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A Condição Humana No Cristianismo Pascaliano: O Paradoxo Entre Grandeza e Miséria

RC: 7859
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CONTEÚDO

ROCHA, Arlindo Nascimento [1]

ROCHA, Arlindo Nascimento. A Condição Humana No Cristianismo Pascaliano: O Paradoxo Entre Grandeza e Miséria. Revista Científica Multidisciplinar Núcleo do Conhecimento. Ano 2, Ed. 01, Vol. 01. pp 331-351, Abril de 2017. ISSN:2448-0959

RESUMO

Este artigo tem como objetivo, analisar a concepção existencial do homem paradoxal em Blaise Pascal, presente na obra Pensamentos, através do tema A Condição Humano no cristianismo pascaliano: o paradoxo grandeza e miséria. O modo pela qual conduziremos nossa análise é a visão paradoxal do homem, por isso, nossa reflexão é, sobretudo, sobre a situação do homem no mundo, onde se encontra lançado em meio aos acontecimentos, submetido à sua sorte, ao acaso, à diversidade e aos quereres dos outros. Os bens materiais o determinam mediante as necessidades que ele tem deles e a sociedade o condiciona de mil maneiras. O homem está sujeito a solicitações diversas e dispersivas, que se torna necessário conhecer a si mesmo, ou seja, sua grandeza e suas infinitas misérias. A apologética pascaliana tem como ponto de partida a descrição da miséria humana como condição para reconhecer sua grandeza, “a grandeza do homem é grande por ele conhecer-se miserável […] É então ser miserável conhecer (-se) miserável, mas é ser grande conhecer que se é miserável”. Esse também será nosso ponto de partida e de chegada na análise antropológica do homem em Pascal.

Palavra-chave: Homem Paradoxal, Grandeza e Miséria, Visão Paradoxal, Apologética Pascaliana.

INTRODUÇÃO

Blaise Pascal (1623-1662) pensador francês, considerado por muitos como sendo o gênio da ciência, matemático, físico, filósofo, teólogo, pai da computação digital, da probabilidade, da física experimental, da hidráulica, do cálculo integral e diferencial, da geometria projetiva, gênio da literatura universal, defensor do catolicismo e inimigo dos jesuítas, polemista mordaz tentado pela reclusão voluntária, fica muitas vezes obscurecido pela lenda. Seu ascetismo foi realizado em segredo, assim como sua oração, leitura bíblica e caridade. De acordo com os familiares, Pascal literalmente conhecia a Bíblia de cor. Segundo Jacques Attali, autor do livro Blaise Pascal ou o gênio francês:

Pascal travou uma batalha de morte entre a ciência e a Igreja, os príncipes e o rei, as províncias e o Estado, a economia e a política, o universalismo e o particularismo, a liberdade e a predestinação, o orgulho e a submissão, a propriedade coletiva das almas e a autonomia dos corpos, o barroco e o classicismo, a língua e a censura, a verdade e a calúnia. [2]

Como pensador, seus escritos teológicos e filosóficos são contagiantes, uma vez que, desenvolveu uma influente leitura da condição humana que se destaca entre os filósofos de sua época. Isto ocorre, principalmente, pela tentativa de conciliar dois aspectos que, a partir dos inícios da modernidade, estarão em conflito: fé e razão. Nesta tensão, o homem desenvolve outro conflito existencial, a sua condição paradoxal, que se constitui entre grandeza e miséria, que definem o seu modo de ser após a queda. [3] Segundo Alain Couprie, “Pascal não parte de considerações abstratas, mas de dados objetivos, verificáveis ou observáveis por todos e por cada um. Em face da imensidade do universo, a eternidade e a morte, o homem do meio ‘o homem sem Deus’ só pode sentir sua pequenez”. [4]

Nesse artigo, analisamos os conceitos de grandeza e miséria existencial como argumento antropológico fundamental em Pascal que, segundo Robert Velard, “começa com uma observação simples: os seres humanos exibem qualidades de grandeza e miséria”. Por “miséria do homem Pascal não entende só a miséria moral: esta é somente a manifestação da finitude do homem, de seu ser invalidado pelo nada. Ele assim resume a descrição do homem: dependência, desejo de independência, carência; Condição do homem: inquietação, tédio, inquietação. Nossa alma é lançada no corpo, ou seja, encontramo-nos no mundo sem saber o porque estamos nele, e por que estamos nele em algum átimo de tempo e em dado lugar em vez de em outros. Entretanto, Pascal não é seguramente um ingênuo em relação aos prestígios da grandeza, que ele justifica pragmaticamente como um remédio à esgarçadura inevitável do tecido social, como se pode ver nos Três discursos sobre a condição do grandes, escrita provavelmente em 1660, aconselhando um jovem príncipe a refletir acerca de sua autoridade no mundo. Por isso, segundo Gouhier, propor ao homem contemporâneo que leia Pascal exige algumas palavras de explicação, uma vez que, “há sempre algo novo a dizer sobre ele, algo diferente do que já foi dito”. [5]

Pascal não queria ser filósofo e provavelmente, não o era de fato, pelo menos não no sentido em que naquela época deles se falava. Ele menosprezava a filosofia e os filósofos e nada esperava de suas disputas. Pascal era sem dúvida, de modo especial, um amante da prática de desqualificação dos filósofos […] Achava que poderia detectar na tradição filosófica como um todo, até mesmo entre os autodefinidos como “céticos”, um orgulhoso intelectualismo, um racionalismo utópico, o qual ele estava determinado a estremecer e desestabilizar. [6] Tampouco era um teólogo, isto é, ele não praticava a teologia natural, que é um ramo da filosofia que objetiva demonstrar as verdades teológicas através de recursos racionais. No entanto, segundo Leszek Kolakowski, “nenhum resumo da filosofia europeia pode omiti-lo”. [7] De acordo com Attali:

Seria inconcebível que uma história da filosofia francesa omitisse o nome de Pascal. Ainda que não seja possível classificá-lo em nenhuma categoria de filósofos, pela pujança de seu espírito, pelo esplendor sem igual de seu estilo, ele exerceu profunda influência no pensamento francês. (ATTALI, 2003, p. 317).

A forma mais sútil da ironia e do paradoxo destrói as ideias preconcebidas e as verdades feitas e transformadas em dogmas. É com a implementação do paradoxo “grandeza e miséria” da condição humana que Pascal pode introduzir Deus. Na verdade, a resposta para o paradoxo reside na religião, ou seja, no cristianismo, que para ele é a verdadeira religião, e Jesus Cristo, o mediador entre criatura e Criador, já que com o pecado e consequentemente a queda do homem perdeu qualquer tipo de contato com a sua realidade originária e com seu criador. A miséria e a grandeza do homem estão verticalmente ligadas, o homem é capaz de cair muito baixo, mas também é capaz de subir, graças a Deus, na verdade “o homem não é nem anjo nem animal”, mas vagueia entre esses dois extremos. Na verdade, de acordo com Pascal, o pecado original aumenta a consciência do homem e o faz reconhecer sua condição para se aproximar de Deus.  O homem, que é descrito por Pascal como um paradoxo, serve para nos mostrar que ele caminha entre dois abismos: o infinitamente grande e o infinitamente pequeno. Homem aparece como “uma média entre tudo e nada”, perdido no universo infinito desencantado, em que seu centro está em toda parte e a circunferência em nenhuma parte.

Entretanto, para Pascal, só o evangelho pode unir esses opostos transcendo-os, uma vez que, só o comedimento leva ao equilíbrio dos opostos e leva o homem a realizar a sua verdadeira essência, superando sua desarmonia interna e externa, visando unir-se consigo mesmo antes de almejar unir-se a Deus. O caminho para essa união dá-se pela compreensão dos contrastes inerentes a condição humana. Por isso, nossa reflexão sobre um dos maiores contraste no que tange a condição humana, ou seja, a grandeza e a miséria existencial, considerada a nosso ver, o paradoxo fundamental na filosofia de Blaise Pascal.

Assim sendo, este presente artigo tem como objetivo analisar a concepção paradoxal da natureza humana, presente na obra de Blaise Pascal, em sua dimensão existencial, como ser essencialmente contraditório, onde enfatizamos a relação entre grandeza e miséria, como paradoxo fundamental, cujo centro da reflexão é o homem decaído, e investigar a ideia de uma individualidade do homem que reconhece sua própria identidade.

O PARADOXO GRANDEZA E MISÉRIA HUMANA EM BLAISE PASCAL

A obra (Pensées) Pensamentos constitui uma obra inacabada, que se sobreleva não só pela qualidade literária, mas também pela originalidade e materialidade. Partindo do homem, do seu mistério e da sua ânsia de felicidade, institui uma antropologia. Pascal quer descodificar a condição humana. Sua obra é construída sobre o paradoxo [8] do homem: grandeza e miséria, finito-infinito, tempo-eternidade, carne-espírito. Pascal afirma que, “a fonte de todas as heresias é não conhecer o acordo de duas verdades opostas”. Em Cristo é que o paradoxo granjeia sentido. Sem ele o homem não será capaz de decifrar a si mesmo […] “Calai-vos, pois, soberbo, que paradoxo sóis vós mesmos. Humilhai-vos, razão impotente; calai-vos natureza imbecil; aprendi que o homem ultrapassa infinitamente o homem e ouvi do vosso Senhor a vossa condição verdadeira, que ignorais. Escutai Deus”. [9] Segundo Rohden:

Pascal será sempre um dos maiores enigmas e paradoxos da história espiritual da humanidade. Ele é a bem dizer, um crente descrente; um dogmático cético; um homem que possui a Deus com grande plenitude, e não cessa de o procurar dia e noite, no deserto da sua enorme vacuidade; um homem eminentemente racional, mas que crê nas razões do coração que a razão ignora do que nas razões que a razão conhece [10] […]

Na reflexão sobre o paradoxo entre grandeza e miséria, começamos enfatizando o fragmento “Laf. 114; Bru. 397” da obra Pensamentos, em que Pascal nos mostra uma dialética existente entre esses dois conceitos que caracterizam antropologicamente a natureza humana, através da seguinte passagem: “a grandeza do homem é grande por ele conhecer-se miserável […] É então ser miserável conhecer (-se) miserável, mas é ser grande conhecer que se é miserável”. [11] Segundo Alain Couprie, “Pascal não descreve a miséria do homem por misantropia ou pelo ódio de seus companheiros. Ele não possui mais grandeza por idealismo. A pintura de um como de outro só faz sentido em relação ao trabalho como um todo. Ele é apenas um elemento, mas um elemento essencial. É nesta perspectiva global que deve ser considerado os capítulos II à VIII. Eles obedecem a um propósito, que estrutura tanto a primeira e a segunda parte dos pensamentos”. (COUPRIE, 2008, p. 53).

Essa dialética existencial que Pascal articula com extraordinária lucidez exprime, na verdade a situação dramática do homem na idade cartesiana no limiar dos tempos modernos.   Nesse ponto, nosso objetivo é clarificar a relação existente entre as noções de miséria e grandeza a fim de restituir o movimento geral dos Pensamentos, para que possamos entender a concepção pascaliana do homem dividido entre duas naturezas antagônicas, porém complementares e não excludentes. Todavia, é preciso ressaltar que a “grandeza do homem em Pascal não se confunde com a riqueza, a glória ou o exercício de altos cargos. Para ele, essas são “grandezas de estabelecimento” resultantes de um acidente de nascimento ou de instituições políticas e sociais. Eles não constituem nenhum caso de grandeza real, uma vez que, a verdadeira grandeza se funda na dignidade do homem, de todos os homens, isto é na faculdade de pensar”. (COUPRIE, 2008, p. 85).

De acordo com Robert Velarde, “o argumento antropológico de Pascal começa com uma observação simples: os seres humanos exibem qualidades ou traços de grandeza e miséria. Tal argumento é atraente em um ambiente contemporâneo, porque começa com uma observação da natureza humana, em vez de um argumento direto à existência de Deus, a confiabilidade na Bíblia, a validade da crença na ressurreição de Cristo, ou uma variedade de abordagens apologéticas tradicionais”. [12] Esse argumento apenas pretende iniciar a discussão sobre a natureza da condição humana. Mais especificamente, como nos informa Bem Rogers “a dialética de Pascal se esforça para alertar seu interlocutor agnóstico para dois elementos da condição humana em geral e para sua dificuldade em particular: em primeiro lugar procura mostrar que ninguém, baseando-se apenas em meios humanos, é capaz de entender e dar conta da confusa mistura de baixas qualidades e alto potencial presente no homem (maços 2-7); em segundo lugar, Pascal assegura que, a despeito da sua evidente capacidade para a felicidade, o homem é naturalmente miserável e nada do que os filósofos foram capazes de sugerir pode aliviar essa miséria (maços 8-10)”. (ROGERS, 2001, p. 19).

Sobre o paradoxo entre grandeza e miséria, Pascal escreve vários fragmentos que deixa claro sua intenção de estabelecer uma relação dialética e ao mesmo tempo paradoxal que espelha a verdadeira condição humana após a queda. Ele escreve: “à medida que se tem mais luz, descobre-se mais grandeza e mais baixeza no homem”. [13]  Os seres humanos, argumenta ele, exibem duas qualidades distintas e contraditórias: somos capazes de grandeza sublime, mas também somos corruptos em nossa natureza. Nas palavras de Pascal:

As grandezas e as misérias do homem são tão visíveis que é absolutamente necessário que a verdadeira religião nos ensine tanto que existe um grande princípio de grandeza no homem como também há nele um grande princípio de miséria. É também necessário que ela nos explique a razão dessas espantosas contrariedades. É necessário que, para tornar o homem Feliz, ela lhe mostre que há um Deus, a quem somos obrigados a amar, que a nossa verdadeira felicidade está em estar nele, e o nosso único mal consiste em estar separado dele […]  (PASCAL, 2005, pp. 61, 62. Laf. 149; Bru. 430).

Pascal pinta um quadro absolutamente trágico da condição paradoxal do homem, questionando a verdadeira essência do homem nas seguintes palavras: “que tipo de quimera é então o homem? Que novidade, que monstro, que caos, que fonte de contradições, que prodígio? Juiz de todas as coisas, verme imbecil, depositário da verdade, cloaca de incerteza e de erro, glória e rebotalho do universo”. [14] Como se depreende a partir da leitura do fragmento extraído dos Pensamentos, Pascal apresenta um desenho trágico da condição humana. O homem vive uma situação paradoxal marcada por traços de grandeza e miséria. No entanto, o homem recusa-se a ver a verdade da sua condição e vive disfarçando, forjando para si uma máscara que esconda a sua miséria. Miséria que marca o homem com o selo da discórdia, interna e externa. [15] No plano interno, ela reflete-se na luta entre a razão e as paixões; no plano externo entre o homem e a natureza. O sujeito pascaliano vive eternamente em conflito consigo mesmo. Segundo ele:

A guerra intestina do homem entre razão e as paixões. Se só houvesse a razão, sem as paixões. Se só houvesse as paixões sem a razão. Mas como tem uma coisa e outra, ele não pode ficar sem guerra, não podendo ter paz com uma sem ter guerra com a outra. Assim está sempre dividido e contrário a si mesmo. (PASCAL, 2005, p. 268. Laf. 620; Bru. 412).

Comparável à guerra civil, essa gera intestina, deve-se, sobretudo ao amor-próprio. Conquistador, violento, imperialista o amor de si mesmo leva os “eus” a se entredilacerarem, de modo que “todos os homens se odeiam naturalmente entre si. Usou-se como se pode da concupiscência para fazê-la servir ao bem público. Mas isso não passa de fingimento e de uma falsa imagem da caridade, pois no fundo não é mais do que ódio”. [16] Segundo Pascal, é no ódio que consiste o estado natural do homem. Apesar de viver constantemente em guerra consigo mesmo e com os outros, o homem ambiciona o amor e a estima dos outros. Para Couprie, “além da imaginação e do costume, o ‘amor-próprio’ [17] é a terceira e a última das ‘potencias enganadoras’ que Pascal analisa e denuncia. Como para os dois primeiros seu sentido e seu escopo são mais vastos que as definições modernas”. [18] Ora, conforme sublinha frequentemente o autor dos Pensamentos, “a razão e o coração são muitas vezes expostos ao erro: a razão por causa de todos os poderes enganadores: a imaginação, o costume, o amor-próprio, as paixões, o coração perdido pela concupiscência, confunde frequentemente o absoluto do verdadeiro e do bem, isto é, Deus com ídolos que apenas são aparências ou caricaturas”.[19]

Na concepção de natureza humana em Pascal, o paradoxo entre grandeza e miséria, é a nosso ver, o cerne da sua antropologia teológica e existencial, uma vez que, esse paradoxo assinala duas naturezas antagônicas, porém inseparáveis quando se fala da condição humana em Pascal, já que, para ele, o homem é um misto de misérias e de grandezas, e, naturalmente, entre essas duas dimensões existe uma relação de alteridade que caracteriza o homem, como um ser composto de duas naturezas contraditórias.[20] Assim, segundo pascal:

Considera-se a natureza do homem de duas maneiras: uma segundo o fim, e então ele é grande e incomparável; a outra segundo a multiplicidade, como se julga a natureza do cavalo e do cachorro pela multiplicidade, vendo neles a corrida et animum arcendi, e então o homem é objeto vil. E aí estão as duas vias que fazem ter dele julgamentos diversos e que causam tanta disputa entre os filósofos. Porque um nega a suposição do outro. Um diz: ele não nasceu para este fim, pois todas as suas ações se opõe a ele; ele se afasta do fim quando, pratica essas baixas ações. (PASCAL, 2005, p. 43. Laf. 127; Bru. 415).

Pascal tira uma profunda mensagem religiosa do Gênesis. “Adão tentado pelo diabo sucumbiu à tentação, se rebelou contra Deus, infringiu seus preceitos, queria ser independente de Deus e igual a Ele”. [21] Deus havia estabelecido a ordem harmoniosa da caridade. Adão quebrou-a por orgulho e por instigação de Satanás. Quando ele evoca a culpa original, Pascal fala, sobretudo, de rebelião por orgulho. Adão não podia suportar tamanha glória sem cair na presunção. Ele queria tornar-se o centro de si mesmo. O amor-próprio, que era legítimo, porque era medido e unido com o amor de Deus, foi excessivamente inflamado, pela sugestão diabólica: “Sereis como Deus” (Gênesis, III, 5). Assim, pelo pecado de Adão envolveu uma mudança terrível. Primeiro foi o declínio físico: o indizível sofrimento e a morte. Adão perdeu o poder de não morrer, mantendo o horror da morte. Mas isso não é tudo: hoje o homem se tornou como os animais, ele é uma luz confusa de seu autor, uma vez que todos os seus conhecimentos foram extintos ou perturbados.

O abandono, a perda da integridade íntima, a ausência de referência interna configuram a pura fragmentação existencial, o absurdo de um existir que não participa do ser, como alguém atirado a uma distância infinita daquilo que o faria existir. Por isso, é impossível que nossos esforços nos conduzam, portanto, a clareza, a exatidão e a distinção absolutas; todos os resultados que alcançamos estarão inelutavelmente afetados pela ambiguidade e pela contradição. Segundo Pascal, da sua felicidade original, o homem conserva uma lembrança vaga mesmo em sua miséria e no seu divertimento. Céticos, libertinos e indiferentes conservam, com efeito, no meio de sua “agitação” ou da sua “cupidez” um “instinto” secreto que resta da grandeza de sua primeira natureza. Mesmo que eles não queiram admiti-lo, eles sabem que a felicidade não consiste no “tumulto” perpétuo. Eles dirão que cessarão de “se divertir” quando atingirem seus objetivos. É evidentemente um erro, que eles desejam como uma realidade […] (COUPRIE, 2008, p. 91).

Segundo Franklin Leopoldo e Silva, “isso acontece porque a contradição está, antes de mais nada presente na nossa própria natureza. Existe em nós uma grandeza, que deriva da nossa origem divina e do destino que a criatura deve cumprir, retornando ao seu Criador. E existe em nós uma miséria, proveniente do pecado original, pelo qual a criatura preferiu a afirmação da sua soberba à harmonia que deveria caracterizar a relação entre o homem e Deus. Somos, portanto, um misto constituído, pela natureza perfeita que fomos criados e pela condição de pecado que nos marca desde a opção de nossos pais pelo afastamento de Deus. É a grandeza inerente à nossa primeira natureza que nos permite conhecer a nós mesmos como decaídos, de modo que só assumimos verdadeiramente o que somos se temos consciência do que podemos. Fora dessa oposição, dessa contradição constitutiva de nós mesmos, não há conhecimento possível”. [22] Por isso, é que Sciacca crê que “este é o cristianismo defendido por Pascal: Deus consola com a dor, cura com o ferro e o fogo, desperta ao toque da trombeta, sacode com a guerra interior. O homem que não está em guerra consigo mesmo está em guerra com Deus, porque está em paz com o pecado. A guerra que fere nossa consciência é o sinal da graça divina; Deus nos chama e o mundo nos retém. A boa vontade do homem e a graça divina colaboram para que o desapego seja completo e alegre. Desde o cume da fé, não entre as ataduras e as leis mortais da sociedade humana, fundamentada na imaginação enganadora e na outra concupiscência, nos amamos e já não nos odiamos a nós mesmos: amamos aos outros homens e não nos afastamos deles. Se realiza o milagre da solidão cristã, a única que é comunhão de espíritos, a única povoada de caridade”. [23]

De acordo com, Jean Mesnard, em sua obra, Os Pensamentos de Pascal (1993, p. 188), a noção de miséria pode ter alternativas como mesquinhez e fraqueza. O conceito de miséria tem um significado mais amplo do que o de vaidade (p. 189). A realização da vaidade é dolorosa, e é isso que gera miséria (p. 195). A miséria está na incapacidade do desejo encontrar seu objeto, causando incapacidade do homem de encontrar o seu lugar. [24]

O Eclesiastes mostra que o homem sem Deus fica na ignorância de tudo e numa infelicidade inevitável, pois é ser infeliz querer e não poder. Ora, ele quer ser feliz e não está seguro de alguma verdade. E, no entanto, não pode nem saber nem não desejar saber. Nem mesmo pode duvidar. (PASCAL, 2005, p 26. Laf 74; Bru. 454).

O conceito de miséria é, portanto, baseado na ideia de desproporção. Esta ideia já é encontrada em Santo Agostinho. As duas ideias que Pascal desenvolve juntas, a grandeza do homem que Epiteto pretende realizar unicamente pela força do homem, e a miséria do homem, em que Montaigne pretende acomodar numa posição de orgulho e de preguiça, são na realidade dois momentos compreensíveis somente numa perspectiva cristã. Rohden (1981, p. 59) nos mostra que, “entre os dois está o cristianismo, que não super-humaniza nem infra-humaniza o homem, esse animal-anjo, esse satânico serafim ou seráfico satã, invocando o dualismo interno do homem introduzido pelo despertar do Lúcifer do intelecto e solvido pelo advento do Logos ou Cristo. O homem era grande antes da queda, mas ele é miserável sem Deus. Sua salvação depende da graça de Deus”.[25] Segundo Mauriac:

Pascal que acredita na predestinação não é, entretanto, um despreparado; resta-lhe uma esperança: talvez sejamos amados de Deus, alguns dentre nós, sejam amados, e tudo está em pertencer a esse pequeno número, em ser preferido aos demais. Deus penetra o coração daqueles a quem ama, e o deleito de sua graça é onipotente. Essa graça não nos é devida após o pecado de Adão. só se concede àqueles que são escolhidos desde a eternidade. Misericórdia gratuita, porém, irresistível de que gozam raros eleitos. (PASCAL, 1975, pp. 11, 12).

Pascal assegura que a grandeza do homem vem de sua origem divina, sua esperança de salvação é sustentada pela redenção de Jesus Cristo, sem a qual o conhecimento de Deus seria inútil para o homem. [26] Esse fundamento teológico da antropologia é definido por Santo Agostinho. Na obra Cidade de Deus, ele considera o amor-próprio como o fundamento da política. Ele faz uma distinção entre a cidade temporal ou terrestre e a cidade espiritual ou celeste. As duas cidades são opostas. Dois amores construíram duas cidades: “o amor-próprio que nos leva a Deus; e o amor de Deus que nos leva a nós mesmos. Um se glorifica em si mesmo, outro se glorifica no Senhor”. [27] Segundo Pascal:

Uma é fundada sobre um modo de vida concupiscente, outro une os cidadãos na caridade. A paz é o soberano bem, ela é eterna e perfeita na cidade de Deus que os homens esperam, mas ele deve ser cumprido à ordem terrestre com a ausência da verdadeira justiça, através do uso da razão e a obediência à lei, isto é que explica a dominação do homem sobre o homem. (PASCAL, 2006, p. 110).

É claro que no plano mais geral os fragmentos de Pascal se movem partindo de uma depreciação do homem como um enigma infeliz em direção ao argumento da verdade da religião, que pode explicar seu caráter e fazê-lo feliz. [28] Pascal nos mostra que, a miséria humana é uma revolta de si contra si mesmo, porque o homem não podia o que ele queria, e agora não sabe o que quer. Essa incompatibilidade é necessariamente concebida como uma falta, porque pressupõe que a natureza de um ser que busca um fim, deve ser necessariamente proporcional à sua finalidade. Preocupado com as interpretações unilaterais do homem lança uma luz crua sobre a condição humana. Ele não está preocupado somente com a miséria do homem, mas também com os sinais da sua grandeza, visíveis sob os estragos do pecado. Ele não vai atirar-nos ao desespero, mas nos braços de Deus salvador. O que para nós é mais incompreensível é também o que há de mais fundamental para compreender o homem e a sua relação com Deus. Nesse sentido, é a fé, e não a ciência e a filosofia, que nos remete ao plano do essencial.

Se a contradição presente na condição humana nos conduz como que por si mesma à constatação do caráter sempre parcial e possivelmente ilusório de todas as construções racionais que procuram explicar o homem, esse limite da explicação aponta, o próprio interior da racionalidade, para uma dimensão que a razão, ainda que não podendo abarcar, deve aceitar como real. Porque se o racional se revela fictício, no próprio jogo de suas possibilidades, então é legítimo a compreensão do real se situa numa dimensão além dessas possibilidades racionais. (PASCAL, 2015, p. 9).

Depois de uma cura cética, dedicada à imagem da miséria do homem, Pascal mostra também a sua grandeza. Ela é afirmada no Memorial   “grandeza da alma humana”. Ao contrário do que normalmente se pensa a virtude cristã da humildade não exclui que o homem está consciente do que está nele dignidade e grandeza.

Concluindo-se a miséria da grandeza e a grandeza da miséria, alguns concluíram tanto mais a miséria quanto mais tomaram como prova a grandeza, e outros concluíram a grandeza com tanto mais força quanto mais a concluíram da miséria mesma. Tudo quanto alguns puderam dizer para mostrar a grandeza não serviu se não como argumento para os outros concluírem a miséria, pois, tanto mais miserável se é quanto mais alto se caiu, e os outros ao contrário. Atiram-se uns sobre os outros num círculo sem fim, ficando certo que, à medida que os homens têm luzes, encontram tanto a grandeza quanto a miséria no homem. Numa palavra, o homem sabe que é miserável. Ele é, pois miserável porque o é, mas é bem grande porque o sabe. ( PASCAL, 2005, p. 42. Laf. 122; Bru. 416).

Ben Rogers (2001, p. 64) concorda também que, a análise pascaliana não tem só esse aspecto negativo e nos mostra que Pascal invoca em sua defesa do povo duas vezes no maço “grandeza” como evidência da nobreza humana: “as razões dos efeitos marcam a grandeza do homem, por ter retirado da concupiscência uma tão bela ordem”. [29] E, “grandeza do homem em sua concupiscência mesmo por ter sabido retirar dela um regulamento admirável e por ter feito em consequência um quadro de caridade”. [30] Assim, segundo Rogers (2001, p. 65), os argumentos pascalianos não contribuem apenas, dessa forma, para ambas as partes do seu retrato da enigmática combinação entre baixeza (miséria) e grandeza que é o homem; também trabalham a fim de levantar um número considerável de questões que, é possível demonstrar, que só o cristianismo é capaz de responder. Observa-se que apesar de tudo, que na concepção pascaliana de miséria, há sempre a consciência da grandeza, e, na ideia de grandeza deve existir necessariamente a consciência da miséria, que se encontra explicitado no fragmento, “grandeza, miséria”:

À medida que se tem luz descobre-se mais grandeza e mais baixeza no homem. O comum dos homens. Os que são mais elevados. Os filósofos. Eles causam admiração no comum dos homens. Os cristãos fazem admirar-se os filósofos. Quem se admirará então de ver que a religião não faz mais do que conhecer a fundo aquilo que se conhece tanto mais quanto mais luzes se tiver? (PASCAL, 2005, p. 266. Laf. 613; Bru. 443).

A pequenez é correlativa à grandeza, e a grandeza à pequenez, alguns têm inferido a pequenez do homem, porque tomaram a sua grandeza como uma prova, e outros têm inferido a sua grandeza com mais força, a partir de sua pequenez; tudo o que uns disseram sobre sua grandeza tem servido apenas como argumento de sua pequenez para os outros, porque somos baixo em proporção à altura da qual caímos, e pelo contrário é igualmente verdade.  De modo que uma parte leva a outra em um círculo sem fim, pois é certo que, na medida em que os homens possuem mais luzes eles discernem tanto a grandeza e a pequenez do homem. Em uma palavra, o homem sabe que ele é pequeno. Ele é, então, porque ele é assim; mas ele é verdadeiramente grande, porque ele sabe disso. [31] No “frag Laf. 117; Bru. 409”, Pascal afirma:

A grandeza do homem é tão visível que ela se extrai até mesmo da sua miséria, pois aquilo que é natureza nos animais, chamamos miséria no homem, e por aí reconhecemos que, sendo a sua natureza hoje semelhante à dos animais, ele está decaído de uma natureza melhor que lhe era própria anteriormente [32] […]

Segundo Pascal, na seção VII, Contrariedades, logo no primeiro fragmento “Laf. 119 Bru. 423” com o mesmo título, afirma que:

Depois de ter mostrado a baixeza ou a grandeza do homem. Que o homem se estime no seu justo valor. Ame-se, pois há nele uma natureza capaz de bem; mas não ame por isso as baixezas que nele estão. Despreze-se, porque essa capacidade é vazia; mas não despreze por isso a capacidade natural. Odeia-se, ama-se: tem em si a capacidade de conhecer a verdade e de ser feliz; mas não tem verdade, nem constante, nem satisfatória […] (PASCAL, 2005, p. 41).

Segundo Peter Kreeft (1993, p. 51), “os filósofos não deveriam ser divididos em “otimistas” e “pessimistas” ou em filósofos da grandeza humana e filósofos da miséria humana, mas em “paradoxicalists” e “nonparadoxicalists”. Paradoxicalists são filósofos como Pascal que tem uma visão aberta o suficiente para ver profundamente em ambas as direções ao mesmo tempo. Eles são como gigantes com braços estendidos mais longe do que os pensadores menores ambos a direita e a esquerda, em cima e em baixo, no céu e no inferno do coração humano”. Ainda segundo o mesmo autor, a família espiritual de Paulo, Agostinho, Pascal, Kierkegaard e Dostoiévski são verdadeiros paradoxicalists. Ver para o homem com ambos os olhos abertos é assustador e maravilhoso como uma montanha-russa. Ele produz uma maior sensação de profundidade, uma terceira dimensão, como os dois olhos físicos fazem. Muitos filósofos por comparação são unidimensionais porque eles cobrem um dos olhos. Eles são otimistas ou pessimistas, racionais ou empiristas, espiritualistas ou materialistas.

O grande problema atual do homem é não saber em que grau ou lugar se colocar. Ele evidentemente extraviou-se e caiu do seu verdadeiro lugar, incapaz de se encontrar novamente. Inquieto e mal sucedido ele procura em todos os lugares numa escuridão impenetrável. Embora o homem veja todas as misérias que se fecha sobre ele, ele tem um instinto irreprimível que o leva a reconhecer suas grandezas. Pascal nos mostra que: “a duplicidade do homem é tão visível que alguns chegaram a pensar que tínhamos duas almas. Um sujeito simples lhes parece, com efeito, incapaz de tais e tão súbitas verdades, de uma presunção desmedida a um horrível abatimento do coração”. (PASCAL, 2005, p. 270. Laf. 629; Bru. 417).

Peter Kreeft enfatiza que, até mesmo os pecados mortais de orgulho e desespero, ou “presunção ilimitada” e “desânimo terrível”, percebe um pensamento unilateral profundo de verdade sobre nós mesmos. Na verdade a maioria de nós não se atreve a enfrentar, porque qualquer uma dessas duas verdades sem o outro é perigoso e destrutivo. Assim podemos aprender e incluir até mesmo grandes otimistas de um lado, como Rousseau e Walt Whitman e grandes pessimistas unilaterais como Hobbes e Camus. [33] Para Pascal, “o homem não é nem anjo nem animal, e a infelicidade quer que quem quer se mostrar anjo se mostre animal” [34]  portanto, “é perigoso demonstrar ao homem quanto ele é igual aos animais sem lhe mostrar a sua grandeza. E é também perigoso mostrar-lhe demais a sua grandeza sem a sua baixeza. É mais perigoso ainda deixá-lo ignorar uma e outra coisa, mas é vantajosíssimo representar-lhe uma e outra”. [35] Por isso, Pascal nos mostra como fazer isso no fragmento “Laf. 130; Bru. 420” da seguinte forma “se ele se gaba, eu o rebaixo. Se ele se rebaixa, eu o gabo. E o contradigo sempre. Até que ele compreenda que é um mostro incompreensível”. (PASCAL, 2005, p. 44).

É importante assinalar que, segundo nos relata Kreeft, “as duas heresias humanas fundamentais são o ‘animalismo’ e o ‘angelismo’. O homem perdeu o sue lugar no cosmo”. Gilbert Keith Chesterton disse ao descrever a filosofia de São Tomás que “o homem não é como um balão flutuando livre no céu nem uma toupeira fazendo tocas na terra, mas como uma árvore, com suas raízes firmemente plantadas no solo e os seus ramos atingindo os céus”. [36] A filosofia moderna perdeu sua antropologia sã, porque perdeu sua cosmologia. O homem não conhece a si mesmo porque ele não sabe o seu lugar no cosmo; ele confunde a si mesmo com anjos ou animais. Ele está alienado e perdido no cosmo. [37] Ao descrever o homem e sua relativa fragilidade quando comparado com outros elementos existentes na natureza, Pascal usa um dos fragmentos mais conhecidos na sua obra Pensamentos, que ilustra de forma metafórica, o paradoxo que o homem vive.

O homem não é senão um caniço pensante, o mais fraco na natureza, mas é um caniço pensante. Não é preciso que o universo inteiro se arme para esmagá-lo; um vapor, uma gota de água basta para matá-lo. Mas, ainda que o universo o esmague, o homem seria mais nobre do que aquilo que o mata, pois, ele sabe que morre e a vantagem que o universo tem sobre ele. O universo de nada sabe. Toda a nossa dignidade consiste, pois, no pensamento. É daí que temos de nos elevar, e não do espaço e da duração que não conseguimos preencher. Trabalhamos, pois, para pensar bem: eis aí o princípio da moral. (PASCAL, 2005, p. 86. Laf. 200; Bru. 347).

Na interpretação de Kreeft, fica claro que “o homem tem uma existência paradoxal: grandeza miserável, animal racional, espírito mortal, caniço pensante”. Segundo ele, “existem três paradoxos no fragmento, que devem ser distinguidos”; primeiro: metafisicamente, o homem é objeto e sujeito. Ele é um dos muitos objetos na natureza, uma coisa como: um caniço, na verdade, um objeto muito pequeno e fraco, como um caniço. Mas ele é também sujeito: mente e espírito, pensamento e consciência, uma folha de grama que filosofa; segundo: psicologicamente o homem é grande e miserável, exaltado e rebaixado; e, terceiro: moralmente o homem é mau e bom, capaz do inferno ou do paraíso […] Nessas três vias, o homem é instável. Sua natureza é dupla (corpo e espírito), sua consciência é dupla (exaltado e rebaixado) e a sua potencialidade é dupla (inferno ou paraíso). Nessas três vias ele é ao contrário das coisas da natureza, que se apoiam estável dentro de sua natureza. (KREEFT, 1993, p. 55).

O paradoxo entre grandeza e miséria apresentadas por Pascal na sua obra Pensamentos nos leva a refletir sobre a verdadeira situação do homem e a formular algumas interrogações pertinentes: de que forma podemos perceber a miséria e a grandeza no homem contemporâneo? O conhecimento dessas dimensões do homem pascaliano mudaria efetivamente a forma de pensar do homem? Certamente, a humanidade diante de tantas calamidades, sofrimentos, perdas e corrupções, já está num estágio de entorpecimento, que a única saída, é a fuga de si mesmo, buscando no divertimento um paliativo para o vazio existencial. Não somente a fuga, mas como o prazer, meio pelo qual procura não assumir sua condição de ser finito. Todo homem está à procura da felicidade, porém essa vem sendo buscada de maneira egoísta e envaidecida. Contudo, na via pascaliana, a grandeza deve cada vez mais associar-se à miséria humana pela reflexão, uma vez que, “a mediocridade, que mantém o mundo, é a mesma vaidade que salva os homens”. [38]

Ao desenhar as misérias da condição humana, Pascal aponta para a necessidade de encontrar o sentido dessa mesma condição. Todavia, encontrar a verdade, da nossa condição humana é tarefa árdua, uma vez que o homem encontra-se numa situação paradoxal, ou seja, ele é um ponto intermediário entre tudo e nada. Sendo apenas um ponto entre extremos infinitos, o homem não pode de modo algum suprimir os contrários, uma vez que ele se encontra infinitamente distante de ambos e impossibilitado de contemplá-los. Pascal acreditava que só a religião cristã que explicou justamente a natureza do homem. O homem é tanto miserável como grande. Muitas religiões reconhecem a grandeza do homem, mas não conseguem ver a sua miséria. O movimento da Nova Era é um exemplo; o homem é Deus e o pecado é uma ilusão. Outras religiões aceitam a miséria do homem, mas ignoraram sua grandeza. Os humanistas seculares consideraram o homem um animal; os behavioristas veem o homem como uma máquina. Só o cristianismo vê o homem pelo que ele realmente é; o homem é miserável e grande. Apoiando nas ideias pascalianas Giovanni Reale (2005) faz a seguinte síntese do paradoxo entre grandeza e miséria:

Essa é, portanto, a condição humana: o homem é um ser instável e incerto “não é nem anjo nem fera”. E a grandeza do homem reside justamente nisto: “que se reconhece miserável.” Suas misérias provam sua grandeza: “são misérias de um grande senhor, misérias de um rei destronado”, “de miserável, só existe o homem”. Portanto, a grandeza e a miséria do homem estão solidamente interligadas. Em suma, o homem não deve se julgar um animal, mas também não deve presumir que é anjo. Por isso, “se ele se vangloria, eu o rebaixo; se ele se rebaixa, eu o glorifico; eu o contradigo até que compreenda que é um monstro incompreensível”. Esse é o realismo trágico de Pascal: o homem é plasmado de grandeza e miséria e, sozinho, com suas próprias forças, só consegue compreender que é um monstro incompreensível; sozinho, não conseguirá criar valores válidos nem encontrar um sentido estável e verdadeiro da existência. Mas, comenta Pascal, “é bom cansar-se e esforçar-se na inútil busca do verdadeiro bem, para estender os braços ao Libertador”. Na realidade, a miséria do homem e todas as contradições perceptíveis naquele monstro incompreensível que é o homem “pareciam me afastar cada vez mais do conhecimento da religião, mas, ao contrario, conduziram-me mais depressa para a verdadeira religião”. [39]

A partir da nossa leitura, fica claro que, na formulação do paradoxo, que a nosso ver, é fundamental na filosofia pascaliana, teve como precursores dois filósofos: Epiteto e Montaigne, cada um representando uma corrente filosófica diferente, o Estoicismo e o Ceticismo, cada uma, apresentando uma análise unilateral do homem. Epiteto e Montaigne, embora distantes no tempo e no espaço representam duas formas fundamentais da filosofia, “as duas maiores seitas do mundo”, o primeiro soube ver a grandeza e a dignidade da natureza humana, enquanto que o segundo, fere “a soberba razão” com “suas próprias armas”, revela a impotência humana, mas perde de vista seu dever. Esses dois filósofos, embora de forma diferente influenciaram o pensamento de Pascal na elaboração do seu conceito de homem paradoxal, cindido entre miséria e grandeza.

Essa influência fica clara e expressa na conversa com o Senhor da Sacy, onde Pascal apresenta de forma sistemática ser conhecedor dessas duas posições antagônicas, cujo objetivo era mostrar que nenhuma análise unilateral ou parcial do homem é capaz de dar contra de explicar a verdadeira condição do homem. Em Pascal, como vimos o homem é um composto integrado de miséria e grandeza, portanto, nem Epiteto, nem Montaigne estavam certos ao defenderem suas teses, uma vez que segundo Pascal, a verdadeira condição do homem, só pode estar na conjugação dessas duas posições radicais sobre o homem.

Para nós, nada é mais claro na filosofia pascaliana do que o paradoxo entre miséria e grandeza, aliás, são vários os fragmentos que sustentam essa tese, que também pode ser observado de forma empírica, quando paramos para questionar as ações, os acontecimentos, as motivações que levam o homem a agir e ser quem ele é. Não é difícil enxergar que o homem se revela ao mundo apresentando ainda traços de grandeza, e traços de infinitas misérias existenciais, fruto da ruptura com o seu Criador. Mas podemos estar certos de que não pode haver miséria humana que venha anular completamente a grandeza divina, nem distância que não possa ser transposta pela graça reconstituinte do elo entre Criador e criatura.

Entretanto, segundo Francis D. Kelly “a busca exclusiva do ter, torna-se um obstáculo para o crescimento do ser e se opõe a sua verdadeira grandeza. Uma empreitada semelhante, o desenvolvimento integral do homem e o desenvolvimento solidário da sociedade, não é fácil. É necessário defrontar-se com a situação com coragem para combater e vencer o velho homem e o novo homem em nós.” [40] Segundo ele, Cristo voltará um dia para trazer a história humana, com toda a sua grandeza e miséria, a uma conclusão definitiva. Sua causa como mediador entre o homem e Deus será justificada e seus discípulos fiéis serão recompensados. A imagem da grande final é evocada no livro do Apocalipse:

Eu vi ainda uma nuvem branca, sob a qual se sentava como quem Filho do Homem, com a cabeça cingida de coroa de ouro na mão uma foice afiada. Outro anjo saiu do templo, gritando em voz alta para aquele que estava assentado na nuvem: “lança a tua foice e ceifa, porque é chegado a hora de ceifar, pois, está madura a seara da terra. (Apocalipse, 14, 14-15)

Só resta ao homem viver na esperança, se ele souber que todas as coisas terminarão bem com a vinda de Cristo, o redentor. Sua soberania será um dia definitivamente estabelecida, e todas as pessoas serão submetidas ao seu gentil reinado, que durará para sempre. Até esse dia chegar, devemos ser fiéis e esperar por Ele com esperança, pois, como vimos anteriormente, ele é o único caminho que leva ao Senhor, uma vez que o homem sozinho está condenado à perdição, já que ele é um indivíduo, mas é também uma síntese da humanidade, e os pecados da humanidade são de certa maneira os pecados do homem. A aliança em Cristo redime os pecados, e, a história da salvação manifesta-se como uma grandiosa pedagogia divina que aponta para Cristo.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Sem dúvida, um dos textos mais notáveis de Pascal onde começa a esboçar dentro da sua antropologia teológica, o paradoxo que para nós é fundamental para a compreensão do homem, ou seja, o paradoxo entre grandeza e miséria, é a “Conversa com o Senhor de Sacy sobre a leitura de Epiteto e Montaigne”, que foi publicado após a morte de Pascal. Ele explicita sua compressão de modo como a leitura de Epiteto e Montaigne se relacionam ao cristianismo e, assim embrenha-se na questão da utilidade da filosofia, o que havia sido instigado a fazer pelo Senhor de Sacy. Para provar a verdade do cristianismo, Pascal usou um contra o outro, os argumentos de orgulho estoico ou dogmático e os argumentos do ceticismo. Assim, para a apologia do cristianismo, utilizou a razão, a única arma que reconhecem os ateus para ridicularizar a religião. Aproveitou os argumentos do cético Montaigne para destruir a orgulhosa confiança no homem em suas possibilidades humanas.

Pascal é antes de tudo um filósofo que herdou de Agostinho seu principal mestre, aquilo que ficou conhecido como pessimismo antropológico. Ele desenvolve uma leitura da condição humana, onde o homem é analisado de forma holística. Se os outros pensadores analisaram o homem apenas de forma unilateral e, viram nela apenas um aspecto de sua condição, Pascal nos mostra que o homem, na verdade, o homem é uma mistura da altas e baixas qualidades, ou seja, o homem não é “nem anjo nem animal” embora exiba características de ambos. Com Pascal a concepção da natureza do homem passou a ser vista como um ser dividido entre duas naturezas antagônicas, ou seja, a grandeza e a miséria. Essas duas naturezas, segundo Pascal, devem ser conhecidos em conjunto para conhecer a verdadeira condição humana. Quando conhecidos separadamente, levam necessariamente ao orgulho ou a preguiça, dois vícios onde estão inevitavelmente imerso todos os homens antes da graça. Não há duvidas que a constituição do homem seja dupla, não integrada e mais, uma duplicidade histórica, história esta teológica, logo, sobrenatural.

Pascal não cessará de olhar o mundo dos filósofos considerando os que visam demasiado alto e os que visam demasiado baixo. Epíteto e os estoicos representarão sempre os primeiros, mas Pascal vai tornar a divergência mais sensível entre as duas “seitas” ao descer abaixo de Montaigne, no sentido de que chamaríamos de materialismo. Pascal conhece essas duas seitas e diz que é inútil passar em revista todas as escolas, uma vez que se conhece aqueles que colocaram o homem igual a Deus e os que os igualaram aos animais. Por isso, Pascal não se restringe nem a uma nem a outra corrente, mas tenta mostrar que esse esquema dualista faz parte da natureza humana como ser único que comporta tanto a miséria quanto a grandeza como unidade indissociável quando se fala do homem pascaliano. Com muita maestria Pascal analisou os argumentos de ambos, e conseguiu transcender além das respectivas teorias, na busca e descoberta da verdade sobre a natureza humana, ou seja, tornar pensável a grandeza e a miséria do homem de forma integrada.

É importante que o homem reconheça que sua grandeza reside também no fato de reconhecer-se instável, incerto, às vezes impotente e, enfim, miserável. Mas, as misérias provam que, sua grandeza e sua dignidade advêm do fato de reconhecer suas infinitas limitações e tentar superá-las. Grandeza e miséria são, pois, duas situações interligadas, conferindo ao homem a dupla face de grande e miserável. Todas as contradições em Pascal, grandeza e miséria, finito e infinito, sofrimento e alegria, encontram seu ponto fixo em Jesus Cristo, que, por seu sofrimento e morte pagou pelos nossos pecados e por obediência cumpriu a lei em nosso lugar.

O pessimismo antropológico de Pascal é brutal. O sentido do nada, o nada que habita em nós encontra-se sempre presente em Pascal. Ele não acredita na bondade do ser humano, no entanto, o que dizemos de Pascal, é o que já se dizia em Sócrates, Platão e Aristóteles, ou seja, os valores são objetos de aprendizagem, ou no mínimo, são objetos de reflexão. Segundo Pascal, a natureza se imita. Uma semente lançada em boa terra produz. Um princípio lançado num bom espírito produz. De modo que a ações humanas são reguladas pela moral através do mecanismo da razão, a qual ainda estabelecerá a cidadania. O grande problema é que o homem pascaliano está definitivamente perdido e não sabe o seu lugar no cosmo, por isso, qualquer tentativa humana está fadada ao fracasso e ao abandono, já que a inconstância com que abandona seus projetos é uma das suas principais marcas. Como se referiu anteriormente, reafirmamos que, é a consciência trágica faz de Pascal um filósofo do paradoxo ao afirmar que a verdade da condição é sempre reunião de contrários e que o homem é um ser paradoxal. Seu pensamento é trágico justamente porque assume o “tudo ou nada” que proíbe o abandono da busca de valores e, no entanto, proíbe qualquer ilusão quanto aos resultados alcançados pelo esforço humano.

REFERÊNCIAS

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2. ATTALI, Jacques. Blaise Pascal ou o gênio francês. 1ª edição. Tradução de Ivone Castilho Beneditti; revisão técnica Sérgio Fernando Torres de Freitas. Bauru, São Paulo: EDUSC, 2003, p. 12.

3. De Acordo com Nicola Abbagnano, “o mito da queda, segundo a qual a alma humana teria caído de um estado original e perfeição, no qual contemplava a verdade de frente, na bem-aventurança é exposto em Fedro (248ª ss.) de Platão e repetido por Plotino, por outros Neoplatônicos, pelos gnósticos e pelos Padres da Igreja oriental […] O homem sai das mãos de Deus como criatura livre, ao usar a liberdade provocou a queda e, ao mesmo tempo, a ruina do mundo harmonioso criado por Deus”. (ABBAGNANO, Nicola. Dicionário de Filosofia. 1ª edição brasileira coordenada e revisada por Alfredo Bossi; revisão da tradução e tradução dos novos textos Ivone Castilho Beneditti. 5ª edição. – São Paulo: Martins Fontes, 2007, p. 960).

4. COUPRIE, Alain. “Pensées”, grandeur et misère de l’homme. – Paris: Hatier, 2008, p. 58.

5. GOUHIER, Henry. Blaise Pascal: Conversão e apologética. – São Paulo. Discurso editorial, 2005, p. 17.

6. ROGERS, Ben. Pascal. Elogio do efêmero. – São Paulo: Editora UNESP, 2001.

7. KOLAKOWSKI, Leszek, Sobre o que nos perguntam os grandes filósofos. Civilização brasileira: Rio de Janeiro. 2009, p. 87 (volume II)

8. O termo “paradoxo” tem diversos significados. Para Abbagnano (2007, p. 864), o termo significa “o que é contrário à ‘opinião da maioria’, ou seja, ao sistema de crenças comuns a que se faz referência, ou contrário a princípios considerados sólidos ou proposições científicas”. Mas, segundo Ran-E-Hong “em primeiro lugar, um paradoxo consiste em confrontar dois elementos opostos, mas ambos permanecem simultaneamente verdadeiras. Neste sentido, o termo é sinônimo de “contradições”, título de um dos feixes da Apologia de Pascal em que a palavra “paradoxo” aparece duas vezes. Por outro lado, um paradoxo significa – sentido etimológico – uma opinião contraria ao que é geralmente aceite. Assim, se refere aos tratados retóricos do séc. XVII, em que o paradoxo é definido como uma ‘figura que envolve fazer propostas extraordinárias que parecem à primeira vista, contrárias à inteligência e não são verdadeiras’ […] O primeiro destes dois significados tem sido considerado pela crítica de Pascal, é bastante diferente da segunda” […] (HONG Ran-E. Le paradoxe dans les premières liasses de l’Apologie pascalienne. In: Cahiers de l’Association internationale des études francaises, 1988, n°40. pp. 273-283).

9. PASCAL, Pensamentos. 1ª edição. – São Paulo: Martins Fontes, 2005, p, 47. Laf. 131; Br. 434.

10. ROHDEN, Humberto. Pascal: o homem que apelou da razão para o coração e de Roma para Deus. – 3ª edição. Alvorada Editora e Livraria Ltda., 1981, p. 20.

11. PASAL, 2005, p. 40.

12. VELARDE, Robert. Greatness and Wretchedness: The Usefulness of Pascal’s Anthropological Argument in Apologetics. Christian Research Journal, v. 27, p. 32-40, p. 5.

13. PASCAL, 2005, p. 266. Laf. 613; Bru. 443.

14. PASCAL, 2005, p. 44. Laf. 131; Bru. 434.

15. De acordo com Peter Kreeft, a “miséria ou infelicidade é o oposto de bem-aventurança ou felicidade. Infelicidade é talvez o mais óbvio recurso generalizado da experiência. Foi para Buda, outro cientista profundo e sagaz da alma; sua ‘primeira nobre verdade’ era que ‘para viver é preciso sofrer’; a ‘vida é sofrimento’ […] paradoxalmente este fato de infelicidade é tanto o argumento forte contra a crença em Deus (se existe um Deus todo-poderoso, todo-amoroso como poderia os filhos sofrer assim?) e também o ponto de partida e premissa para o argumento de Pascal para a fé em Deus”. (KREEFT, Peter. Cristianity for modern pagans: Pascal´s Pensées. Edited, Outlined and explained. – San Francisco: Ignautos press, 1993, p. 47).

16. PASCAL, 2005, pp. 89,90. Laf. 210; Bru. 415.

17. Atualmente distinguimos o amor de si e o amor-próprio. Anexando o ser humano para o que é mais pessoal para ele (sua vida em primeiro lugar) o amor de si é considerado como um sentimento natural, normal. O amor-próprio é sinônimo de egoísmo e de susceptibilidade. No séc. XVII não se fez a diferença entre as duas noções tidas como sinónimos. Suas manifestações são diversas e os seus danos são grandes, uma vez que envolve o esquecimento de Deus. (COUPRIE, 2998, p. 75).

18. COUPRIE, 2008, p. 75.

19. FEUILLET, André. História da Salvação da Humanidade: segundo os primeiros capítulos do gênesis. -1ª edição. Edições Loyola. – São Paulo, SP, Brasil, 2000, p. 72.

20. Na esteia de Santo Agostinho, Pascal distingue dois estados de natureza “antes de depois do pecado”. No entanto, é necessário ressaltar em função das possíveis consequências epistemológicas que estes pormenores poderiam trazer – que para o teólogo francês não há duas naturezas, uma antes e outra depois do pecado, mesmo que muitas vezes ele se refira assim em seus textos. Para ele o homem adâmico e pós-adâmico possuem a mesma natureza quantitativa, mas divergem qualitativamente […] (MARTINS, Andrei Venturini. Contingência e imaginação em Blaise Pascal. 2006, p. 110 (Dissertação Mestrado em Ciências da Religião) – Pontifícia Universidade católica de São Paulo, S.P, 2006).

21. Ecrits sur la grâce, 0C, p.317 apud BISCHOFF, Jean-Louis. La dialectique de la misère et de la grandeur chez Blaise Pascal. Editions L’Harmattan, 2001, p. 21.

22. PASCAL. Pensamentos. Tradução Mário Laranjeira. São Paulo: Folha de São Paulo, 2015, p. 8.

23. SCIACCA, Michele Federico. Pascal. Barcelona: Luis Miracle Editor, 1ª edição, 1955, p. 124.

24. MESNARD, Jean. Les Pensées de Pascal. Paris, Sedes, 1993.

25.PASCAL, 2006, p. 110.

26. PASCAL, 1988, p. XX.

27. La Cité de Dieu, XIV, 28 apud PASCAL, 2006, p. 110.

28. ROGERS, 2001, p. 20.

29. PASCAL, 2005, p. 37. Laf. 106; Bru. 403.

30. Ibid., 2005, p. 41. Laf. 118; Bru. 402.

31. PASCAL, Blaise. The thought of Blaise Pascal. Translated from the text of M. Auguste Molinier by C. Kegan Paul. London – Georg Bell and Sons, 1901, p. 44.

32. De acordo com Peter Kreeft, a nossa duplicidade é ela mesma dupla. Primeiro, somos corpo e espírito. Segundo, somos grandes e miseráveis. São Paulo fez a mesma distinção. A distinção entre mente e corpo não é a mesma coisa como a distinção entre espírito e carne. “Carne” não quer dizer “corpo”, mas a alma caída, bem como o corpo. A obra da carne inclui pecados espirituais, assim como a obra do espírito inclui obras de misericórdia do corpo. A distinção que Pascal faz entre miséria e grandeza é parte da distinção entre espírito e carne feita por São Paulo. A miséria é da carne, mas é mais uma questão da alma e da consciência e sentimento do que a matéria do corpo e moléculas. Pascal passa a interpretar os dados da duplicidade; lê-lo como o enigma; é um sinal: o que isso significa? Ele certamente parece significar a queda. É fóssil espiritual, uma pista do passado a partir do qual nós caímos. (KREEFT,1993, p. 60).

33. KREEFT, 1993, pp. 51,52.

34. PASCAL, 2005, p. 279. Laf. 678; Bru. 358.

35. Ibid, p. 42. Laf. 121; Bru. 418.

36. KREEFT, 1993, p. 52.

37. Ibid, p. 53.

38. SUARÈS, André. Trois Hommes, Pascal, Ibsen, Dostoievsky. Éditions de la Nouvelle Revue française, 1913, p. 29.

39. REALE, Giovanni. História da filosofia: de Spinoza a Kant. V. 4. Tradução de Ivo Stomiolo; Revisão de Zolferino Tonon.- São Paulo: Paulus. 2005, p. 180.

40. KELLY, Francis D. Reflexões para festas litúrgicas. Editora Ave-Maria, 2015.

[1] Mestre em Ciência da Religião na Pontifícia Universidade Católica de São Paulo – SP; Pós Graduado (lato senso) em Administração, Supervisão e Orientação Pedagógica e Educacional na Universidade Católica de Petrópolis – RJ; Licenciado em Filosofia para docência na Universidade Pública de Cabo Verde; Curso de Formação de Professores do Ensino Básico Integrado pelo Instituto Pedagógico do Mindelo – Cabo Verde.

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Arlindo Nascimento Rocha

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