (inclui-se os profissionais da segurança pública) estabelecendo as sanções de natureza administrativa, civil e penal. A lei visa assim a moralização da função pública, além disso, o objetivo da lei é evitar os abusos praticados pelos agentes públicos e proteger o cidadão para que seus direitos e garantias constitucionais sejam preservados.

Qualquer conduta realizada pelo agente policial no exercício de função pública, semelhante às elencadas nos artigos 9º e 38º da Lei nº 13.869, (BRASIL, 2019), representa desrespeito e violação dos direitos e garantias fundamentais, e configura-se como abuso de autoridade.

Assim, retomando a questão norteadora, objeto deste artigo, e com tudo o que foi aludido, o agente policial deve ser conhecedor dos direitos e garantias fundamentais e dos diversos tipos de condutas de abuso de autoridade, para exercer com excelência e conforme os preceitos legais, a missão de preservar a ordem pública e a incolumidade das pessoas, oferecendo uma melhor prestação do serviço e fortalecendo as Instituições perante a Sociedade.

REFERÊNCIAS

BASTOS, Celso Ribeiro. Curso de Direito Constitucional. 22 ed. São Paulo: Saraiva, 2001.

BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. 25. ed. São Paulo: Malheiros, 2010.

BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicaocompilado.htm. Acesso em: 02 mar. 2022.

BRASIL. Decreto-Lei 2.848, de 07 de dezembro de 1940. Código Penal. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/del2848compilado.htm. Acesso em: 02 mar. 2022.

BRASIL. Decreto-Lei 3689, de 3 de outubro de 1941. Código de Processo Penal. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/del3689compilado.htm. Acesso em: 07 dez. 2021.

BRASIL. Lei nº 13.869, de 05 de setembro de 2019. Dispõe sobre os crimes de abuso de autoridade. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2019-2022/2019/lei/L13869.htm. Acesso em 02 mar. 2022.

CAPEZ, Fernando. Curso de Direito Penal: parte geral, volume 1. 7 ed. São Paulo: Saraiva, 2004.

D’URSO, Flavia. Princípio constitucional da proporcionalidade no processo penal. São Paulo: Editora Atlas, 2007.

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APÊNDICE – REFERÊNCIA NOTA DE RODAPÉ

8. RHC 158580 Ministro Rogerio Schietti Cruz.pdf (stj.jus.br): disponível em <http:// www.stj.jus.br/sites/portalp/SiteAssets/documentos/noticias/RHC%20158580%20Ministro%20Rogerio%20Schietti%20Cruz.pdf> Acesso em 12 de Maio de 2022.

9. Idem.

10. Habeas Corpus 598.051: Revista Eletrônica (stj.jus.br): <http://processo.stj.jus.br/processo/revista/documento/mediado/?componente=ITA&sequencial=2027533&num_registro=202001762449&data=20210315&peticao_numero=-1&formato=PDF>: Acesso em 12 de Maio de 2022.

[1] Mestrando em Segurança Pública, Cidadania e Direitos Humanos, Especialista em Gestão Pública aplicada à Segurança. Especialista em Direito Penal e Processo Penal. Especialista em Ciências Jurídicas. Especialista em Direito Administrativo. Bacharel em Direito. Bacharel em Segurança Pública e Cidadania. ORCID: 0000-0001-6428-8590.

[2] Mestrando em Segurança Pública, Cidadania e Direitos Humanos, Especialista em Gestão Pública aplicada à Segurança. Especialista em Direito Penal e Processo Penal. Especialista em Ciências Jurídicas. Especialista em Direito Administrativo. Bacharel em Direito. Bacharel em Segurança Pública e Cidadania. ORCID: 0000-0002-8303-8455.

[3] Doutorando em Gestão da Informação, Mestre em Segurança Pública, Cidadania e Direitos Humanos, Especialista em Inteligência Policial e em Administração Estratégica, Bacharel em Sistemas de Informação e em Segurança Pública e Cidadania. ORCID:  0000-0003-2930-2902.

[4] Bacharel em Direito; Especialista em Direito Administrativo; Tecnólogo em Processos Gerenciais. ORCID: 0000-0001-9570-3873.

[5] Mestrando em Segurança Pública, Cidadania e Direitos Humanos, Especialista em Gestão Pública aplicada à Segurança. ORCID:  0000-0002-3276-1766.

[6] Doutorando em Direito Constitucional. Mestre em Segurança Pública, Cidadania e Direitos Humanos.  Bacharel em Direito, Especialista em Direito Militar. ORCID: 0000-0002-7137-4769.

[7] Orientador. Doutorado em Administração pela Universidade Federal de Minas Gerais, Mestrado em Administração Pública, Especialização em Administração Pública, Graduação em Direito, Graduação em Administração Pública, Graduação em Administração de empresas / Comércio Exterior. ORCID: 0000-0001-5312-4179.

Enviado: Fevereiro, 2022.

Aprovado: Julho, 2022.

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Ailton Luiz dos Santos

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