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Religião e política: a influência da política no voto do religioso  

RC: 142017
4.155
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DOI: 10.32749/nucleodoconhecimento.com.br/ciencia-da-religiao/religiao-e-politica

CONTEÚDO

ARTIGO ORIGINAL

SILVA, Samuel Antonio da [1]

SILVA, Samuel Antonio da. Religião e política: a influência da política no voto do religioso.  Revista Científica Multidisciplinar Núcleo do Conhecimento. Ano. 08, Ed. 03, Vol. 02, pp. 120-133. Março de 2023. ISSN: 2448-0959, Link de acesso: https://www.nucleodoconhecimento.com.br/ciencia-da-religiao/religiao-e-politica, DOI: 10.32749/nucleodoconhecimento.com.br/ciencia-da-religiao/religiao-e-politica

RESUMO

Nos últimos anos, tem-se observado o estreitamento da relação entre a política e a religião, sob diversas perspectivas. Primeiramente, verifica-se o aumento significativo de religiosos ocupando cargos políticos. As lideranças religiosas, quando ocupam cargos políticos, baseiam seus discursos em certa tradição bíblica, cuja moral separa o certo e o errado, o bem e o mal e, com isso, conquistam o voto dos religiosos. Nesse cenário, o presente artigo tem a finalidade de compreender a relação entre política e religião e como esta influencia os religiosos em suas decisões partidárias. Buscou-se, ainda, através de pesquisa documental, entender quais são os critérios de escolha do candidato por parte dos religiosos, analisando quais são os fatores que os influenciam a fazer a opção política. Utilizou-se, no artigo, a pesquisa bibliográfica, na qual foram buscados e selecionados materiais pertinentes ao tema, de forma embasar teoricamente a discussão proposta. Concluiu-se que, nos últimos anos, houve o crescimento da presença pública de evangélicos no país a partir da entrada na política de candidatos religiosos ou que representavam os interesses religiosos, com fortes nomes como  Anthony Garotinho, evangélico que despontou com práticas sociais no Rio de Janeiro, em 1989,  onde foi governador, em 1999, e candidato à presidência da República, em 2002,  fato que pode ter  influenciado diretamente no voto e predileção dos religiosos a candidatos que os representassem, demonstrando o estreitamento da religião e da política no Brasil.

Palavras-chave: Religião, Política, Voto, Eleições.

1. INTRODUÇÃO

Este artigo tem por objeto a questão do envolvimento da religião na política, mas de uma forma mais direcionada, não como uma temática de interseções e trânsitos entre o espaço religioso político, ou do engajamento de lideranças religiosas (OLIVEIRA JÚNIOR; NERIS, 2022), ou mesmo analisar a política como um campo especializado, limitando a religião apenas ao espaço privado das igrejas, esquecendo que a política não é apenas feita em praças públicas (DULCI, 2018), mas também dentro das escolas e, principalmente, dentro das igrejas, através de um testemunho de uma pessoa que goza de prestígio diante dos participantes das reuniões ou mesmo de uma citação de um líder religioso que abomina ou elogia o ato de um ou outro candidato a um cargo político. A política sempre estará inserida em qualquer contexto humano, pois ela está baseada na pluralidade dos homens (ARENDT, 2018).

A política também faz parte do dia a dia dos religiosos que frequentam as igrejas como fiéis seguidores. O voto é individual, e mesmo não pleiteando uma cadeira como vereador, deputado, senador, ainda assim participam da política ao elegerem um candidato, pois, mesmo com as questões levantadas atualmente de que religiosos não devem se envolver com a política, o simples ato de se deslocar para votar em alguém já o está envolvendo em política, suas predileções quanto a ideologia ou projeto de determinado candidato já diz suas orientações religiosas, e seu voto culminará, possivelmente, na colocação de alguém no status de decisor em questões morais, sociais, econômicas e religiosas.

Este voto tem influências dos líderes religiosos, e um questionamento a ser levantado seria: os líderes religiosos influenciam seus seguidores na escolha política? Desse modo, este trabalho pesquisa, através de uma revisão bibliográfica, esta questão, uma vez que o líder religioso pode se transvestir de uma aura carismática de profeta através do uso do poder simbólico que transforma a visão de mundo das pessoas (BOURDIEU, 2008) e aparenta poder quase mágico diante dos seus seguidores, se apoiando em uma legitimação baseada nas escrituras sagradas, auferida através de uma interpretação pessoal destes textos, com fins de guiá-los em suas decisões.

2. O CENÁRIO DINÂMICO DO CAMPO RELIGIOSO BRASILEIRO

Na contemporaneidade, o mundo da descontinuidade e do absoluto apresenta uma fronte recém-adquirida, cheia de inovações e originalidade. No campo da religião, esta descontinuidade do habitual se tornou mais visível diante dos números apresentados pelas pesquisas sobre os perfis religiosos no mundo e no Brasil (TEIXEIRA e MENEZES, 2013).

Pieper (2019, p. 33) diz que a “religião não é algo natural, mas aparece numa configuração histórica bem precisa, visando atender certas demandas”, categorizando assim, a presença inevitável e indispensável da religião no mundo.

O campo religioso brasileiro, na atualidade, apresenta uma complexidade empírica descomunal, sinalizada pela emergência de novos componentes, inconstantes, que aparecem e desaparecem de uma forma tão célere que não chegam a ser registrados com exatidão. Tem-se o surgimento de componentes do campo religioso brasileiro que despovoam uma posição de subordinação diante da crença de um Brasil predominantemente católico ou ao projeto de um Brasil evangélico e desafiam a realidade dos censos. Além da contradita à identificação dominante do catolicismo no Brasil, tem-se uma polifonia de crenças que não permite qualquer forma de identificação unilateral, passando por religiões, conforme definição de França (2021), de práticas mediúnicas baseadas nos princípios da Doutrina Espírita, de cunho afro-brasileiras e religiões neopentecostais (ISAIA, 2009).

As sociedades contemporâneas são caracterizadas por uma ampla diversidade cultural e religiosa, a qual se configura e se exterioriza na multiplicidade de crenças, ideologias, pensamentos, movimentos e expressões de cunho religioso, bem como sob a forma de diferentes concepções e convicções seculares de vida e de mundo (SIMONI; CECCHETTI, 2021).

O último censo realizado em 2010, realizado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE, demonstrou, à época de sua publicação, resultados no campo religioso que transportavam novos ares de transformação, com traços, conforme percepção de Teixeira e Menezes (2013), de um fluxo de mudanças contínuas em sentidos variáveis. Os números obtidos pelo Instituto sobre as religiões no Brasil demonstravam as alterações nos percentuais na área da religião, e eles foram por demais expressivos. A comparação do Censo de 2002 com o de 2010, trazia uma continuidade da queda do catolicismo, de 73,8% para 64%, ao lado do crescimento dos evangélicos, de 15% para 22,2%. Também houve, neste documento, a apresentação do crescimento dos sem religião, de 7,28% para 8% (TEIXEIRA e MENEZES, 2013).

Sob o mesmo ponto de vista, fica claro, também, através do Censo citado, o crescimento dos sem religião, caracterizados pela sua composição de pessoas de baixa renda, mas que escolhem seus caminhos espirituais, apropriando individualmente da autonomia religiosa, formatando ou declinando das ofertas religiosas tradicionais e, mesmo assim, não se tornando fundamentalistas e nem se excluindo do contexto religioso (GUERRA, 2014).

Através das pesquisas do IBGE, também se visualizou o deslocamento dos indivíduos de seus antigos laços religiosos, por vezes, influenciados anteriormente pela vida comunal e familiar, para outros mais acolhedores, desencadeando um processo de desfiliação das pertenças religiosas tradicionais e trazendo à superfície social novas formas de ver e professar a fé que até então não era aceitável (TEIXEIRA e MENEZES, 2013).

Neste contexto pós-moderno, no qual  surgiram novas identidades que fragmentaram o indivíduo e, ao mesmo tempo, ocuparam o espaço das antigas identidades que mantinham as formas paradigmáticas e que estabilizavam os conceitos do mundo social, as estruturas e processos sociais foram fortemente abalados e as referências que davam suporte ao tradicional foram desagregadas, e os religiosos foram, também, abraçando e entrelaçando campos até então não muito aceito no mundo cristão com fins de se manterem vivos diante de tanta diversidade e demandas por um direcionamento moral e tradicional (HALL, 2006).

Um destes campos que atualmente é objeto de discussão nos meios acadêmicos seria a inserção cada vez maior de representantes e líderes religiosos na política brasileira, assumindo posições de poder e destaque, difundindo seus pontos de vistas morais e religiosos e, ao mesmo tempo, cobrando respeito às suas crenças religiosas.

3. A RELIGIÃO NO CAMPO POLÍTICO

No Brasil, a presença de religiosos na política vem se expandindo nas últimas décadas, aumentando o interesse de uma classe brasileira que até então era avessa a assuntos atinentes à administração pública. Assim, para se entender o Brasil contemporâneo com suas injunções e transformações radicais no campo político, o ideal é se voltar para as mudanças ocorridas nos anos de 1980, quando, na visão de Pleyers (2020, p. 2), ocorreram o caminhar de dois processos concomitantes:

[…] por um lado, o declínio da influência dos católicos progressistas, os quais foram terreno fértil para organizações e movimentos progressistas que transformaram o Brasil nos anos 2000; por outro, a influência política, social e cultural crescente das correntes religiosas conservadoras e, em particular, das igrejas neopentecostais.

Esse último é um movimento que mundializa a manifestação temporal e espacial da ação do Espírito Santo, se abrindo, na perspectiva de Magliano Filho e Barreira (2020, p.), para novas formas de se vivenciar os movimentos religiosos anteriores do pentecostalismo, que eram “em grande parte presos ao fardo do tradicionalismo teológico, litúrgico, estético e evangelístico desta religião outsider em solo nacional”.

Os seguidores religiosos passaram a ser, conforme Nascimento (2018, p. 23), “peças-chaves nestas disputas, principalmente as pentecostais e neopentecostais”. Um dos acontecimentos mais notórios foi a candidatura do evangélico Anthony garotinho à presidência da república em 2002 e nos anos de 2010 e 2014, época em que as questões deontológicas estavam sendo discutidas na esfera pública acompanhada de um olhar crítico, por parte dos juristas, sobre a lidimidade da atuação dos religiosos no campo político e a situação do descomedimento do uso de poder nas campanhas eleitorais da época.

As articulações dos agentes representantes das religiões universais também foram observadas nas eleições de 2014, principalmente as candidaturas de evangélicos. O número subiu de 193, em 2010, para 270 neste pleito, um aumento de 40%. Como termo de comparação, somente 16 padres católicos são candidatos em todo o País. A bancada evangélica projeta um crescimento de 30%, podendo chegar a 95 deputados federais e senadores. Atualmente, ela conta com 73 congressistas, de acordo com o Departamento Intersindical de Assessoria Parlamentar (GUIDOTTI, 2015).

A presença dos religiosos na política cresceu em número, atingindo vários segmentos do setor público, como as câmaras municipais, as assembleias legislativas dos estados e até mesmo o Congresso Nacional, em Brasília, órgão constitucional federal responsável por elaborar leis e aprová-las como sua função de poder legislador, o que, consequentemente, gerou uma aproximação entre os políticos religiosos e a direção de suas denominações, procurando, conforme o fortalecimento dos credos, aprofundamento da consciência religiosa “onde os parlamentares possam se reunir para rezar, fortalecer a sua vida espiritual e aprofundar a sua consciência e seu conhecimento sobre o compromisso político do cristão” (ORO, 2011, p. 388 apud CHEUICHE, 2001, p. 5).

Com esta crescente e expressiva introdução de representantes religiosos na esfera pública, principalmente dos pertencentes às igrejas pentecostais, tomaram posse de cadeiras políticas, em 1986, apenas 18 (dezoito) candidatos, iniciando a chamada bancada evangélica, não sendo esses eleitos membros da tradicional elite política brasileira, mas políticos eleitos utilizando a base e conexões das igrejas, buscando representar os interesses religiosos através de apoio nas eleições.  Em 1990, esta bancada chegou a ter um bloco pluripartidário composto de 33 parlamentares, 22 deles sendo pentecostais (KINGSTONE, 2000).

Conforme Oro (2011), esse bloco se mantém até os dias atuais, e seu número tem oscilado ao longo dos anos. Em 1990, eram 22 deputados, sendo 19 pentecostais; em 1998, 53 deputados; em 2002, 69 deputados, sendo a maioria pentecostal, com destaque para a Assembleia de Deus (23 deputados) e a Universal (22 deputados); em 2006, 42 deputados; e em 2010, 63 deputados evangélicos. Desta forma, longe se está do tempo em que prevalecia, neste meio religioso, o ditado de que “crente não se mete em política”.

Mais recentemente, exemplificando a presença religiosa na esfera política, tem-se que, nas eleições de 2010, uma das pautas principais foi a questão do aborto e de outros temas em que as grandes religiões do Brasil se negam a posicionarem-se de outro modo a não ser de maneira tradicional – temas que integraram, de modo manifesto, o segundo turno da eleição presidencial (GUIDOTTI, 2015).

4. A INDIVIDUALIZAÇÃO DO VOTO E A RELIGIÃO

Muito se tem falado em bancada evangélica, mas o papel do religioso individualizado, com suas preocupações e anseios, que, muitas vezes, não são representados por políticos, não é explicitado nos trabalhos acadêmicos atuais. A religião e a política sempre andaram juntas, a história confirma isto, e Smith (2020) já falava que “existe algo político em jogo em nossa adoração e algo religioso em jogo em nossa política. No entanto, mesmo assim, fomos feitos para a vida em comum; somos, conforme disse Aristóteles, animais políticos”, o que expressa uma indivisibilidade do ser humano e deste mesmo ser humano religioso diante de suas decisões em seu convívio social, não podendo deixar de lado o ser religioso do ser social.

Bahnsen (2016) levanta a questão de que existe um apelo para que os cristãos sejam neutros em sua forma de pensar, e isto atinge o cerne da fé e fidelidade ao Deus desses. Professores e pesquisadores de campos acadêmicos como História, Ciências, Literatura, Filosofia, entre outros,  ao buscarem uma exigência por parte deles mesmos, e dos religiosos, de uma posição neutra, uma atitude não comprometida com a verdade bíblica como uma forma de honestidade pessoal, confrontam com a ideia de poder separarem os compromissos religiosos dos compromissos das áreas que atuam, e isso se torna uma situação em que são cristãos até um certo limite, e, depois disto, devido à exigência social e profissional, se tornam surdos diante dos livros sagrados ao proclamarem outras verdades.

Mas no caso da política, no qual ser político é uma condição humana, Volf (2017) fala que a política está intimamente ligada à ética e a vida social, ao representar como a realização do ser humano como humano é determinada, por sua vez, pela política, o que faz as pessoas estabelecerem bases para o processo de educação.

As pessoas têm uma ideia das igrejas como um domínio feudal, com uma individualização extrema e arredia ao associativismo, que, segundo Cavalcante (2002), causa uma deturpação da história da ética protestante. O autor também cita que, com a presença dos evangélicos na política, se vê uma individualidade na atuação, apresentada por um despreparo ético, descompromisso com a comunidade de fé que os elegeram, perdendo, assim, uma identidade própria, de apresentação de projetos alternativos, seguindo as ideias dos líderes partidários e ideologias tanto da direita quanto da esquerda.

O desenvolver da política no meio social baseia-se nas diferenças encontradas no pensamento plural, advindas do raciocinar humano, e mesmo sendo o homem criado por Deus, “ele ainda é mundano e um produto da natureza humana”, afirma Arendt (2018, p.). Sendo um produto da natureza humana, ele é passível de ser estudado, e é o que acontece, segundo a autora, porquanto a “a filosofia e a teologia sempre se ocupam do homem, e todas as suas afirmações seriam corretas mesmo se houvesse apenas um homem, ou apenas dois homens, ou apenas homens idênticos” (ARENDT, 2018), o que não ocorre com a política, não havendo uma resposta filosoficamente correta e última sobre o que vem a ser “política”. A autora continua a desfiar seus pensamentos, citando que “o pensamento científico existe apenas no homem”. (ARENDT, 2018)

Sendo o compromisso religioso, para grande número de pessoas, baseado em seu convencimento sobre questões públicas envolvendo fundamentos religiosos, qualquer que seja a religião ou o texto religioso seguido, seja o Antigo e o Novo Testamento ou no Alcorão, elas enxergam a política como uma extensão de suas crenças pessoais, e não se sentirão livres e seguras psicologicamente e espiritualmente se a elas não for permitido ter a moralidade e argumentos religiosos em debates públicos, pois as leis e normas criadas afetarão enormemente sua forma de viver no meio social e no grupo religioso a que pertencem (VOLF, 2018).

Ainda, Volf (2018) explana que quando “a religião deixa a esfera pública ou dela é expulsa, a esfera pública não fica vazia. Pelo contrário, ela é tomada por um fenômeno difuso chamado secularismo”, um conceito que abrange um conjunto de argumentos de verdades selecionadas e que provém de uma tradição mercadológica e das ciências duras, sendo que o primeiro procura reforçar a preferência pessoal como valor de maior monta, e as ciências duras, as justificativas que se pautam em causalidades mundanas como verdades a serem seguidas.

Freston (2022) cita que os evangélicos dentro de suas comunidades devem atentar, sim, para as questões sociais e, dentro dos limites religiosos, se abrirem para temas como a moralidade pública e a forma de apoiar os candidatos políticos, para que tenham observadas, pelo poder público, as reivindicações a respeito dos trâmites na esfera burocrática, a votação de medidas que podem ter o teor discriminatório e, enfim, aquelas situações que envolvem as questões religiosas tradicionais, como a disseminação de templos, assuntos atinentes a família, defesa da vida e moralidade.

Mas, ao mesmo tempo, existe a preocupação sobre os políticos que criam vínculos com comunidades religiosas angariando votos através de falas a respeito da defesa da família e, no momento do voto, adotam uma linha diversa de suas promessas anteriores e votam projetos que destroem a base familiar estável, questões empregatícias. Então, necessita-se de uma melhor educação para as comunidades religiosas sobre a diferenciação entre questões morais religiosas e legislação, fatos e atos que se fazem presentes e de grande valor para o bom encaminhamento de um trabalho político ou na escolha de alguém que representará tal comunidade no meio político na criação de leis que a afetará (FRESTON, 2022).

5. O QUE INFLUENCIA UM RELIGIOSO CRISTÃO EM SUAS DECISÕES POLÍTICAS?

Kuyper (2020), em sua época, já deixava claro a sua preocupação em como os cristãos deveriam agir diante das questões sociais daquele momento. Falava que os cristãos de outros países já estavam preocupados em entender sua parcela de responsabilidade diante da situação, e pedia para que os religiosos procurassem lembrar do surgimento de diversos movimentos, como o surgimento do Partido Trabalhista Cristão (Christliche Arbeiterpartei), no círculo do conde Von Waldersee, em Berlim, dos Socialistas Cristãos (Christian Socialists), que foram inspirados por Maurice e Kingsley, e da Sociedade Cristã Suíça com vistas à economia social (Société Chrétienne suisse, pour l’économie social).

Com isto, este autor buscava infundir nos fiéis o alargamento do entendimento da função do cristianismo nas questões sociais da época, o que estaria estreitamente ligado à política.

O religioso cristão, ao estar sob influência das teologias que as denominações abraçam e das falas de autoridades eclesiásticas, e ao tomarem estas teologias como verdades, as levam   para sua vida e convívio entre pares.  Sendo a Bíblia o texto que baliza a construção de influência, para a maioria dos religiosos, as falas das autoridades religiosas são carreadas de verdade, e, conforme a Declaração do Concílio Internacional de Inerrância Bíblica, datada de 1978, “as Escrituras não possuem erro nem falha em tudo o que ensinam […]” (RYRIE, 2018, p. 136), dessa forma, deixa transparecer a todos os religiosos uma visão de que os textos bíblicos não possuem erros ou equívocos, é uma visão bíblica religiosa, que necessita de fé e crença no absolutismo dos textos sagrados, e não se pautar em  busca racional dos textos religiosos.

Uma corrente de pensamento que tomou conta do Brasil décadas atrás e agora retorna com força maior é a teologia da libertação, que foi uma das vertentes mais poderosas da América Latina, com suas preocupações com a situação social dos grupos menos favorecidos, fornecendo fundamentação teológica às lutas políticas e utilizando do comprometimento dos líderes comunitários (SARZÊDAS, 2002).

Este tipo de teologia veio como um protesto enérgico diante das desigualdades sociais em seus diversos níveis, sejam sociais, humanísticas ou religiosas, pois essas desigualdades, segundo os seguidores dessa corrente de pensamento, negam a dignidade humana e contrariam os desígnios do criador (BOFF; BOFF, 2001).

Também se conta com a preocupação da Igreja Católica referente à participação dos seus fiéis em empreendimentos comuns, como se pode notar na Constituição Pastoral Gaudium et Spes, promulgada pelo Papa Paulo VI no dia 07 de Dezembro de 1965, na 9º sessão solene do Concílio Vaticano II, ao se preocupar com as novas circunstâncias que afetam a vida religiosa e com afastamento das pessoas da religião. No capítulo II, subtítulo “Responsabilidade e participação social”, incita aos religiosos uma maior adesão às causas sociais, à busca de formação educacional, uma das formas de combater a desigualdade social, por que o “[…] homem cai em extrema miséria, e degrada-se quando ele, cedendo às demasiadas facilidades da vida, se fecha numa espécie de solidão dourada” (VATICANO, 1965, online), e o serviço comunal o tira desta situação:

 Deve, por isso, estimular-se em todos a vontade de tomar parte nos empreendimentos comuns. E é de louvar o modo de agir das nações em que a maior parte dos cidadãos participa, com verdadeira liberdade,  nos assuntos públicos. É preciso, porém, ter sempre em conta a situação real de cada povo e o necessário vigor da autoridade pública. Mas para que todos os cidadãos se sintam inclinados a participar na vida dos vários grupos de que se forma o corpo social, é necessário que encontrem nesses grupos bens que os atraiam e os predisponham ao serviço dos outros (VATICANO, 1965, online).

Assim, este texto leva a pensar sobre a forma de que cada ser humano deve conceber sua existência. Ao gozar de autonomia e direitos sociais, deve haver uma preocupação com as normas e leis que regem a sociedade, para que estas gerem condições de vida satisfatórias às pessoas.

Como um modelo perante os católicos, tem-se a liderança do Papa Francisco, no que diz respeito a sua visão eco humanizadora sobre uma nova ordem global diante das crises econômica, ecológica, política e sanitária, e com o pensamento voltado para um novo- humanismo, que, “nos planos religioso, social, cultural, ambiental e geopolítico, visam a enfrentar a xenofobia, a exclusão social, os nacionalismos, os populismos e os totalitarismos que ressurgem em várias partes do mundo na atualidade […]” (GUIMARÃES et al., 2022).

O Papa Francisco deixa muito clara a sua visão sobre o humanismo e a política ao relatar, na Carta Encíclica Laudato Si’, sua preocupação com o uso irresponsável e abusivo dos bens naturais, que também, segundo esta carta, foi preocupação dos papas anteriores, pedindo aos líderes um debate honesto e com lisura sobre a grave situação e a responsabilidade da política internacional e local para minorar os danos tantos sociais quantos ecológicos (SCUDELER, 2014).

Na carta Exortação Apostólica Evangelii Gaudium, novamente, ele cita a questão política ao citar que “os excluídos veem crescer este câncer social que é a corrupção profundamente radicada em muitos países – nos seus Governos, empresários e instituições – seja qual for a ideologia política dos governantes” (VATICANO, 2013, online), pois é visível, na maioria dos governos, principalmente da América Latina, um certo desprezo pelas minorias, sendo estas massas de manobras para seus atos políticos e arrebanho de riquezas.

As igrejas evangélicas assumem, também, um papel social além dos preceitos bíblicos ao assumirem cargos políticos para as defesas de suas crenças, deixando de lado o posicionamento de se absterem do campo político, tendo como exemplo a Igreja Universal, através de movimentos como o Fórum Universitário, organização de manifestações de rua que prepara os jovens para agirem na esfera pública, tendo dois projetos distintos, mas com enlaces que se complementam: a religião e política, onde se educam os jovens para as questões sociais mais abrangentes e uma perpetuação da moral religiosa (HILÁRIO, 2016).

A Igreja Metodista (2019) deixa claro, também, o papel das pessoas no campo social, ao citar, em seus Cânones da Igreja Metodista, na parte referente à ordem político-social e econômica, a questão de a comunidade, a ordem econômica, advindas das atividades produtivas e comerciais, e a ordem política serem expressos da ordem da criação divina. O documento cita que “o Estado é exigência básica, não só para a defesa da vida e liberdade do ser humano, mas para a promoção do bem-comum mediante o desenvolvimento da justiça e da paz na ordem social” (IGREJA METODISTA, 2019), tendo o ser humano o dever de administrar os recursos lhes fornecidos por Deus, e que, para uma atuação para modificação da sociedade, seria a participação na elaboração de políticas públicas mais justas para todos.

Desta forma, os religiosos estão sempre próximos a ideias e percepções da situação social, econômica e política do país, e se torna quase impossível não se envolver em questões políticas, ainda mais tendo seus líderes com posições políticas sólidas. Somado a isso, tem-se, ainda, uma complexidade empírica descomunal do campo religioso brasileiro na atualidade, sinalizada pela emergência de novos componentes, inconstantes, que aparecem e desaparecem de uma forma tão célere que não se chegam a ser registrados com exatidão (ISAIA, 2009). Ainda, quanto a questão do pluralismo, os cientistas das religiões, ao se aprofundarem no campo das igrejas e movimentos religiosos cristãos, descobriram que há um crescimento imenso de grupos religiosos, o que ocasionou uma grande gama de denominações, que se inclinam e absorvem conhecimentos até então tidos como profanos, elementos mágicos e místicos, advindos da matriz religiosa brasileira e de sua cultura, agregando ao seu modelo de origem, criando uma maneira de captar os fiéis que se identificam com seus preceitos (RIBEIRO, 2015).

Neste emaranhado de informações, se encontra o ser humano, religioso ou não, passível de se influenciar com as ideias de outros, se alimentando de várias fontes de informações e, com isto, decidindo como se portará diante da política brasileira, filtrando suas decisões em seus hábitos sociais, religiosos e, muitas, vezes buscando confirmação de suas opiniões pessoais.

6. CONCLUSÃO

Pelo exposto, foi possível concluir que, no âmbito político, é possível observar, atualmente, um momento de expressão pública do religioso, fenômeno que tem chamado a atenção de pesquisadores brasileiros, principalmente no que diz respeito aos impactos da religião sobre o comportamento eleitoral dos indivíduos.

Observou-se que a diversidade cultural e religiosa que caracteriza a sociedade brasileira manifesta-se em todos os espaços socioculturais, por meio de uma significativa variedade de sentidos, significados, princípios, valores e outros referenciais simbólicos utilizados pelos sujeitos para lidar com os acontecimentos da vida cotidiana.

Com isso, vê-se uma aproximação cada vez maior entre a religião e a política, tendo em vista que religiosos passam a ocupar cargos políticos e levar para esse âmbito as suas ideologias e crenças, inclusive por meio de discursos. Exemplo disso é a presença dos evangélicos na política, a qual cresceu de maneira expressiva nos últimos anos. Com uma agenda conservadora, e baseando-se em conceitos bíblicos, ganharam significativo espaço em todas as esferas (federal, estadual e municipal).

Assim, a vinculação do discurso religioso na política passou a ser uma característica marcante das últimas eleições,  tornando-se, assim, patente o impacto  e a importância dos votos dos fiéis, neste caso, especificamente o dos evangélicos, por estes estarem, na atualidade, defendendo com mais veemência seus preceitos de fé perante  a sociedade, buscando apoio em diversas esferas públicas, principalmente a política, por esta possuir o poder de criar e modernizar leis que os atingiriam, o que causa aos candidatos políticos uma maior preocupação em seus projetos apresentados.

Estes projetos, se não se ajustarem minimamente ao pretendido pelos evangélicos, podem causar uma possível perda de votos preciosos que os elegeriam. Então, há uma modificação dos discursos apresentados, mesmo que sejam discursos, muitas vezes,  somente com  apelo religioso, falas e práticas populistas, mas que culminam em seu objetivo, que seria a atração do  apoio dos religiosos  para os postulantes a uma cadeira política, e esse discurso, entre outros aspectos aos quais as pessoas estão sujeitas, tem o poder de influenciar diretamente o voto do religioso, tendo em vista que suas concepções e crenças estarão sendo defendidas e apoiadas pelos representantes do poder público.

REFERÊNCIAS

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[1] Mestrando, pós-graduação, graduação, tecnólogo. ORCID: 0000-0002-3098-2709. CURRÍCULO LATTES: http://lattes.cnpq.br/7313312464396378.

Enviado: 30 de Janeiro, 2023.

Aprovado: 03 de Março, 2023.

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Samuel Antonio da Silva

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